Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Mulheres no cárcere.

Os presos que menstruam

Exibindo página 2 de 3
Agenda 13/12/2016 às 14:46

Maternidade na penitenciária.

A maternidade na prisão tem destacado discussões tardias sobre questões de infraestrutura e de saúde. Embora haja questionamentos sobre as condições precárias na qual são submetidas as gestantes e, consequentemente, seus bebês no ambiente prisional, isso não tem gerado muita polêmica, nem maior pressão sobre o Estado em relação  ao descaso que vem sendo tolerado durante tanto tempo.

Depoimentos vêm sido recolhidos ao longo da história, demonstrando em palavras e em cenas como é a precariedade oferecida às mulheres gestantes e as que vivem com seus bebês dentro do sistema prisional. Nana Queiroz descreveu e denunciou a condição de várias mulheres que vivem na necessidade, precariedade e falta de higiene, quando na verdade, deveriam ter maior proteção.

Um desses casos foi relado por Glicéria Tupinambá, uma indígena presa com seu filho Eru de, aproximadamente, dois meses de vida em uma Unidade Prisional mista em Ilhéus. De acordo com a Constituição Federal, em seu art. 5º, L, conjuntamente com a Lei de Execução Penal (modificada pela Lei 11.942, de 28 de maio de 2009), em seu art.2º, §2º, ficou estabelecido o direito da mãe de amamentar seu filho até os seis meses de vida, fato que garantiu com que Glicéria permanecesse com seu filho. No entanto, devido ao ambiente precário e ao estresse – por conda da superlotação na cela e ausência de berçário – a amamentação teve de ser interrompida, pois o leite havia empedrado, o que causou infecção no seio de Glicéria, que não foi levada ao médico.

Fora o descaso com a mãe, houve descaso com seu filho, pois a unidade não o amparou nem ofereceu condições mínimas de sobrevivência, pois uma vez impossibilitada de amamentar a criança não teve opções alternativas para fazê-lo. O Estado mais uma vez, não cumpriu com seu dever protetor, e foi por meio de arrecadação de leite e mamadeira, organizada pelas próprias presidiárias é que a Glicéria conseguiu alimentar e garantir a vida de seu filho.

Tal caso vem a nos questionar sobre a real atuação do Estado no Sistema Carcerário. Tal sistema parece ser imune aos ditames da Constituição Federal e dos Tratados Internacionais aos quais o país é signatário, vez que as condições de infraestrutura, saúde e segurança oferecidos às mulheres reclusas são totalmente contrárias ao que é garantido em Lei. E mais, segundo o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069, de 13 de julho de 1990) conjuntamente com o art. 227 da Constituição Federal, fica garantida a proteção integral à criança e ao adolescente, ao direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade de convivência familiar e comunitária, além de garantir que fiquem a salvo de qualquer negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Em um pequeno documentário, feito pela Pastoral Carcerária, é explicitada a situação dessas mulheres que vivem em cárcere juntamente com seus bebês, e quando não, na espera de concebê-los sem qualquer assistência. Sem berçários para auxiliá-las ou oferecer melhores condições para as crianças, as detentas têm que dormir no chão sobre um colchão sujo e repleto de mofos por contada unidade da cela. Têm que dar banho em seus filhos em pias ou tanques, com água fria – armazenada em tanques ou baldes plásticos – pois o abastecimento de água é de tempo determinado e sem aquecimento. O local onde os bebês tomam banho é de uso comum a todas as detentas, sem higiene, ventilação ou iluminação devidas, as paredes são úmidas e, também, com mofos devido à unidade ali concentrada. 

Com base nos dados do INFOPEN, de 102 unidades femininas no Brasil, 49 (48%) delas não possuem berçário, apenas 33 (32%) dessas unidades possuem estrutura para abrigar uma mãe detenta e seu bebê. Diferentemente das unidades mistas, que de um total de 236 unidades, apenas 8 (3%) delas tem estrutura para receber crianças. E mesmo nesses locais, há superlotação nos berçários, a ponto de – mãe e bebê – terem de se acomodar no chão.

Esses dados confirmam, que embora haja o comprometimento público do Estado para garantir os direitos básicos de todos, alguns ficam de fora. E a pergunta que fica é: por quê? Talvez seja a pressão social ao disseminarem que bandido merece o mínimo para sobreviver, já que roubou, matou, sequestrou ou traficou. Ou então, é o descaso dos operadores do Direito ao não impedirem que direitos fossem desrespeitados, que violências fossem silenciadas. De qualquer forma, a obrigação do Estado brasileiro permanece a mesma, embora contradições em suas atuações tenham tomado cada vez mais vulto.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Obviamente, agressão à mulher gestante não é apenas dentro das unidades prisionais, limitando-se à discrição do ambiente no qual quase ninguém se importa em denunciar, como também por policiais e em Sistemas Públicos de Saúde. Nana Queiroz descreveu a experiência apavorante de Gardênia, que foi presa com a gestação avançada, e que por conta do estresse e más condições sofreu antecipação de parto.

De acordo com a autora, a detenta somente foi encaminhada a um hospital, depois de muito esperar uma viatura policial disponível para levá-la. Nem um dia após a cesariana, Gardênia foi enviada à unidade prisional, e por conta da superlotação no berçário teve que dormir no chão com sua filha recém-nascida, se submetendo a condições precárias e convivendo com a possibilidade de contrair infecções ou doenças.

Gardênia foi uma das muitas mulheres algemadas durante o parto. Uma das muitas que foram sujeitas às inegáveis sensações de humilhação, aflição e desconforto, diante do cruel, desumano e degradante uso de algemas durante o seu trabalho de parto. É inegável que o uso de tal instrumento lesiona não somente a honra como também a intimidade da mulher, sendo um desrespeito à Constituição Federal e aos Direitos Humanos, uma vez que é vedado na Carta Magna o tratamento cruel e degradante (art.5º, III e XLIX da Constituição Federal), e segundo às Regras de Bankok (Regras das Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras – em seu art. 9º), estabelece-se que a mulher gestante e detenta deve ser considerada fonte primária ou única da criança, devendo ser respeitada.

Vale dizer que, após diversos casos de abuso de autoridades policiais e humilhações sofridas, recentemente, o Presidente Michel Temer promulgou, no dia 27 de setembro deste ano (2016) o Decreto 8.858/16, que determina a proibição do uso de algemas durante o trabalho de parto e o período subsequente de sua internação em estabelecimento de saúde, permitindo seu uso restritivamente a situações de risco de fuga ou de perigo à integridade física do preso ou de terceiros.

Embora fique evidente que o uso de algemas é um retrocesso quanto aos direitos fundamentais da pessoa, há inúmeros casos de abusos de agentes penitenciários, policiais, promotores e juízes, que precisariam de responsabilização pessoal, fato que não ocorre e que não é garantido pelo Decreto 8.858/16 nem pela Súmula Vinculante nº 11 – que já havia sido aprovada pelo STJ em 13 de agosto de 2008 – deixando imunes os principais responsáveis pelas agressões ou, quando não, pelas omissões relativas às denúncias efetuadas acerca do uso abusivo das algemas.

As medidas definidas nos deixam a esperança de que a dignidade dessas mulheres seja respeitada independentemente do crime cometido, mas demonstra o lento avanço para o entendimento de que o uso de algemas não é apenas abusivo e humilhante, é uma forma de tortura para com a mulher gestante, e que de acordo com os ditames da Constituição Federal (art. 5º, III, XLII e XLIX) conjuntamente com o Código Penal (art. 38 e art. 350), aqueles que incidem em práticas de tortura e de abuso devem ser punidos, para garantir, efetivamente, a proteção à dignidade, segurança e saúde da mulher.


Visitas íntimas e homossexualismo.

A visita íntima é permitida desde 1984, ano de promulgação da LEP. Em seu art. 41, X, ficou estabelecido o direito do preso à visita do cônjuge, da companheira, de parente e amigos em dias determinados, especificamente, em visitas semanais com a entrada limitada de duas pessoas, sem contar as crianças (art.52, III).

Em presídios masculinos entendeu-se que a visita do cônjuge pressupõe a continuidade da vida sexual do preso, mesmo porque serviria como medida eficiente para conter os “instintos naturais masculinos”. E, embora no texto legal não se fale em benefício de determinado gênero, estabeleceu-se, de maneira sorrateira e discreta, que esse direito seria aplicado apenas aos “condenados e presos provisórios” homens.

Nos anos que se seguiram, tanto o Ministério da Justiça, quanto grupos ativistas em favor da equiparação de direitos da mulher aos homens, buscaram conseguir o direito de visita íntima para mulheres, assegurando o compromisso dos diretores das unidades, regras e local devido. No entanto, diferentemente dos homens, constatou-se que as mulheres praticamente não têm procura dos maridos ou companheiros para visitas ou visitas íntimas, pois quase nenhum dos homens aceita se submeter à vergonha da revista íntima.

Vale dizer que as regras estabelecidas para a visita íntima também restringe a possibilidade de concessão do direito de visita íntima, vez que o parceiro deve ser casado judicialmente com a detenta ou provar união estável ou relacionamento sólido, e caso não consiga provar a visita não é permitida. Estima-se que 2% do número de presas têm visita dos maridos ou companheiros.

Ativistas à causa das mulheres encarceradas afirmam que em algumas penitenciárias, por conta da burocracia enfrentada, ao invés de autorizar oficialmente a visita íntima – que segue um ditame de regras e condições – deixa que ela ocorra à surdina e sem local destinado, prevenção ou higiene. Trata-se de um recurso problemático para as mulheres custodiadas, mas para o Estado não passa de uma questão de conveniência, vez que não há obrigação ou responsabilidade por aquilo que não é reconhecido. Consequentemente, essas mulheres ficam expostas a possíveis doenças sexualmente transmissíveis e à gestações sem qualquer acompanhamento médico decente, pré-natal e até mesmo o parto, que muitas vezes ocorre nas celas.

Mas a falta de visitas íntimas não provoca apenas a “clandestinidade” de relações sexuais. O número de relações homossexuais entre mulheres é considerável, e muitas vezes, decorre da falta de atenção e carinho de seus maridos ou companheiros e com a finalidade de proteção.

Em 1983 estimava-se que 50% das mulheres encarceradas mantinhas relações homossexuais, hoje, com o fortalecimento do movimento gay e maior aceitação, esse número se expandiu, mas não há dados que estimem quantas mulheres mantêm relacionamentos com mulheres dentro do cárcere. Nana Queiroz constatou que a maioria das mulheres que adotaram homossexualismo depois do cárcere, se consideravam heterossexuais, mas que por conta da depressão e medo acabaram por se envolverem com outras mulheres temporariamente.

Evidentemente, que a maior incidência de homossexualismo nas unidades femininas não faz com que seja fácil manter relações dentro das unidades prisionais, pois por ser um ambiente tomado pelo machismo, ainda é considerado um tabu, no qual o posicionamento oficial tem sido o de fazer registro de má conduta no prontuário das detentas pegas em flagrante, que consequentemente resulta em aumento de pena.

O preconceito com relação às condições na qual devem se submeter as mulheres em cárcere é cada vez mais enraizado, não apenas pela sociedade, mas também por  operadores de direito e juristas, que defendem o isolamento dos homossexuais em alas especiais, vez que são, supostamente, os maiores portadores de doenças sexualmente transmissíveis.

Em São Paulo, algumas penitenciárias têm permitido aos poucos a visita íntima homossexual para aquelas que possuem contrato de união estável. E mesmo após a Resolução 175, a qual o Conselho Nacional de Justiça autorizou conversão da união estável homoafetiva em casamento civil, as mulheres homossexuais enfrentaram diversas ocorrências preconceituosas por parte dos funcionários das penitenciárias, impedindo que o direito conferido a elas fosse exercido.

Percebe-se que embora a Constituição Federal estabeleça que a tutela dessas mulheres está sob a guarda do Estado (art. 3º, IV) os Órgãos e autoridades públicas insistem em se abster de suas obrigações, que são primordiais para que a ressocialização esteja mais palpável e abrangente. Não se trata do impedimento de regalias não merecidas como medidas punitivas e consequência de faltas graves aos regimentos internos das penitenciárias, mas, sim, de um desrespeito integral aos direitos concedidos a essas mulheres.

Sobre a autora
Leslie Viscaino

Estudante da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VISCAINO, Leslie. Mulheres no cárcere.: Os presos que menstruam. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4913, 13 dez. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54400. Acesso em: 22 dez. 2024.

Mais informações

Este artigo tem como objetivo expor e denunciar a situação das mulheres nos presídios brasileiros. Muitas são esquecidas pela falta de zelo do Governo que às expõe em situações degradantes, humilhantes e desumanas. Parte dessas agressões aos direitos fundamentais e aos direitos da pessoa humana vem sido tolerado, muitas vezes, pela falta de interesse dos operadores do Direito, que tem por obrigação garantir a proteção e bem estar da pessoa.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!