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Possibilidade de enquadramento do tradutor técnico como microempreendedor individual.

Uma abordagem lógico-jurídica

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07/05/2012 às 11:20
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3          o enquadramento da atividade de tradução no mei

Objetivo dessa pesquisa, já declarado na introdução, é verificar a possibilidade jurídica de inclusão do tradutor no rol dos microempreendedores individuais e de sua atividade no sistema simplificado de tributação denominado Simples Nacional.

Para alcançar este objetivo se faz necessário, agora que já foram examinados e traçados os conceitos operacionais e o contexto em que os tradutores operam, proceder a uma análise sistemática e teleológica das leis e das normas que determinam quem pode ou não optar pela sistemática do Simples e quem pode ou não se registrar como microempreendedor individual.

O direito é um conjunto de normas e princípios que regulamenta e protege, de maneira vinculante para todos, a vida em sociedade e as iniciativas dos homens inseridos nessa sociedade. Para conseguir determinar “o sentido das normas jurídicas” (DIMOULIS, 2003, p. 157 e seg.) é necessário, assim, que o operador do direito aplique “os métodos próprios ao seu campo de saber”, levando em consideração que “o legislador não quer regulamentar um caso concreto, mas um conjunto amplo de situações que podem ocorrer no futuro”.

Utilizando-se de silogismo jurídico utilizado por Dimoulis (2003, p. 158) e reformulando-o em relação ao tema desse estudo, infere-se que “mesmo se a lei desse uma lista completa de todas as atividades que podem” ser incluídas no rol do MEI, “na vida real sempre se apresentaria um novo caso, criando dúvida sobre a aplicação da lei”. Mesmo que a lei enunciasse explicitamente (como acontece no caso em estudo) quem pode entrar no MEI e quem pode ser Simples, “o problema não se solucionaria, porque o legislador nunca pode prever todas as situações futuras”.

Destarte, desenvolveram-se métodos de interpretação legislativa para poder estabelecer o significado das disposições e captar o sentido de cada norma, em vista de sua aplicação nos casos específicos. São eles a interpretação gramatical (textual ou literal), a interpretação sistemática (lógica), a teleologia subjetiva (histórica) e a teleologia objetiva, (DIMOULIS, 1993, p. 160).

“O método gramatical constitui o início da interpretação” (DIMOULIS, 1993, 161), necessário para “captar seu pleno valor expressional” (REALE, 2001, p. 261), ao passo que a interpretação sistemática integra aquela literal, captando a norma nas suas relações lógicas e hierárquicas “dentro do contexto da regulamentação legal”, analisando o “direito como um todo”. Posto que, nas palavras de Miguel Reale (2001, p. 264) “a lei [...] nasce obedecendo a certos ditames”, em resposta às aspirações da sociedade, e que “seu significado não é imutável”, considera-se teológica subjetiva a interpretação histórica que, através do “estudo das discussões parlamentares na época da elaboração da lei”, procura explicar “o entendimento dos motivos e das finalidades da edição da lei”, interpretando “as intenções que ele [o legislador] tinha quando estabeleceu determinado regulamento”, (DIMOULIS, 1993, p. 162-163), com a finalidade de “ajustá-la [a lei] às situações supervenientes” (REALE, 2001, p. 265). Silvio Rodrigues elucida como “se deve proceder à exegese de um texto”:

A lei disciplina relações que se estendem no tempo e que florescerão em condições necessariamente desconhecidas do legislador. Daí a idéia de se procurar interpretar a lei de acordo com o fim a que ela se destina, isto é, procurar dar-lhe uma interpretação teleológica. O intérprete, na procura do sentido da norma, deve inquirir qual o efeito que ela busca, qual o problema que ela almeja resolver. (RODRIGUES, 2006, p. 25)

De acordo com Dimoulis, na interpretação teleológica objetiva, o “intérprete busca a finalidade social das normas jurídicas, tentando propor uma interpretação que seja conforme a critérios e exigências atuais”, pois, se entre a promulgação da lei e o momento atual houve mudanças sociais, atualiza-se a norma com uma interpretação teleológica, “para alcançar a finalidade que o legislador tinha estabelecido”, posto que “toda interpretação jurídica é de natureza teleológica (finalística) fundada na consistência axiológica (valorativa) do Direito" (REALE, 2001, p. 273).

Deve-se recordar ainda o art. 5 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, in verbis: “Art. 5º - Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.”

Procede-se, assim, a uma análise hermenêutica sistemática e teleológica objetiva do § 1º, XI do art. 17, em conjunto com o art. 18-A, ambos da Lei 123/2006, na busca da razão que os motivou e na tentativa de realizar um silogismo jurídico que permita alcançar o objetivo dessa pesquisa.

3.1         A microempresa e a empresa de pequeno porte

De acordo com Karkache (2009, p. 15), em todos os sistemas econômicos o trabalho dos pequenos comerciantes e dos artesãos desempenhou, desde sempre, um papel relevante. Conforme dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), divulgados pelo SEBRAE (2009), as microempresas representam no Brasil cerca de 94 % de todas as empresas registradas, percentual que atinge 99% se forem acrescentadas também as de pequeno porte. As pequenas empresas, segundo Karkache (2009, p. 11), “propiciam alternativa atenuante ao desemprego [...], democratizam o capital [...], auxiliam na descentralização da economia” e influenciam o processo de globalização da economia, exigindo do Direito uma readequação, porque, conforme o autor:

O processo de globalização da economia não significa, apenas, abertura internacional de mercados e aumento da liberdade dos intercâmbios. A maior liberdade no comércio e nas relações econômicas internacionais, ao mesmo tempo em que traz benefícios, também acarreta malefícios [...]. A ação, mais livre, de grandes conglomerados internacionais em nosso País, tende a criar um ambiente inóspito (ou, no mínimo, perigoso) para as pequenas empresas nacionais, dotadas de menor poder econômico e acesso tecnológico. Esta realidade, inegavelmente, provoca mudanças no cenário jurídico. (Karkache, 2009, p. 11)

Com este norte, em dezembro de 2006, o presidente Lula da Silva sancionou a Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas (Lei Complementar 123/06), estabelecendo as normas gerais “relativas ao tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte”, conforme artigo 1º da mesma Lei.

Em Mamede encontra-se a seguinte argumentação:

Todos conhecemos histórias de grandes empresários que começaram com uma pequena loja, uma fabriqueta de fundo de quintal, um único ônibus ou caminhão. [...] a percepção é de que é preciso haver políticas que compensem os desníveis oferecidos pelo reconhecimento dos direitos hereditários, facultando às pessoas, naturais ou morais, ascenderem socialmente por sua competência, apesar da resistência dos que já estão estabelecidos [...]. (MAMEDE, 2007, p. XIX)

Objetivo dessa norma, a razão teleológica da sua criação é, nos dizeres de Fran Martins (2008, p. 148)[74] “melhor amparar os pequenos empresário, que, sem a menor dúvida, fazem parte de um universo significativo, muito considerável no Brasil”. Utiliza-se da mesma argumentação Fabio Ulhoa Coelho (2009, p. 34) que assevera que o propósito da lei é “incentivar tais empresas, criando as condições para o seu desenvolvimento.”

Portanto, o regime mais brando[75] no campo administrativo, tributário, previdenciário, trabalhista, creditício e de desenvolvimento empresarial, é conferido justamente porque ditas empresas são pequenas, em consonância com os objetivos fundamentais estatuídos no art. 3º da Constituição: no esforço de “construir uma sociedade livre, justa e solidária”, garantindo o desenvolvimento nacional, com o intuito de “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”, atendendo aos princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, esculpidos no art. 1º da Carta Magna.

Neste sentido, Mamede conceitua da seguinte forma:

Atende-se, assim, não apenas ao comando constitucional específico, como também a normas basilares; em fato, o pequeno empresário, as microempresas e as empresas de pequeno porte, por sua inserção social, realizam com mais eficácia os fundamentos da Republica de respeito à dignidade humana e de valorização do trabalho e da livre iniciativa; justamente por isso, tem condição privilegiada de permitir a realização dos objetivos fundamentais do Estado brasileiro, cujo registro é sempre pertinente: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (MAMEDE, 2010a, p. 118)

A ordem econômica brasileira, prevista no caput do art. 170 da Constituição Federal de 1988, fundamenta-se nos mesmos pilares esculpidos no seu art. 1º: a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa. Garante-se, ainda, no parágrafo único do artigo 170, que todos possam exercer livremente qualquer atividade econômica, “independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei” e assegura-se “tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras [...][76]”.

O tratamento “diferenciado e favorecido para as microempresas e empresas de pequeno porte”, previsto também no art. 146, III, ‘d’ da Constituição Federal, segundo André Ramos Tavares (2006, p. 216), “revela a necessidade de se proteger os agentes que possuem menores condições de competitividade em relação às grandes empresas”. Desta forma, não fere o principio da isonomia, pois, nos dizeres de Gladston Mamede “é constatação vetusta, que o princípio da isonomia expressa-se pelo tratamento igual aos iguais e tratamento desigual aos desiguais” (MAMEDE et al., 2007, p. 4).

Renaldo Limera da Silva, citando o ensinamento de Rui Barbosa, in verbis: “a regra da igualdade não consiste senão em aquinhoar desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam” (BARBOSA, apud SILVA, 2007, p. 59-60), comenta a dificuldade em que se encontram a pequena empresa e a empresa de pequeno porte para gerir os seus negócios “em conformidade com as exigências fiscais”, sendo assim empurradas para informalidades:

Deveras o cada vez mais globalizado e competitivo mercado coloca as microempresas e empresas de pequeno porte em situações de crescente dificuldade. A simples manutenção de uma escrita contábil e fiscal [...] já representa um custo que dificilmente será diluído em seus produtos e serviços sem a perda de sua competitividade com empresas mais estruturadas. (SILVA, 2007, p. 60)

Conforme art. 3º, caput da Lei Complementar 123 de 2006, “consideram-se microempresas ou empresas de pequeno porte, a sociedade empresária, a sociedade simples e o empresário a que se refere o art. 966[77]” do Código Civil de 2002, que atendam aos requisitos previstos nos incisos I e II do próprio artigo.[78].

Cabe ressaltar que pela leitura do artigo incluem-se na definição de microempresa e empresa de pequeno porte todas as atividades, empresarias e civis, considerando-se ambas abarcadas pela lei. Infere-se dessa forma que o artigo está se referindo às atividades negociais como um todo. Como leciona Gladston Mamede:

O Estatuto abrange as microatividades negociais e as atividades negociais de pequeno porte desempenhadas por sociedades simples e empresárias. Por isso, onde no estatuto lê-se microempresa e empresa de pequeno porte, deve se ler, respectivamente, microatividade negocial e atividade negocial de pequeno porte [...] (MAMEDE, 2007, p. 17)

Mamede considerou, quando da promulgação da Lei 123/2006, que “o legislador não se preocupou muito com os institutos jurídicos por ele mesmo criados”. Pondera o autor que “a confusão de se falar numa empresa (micro ou pequena) titularizada e exercida por uma sociedade simples é fruto do desejo de estender a tal tipo societário o tratamento diferenciado e favorecido desta lei complementar” (MAMEDE et al, 2007, p. 16). O autor retoma os mesmos argumentos em outra obra, considerando ser “melhor dizer que o Estatuto abrange as microatividades negociais e as atividades negociais de pequeno porte desempenhadas por sociedades simples e empresárias [...]” pois “nem toda atividade negocial caracteriza empresa.” (MAMEDE, 2010b, p. 55).

Cabe aqui um pequeno retrospecto histórico para explicar a confusão aludida: com a adoção da Teoria da Empresa pelo Código Civil de 2002, foi abandonada a Teoria dos Atos de Comércio, que dividia as atividades em civis e comerciais, conforme a natureza dos bens ou serviços produzidos para o mercado. Vera Helena de Mello Franco explica que:

Tradicionalmente, por razões históricas, costumava-se apartar os bens imóveis do âmbito do direito comercial, naquela distinção entre burguesia fundiária e burguesia capitalista, [...] e pelas mesmas razões a atividade agrícola e a extrativa, posto que ligadas à terra e, destarte, ao instituto da propriedade. [...] Se o serviço se destinava a promover ou facilitar a circulação da riqueza mobiliaria, como é o caso do transporte, a atividade seria empresarial de natureza comercial. Se a prestação envolvesse o trabalho intelectual, como é o caso dos profissionais intelectuais estar-se-ia no âmbito do direito civil. (FRANCO, 2009, p. 46-56)

Ficavam fora da atividade comercial, assim, as atividades que tinham por objeto bens imóveis[79], a indústria extrativa e as atividades exercidas pelos profissionais liberais.

Com a Teoria da Empresa a distinção não é mais entre as atividades comerciais e civis, mas entre empresarias e não empresarias. Toda a atividade, inclusive o trabalho remunerado, é atividade econômica. Entretanto nem toda atividade econômica é considerada atividade empresarial pela Teoria da Empresa. “Somente a sociedade empresária, vinculada ao Registro Público de Empresas Mercantis (Junta Comercial), é titular de empresa; a sociedade simples, vinculada ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas, não corresponde à empresa” (MAMEDE et al, 2007, p. 16), permanecendo, de certo modo, a idêntica divisão entre atividades civis e comerciais.

Continua, assim, a impossibilidade de se enquadrar como empresária a atividade intelectual, literária ou artística, salvo quando “o exercício da profissão constituir elemento de empresa”, conforme o parágrafo único do artigo 966[80] do Código Civil de 2002 ou, no dizer de Franco, salvo “quando o prestador de serviços profissionais se ‘impessoaliza’ e os serviços, até então pessoalmente prestados, passam a ser oferecidos pela organização empresarial, perante a qual se torna um mero organizador” (FRANCO, 2009, passim). Neste sentido, Gonçalves Neto elucida que:

O Código Civil de 2002, ao trazer o empresário para o centro do sistema, definindo-o como quem exerce atividade econômica de forma organizada, para a produção de bens ou de serviços, [...] adotou como regra geral, o exercício organizado de toda e qualquer atividade econômica, independentemente da natureza dos atos que a identifiquem, excluindo do respectivo regime, apenas, os que desenvolvem atividade intelectual (art. 966, parágrafo único) e rural (arts. 971 e 984). (GONÇALVES NETO, 2007, p. 60)

Coelho (2008, p. 16), conceituando acerca da atividade econômica civil que o profissional intelectual explora, utiliza-se da seguinte argumentação para identificar o momento em que esta atividade pode se enquadrar como empresária:

Na medida em que expande e procura por seus trabalhos, e ele contrata vários funcionários para imprimir maior celeridade à produção, pode ocorrer a transição dele da condição jurídica de profissional intelectual para a de elemento de empresa. [...] Tornar-se-á, então, juridicamente empresário. (COELHO, 2008, p. 17)

Destarte, o trabalho intelectual personalíssimo, aquela capacidade inerente à pessoa, que era só dela, exclusivamente do profissional intelectual, transmuta-se em uma capacidade de fiscalizar e impor um padrão de qualidade aos demais coordenados. Deixa de ser um profissional intelectual na medida em que, com o intuito de “imprimir maior celeridade à produção” cria “replicantes”, ou seja, contrata funcionários que executem as tarefas antes executadas por ele. Nesta transição, transforma-se de intelectual a empresário. Faz-se necessário, para tanto, uma vocação administrativa, caso contrário a empresa fenece. Aqueles que conseguem fornecer esta capacidade replicativa têm sucesso.

Fernandez e Russi (2008, p.86) concebem a empresa “como um organismo autônomo” utilizando-se de um “enfoque sistêmico [...] que possibilita um novo critério para a sua identificação: a essencialidade da atividade laborativa do empresário para a subsistência da empresa. [...] Logo, há uma empresa, organismo independente cujo objetivo intrínseco é sobreviver” quando o empresário deixa “de ser a pessoa física e passa a ser a força homeostática da organização”.

Os grandes costureiros, Pierre Cardin, Versace, Armani, que não mais colocam a mão na agulha, o arquiteto Oscar Niemayer que não mais elabora os projetos pessoalmente, transmutaram o seu trabalho em fiscalização e controle de padrão e qualidade. Antes o próprio Armani costurava, queria-se a roupa costurada pelo Armani; depois, bastou a grife.

É evidente, neste caso, a possibilidade de enquadramento da atividade no regime jurídico empresarial. Conforme elucida Gonçalves Neto (2010, p. 76), ser elemento de empresa significa “ser parcela dessa atividade”, ensejando essa possibilidade tão somente quando a atividade pode ser considerada como “parte de um todo mais amplo [...] ou como um dos vários elementos em que se decompõe determinada empresa”. Importante trazer também outra consideração do autor que, trazendo em nota a conclusão da Comissão do direito de empresa e seu Enunciado 194[81], assevera: “sujeita-se às disposições do direito de empresa e, portanto, considera-se empresário o intelectual que contribui para a feitura ou a circulação de um produto ou serviço diverso e mais complexo do que aquele que se insere em sua habilitação” (GONÇALVES NETO, 2010, loc. cit.).

3.1.1        O sistema Simples Nacional

O artigo 179 da Constituição Federal prevê para as microempresas e as empresas de pequeno porte um tratamento jurídico diferenciado, visando incentivá-las através da simplificação, eliminação ou redução de suas obrigações administrativas, tributarias, previdenciárias e creditícias, por meio de lei. Para Fabio Ulhoa Coelho (2008, p. 34) o “objetivo dessa norma é o de incentivar tais empresas, criando as condições para o seu desenvolvimento.”

Conforme Mamede (2007, p. 3) “está-se diante de uma nítida opção constitucional pela valorização das micro e pequenas atividades negociais, compreendidas como forma preferencial para a realização dos objetivos fundamentais da República”.

Com o intuito de atender aos ditames constitucionais, foi assim instituído, por intermédio do art. 12 da Lei 123/2006, o Simples Nacional, um regime especial unificado de arrecadação de tributos e contribuições, concedido como opção às empresas de pequeno porte e às microempresas cujos limites de receita bruta anual sejam incluídos nos previstos pela LC 123/06, no seu art. 3º, I e II, e que não se enquadrem nas hipóteses de restrições ao tratamento diferenciado previstas no parágrafo 4º do mesmo artigo.

Trata-se de um regime tributário simplificado ao qual podem aderir as microempresas e empresas de pequeno porte. Os optantes do Simples Nacional pagam diversos tributos (IR, PIS, IPI, contribuições e, eventualmente, o ICMS e o ISS) mediante um único recolhimento mensal proporcional ao seu faturamento.

As microempresas e empresas de pequeno porte que optarem pelo Simples Nacional estão dispensadas de manter escrituração mercantil, embora devam emitir nota fiscal e conservar em boa guarda os documentos relativos à sua atividade. (COELHO, 2008, p. 35).

O legislador, portanto, conferiu um tratamento tributário diferenciado às microempresas e as empresas de pequeno porte no intuito de equilibrar situações de desigualdades, segundo ilustra Renaldo Limira da Silva:

Na análise da Lei Complementar 123/2006 salta aos olhos a vontade política e legislativa [...]. É como se o legislador, pagando um tributo a estes até então sofridos segmentos da economia brasileira lançasse-lhes um tapete aveludado numa ampla e confortável sala, na qual estão disponíveis todos os recursos, informações, orientações, instrumentos etc., para os fins objetivados. (SILVA, 2007, p. 49-50)

Entretanto, não são todas as micro e pequenas empresas que podem se valer do tratamento diferenciado. Para poder ingressar no Simples Nacional, as micro e pequenas empresas além de não poderem ser enquadradas nas vedações ao Estatuto, previstas no art. 3, § 4º da própria lei, não podem incorrer nas vedações de caráter específico ao regime unificado do Simples. Em outras palavras, se estiverem inseridas em uma das vedações específicas, apesar de continuarem fruindo dos benefícios do Estatuto Nacional enquanto micro e pequenas empresas, não poderão optar pelo regime unificado.

No artigo 17 da LC 123 estão estabelecidas as vedações ao ingresso no Simples. Hugo de Brito Machado Segundo em Mamede et al (2007, p. 126) divide essas vedações em três espécies:

(i)                                as relacionadas à composição ou à constituição da pessoa jurídica;

(ii)                              as relativas à atividade desempenhada pelo contribuinte;

(iii)                             as decorrentes de sua situação de inadimplência fiscal.

Considera ele que as vedações serão constitucionais se forem adequadas, necessárias e não excessivas, considerando necessário o estabelecimento de restrições para limitar a abrangência às empresas que realmente necessitem de um tratamento diferenciado.

Desta forma considera os critérios utilizados legítimos quanto ao requisito de limite de receita, à vedação para quem produz artigos nocivos, que “funda-se no principio da seletividade conforme a essencialidade do produto”, as vedações relativas à composição da pessoa jurídica e os decorrentes de situação de inadimplência do contribuinte (MAMEDE et al, 2007, p. 127).

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Abre-se um parágrafo a parte para discutir as restrições ao ingresso no regime do Simples Nacional relacionadas à atividade desempenhada. Para discussão desta pesquisa interessa tão somente a vedação abrigada no inciso XI do art. 17 da Lei complementar 123 de 2006, que proíbe de poder recolher os impostos e as contribuições na modalidade do Simples Nacional, à empresa de pequeno porte e à microempresa, in verbis:

XI – que tenha por finalidade a prestação de serviços decorrentes do exercício de atividade intelectual, de natureza técnica, científica, desportiva, artística ou cultural, que constitua profissão regulamentada ou não, bem como a que preste serviços de instrutor, de corretor, de despachante ou de qualquer tipo de intermediação de negócios.

Pressupondo que a lei coloca essas vedações aos direitos que cria por algum motivo relevante, sociológico ou jurídico, não sendo concebível uma discriminação aleatória, sem fundamento, será necessário perquirir a ratio legis desse dispositivo.

Em relação à exclusão de quantos se dedicam à atividade intelectual do âmbito comercial, Gonçalves Neto ensina que:

a atividade intelectual é pré-excluida do âmbito di direito comercial por não comportar, em regra, atuação organizada ou padronizada (CC, art. 966, parágrafo único). O pintor, o escritor, o advogado produzem de acordo com a aptidão, inspiração e disposição pessoais, de modo diferenciado – fatores que inviabilizam qualquer programação prévia de produção, apesar de o resultado de sua produção intelectual poder ser explorado empresarialmente. (GONÇALVES NETO, 2007, p. 62, grifo nosso)

Dita exclusão reflete, também, a preocupação com a possibilidade de uma relação de trabalho com profissionais intelectuais ser configurada como relação de emprego, haja vista o caráter personalíssimo destas atividades. Evitar-se-ia também, desta forma, prováveis ou possíveis contratos de emprego disfarçados de prestação de serviço, fugindo os contratantes do pagamento dos encargos previdenciários devidos, que amparam os trabalhadores empregados.

Hugo de Brito Machado Segundo em Mamede et al (2007, p. 131) na sua análise às exceções, procura estabelecer uns “parâmetros de discriminação razoáveis”. Cabe reportar sua argumentação, apesar de ter sido escrita antes das ulteriores mudanças e não abranger todos os casos previstos atualmente:

Em relação às escolas, poder-se-ia dizer que creches e as instituições de ensino pré-escolar e fundamental são geralmente menores, dotadas de estrutura simples, às vezes caseira e artesanal. São as chamadas 'escolinhas'. Daí sua admissão no Simples Nacional, em exceção à vedação feita às escolas de uma maneira geral, especialmente as de nível médio e superior, cuja opção é vedada. O mesmo talvez possa ser dito das escolas livres de línguas estrangeiras, artes e cursos gerenciais. (MAMEDE et al, 2007, p. 131)

Existe em tramitação no Senado para aprovação, um projeto de lei que pretende acrescentar outras atividades de prestação de serviços ao rol da que já estão incluídas no Simples Nacional. É o Projeto de Lei do Senado nº 467 de 2008, segundo o qual, mereceriam entrar no rol do Simples outras atividades, entre as quais a tradução, em consideração do principio da isonomia.

O relator da Comissão de Assuntos Econômicos, Senador Antonio Carlos Júnior, esclarece no Parecer nº 65.749 de 2009 do PLS nº 467/2008, que “para justificar a limitação, invoca-se a necessidade de coibir a criação de empresas unipessoais ou de fachada apenas para fugir à tributação de profissionais como pessoa física, que é mais gravosa ao contribuinte.”

A vedação fundamenta-se, assim, na impossibilidade de considerar empresário quem exerce atividade intelectual, configurada esta vedação também no parágrafo único do art. 966 do Código Civil, pois a prestação de serviços intelectuais é uma prestação intuitu personae, de caráter personalíssimo. Por ser de caráter personalíssimo, não haveria condições de constituírem empresa, pois não há como delegar funções e tarefas, e não configuraria, portanto, atividade com finalidade de lucro. Lembra-se que lucro é a “remuneração” do capital, em sentido econômico, e que somente pode haver um lucro quando houver uma mais valia. O empresário produz o produto A com custo X, vende por Y, conseguindo um lucro de Y-X. O autônomo vende seu serviço, e a remuneração de um serviço prestado em caráter personalíssimo é decorrente de trabalho pessoal, podendo ser configurada como salário ou honorário, remuneração em sentido estrito, e não caracterizando lucro.

Não há como lucrar sobre seu próprio trabalho.

Entretanto, a Constituição Federal determina tratamento diferenciado e favorecido às microempresas e às empresas de pequeno porte, e “não menciona nenhuma distinção em relação à atividade exercida”. Destarte, poderia haver inconstitucionalidade quando se impede a uma atividade de ser incluída no sistema do Simples Nacional por conta do ramo em que atua. Não é constitucional permitir o ingresso somente para algumas atividades de natureza técnica, científica ou intelectual no Simples Nacional, conforme art. 48, I; art. 61, caput; art. 146, III, d; todos da Constituição Federal.

Entre as atividades incluídas encontra-se a atividade contábil, que é tão intelectual quanto à tradução, por exemplo. A inclusão da primeira e a expressa exclusão da outra violaria expressamente o princípio da isonomia. Ademais, tratar-se-ia, nesse caso da atividade contábil, de profissionais liberais, já protegidos por lei que regulamenta a profissão e reserva o mercado tão somente para os habilitados a exercerem tal ofício.

Na Justificação ao supracitado PLS 467/2008, que requer a inclusão no Simples Nacional a novos segmentos, a Senadora Ideli Salvati, argumenta, neste sentido, que a Lei 123 de 2006 instituiu o Simples Nacional com o objetivo de conferir um tratamento tributário simplificados “aos agentes econômicos de menor envergadura”. Destarte, não poderiam ser excluídos os prestadores de serviços cujas atividades sejam de natureza intelectual, pois

[...] a rigor, não se afigura razoável, porquanto a Lei Complementar 123 de 2006 já contempla a possibilidade de sociedades simples serem beneficiárias do regime favorecido, bem como, de forma expressa, dispõe que as pessoas jurídicas que tenham por objeto prestação de serviços de natureza contábil podem optar pelo Simples Nacional (art. 17, § 1º, XXVI). [...] As atividades contábeis são intelectuais como advocacia, a engenharia, a medicina, entre outras, razão pela qual a inclusão de uma e a exclusão das demais viola a isonomia de forma estridente.

Mas, em que pese a referida justificação, consideram-se as atividades profissionais liberais já amplamente favorecidas pela lei que as regulamentou.

Em Requião encontra-se trecho do acórdão de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, em que o Supremo Tribunal Federal esclarece o seguinte o posicionamento adotado:

As restrições ao enquadramento, para os efeitos do Simples, no regime de microempresa e empresa de pequeno porte, de atividades próprias de profissões regulamentadas foram alvo de crítica em ação direta de inconstitucionalidade, processada no Supremo Tribunal Federal, sob o nº 1.643-1. O Tribunal negou a inconstitucionalidade da restrição, pois entendeu, em acórdão publicado no Diário de Justiça da União, de 2-4-2003, que “não há ofensa ao princípio da isonomia tributária se a lei, por motivos extrafiscais, imprime tratamento desigual à microempresa e empresa de pequeno porte de capacidade contributiva distinta, afastando do regime do Simples aqueles cujos sócios tem condição de disputar o mercado de trabalho sem assistência do Estado”. (REQUIÃO, 2010, p. 93-94, grifo nosso).

Rinaldo Limiro e Alexandre Limiro (2007, p. 82-83) comentam “o caso paradigma” da ADI 1.643 (DJ 14.03.2003), “onde a Confederação Nacional dos Profissionais Liberais procurava estender a seus integrantes, excluídos pelo art. 9º, inc. XIII da Lei 9.317/96 [anterior]”, a opção pelo regime especial do antigo Simples.

A tal propósito reportam trecho do voto do Ministro Maurício Corrêa, em que é possível enxergar parte da ratio legis atual:

Ao incentivar essas modalidades de empresas [a lei[82]][83] teve por objetivos o seguinte: evitar o abuso do poder econômico pelas empresas mais fortes; retirar as micro e pequenas empresas da clandestinidade ou da chamada economia informal; gerar empregos e possibilitar às pessoas que estavam sendo alijadas no mercado de trabalho por falta de capacitação científica, técnica ou profissional, de manter o seu próprio negócio dentro de sua habilidade natural. (LIMISO, R.; LIMIRO, A., 2007, p. 85)

Destarte, parece lógica a inferência de que as sociedades civis de prestação de serviços de profissões legalmente regulamentadas, que atuam em um mercado preferencial e não informal, não sofrem o “impacto do domínio de mercado pelas grandes empresas”; elas se encontram, em verdade, em posição favorecidas pelo preparo dos seus sócios, que “estão em condições de disputar o mercado de trabalho, sem a assistência do Estado”; não podendo ser consideradas “fontes de geração de emprego” em escala satisfatória (LIMIRO, R. LIMIRO, A., 2007, p. 85).

Não há de se falar, assim, de ofensa ao princípio da isonomia tributária.

3.2    o microempreendedor individual

A Lei Complementar 128/08 criou, em seguida, a figura do Microempreendedor Individual – MEI, regularizando a atividade de inúmeros trabalhadores autônomos e pequenos empreendedores que viviam na informalidade, aumentando, assim, a arrecadação tributária do país.

Conforme art. 18-A, §1 da Lei 123 de 2006, acrescentado pela Lei 128 de 2008, considera-se microempreendedor individual o empresário individual do art. 966 a que se refere o Código Civil, optante pelo Simples Nacional, que tenha auferido receita bruta anual nos limites impostos pela própria lei e “que não esteja impedido de optar pela sistemática prevista” no próprio artigo.

Antes de se analisar o conceito de microempreendedor, portanto, é necessário definir os elementos que caracterizam a figura do empresário individual à que se refere o artigo em questão.

Segundo Fabio Ulhoa Coelho (2008, p. 20) o empresário individual, geralmente, explora atividade economicamente pouco importante, pois, segundo o autor, os “negócios de vulto exigem naturalmente grandes investimentos”, sendo os riscos de insucesso proporcionais “às dimensões do negócio”.

Aos empresários individuais sobram os negócios rudimentares e marginais, muitas vezes ambulantes. Dedicam-se a atividades como varejo de produtos estrangeiros adquiridos em zonas francas (sacoleiros), confecção de bijuterias, de doces para restaurantes ou bufês, quiosques de miudezas em locais públicos, bancas de frutas ou pastelarias em feiras semanais etc.

Elucida o desembargador Manoel de Queiroz Pereira Calças e a professora Ruth Maria Junqueira de Andrade Pereira e Silva, que não se trata de pessoa jurídica:

[...] ainda que a circunstância de o Decreto Federal n. 3.000/1999 equiparar o empresário individual às pessoas jurídicas para fins de Imposto de Renda, e, desta forma impor ao empresário a obrigação de inscrever-se no Cadastro Nacional das Pessoas Jurídicas (CNPJ), acaba por ensejar aos menos avisados a conclusão falaciosa de que o empresário seria uma pessoa jurídica. (CALÇAS; SILVAS, In: Revista Jurídica Empresarial: órgão nacional de doutrina, jurisprudência, legislação e crítica judiciária. Ano 3, n. 18, Janeiro/Fevereiro de 2011 p. 12)

O empresário individual, portanto, é a pessoa física que exerce uma atividade empresarial “sendo irrelevante que o faça sob a forma de comerciante individual, microempresa ou de empresário de pequeno porte” (BRASIL, TJSP. In: Revista Jurídica Empresarial, Ano 3, n. 18, 2011, p. 13)

O professor Luiz Soares Hentz elucida que empresário é gênero e empresário individual e sociedade são espécies. A Lei 128 de 2008, ao mencionar o empresário em relação ao MEI, está se referindo à espécie “empresário individual”, pois não haveria como se referir ao gênero, incluindo a sociedade empresária, referindo-se a um agente econômico individual.

O MEI não é uma nova figura, um novo agente econômico, sua natureza jurídica é a do empresário individual, com receita bruta menor anual ou igual a 36 mil reais. É o pequeno empresário previsto pelo Código Civil de 2002, nos seus arts. 970 e 1.179. Assim define o art. 68 da própria Lei complementar 123 de 2006, “considera-se pequeno empresário, para efeito de aplicação do disposto nos arts. 970 e 1.179” do Código Civil de 2002 “o empresário individual caracterizado como microempresa na forma desta Lei Complementar que aufira a receita bruta anual de até R$ 36.000,00 (trinta e seis mil reais).”

Como caracteriza Ricardo Negrão, os conceitos de microempresário (ME), empresário de pequeno porte (EPP) e de microempreendedor individual (MEI), distinguem-se pelas seguintes características:

a) a renda bruta anual [...];

b) a atividade e forma de seu exercício: os MEIs são sempre empresários individuais, enquanto o MEs e EPPs podem ser empresários individuais, sociedades simples ou sociedades empresárias não constituídas sob a forma institucional (isto é, não podem ser sociedades por ações ou cooperativas – para estas há a exceção relativa às cooperativas de consumo);

c) o número de empregados: limita-se ao MEI a colaboração de um único empregado que perceba até um salário mínimo ou o piso salarial da categoria profissional, enquanto para os MEs e EPPs não há qualquer limitação;

d) a obrigatoriedade de escrituração: os MEIs são considerados pequenos empresários para fins do disposto nos arts. 970 e 1.179 do Código Civil, ficando dispensados de seguir um sistema de contabilidade, com base na escrituração de seus livros. É o que decorre da regra do art. 68 da LC 123/2006; Os MEs somente são dispensados dessas exigências se exercerem a atividade de forma individual e sua renda bruta anual for igual ou inferior a R$ 36.000; os EPPs submetem-se à regra geral de escrituração. (NEGRÃO, 2010, p. 254, grifo nosso).

Requião também conceitua o microempreendedor individual: “nada mais é que o empresário do Código Civil”.

A criação do MEI tem por objetivo a legalização de pequenas atividades informais, como ambulantes, sapateiros, manicures, encanadores, eletricistas, pedreiros, etc. e combater a informalidade. Objetiva, também, a proteção previdenciária desses agentes econômicos e a desburocratização do registro empresarial.

São características do MEI (RFB, MEI, 2009, p. 3):

i.                                      Ser empresário individual

ii.                                      Ter uma receita bruta igual ou inferior a R$ 36 mil[84]

iii.                                      Ser optante pelo Simples Nacional

iv.                                      Não exercer atividade constante dos Anexos IV e/ou V

v.                                      Não participar de outra empresa

vi.                                      Não ter filiais

vii.                                      Ter, no máximo, um único empregado que receba exclusivamente um salário mínimo ou o piso salarial da categoria profissional.

Com a expressão “optante pelo Simples Nacional”, a lei deixa claro não haver opção. Não há como escolher o regime tributário: todo o MEI é optante pelo Simples Nacional, é um pré-requisito. Destarte, para poder exercer atividades do Simples Nacional, a atividade deve ser autorizada pelo CGSN.

3.2.1        Atividades intelectuais incluídas no rol do MEI

Pelo teor do artigo 18-A[85] acrescentado à LC 123/06 e do parágrafo único do art. 966 do Código Civil de 2002, ao qual o artigo se refere, é excluída a possibilidade de inserção na lista do MEI dos “profissionais autônomos que exercem uma profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística”. Trazendo de novo o conceito de atividade intelectual como sendo aquela que envolve a inteligência, cujo produto é a manifestação do próprio intelecto criativo, infere-se que a vedação faz referência as profissões que se utilizam de um conhecimento técnico, científico, desportivo, artístico e cultural, conforme estatuído no inciso XI do art. 17 da lei, “que constitui profissão regulamentada ou não”.

Entretanto, a Resolução do Comitê Gestor do Simples Nacional (CGSN)[86] Nº 58 de abril de 2009 e as sucessivas, até a última Resolução, nº 78 de 2010 (MF, CGSN R78/2010), em seu anexo, elenca as atividades enquadradas no MEI, e lista entre outros, alguns tipos de profissionais autônomos como: web designer, professor particular de línguas, mágico, professor de música, ensino de música, animador de festas, atividades de recreação, astrólogo, cantor, músico independente, contador/técnico contábil, serviços de dublagem, editor de livros, produção teatral, editor de vídeos, filmador, filmagem de festas e eventos, fotografo, professor particular, instrutor de arte e cultura, de idiomas, de artes cênicas, ensino de idiomas, instrutor de cursos gerenciais e de cursos preparatórios.

Ressalta Fernandez, (2011, p. 147) que há um evidente erro do legislador, ou na definição do MEI como empresário, nos termos do art. 966 do CC, ou na inclusão de atividades nitidamente intelectuais. Por outro ângulo, é um ensaio de uma perspectiva de mudança nos paradigmas utilizados pelo legislativo.

Todas estas atividades são notadamente atividades intelectuais, de natureza técnica, científica, desportiva, artística ou cultural, vedadas pelo supracitado inciso XI do art. 17, e incluídas como exceções no rol do SIMPLES.

Como já mencionado, infere-se da expressão “optante pelo Simples Nacional”, constante do art. 18-A § 1o da LC 123 de 2008, que as atividades abrangidas no rol do MEI não podem ser proibidas de entrar no SIMPLES. O Comitê Gestor, por meio do art. 9[87] da Resolução CGSN n. 4 de 2007, com o intuito de simplificar a identificação das atividades permitidas, determinou a utilização dos códigos de atividades econômicas. Em seguida, a resolução CGSN n. 6 de 2007 trouxe em seu Anexo I a lista das atividades vedadas ao regime do Simples Nacional; já no Anexo II da mesma resolução identifica as relacionadas como atividades ambíguas (ou seja, concomitantemente impeditiva e permitida, conforme previsto pelo §2º do art. 9 da Resolução CGSN n. 4 de 2007). Estas atividades ambíguas podem ser habilitadas ao Simples, através das exceções à vedação.

Numa interpretação sistemática do art. 18-A da Lei 123 de 2006 com o §2º do art. 9 da Resolução CGSN n. 4 de 2007, infere-se, além da obrigatoriedade da inclusão no Simples para as atividades que pretendem ser MEI, a possibilidade de admissão se estiver na lista das atividades ambíguas, com previsão, portanto, de excepcionalidade.

A pergunta que se coloca é qual o critério utilizado para inserir estas exceções entre as atividades que podem estar inseridas no rol do MEI e do Simples Nacional?

No intuito de entender a ratio das exceções, portanto, analisou-se a estrutura atualizada da tabela de códigos e denominações da Classificação Nacional de Atividades Econômicas[88] (CONCLA, 2007, CNAE 2.0), em específico às atividades excepcionadas pela lei.

Na seção CNAE de “Atividades profissionais, científicas e técnicas [...] que requerem um treinamento especializado de nível mais elevado, nas quais os profissionais colocam suas habilidades e conhecimento à disposição dos usuários clientes” (CNAE 2.0 Introdução, 2007, p. 36), encontram-se os seguintes agentes econômicos incluídos no rol do SIMPLES NACIONAL e do MEI: o Fotografo[89], cuja categoria[90] é definida como “atividades de produção de fotografias, exceto aérea e submarina” e o Contador/Técnico Contábil[91], cuja categoria é definida como “atividades de contabilidade”. Ainda estão incluídos no rol do MEI – SIMPLES o mágico e o animador de festas – ambos da seção de “Artes, cultura, esporte e recreação”[92]. Na seção correspondente à categoria da “Educação[93]” – encontramos o Professor particular[94], o Instrutor de Idiomas[95], o Instrutor de Informática[96], o Instrutor de Artes Cênicas[97], o Instrutor de Música[98] e o Instrutor de Arte e Cultura em geral[99].

O grupo de profissionais contemplados pela Lei, com exceção do editor de livros e do editor de vídeos, apresenta os elementos característicos dos trabalhadores autônomos. Figuras como a do instrutor de línguas, do contador, do professor de música, do mágico, prestam serviços intelectuais e são comparáveis ao do tradutor, sendo possível, portanto, a equiparação das atividades negociais deste com as dos demais profissionais. Infere-se da lista que todos prestam serviços como trabalhadores autônomos para uma pluralidade de comitentes, por tempo determinado. Ademais, com exceção dos contadores, são atividades desabrigadas, não regulamentadas ou organizadas por lei ou conselhos profissionais.

A lei que regulariza as microatividades negociais (Lei Complementar 128 de 2008) tinha como intuito tirar da informalidade os milhares de trabalhadores que exercem pequenas atividades, permitindo-lhes profissionalizar-se e aumentar os próprios negócios, conseguindo, ao mesmo tempo, uma arrecadação tributária, que apesar de mínima, aumenta os cofres públicos.

Em relação aos contadores, pelo teor do §5º-B, XIV do art. 18 da Lei 123 de 2006, cominado com os §§ 22-B e 22-C do mesmo artigo, deduz-se que foram incluídos por prestarem um serviço de auxílio importante para a efetiva implementação do MEI, in verbis:

Art. 18, §5º-B,Sem prejuízo do disposto no §1º do art. 17 desta Lei Complementar, serão tributadas na forma do Anexo III desta Lei Complementar as seguintes atividades de prestação de serviços:

[...]

XIV. escritórios de serviços contábeis, observado o disposto nos §§ 22-B e 22-C deste artigo.

§22-B. Os escritórios de serviços contábeis, individualmente ou por meio de suas entidades representativas de classe deverão:

I – promover atendimento gratuito relativo à inscrição, à opção de que trata o art. 18-A desta Lei Complementar e à primeira declaração anual simplificada da microempresa individual, podendo, para tanto, por meio de suas entidades representativas de classe, firmar convênios e acordos com a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, por intermédio dos seus órgãos vinculados;

II – fornecer, na forma estabelecida pelo Comitê Gestor, resultados de pesquisas quantitativas e qualitativas relativas às microempresas e empresas de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional por eles atendidas.

III- promover eventos de orientação fiscal, contábil e tributária para as microempresas e empresas de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional por eles atendidas.

§ 22-C. Na hipótese de descumprimento das obrigações de que trata o § 22-B deste artigo, o escritório será excluído do Simples Nacional, com efeitos a partir do mês subsequente ao do descumprimento, na forma regulamentada pelo Comitê Gestor.

Quanto aos outros profissionais intelectuais, cujas atividades são permitidas pelo Comitê Gestor no rol do MEI, releva-se que nenhum deles está, de fato, lucrando. Todos estão recebendo um honorário, uma remuneração pelos serviços prestados. Assim sendo, nenhum deles poderia ser considerado empresário, no sentido mais puro do termo, segundo a Teoria da Empresa.

Interpretando teleologicamente as exceções pode-se, entretanto, inferir, que lhe se dá a possibilidade de se profissionalizar, porque, na verdade, nada impede que possam, na medida em que aumenta a carteira de clientes e a demanda pelo serviço, nada impede que possam “empresariar” a atividade, muito pelo contrário.

São trabalhos que já perderam a conotação de personalíssimos, sendo contratados na base da conveniência, preço, local, facilidade de acesso às informações relativas aos serviços. Não existe mais “O” mágico, mas muitos mágicos e animadores de festas: encontram-se os nomes nas paginas amarelas, nas listas telefônicas, na internet, competindo com várias empresas do ramo, especializadas em recreação, festas e eventos infantis, muitas vezes com infra-estrutura “industrial” ou em franchising, como no caso das festas padronizadas das vários “Casas de Festa” espalhadas Brasil afora, cujo mercado “movimenta, somente em São Paulo, quase R$ 500 milhões por ano” (JORNAL, O carona, 2011); não existe mais “O” instrutor de música, mas miríades de instrutores que ensinam a apreciação da música e de um instrumento e que competem com inúmeras pequenas e grandes escolinhas de música.

Com a promulgação da Lei 128 de 2008 dá-se, assim, a quem deseja empreender uma atividade, a chance de começar de forma profissional, entrando no mercado com mais força para competir com as grandes empresas, igualando os desiguais.

Podemos assim considerar o microempreendedor individual a guisa de proto-empresário, alguém que tem potencialidades para desenvolver uma atividade de forma empresarial.

Quem contrata um fotógrafo para cobrir um evento, um casamento, uma formatura ou até mesmo para realizar um book fotográfico, o faz eventualmente, por aquele tempo determinado e para a realização de uma tarefa especifica. Um fotógrafo, trabalhador autônomo, necessita de uma pluralidade de comitentes para exercer seu trabalho com continuidade, necessitando se organizar para divulgar seus serviços, promovendo seu serviço, aperfeiçoando as técnicas, investindo nos materiais e ferramentas de trabalho.

Infere-se o mesmo caráter de eventualidade e de pluralidade de comitentes em relação ao mágico e ao animador de festas, contratados para entreter convidados em festas.

Os instrutores incluídos no rol do MEI e do SIMPLES também, a não ser que trabalhem para instituições de ensino (caso em que seriam empregados), ou em sociedade simples com outros instrutores (podendo se enquadrar como micro ou pequenas empresas), a não ser estes casos, eles são trabalhadores autônomos que exercem suas profissões em caráter eventual, para uma pluralidade de comitentes e por tempo determinado, não podendo se caracterizar uma relação de emprego, por exemplo, entre o professor particular de matemática de uma criança e os pais que o contratam para acompanhar por um período de tempo o estudo do seu filho. É uma clássica prestação de serviço autônoma.

É o caso, por exemplo, do webmaster contestado por Mamede et al (2007, p. 129-130), que faz um paralelo com o arquiteto e o publicitário, não enxergando na argumentação uma “justificativa plausível para que seja vedada a opção” a estes últimos:

O mesmo acontece com a confecção de programas de computador e de páginas eletrônicas. Por que o arquiteto, que confecciona um projeto, ou o publicitário, que confecciona um comercial, não podem optar pelo Simples, e o webmaster, que faz uma home page, pode? Ambos estão a realizar atividade de natureza intelectual, e não há critério de discriminação válido que autorize vedar a um, e não a outro, a opção pelo Simples.

Entretanto, em que pese a argumentação do mestre, parece que a própria norma induz a inferência de uma preocupação do legislativo para com uma eventual relação de emprego do trabalhador, profissional autônomo, quando adiciona ao parágrafo que excepciona a atividade do web máster a expressão: “desde que realizada em estabelecimento do optante”. Não haveria como ele ser considerado proto-empresário, se estiver atuando como empregado para alguma empresa. A aparente preocupação por parte do legislador quanto à possibilidade de uma atividade poder ser enquadrada como relação de emprego é conseqüência do caráter personalíssimo dessas atividades. Em verdade, todos os trabalhos autônomos incluídos no rol do MEI são passíveis de serem enquadradas como relações de emprego, se fornecidas em caráter continuativo para o mesmo tomador de serviço, que atue na mesma atividade-fim.

Em relação ao arquiteto e ao publicitário, ademais, vale lembrar, em primeiro lugar, que o arquiteto é um profissional liberal e que as profissões liberais, pela ratio legis da norma, estariam excluídas a priori, pois já protegidas. Além disso, ambos são excluídos pelo caráter personalíssimo do “ser autor”, e, portanto, impossível de serem caracterizados a guisa de proto-empresários. Conforme a LDA e o artigo 17 da Lei 5194/66, que regula o exercício dos profissionais de Engenharia, Arquitetura e Urbanismo, por exemplo, “o autor do projeto [de arquitetura, engenharia, urbanismo] será sempre a pessoa física que o elaborou”, sendo considerados “criadores intelectuais de seus trabalhos classificados como artísticos” (Goulart, 2008, p. 1).

Considerando ser determinante a pessoalidade da prestação, pode-se estabelecer que as atividades autônomas que não acarretam a previsão de uma futura “impessoalidade” da prestação (FRANCO, 2009, p. 45-46), estariam excluídas das exceções.

 Conforme analisado, portanto, as microempresas e as empresas de pequeno porte que representam exceção da vedação do art. 17 têm sua razão de estar na lista do SIMPLES, sendo permitido aos trabalhadores autônomos que atuam nas categorias de exceção de inscrever-se como MEI, formalizando seus negócios.

Analisa-se, agora, o caso dos tradutores em específico.

3.3    a inclusão dA ATIVIDADE DE TRADUÇÃO NO SIMPLES E NO MEI

Existe vedação expressa ao ingresso no Simples Nacional para o serviço de tradução, cujo código CNAE é 7490/01. A vedação está contida no Anexo I da Resolução CGSN nº 6, de 18 de junho de 2007 que lista os Códigos previstos na CNAE impeditivos ao Simples Nacional, em vigência desde 1º de dezembro de 2010.

Considerando os conceitos operacionais introduzidos no segundo capítulo e a evolução do ofício da tradução, nas suas várias tipologias, através da interpretação teleológica e sistemática acima exposta, demonstra-se a necessidade e possibilidade da atividade de tradução ser inserida no rol do SIMPLES, para em seguida, verificar a perspectiva de inclusão de cada tipologia de tradutor na sistemática do MEI.

A tradução, fora os casos dos TPIC e dos LIBRAS, não é atividade regulamentada, necessitando assim de um amparo que permita aos trabalhadores autônomos um tratamento tributário favorecido e simplificado, em suma, mais favorável a esses agentes econômicos que operam num mercado altamente competitivo e globalizado.

Incluindo a tradução no SIMPLES, ademais, permitir-se-á também às microempresas e empresas de pequeno porte que atuam neste mercado de poderem oferecer emprego para inúmeros trabalhadores autônomos, atendendo aos objetivos da Lei 123, ilustrados pelo Ministro da Fazenda, Guido Mantega, em ocasião de cerimônia de anúncio das novas medidas para micro e pequenas empresas, previstas no Projeto de Lei Complementar (PLP) 87/11 (BRASIL, MF, Ampliação Simples Nacional, 2011).

Pois, de fato, como bem relata Barbosa:

Apesar de fundamentar-se no trabalho em equipe, porém, muitas dessas empresas, sobretudo as menores, que aceitam as tarefas que lhes são repassadas pelas empresas maiores, não têm condições de assumir o tradutor como empregado permanente, registrado, «com carteira assinada», como se diz no Brasil. A intensa carga tributária brasileira força-os a exigir desses trabalhadores que também se tornem minúsculas empresas, deixando-os, do mesmo modo, a descoberto de qualquer ação sindical. (BARBOSA, 2005, p. 15)

Andréa Lemgruber Viol e Jefferson José Rodrigues, neste sentido, afirmam que “a capacidade de geração de empregos, embora não seja a única razão, tem sido apontada como uma das principais motivações dos governos para ações que busquem sustentar e ampliar a participação das MPE no mercado” (VIOL e RODRIGUES, 2099, p. 4).

Considera-se assim possível permitir o ingresso no Simples Nacional à modalidade de serviço de tradução, cujo código CNAE é 7490/01, suprimindo a vedação expressa à tradução, presente no Anexo I da Resolução CGSN nº 6[100], e adicionando o código na lista do Anexo II, entre as atividades consideradas “ambíguas”. Será assim possível alterar a redação do § 1º do art. 17 da LC 123/2006, para incluir algumas das tipologias de tradução no âmbito do MEI, conforme se analisa a seguir.

3.3.1   Impossibilidade de enquadramento do tradutor autoral como MEI

Pode-se considerar o tradutor autoral um trabalhador do conhecimento, um profissional que atua autonomamente para uma pluralidade de comitentes, (editores, empresas de legendagem, particulares), por vezes, em caráter eventual, por vezes, em caráter de empregado e por vezes em caráter contínuo (informações colhidas em fóruns de tradução). Conforme estipulado pela Lei de Direitos Autorais[101], ele é autor, de fato e de direito, das obras de tradução, equiparando-se, portanto, seu trabalho, ao do escritor.

Esses profissionais estipulam contratos de cessão de direitos patrimoniais de autor, englobando a encomenda da obra no próprio contrato, que será remunerada com um montante único (ANDRADE, 2007, p. 18). Denomina-se o contrato, por uso do mercado, de “Contrato de encomenda de obra e cessão de direitos patrimoniais”, ou simplesmente “Contrato de cessão de direitos patrimoniais”, havendo, entretanto, quem utiliza de outra denominação contratual: “Contrato de prestação de serviço com cessão de direitos autorais” (informação verbal). Assume uma obrigação de resultado: a entrega da obra completa traduzida (BITTAR, 1977, p. 34).

Muitas das editoras e empresas de legendagem mantêm em seus bancos de dados os nomes dos tradutores aos quais são confiadas as traduções, pois “cada empresa possui uma carteira de tradutores com quem trabalha” (OSTRONOFF, 2011). Por ser a tradução dessas obras considerada autoral, não há como alienar os direitos morais, independente do contrato estipulado, devendo, assim, sempre ser assegurada ao tradutor a paternidade da obra de tradução, respeitando a autoria da tradução, inclusive quando ele for empregado, conforme art. 11 da Lei n.º 9.610, in verbis, “Autor é a pessoa física criadora de obra artística, literária ou científica”, sendo este também o entendimento jurisprudencial, como se depreende do voto da Ministra Nancy Andrighi, do qual se extraí o seguinte trecho:

Com efeito, a transferência ao empregador dos direitos patrimoniais sobre essas obras oriundas exclusivamente da relação de emprego exsurge como consequência lógica da remuneração recebida pelo empregado, sendo razoável supor a existência de acordo tácito nesse sentido, como forma de justificar o pagamento do salário. Por outro lado, esse mesmo salário não tem o condão de desfazer o liame subjetivo do autor com sua obra, persistindo o vínculo de caráter moral, que pertence à própria essência do direito de autor (BRASIL, STJ, REsp nº 1.034.103/ RJ, Relator: Min. Nancy Andrighi, julgado: 20 maio 2010)

Entretanto, algumas editoras exigem a emissão de nota fiscal do tradutor, forçando-o a ter “uma empresa (Pessoa Jurídica)” e conferindo a autoria da obra de tradução à “empresa - CNPJ” do tradutor:

[...] às vezes [...] os tradutores etc. têm uma empresa (Pessoa Jurídica) e desejam firmar com a editora contrato no nome de sua empresa porque assim podem também por ela emitir nota fiscal de algum trabalho. Ocorre que a lei determina que o direito moral seja indisponível, só se podendo dispor do direito patrimonial. De qualquer forma a empresa não tem personalidade para realizar em seu nome um livro, revista ou artigo que o valha. (MARCIAL, 2010).

Consegue-se vislumbrar a possibilidade de tradutores-autores serem enquadrados como microempreendedores quando exercem a atividade para empresas, particulares ou públicas, cuja atividade-fim não seja editorial ou de produção de produtos audiovisuais.

Somente se vislumbra essa possibilidade, entretanto, em relação aos legendadores, não havendo a possibilidade de enquadramento de um tradutor estritamente editorial poder ser considerado um proto-empresário. O tradutor estritamente editorial não tem como aumentar sua produção, tão somente trabalhando mais horas. Não há tarefas a serem delegadas, não é presente um processo de produção na tradução de um livro. A tradução de um livro cinge-se à tradução de um livro, trabalho estritamente intelectual e personalíssimo. A atividade de tradução de obra editorial entra no processo de publicação do livro, a atividade-fim da editora. A sua edição, sim, é um processo completo, que inclui a compra dos direitos autorais de tradução do autor originário, a encomenda da tradução e a compra dos direitos autorais patrimoniais do autor da tradução, a revisão, paginação, publicação etc. (ATTEMA, 2011).

A editora não há razão de existir sem autores: autores de obras originárias e autores de obras derivadas. Extrai-se, portanto, tão somente um caráter de parassubordinação do tradutor estritamente editorial para com as editoras. Há uma forte componente de pessoalidade, seja porque a tradução é obra autoral, portanto obviamente personalíssima a obrigação, seja porque as editoras, como antes exposto, escolhem seus tradutores a dedo, após testes, indicações, permanecendo um campo fechado, nesse sentido.

Diferente é a situação do legendador, tradutor autoral para obras audiovisuais. Explica-se. Quando um legendador é contratado, por instituição pública ou privada, para legendar um documentário, institucional ou empresarial, por exemplo, e o legendador se compromete com a entrega de um produto final, que inclui a tradução da legenda, a segmentação da legenda, a inserção de timing etc., (Carvalho et al, SINTRA, 2011), está assumindo uma obrigação de resultado. Está empreitando uma atividade. Pode até ele mesmo fazer a edição do vídeo ou trabalhar em parceria com outro profissional que o faça.

É um proto-empresário e, na medida em que aumenta a demanda, poderá aumentar o negócio, precisará de mais gente trabalhando com ele, delegando tarefas. Trata-se de um trabalho que sai da esfera de pessoalidade do prestador da obrigação. Nesse caso ele pode ser considerado MEI. Haverá nesse caso um contrato de empreitada de obra, com cessão de direitos, mas o que mais pesará na relação é o caráter técnico do trabalho: a capacidade de o legendador produzir ou gerenciar a produção de um produto final, “pronto para o uso”. Neste sentido poderá ser enquadrado como tradutor-microempreendedor, porque, por exemplo, “a marcação de tempo, que determinará a sincronia das legendas com as falas, é uma tarefa especializada que requer o uso de um programa de computador específico e algumas horas de trabalho, tendo [...] um custo adicional” (Carvalho et al, SINTRA, 2011).

Não poderá ser considerado MEI, entretanto, quando presta um serviço para produtoras de audiovisuais, pois há um nítido caráter de parassubordinação nessa relação. Nesse caso continuará sendo um teletrabalhador subordinado (quando assalariado) ou parassubordinado. Por mais que as produtoras de audiovisuais obriguem à emissão de Nota Fiscal ou forcem a constituição de uma sociedade (informação verbal), está claramente definido um caráter de relação de emprego, uma terceirização que somente favorece ao empresário-produtor em detrimento dos direitos sociais do trabalhador, em clara exploração da mão-de-obra.

3.3.2        Impossibilidade de enquadramento do TPIC e do LIBRAS como MEI

O tradutor público e o tradutor de LIBRAS, como antes analisado, são profissionais que operam com reserva de mercado. O TPIC é considerado um agente público por delegação. Não há como enquadrá-lo como MEI, pois fugiria das intenções do legislador, de oferecer tão somente aos que necessitam um apoio para atuar no mercado.

Não há como se vislumbrar um caráter de proto-empresa que possibilite a transição para empresa, também, pelo caráter infungível da prestação do TPIC e do tradutor de LBRAS, não havendo possibilidade de delegar funções e aumentar a produtividade. Ambos têm, no exercício de suas funções, caráter personalíssimo e indelegável.

3.3.3        Possibilidade de enquadramento do tradutor técnico como MEI

Resumindo quanto já exposto nos capítulos anteriores, o tradutor técnico é um trabalhador do conhecimento, um trabalhador autônomo que presta um serviço intelectual, na modalidade de teletrabalho autônomo, assinando um contrato de empreitada, cujo objeto é a execução e entrega da tradução, obrigação de resultado, sendo, portanto, responsável objetivamente e assumindo os riscos de eventuais erros na execução do trabalho.

Entretanto o mercado, por força de hábito, denomina o contrato como “Contrato de prestação de serviço”, apesar de ser configurada nele a obrigação de resultado, confundindo os conceitos. O tradutor é um fornecedor de serviços de tradução, mas não está “alugando seu tempo”, está se comprometendo a entregar uma tradução, que não é, no caso da tradução técnica, considerada obra criativa, não é obra protegida pela Lei de Direitos Autorais. É uma obra intelectual, mas que envolve, hoje em dia, uma organização do trabalho e competências outras que permitam atender o mercado. Conforme atenta Pontes de Miranda, citado por Coelho (2010, p. 303) “o empreiteiro é um prestador de serviços que assume obrigação de resultado, e não de meio”, uma obrigação de resultado que implica duas obrigações, a de fazer e a de entregar, pois, conforme Venosa (2004, p. 210) assevera, “na empreitada existe obrigação de entregar obra; na prestação de serviço, existe obrigação de executar trabalho”.

A globalização obrigou os profissionais autônomos da tradução a organizar seu próprio trabalho, para melhor competir no mercado, gerenciando os projetos com memórias de tradução, acelerando assim os tempos de produção, e também se diferenciando através de especializações, jurídica, médica, informática etc. (MUZII, 2011, p. 35).

Tornou-se assim, a tradução técnica, no sentido utilizado nessa pesquisa de extra-autoral e extra-pública, um processo complexo que engloba outras atividades além da tradução propriamente dita e capacidade de gerenciamento. O tradutor técnico, além de exercer as funções usuais de tradução, revisão e digitação, é também secretário, assistente administrativo, assessor de marketing de si mesmo, englobando ainda outras atividades, como a de diagramação e a de editoração, entre outras.

Vislumbra-se, destarte, uma nítida possibilidade do tradutor técnico ser enquadrado como MEI, pois não há mais como um tradutor técnico sobreviver no mercado se não se profissionalizar, se não oferecer um produto completo para as empresas. Como visto, ele compete na oferta desse produto com multinacionais que operam segundo critérios industriais, fato que influenciou a baixa dos preços. É imprescindível o auxílio do Estado que permita a quem quer se profissionalizar poder competir com mais força, equilibrando as evidentes desigualdades através de benesses como as oferecidas aos microempreendedores individuais, trabalhadores autônomos e intelectuais já incluídos. Faz-se necessário um tratamento favorecido para os “organismos que possuem menores condições de competitividade em relação às grandes empresas e conglomerados, para que dessa forma efetivamente ocorra a liberdade de concorrência (e de iniciativa), conforme assevera Tavares (2006, p. 216)”, sendo essa medida “tendente a assegurar a concorrência em condições justas entre micro e pequenos empresários, de uma parte, e de outra, os grandes empresários [...]”.

Os tradutores técnicos trabalham em modalidade de teletrabalho não tão somente para particulares, mas também para um número infinito de empresas, públicas e privadas, que exigem a emissão de uma nota fiscal quando da execução do trabalho, no intuito de afastar possíveis ações trabalhistas e conter os custos dos excessivos encargos sociais. Trabalham, também, para empresas do ramo dos serviços linguísticos, num mercado que é global e muitas vezes para empresas alienígenas. “Alguns escritórios [de tradução] também valorizam os profissionais que possuam uma empresa em seu nome para a emissão de nota fiscal” (VILELA, 2011, p. 1). A pluralidade de comitentes faz com que resulte de difícil identificação uma eventual relação de emprego. Afinal, como visto, a atividade tornou-se altamente competitiva, ensejando a profissionalização de todos os que atuam no mercado, para conseguir manter-se ativo. Há projetos que somente podem ser realizados em equipes, em colaboração com outros profissionais. A variedade de línguas e de especializações necessárias, diferente para cada projeto, e a variação entre um projeto e outro não permite que se possam empregar trabalhadores a tempo indeterminado para cada par de língua e especialização.

Perdeu-se, também, o caráter personalíssimo da prestação de serviço de tradução. Ninguém mais procura o tradutor da casa ao lado. Procura-se no Google, procura-se na Internet. As ofertas que aparecem nos portais de tradução (Proz, TranslatorsCafé etc.) configuram-se como leilões fossem, quem ganha o trabalho é quem consegue oferecer o preço melhor. O próprio Estado, quando emite um edital de licitação para serviço de tradução[102], o faz pelo sistema do “Menor preço global”.

Além de ter uma pluralidade de comitentes, não há caráter de continuidade, mas de colaboração eventual, ocasional. É uma atividade que já se terceirizou, já é B2B, e que apresenta uma legião mundial de fornecedores, em diferentes línguas e especializações, que servem para diferentes projetos. A parassubordinação esvanece perante a ausência de continuidade, pois conforme Manus (2005, p. 70) quando os serviços “são prestados a vários tomadores, sem qualquer indício de continuidade, configura-se o trabalho eventual ou avulso”.

Tão somente quando o tradutor trabalha em projetos enormes, que os vê envolvido por um tempo prolongado de meses, em equipe com outros teletrabalhadores, poderia se caracterizar uma parassubordinação, mas, reitera-se, trata-se de uma relação de trabalho provisória, eventual. A falta de regulamentação da profissão, ademais, permitiu que muitos entrassem no mercado da tradução, oferecendo um serviço de qualidade inferior, que, adicionando-se à progressiva evolução dos programas de auxilio à tradução, despencou globalmente os preços das traduções.

É evidente que se há possibilidade de um professor autonomamente “gerenciar sua carteira de clientes particulares” e organizar sua atividade, preparando as aulas, corrigindo exercícios, e, na medida em que aumenta sua carteira de clientes, investir na sua atividade para poder efetuar “aquele salto”, gerenciando assim, agora na forma de empresário individual microempresa, uma pequena escola de idiomas, ou de arte, ou música, se é dada essa oportunidade ao professor particular, deve ser dada essa mesma possibilidade aos tradutores técnicos, que atuam em modalidade de teletrabalho para uma pluralidade de comitentes, particulares, empresariais e agências internacionais e nacionais. Evidente que, inclusive quando se teletrabalha para agências, não há como configurar uma relação de emprego, mas simples terceirização para autônomos.

A atividade de tradução técnica já é organizada, há nela o caráter de programação prévia da produção, havendo distintas tarefas na realização do “produto final”. Pequenas empresas de tradução poderão empregar, por exemplo, auxiliares para gerenciar pequenos projetos de tradução. Enseja-se a possibilidade de os profissionais poderem aumentar os seus negócios e competir no mercado. A tradução, teletrabalho autônomo, atua num mercado sempre mais competitivo que tende a reduzir os preços e diminuir o rendimento de quem nele trabalha.

Ademais, tão somente duas modalidades são amparadas pela Lei, a do tradutor público e intérprete comercial e a do intérprete de LIBRAS. Os tradutores técnicos não são profissionais liberais, não têm o amparo da lei, pois não existe norma que regulamente a profissão e assegure uma reserva de mercado aos tradutores profissionais.

 Conforme asseveram Bassoli e Zanluchi (apud Karkache, p. 89, grifo nosso): “No texto constitucional, está expressa a positivação da liberdade contornada pela igualdade. O valor liberdade, garantido pela livre iniciativa, e o valor igualdade pela intervenção estatal, cumprindo seu dever de garantir a todos os agentes econômicos os mesmos direitos”. Ou seja, o Princípio do Tratamento Favorecido às Pequenas Empresas, estatuído no art. 170 da CFRB/88, não se resume a mera enunciação, representando uma necessidade premente do mundo globalizado.

 

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Sobre a autora
Ernesta Perri Ganzo Fernandez

Advogada em Florianópolis (SC).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERNANDEZ, Ernesta Perri Ganzo. Possibilidade de enquadramento do tradutor técnico como microempreendedor individual.: Uma abordagem lógico-jurídica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3232, 7 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21701. Acesso em: 22 dez. 2024.

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