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A força vinculante da decisão prolatada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Gomes Lund e outros Vs Brasil

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3 A DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NA ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PREFEITO FUNDAMENTAL Nº 153

Neste capítulo serão analisados os argumentos utilizados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil[137], pela Advocacia-Geral da União[138] e pelo Supremo Tribunal Federal[139] na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153.

3.1 A ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL Nº 153

Em 2008, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB propôs perante o Supremo Tribunal Federal a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 153, com o objetivo de se questionar a recepção do § 1º do artigo 1º da Lei nº 6.683/79 (Lei da Anistia) pela Constituição de 1988. O referido dispositivo possui a seguinte redação:

 Art. 1º É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares.

§ 1º - Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política.

O cerne da discussão refere-se à extensão do citado dispositivo, já que sua redação, conforme exposto no primeiro capítulo deste trabalho, é obscura, dando margem a diversas interpretações.

Como se verifica na petição inicial da ADPF nº 153, havia notória dúvida em relação à concessão da anistia aos agentes públicos autores de crimes como o homicídio, o desaparecimento forçado, o abuso de autoridade, lesões corporais, o estupro e o atentado violento ao pudor contra aqueles que se opunham ao regime militar.

Cabe salientar que no caso em questão é cabível a Ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental em razão da Lei da Anistia ser anterior à promulgação da Carta Constitucional de 1988, e, de acordo com Tavares[140], “os atos normativos editados anteriormente a 1988” são sindicáveis por este instituto.

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil sustentou em sua exordial que a interpretação do dispositivo acima transcrito, a qual abrange a concessão da anistia aos agentes públicos que foram responsáveis pelo cometimento de diversos crimes que afrontam os direitos humanos, viola os preceitos fundamentais da Constituição da República.

Ressalta, ainda, que a obscuridade constante no dispositivo em discussão foi intencional, justamente para deixar de responsabilizar os agentes de Estado encarregados da repressão.

A fim de fundamentar sua pretensão, o Conselho Federal da OAB colacionou dispositivos do Código de Processo Penal que tratam sobre a conexão de crimes. Para que ocorra a conexão, é imprescindível que haja uma comunhão de propósitos ou objetivos na prática dos crimes. No entendimento do Conselho,

é irrefutável que não podia haver e não houve conexão entre os crimes políticos, cometidos pelos opositores do regime militar, e os crimes comuns contra ele praticados pelos agentes da repressão e seus mandantes  no governo. A conexão só pode ser reconhecida, nas hipóteses de crimes políticos e crimes comuns perpetrados pela mesma pessoa (concurso material e formal), ou por várias pessoas em co-autoria.

Deste modo, apenas aqueles indivíduos que tivessem cometido crimes políticos ou contra a segurança nacional e, eventualmente, aqueles que tivessem praticado crimes comuns ligados aos referidos crimes pela comunhão de propósitos, estariam abrangidos pela Lei da Anistia.

Ainda segundo o Conselho Federal da OAB, um dos preceitos fundamentais que teria sido violado com a não responsabilização de agentes públicos em razão da aplicação da Lei da Anistia, seria o da isonomia em matéria de segurança. Isso porque o instituto da anistia, diferentemente da graça e do indulto, se referiria a crimes previstos em lei, e não a pessoas, porém, a Lei nº 6.683/79 não se refere a crimes objetivamente.

Ocorre que, além de conceder anistia àqueles que cometeram crimes políticos, haveria a concessão da anistia também para aqueles que praticaram crimes de qualquer natureza relacionados a crimes políticos. Assim, o legislador teria deixado a cargo do Poder Judiciário definir e classificar os crimes, já que estão indefinidos na lei, o que violaria, no entender do Conselho Federal da OAB, o preceito de que não há crime sem lei anterior que o defina.

Outrossim, a lei concede anistia aos autores de crimes praticados por motivação política, sendo que este fator é um fenômeno de cunho subjetivo. Deste modo, para que haja a concessão da anistia tal como definida na Lei nº 6.683/79, mostra-se necessário analisar-se o caso concreto e a pessoa determinada.

Em resumo, segundo o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil,

a admitir-se a interpretação questionada da Lei nº 6.683, de 1979, nem todos são iguais perante a lei em matéria de anistia criminal. Há os que praticaram crimes políticos, necessariamente definidos em lei, e foram processados e condenados. Mas há, também, os que cometeram delitos cuja classificação e reconhecimento não foram feitos pelo legislador, e sim deixados à discrição do Poder Judiciário, conforme a orientação política de cada magistrado. Esses últimos criminosos não foram jamais condenados nem processados. Eles já contavam com a imunidade penal durante todo o regime de exceção. O que se quer, agora, é perpetuar essa imunidade, sem que se saiba ao certo quem são os beneficiados.

Outro preceito fundamental que teria sido violado pela interpretação da Lei da Anistia, é o de não ocultar a verdade, previsto no inciso XXXIII do artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil. Como todo o poder emana do povo, consoante o parágrafo único do artigo 1º da Carta Magna, é injustificável que os governantes ocultem a verdade perante o soberano (povo), que lhes concedeu o poder.

Ao conceder anistia a pessoas indeterminadas, em razão da expressão utilizada em sua redação “crimes conexos com crimes políticos”, a lei impediu que as vítimas de crimes contra a humanidade, como o crime de tortura, pudessem identificar seus autores. Assim, a Lei da Anistia “impediu que o povo brasileiro (...) tomasse conhecimento da identidade dos responsáveis pelos horrores perpetrados, durante dois decênios, pelos que haviam empalmado o poder”.

Foi alegado, também, que a interpretação da Lei da Anistia desrespeitaria os princípios democrático e republicano.

Isso porque o princípio democrático determina que todo o poder emana do povo, sendo que este elege representantes para o seu exercício, e o princípio republicano dispõe que o bem comum do povo deve estar sempre acima do interesse particular, contudo, a Lei nº 6.683/79 foi votada pelo Congresso Nacional quando os seus membros eram eleitos pelos comandantes militares, e não pelo povo, e foi sancionada por um Chefe de Estado que era General do Exército e que foi eleito para esta posição pelos seus companheiros de farda.

Diante disso, segundo o Conselho Federal da OAB, para que a referida lei produzisse efeitos e observasse os ditos princípios constitucionais, seria necessário que fosse legitimada, após a entrada em vigor da Constituição de 1988, pelo órgão legislativo ou diretamente pelo povo por meio de referendo, o que não foi feito.

Por fim, o Conselho Federal da OAB afirma que a dignidade da pessoa humana e do povo brasileiro não pode ser negociada. Isso porque existe o argumento de que a Lei da Anistia seria legítima por ter representado “um acordo para permitir a transição do regime militar ao Estado de Direito”.

Mesmo que se considere que o referido acordo efetivamente existiu, o mesmo não poderia produzir efeitos já que a dignidade humana não pode ser negociada. Assim, não se poderia permitir que os autores de crimes contra a humanidade não fossem punidos como condição para que o Brasil se tornasse um Estado de Direito. Além disso, não se sabe quais foram as partes desse suposto acordo, já que as vítimas dos referidos crimes e seus familiares não fizeram parte do mesmo, tendo sido ele realizado, segundo o Conselho Federal da OAB, pelos próprios militares.

A Advocacia-Geral da União (AGU) se manifestou na ação defendendo a recepção da Lei da Anistia pela Constituição da República de 1988. Fundamentou seu entendimento afirmando que a anistia significa esquecimento e implica na extinção da memória de determinados crimes praticados contra o Estado, caracterizando-se como causa de extinção de punibilidade.

Afirmou, ainda, que com o objetivo de resguardar o interesse público e de criar harmonia na sociedade, o esquecimento de certos fatos seria preferível à punição, e que, como a anistia concedida pela Lei nº 6.683/79 produziu todos os seus efeitos, não pode ser revogada. A lei poderia ser revogada formalmente, mas seus efeitos, por já terem sido produzidos, não.

Ressaltou que, em regra, a anistia é concedida a crimes políticos, mas que nada impede que também seja concedida a crimes comuns, de forma que qualquer sanção, qualquer pena, pode ser abrangida pelo referido instituto.

No que tange à Lei nº 6.683/79 em específico, a AGU salientou que o referido diploma legal foi fruto de uma negociação realizada entre a sociedade civil e o regime militar para possibilitar a transição para o regime democrático. Portanto, por ter sido fruto de um acordo, foi assegurado que ambos os lados fossem beneficiados com a anistia, visando, também, evitar qualquer revanchismo no novo governo.

Assim, a Lei nº 6.683/79 não teria estabelecido qualquer discriminação entre os opositores e os agentes do regime militar para fins de concessão da anistia. Segundo a Advocacia-Geral da União, esta teria sido ampla, geral e irrestrita, de modo que estas características teriam sido reforçadas pela Constituição, no artigo 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

Diante disso, o § 1º do artigo 1º da Lei da Anistia deveria ser interpretado da maneira mais ampla possível, “atribuindo-se ao termo conexão a abrangência que se quis se dar à medida”.

Seria contraditório, no entendimento da AGU, enumerar-se os delitos abrangidos pela Lei da Anistia, uma vez que dar-se-ia à medida um caráter restritivo e, portanto, diverso daquele pretendido pelo legislador.

Além disso, a mudança de interpretação da referida legislação atingiria situações jurídicas já consolidadas e acarretaria uma leitura mais gravosa da lei, de forma a violar a Constituição da República, que em seu artigo 5º garante a segurança jurídica e a irretroatividade da lei penal mais severa.

Em seu parecer, a Advocacia-Geral da União salientou, também, que o prazo prescricional máximo previsto no Código Penal é de vinte anos e que os crimes abrangidos pela Lei da Anistia foram cometidos no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979.

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Assim, teriam se passado mais de vinte anos desde o acontecimento dos fatos tidos como crimes, estando estes prescritos, já que “a Constituição da República somente qualifica como imprescritíveis os crimes de racismo e a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”.

No que se refere ao fato de que a Lei nº 6.683/79 teria sido votada pelo Congresso Nacional quando seus membros eram escolhidos pelos próprios comandantes militares, a AGU o considerou irrelevante, já que “a incorporação de ato normativo a ordem jurídica instaurada supervenientemente depende, apenas, da compatibilidade material de seu conteúdo” e que a Lei da Anistia foi ratificada pela Emenda Constitucional nº 26/85, “ato do qual a própria Constituição da República extrai sua legitimidade”.

3.2 A DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NA ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL Nº 153

O Relator da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153 foi o Ministro Eros Grau, que proferiu o primeiro voto. Segundo ele, no que tange ao argumento de que a Lei da Anistia teria sido escrita propositadamente de modo obscuro, “todo e qualquer texto normativo é obscuro até o momento da interpretação”. Assim, a interpretação do texto normativo teria caráter constitutivo na medida em que produz normas jurídicas a serem aplicadas a determinados casos concretos.

Quanto à alegada ofensa à isonomia em matéria de segurança, entendeu o Ministro que tal ofensa não teria ocorrido, uma vez que “há desigualdade entre a prática de crimes políticos e crimes conexos com eles”, podendo a legislação conceder ou não anistia a eles de forma desigual sem afronta à isonomia, pois também há que se tratar de forma desigual aqueles que são desiguais.

No tocante à violação ao direito de receber informações dos órgãos públicos ao argumento de que a Lei nº 6.683/79 teria concedido anistia a pessoas indeterminadas, o Ministro ressaltou que uma característica da anistia é justamente a de beneficiar pessoas indeterminadas, por ter um caráter objetivo. Diante disso, a referida lei não impediria que os familiares das vítimas de crimes contra a humanidade ocorridos durante o regime militar buscassem informações perante os órgãos públicos, já que o acesso a documentos históricos não é vedado.

Já no que se refere à inobservância aos princípios democrático e republicano, sustentou o Ministro Eros Grau que o argumento de que os referidos princípios teriam sido violados em razão da lei ter sido feita pelos próprios agentes do regime militar, beneficiários da anistia, não procede. Segundo ele, admitir esse argumento seria o mesmo que negar a existência do fenômeno do recebimento de legislação anterior à Carta Republicana de 1988.

Além disso, afirma que se a demanda proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil fosse julgada procedente, ab-rogando-se a anistia em toda sua amplitude, todos os anistiados teriam que restituir os valores recebidos a título de indenização durante todo esse período aos cofres públicos.

Também o argumento de que a dignidade da pessoa humana e do povo brasileiro teria sido objeto de negociação quando do surgimento da Lei da Anistia não prospera segundo o entendimento do Ministro Eros Grau. Isso porque tal argumento não seria jurídico, mas político, sendo necessário analisar-se o contexto histórico da época, em que havia uma verdadeira luta pela redemocratização do país.

O fato de o legislador ter estendido “a conexão aos crimes praticados pelos agentes do Estado contra os que lutavam contra o Estado de Exceção” seria mais um fator que corrobora com o entendimento de que a anistia contemplada pela Lei nº 6.683/79 teria um caráter bilateral, sendo a mesma ampla, geral e irrestrita, excetuando-se os crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal.

Ainda segundo o Ministro Eros Grau,

A chamada Lei da anistia veicula uma decisão política naquele momento – o momento da transição conciliada de 1979 – assumida. A Lei n. 6.683 é uma lei-medida, não uma regra para o futuro, dotada de abstração e generalidade. Há de ser interpretada a partir da realidade no momento em que foi conquistada.

Ressalta, ainda, que a Lei da Anistia foi reafirmada no texto da Emenda Constitucional nº26/85, de modo que não há como se afirmar que a referida lei não foi recepcionada pela Constituição de 1988, uma vez que esta a instaurou em seu texto originário, constitucionalizando-a e integrando-a à nova ordem.

Com base em todos os argumentos supracitados, o Ministro Relator Eros Grau julgou improcedente a ADPF 153.

Em seguida, votou o Ministro Marco Aurélio pela extinção do processo, sem resolução do mérito, entendendo pela inadequação da via eleita, uma vez que a Lei da Anistia é anterior à Constituição da República e que já se passaram mais de vinte anos de sua edição, superando, assim, os prazos de persecução penal e os prazos referentes a possíveis indenizações. Este entendimento não foi adotado pelos demais ministros.

Já a Ministra Cármen Lúcia enfatizou que o argumento de que a Lei da Anistia teria sido feita por um Congresso ilegítimo é falho, pois aceitá-lo seria o mesmo que se questionar a legitimidade da Constituição de 1988, já que quando de sua formulação, ainda permaneciam congressistas que sequer tinham sido eleitos.

Acompanhou o Ministro Eros Grau no entendimento de que a anistia possui um caráter bilateral, em razão do contexto histórico – momento político de transição – em que a lei foi editada. Assim, a Ministra também afastou a questão da não recepção do §1º do art. 1º da Lei n 6.683/79 pela Constituição da República, julgando improcedente arguição.

Posteriormente, o Ministro Ricardo Lewandowski sustentou que haveria impossibilidade de ocorrer a conexão criminal entre os crimes políticos praticados pelos opositores ao regime militar e os crimes comuns cometidos pelos agentes do Estado. Isso porque tal conexão somente poderia ocorrer caso alguns crimes fossem empregados como meio para consecução de outros, de natureza diversa.

Salienta, ainda, que os crimes contra a humanidade, como a tortura, por mais que somente tenham sido formalmente tipificados após o regime militar, jamais foram tolerados pelo ordenamento jurídico, mesmo aquele vigente à época. Ademais, afirma que os agentes do Estado estariam obrigados a respeitar os compromissos internacionais referentes a direitos humanos, os quais foram assumidos pelo país desde o início do século XX.

Quanto à suposta recepção da Lei da Anistia pela Constituição da República em razão da mesma ter sido reafirmada na Emenda Constitucional nº 26/85, sustenta o Ministro que os vícios presentes no primeiro diploma legal persistiram no segundo, ainda que este ostentasse maior hierarquia no ordenamento jurídico, de forma que a referida recepção de fato não teria ocorrido.

 Além disso, ressalta que os instrumentos internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil deixam claro que os Estados-membros “têm o dever de investigar, ajuizar e punir os responsáveis por violação de direitos” neles protegidos.

Diante disso, o Ministro Ricardo Lewandowski julgou parcialmente procedente a ação a fim de se

dar interpretação conforme ao §1º do art. 1º da Lei 6.683/79, de modo que se entenda que os agentes do Estado não estão automaticamente abrangidos pela anistia contemplada no referido dispositivo legal, devendo o juiz ou tribunal, antes de admitir o desencadeamento da persecução penal contra estes, realizar uma abordagem caso a caso (case by case approach), mediante a adoção dos critérios da preponderância e da atrocidade dos meios, nos moldes da jurisprudência desta Suprema Corte, para o fim de caracterizar o eventual cometimento de crimes comuns com a conseqüente [sic] exclusão da prática de delitos políticos ou ilícitos considerados conexos.

O Ministro Ayres Britto acompanhou o voto do Ministro Ricardo Lewandowski e afirmou que a anistia é um perdão coletivo, o qual deve ser concedido de forma clara. Ocorre que a Lei da Anistia, no seu entender, não é clara, dando margem a distintas interpretações. Assim, também julgou parcialmente procedente a ação, entendendo por excluir qualquer interpretação que estenda “a anistia aos crimes previstos no inciso XLIII do artigo 5º da Constituição da República” (crimes hediondos e os que lhe sejam equiparados).

Os Ministros Gilmar Mendes, Ellen Gracie e Marco Aurélio decidiram por acompanhar integralmente o voto do Ministro Relator Eros Grau, julgando improcedente a ação.

O Ministro Celso de Mello igualmente julgou improcedente a ADPF e sustentou que a opção legislativa de abranger com a anistia não somente os crimes políticos, mas também os crimes a estes conexos e aqueles relacionados aos atos de delinquência política ou que detinham motivação política, é plenamente legítima. Isso porque, conforme também entenderam os Ministros Eros Grau, Gilmar Mendes, Ellen Gracie e Marco Aurélio, a anistia teria um caráter bilateral, não podendo ser classificada, como muitos o fazem, de auto-anistia.

Do mesmo modo, o Ministro Cezar Peluso acompanhou o voto do Ministro Relator, reafirmando o caráter bilateral da Lei da Anistia e sustentando que

a lei nasceu de um acordo costurado por quem tinha legitimidade social e política para, naquele momento histórico, celebrar um pacto nacional. E era lei como todas as outras editadas no mesmo período, mas cuja vigência e constitucionalidade jamais foram postas em dúvida pelo mesmo fato dessa origem comum! E a mais grave consequência da tese da autora é que, reconhecida sua viabilidade teórica, toda a lei da anistia estaria revogada, porque toda ela provém da mesma fonte e, portanto, padeceria toda do mesmo vício.

Por fim, o Ministro Gilmar Mendes também acompanhou o voto do Ministro Relator, julgando improcedente a ação sob o fundamento de que

a EC nº 26/85 incorporou a anistia como um dos fundamentos da nova ordem constitucional que se construía à época, fato que torna praticamente impensável qualquer modificação de seus contornos originais que não repercuta nas próprias bases de nossa Constituição e, portanto, de toda a vida político-institucional pós-1988.

Destarte, o Supremo Tribunal Federal julgou improcedente a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153, por maioria, nos termos do voto do Relator, Ministro Eros Grau.

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Sobre a autora
Aline Castello Branco de Resende

Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Vitória - FDV

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RESENDE, Aline Castello Branco. A força vinculante da decisão prolatada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Gomes Lund e outros Vs Brasil . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3173, 9 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21248. Acesso em: 24 abr. 2024.

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