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A judicialização do direito à saúde

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4 CONCLUSÃO

O direito à saúde é um direito fundamental social, inserido no art. 6º e no art. 196, ambos da Constituição Federal de 1988. É inerente a todo ser humano, e em observância ao principio da dignidade da pessoa humana apresenta caráter prestacional, sendo efetivado mediante prestações positivas do Estado, por meio da implantação e execução de políticas públicas em saúde.

Por ser direito público subjetivo, o direito à saúde é exigível, uma vez que exprime determinada situação de vantagem do indivíduo em relação ao Estado, ou seja, é direito subjetivo oponível, de aplicação imediata, afastando-se sua programaticidade.

Com a implantação do Sistema Único de Saúde – SUS por meio da Lei 8.080/90, as ações e serviços de saúde passaram a integrar uma rede regionalizada e hierarquizada, tendo como objetivos a redução do risco de doença e de outros agravos, visando à promoção, proteção e recuperação da saúde de forma integral.

De acordo com os princípios da integralidade e da universalidade, este preceitua que as ações e serviços do SUS serão ofertados a toda população indistintamente, com o fito de atingir o maior número de usuários possível, sendo o acesso realizado de forma igualitária com vistas à equidade no sistema. Aquele, por sua vez, pressupõe que tais ações e serviços serão oferecidos de forma integral, desde o nível de menor até a maior complexidade, de forma hierarquizada.

Apesar de ser dever do Estado implementar e executar os serviços públicos em saúde, o fato é que, quando este não cumpre com suas obrigações, os usuários não veem outra alternativa senão o ingresso na via judicial para terem seus pedidos concedidos pela justiça, fato que ficou conhecido como Judicialização ou justiciabilidade do direito à saúde e que tem aumentado significativamente nos últimos anos.

No entanto, em grande parte das demandas judiciais que a administração pública é compelida, os pedidos versam sobre medicamentos, tratamentos, entre outros, que ainda sequer foram contemplados pelo SUS, ou cuja efetividade ainda não houve comprovação pelos órgãos competentes.

Na prática, o que se vê é que as demandas judiciais que versam sobre o direito à saúde são prontamente atendidas pelo Poder Judiciário, sem a necessária observação acerca de critérios inerentes às políticas públicas em saúde, principalmente no que concerne aos princípios balizadores do SUS, a universalidade e a integralidade do sistema.

A judicialização indiscriminada da saúde, da forma como vem ocorrendo, retira todos os anos milhões de reais do orçamento da administração pública, o que impossibilita, por exemplo, a própria implementação das políticas públicas que já integram o Sistema Único de Saúde.

Além disso, como os recursos existentes devem beneficiar todas as necessidades dos cidadãos, como por exemplo, educação, moradia e segurança, o pressuposto da escassez de recursos e da reserva do possível deve ser observado no julgamento das lides que versam sobre prestações sanitárias, com o intuito de possibilitar a equidade no sistema.

O Poder Judiciário, ao dizer o direito ao caso concreto, não vislumbra a amplitude que uma política pública apresenta, ou seja, o judiciário está apto a promover a microjustiça e não a macrojustiça, e isso, no caso da saúde, acarreta sérias consequências em relação ao universo de usuários que precisam ser atendidos pelo SUS.

É fato, portanto, que as “escolhas políticas” devem ser responsabilidade da administração, visto que é o Poder Executivo que detém as melhores condições de implantar e promover as políticas públicas em saúde.  Esta ingerência do Poder Judiciário é uma afronta ao princípio da separação dos poderes e ocasiona a desorganização na própria administração.

Como as demandas judiciais são prontamente atendidas, os pedidos são, em sua maioria, objetos de dispensa de licitação, indo de encontro aos princípios da legalidade e eficiência da administração, desperdiçando os já escassos recursos orçamentários.

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Contudo, não se pode negar que, em certas ocasiões, é a própria administração pública que não concretiza o direito à saúde, ou seja, não cumpre com as devidas prestações que já integram as políticas de saúde e, neste caso, o ingresso na via judicial é plenamente cabível. Não obstante, ao Estado cabe a obrigação de rever e modernizar suas próprias políticas em saúde, com a finalidade de propiciar a todos os cidadãos serviços que contemplem a promoção, proteção e recuperação da saúde de forma integral.

É fato que o próprio Poder Judiciário não se sente capaz de, sozinho, analisar as demandas em saúde postas a julgamento, tamanha complexidade que estas apresentam. O próprio Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estabeleceu que os tribunais deveriam adotar medidas com a finalidade de subsidiar as decisões dos magistrados e assim, reduzir a judicialização do direito à saúde.

De fato, um grande passo foi dado com implantação dos Núcleos de Assessoria Técnica, uma vez que se espera que as demandas sejam mais bem analisadas e, com isso, o direito à saúde possa ser implementado em seu aspecto universal e igualitário e não somente àqueles que possuem o acesso à justiça.

A participação da comunidade, por meio dos Conselhos de Saúde, também pode contribuir para a redução da judicialização do direito à saúde, na medida em que os conselhos são órgãos consultivos e deliberativos e ainda atuam na conscientização da sociedade acerca das políticas em saúde existentes, proporcionando a verdadeira democracia sanitária.

Os conselhos ainda devem atuar como entidades fiscalizadoras das políticas públicas, garantindo que os recursos disponíveis sejam devidamente aplicados, com a finalidade proporcionar aos usuários a concretização do direito à saúde.

Neste sentido, a redução da judicialização do direito à saúde encontra-se condicionada a uma necessária e criteriosa ponderação acerca dos princípios da universalidade e integralidade, dos pressupostos da escassez de recursos e da reserva do possível, do princípio da separação dos poderes e, claro, da necessidade da própria administração pública rever e atualizar constantemente as políticas de saúde, tendo por finalidade promover, proteger e recuperar a saúde dos cidadãos de forma efetiva e integral.


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Notas

[1]              Apelação Cível nº. 70014801005, Tribunal de Justiça. Quarta Câmara Cível. Rio Grande do Sul, Relator: Des. Araken de Assis, julgado em 31 mai. 2006.

[2]           Suspensão de Tutela Antecipada nº. 71. Supremo Tribunal Federal, Rel: Min. Presidente Ellen Gracie. Julgado em 25 ago. 2006.

[3]           ibid.

[4]           ibid.

[5]           Recurso Especial 267612 RS. Supremo Tribunal Federal. Rel: Min. Celso de Mello, julgado em: 02 ago. 2000.

[6]           ibid.

[7]           Apelação Cível nº. 70013398169. Tribunal de Justiça. Quarta Câmara Cível. Rio Grande do Sul, Relator: Des. Araken de Assis. Julgado em: 21 dez. 2005.

Sobre os autores
Wagner José Elias Carmo

Advogado, Pós-Graduado stricto sensu em Mestrado Profissional em Tecnologia Ambiental, Pós-Graduado em Direito de Estado, Professor da Faculdades Integradas de Aracruz.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARMO, Wagner José Elias; MONTOVANI, Samuel Torezani. A judicialização do direito à saúde . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3985, 30 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29028. Acesso em: 24 nov. 2024.

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