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Possibilidade de indenização em face do abandono afetivo

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10/01/2013 às 15:35
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2 GUARDA E PROTEÇÃO DOS FILHOS

A Constituição Federal de 1988 trouxe o princípio do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente (227), como já explicado anteriormente, gerando a acepção da criança e do adolescente como sujeito de direitos, onde o legislador constituinte concedeu a prioridade aos seus direitos, transformando-os em interesses de primeiro escalão, justamente por esses direitos se referirem a pessoas com inegável fragilidade em relação às demais (adultos).

Nesse sentido, têm-se os ensinamentos de Paulo Lôbo (2011, p. 189):

 A concepção da criança como pessoa em formação e sua qualidade de sujeito de direitos redirecionou a primazia para si, máxime por força do princípio constitucional da prioridade absoluta (art. 227 da Constituição) de sua dignidade, de seu respeito, de sua convivência familiar, que não podem ficar comprometidos com a separação de seus pais.

É importante uma referência a história quanto a dissolução do casamento. Segundo Maria Berenice Dias (2011, p. 439) pelo Código Civil/1916 quando ocorria o desquite, os filhos menores ficavam com o cônjuge inocente, ou seja, a definição da guarda funcionava como punição a um dos cônjuges – quem fosse definido como culpado – que ficaria privado da guarda dos filhos. Dessa forma, esse critério legal possuía dupla função: uma punitiva, ao cônjuge “culpado” e, outra, compensativa, ao cônjuge inocente.

O que se pode perceber é que essas regras do Código de 1916 de definição de guarda não priorizam ou se quer consideravam o melhor interesse para a criança ou adolescente. Entretanto, o Diploma Civil de 2002 trata desse assunto objetivando proporcionar o melhor para a criança e o adolescente, ou seja, define a guarda em atenção aos interesses dos filhos e não ao dos pais.

Conforme Paulo Lôbo (2011, p. 190), os polos de interesses protegidos foram invertidos, onde o direito a guarda passou a constituir o direito à continuidade da convivência ou no direito de contado dos filhos. Nessa perspectiva aos pais foi preservado o poder familiar em relação à prole, com a separação, e aos filhos foi-lhes assegurado o direito a acesso a ambos os pais.

A proteção dos filhos é um direito fundamental destes e direito e obrigação de cada um dos pais em relação à prole e vai muito além da antiga concepção de guarda, a qual era concedida como direito/prêmio de um pai contra o outro.

Sendo assim, a separação dos cônjuges ou mesmo o fato de nunca terem estado juntos, como ocorrem nos relacionamentos passageiros, não pode significar separação de pais e filhos ou abandono.

2.1 Poder familiar

O Poder familiar pode ser conceituado como o exercício da autoridade dos pais sobre os filhos, no interesse destes, representa uma autoridade temporária que é exercida até a maioridade ou emancipação dos filhos, conforme Paulo Lôbo (2011, p. 295).

Segundo Maria Helena Diniz (2012, p. 601), o poder familiar pode ser entendido como um conjunto de direitos e obrigações, quanto à pessoa e bens do filho menor não emancipado, exercido igualmente por ambos os pais, tendo em vista o interesse e proteção do filho.

Conforme os Ensinamentos de Paulo Nader (2011, p. 343), é o instituto de ordem pública que atribui aos pais a função de criar, prover a educação de filhos menores não emancipados, bem como administrar seus bens, se houver.

Cumpre lembrar que o termo poder familiar, consagrada pelo novo Código Civil, veio para substituir a terminologia anterior do pátrio poder, adotada anteriormente. A expressão foi substituída, conforme determinação expressa do art. 3º da Lei 12.010, de 03 de agosto de 2009, que dispõe sobre o aperfeiçoamento da sistemática prevista para garantia do direito à convivência familiar a todas as crianças e adolescentes.

A mudança não foi apenas na nomenclatura, mas no seu significado, poisa autoridade no lar deixou de se concentrar apenas na figura do marido e pai e passou a ser compartilhada e exercida, em condições de igualdade, aos cônjuges (ou companheiros, na união estável) o poder de criar, educar e orientar a prole, conforme Paulo Nader (2011, p. 344.).Conforme Washington de Barros Monteiro[16] “Outrora o pátrio poder representava uma tirania, a tirania do pai sobre o filho; hoje o poder familiar é uma servidão do pai e da mãe para tutelar o filho.”

O poder familiar é moldado em função das necessidades vitais dos menores. A partir dessa premissa básica, o poder familiar não configura direito subjetivo dos pais em relação aos filhos, mas simplesmente poder de gerir a sua vida e educação, enquanto estes não possuem condições plenas para tal, conforme Paulo Nader (2011, p. 346).

Nesse caso, cabe ainda, acrescentar que o Código Civil ao se referir ao poder familiar dos pais não significa dizer que estes são os únicos titulares ativos e os filhos sujeitos passivos dele.Assim, para o cumprimento dos deveres decorrentes do poder familiar, os filhos são titulares dos direitos correspondentes, ou seja, o poder familiar é integrado por titulares recíprocos de direitos, conforme ensina Paulo Lôbo (2011, p. 299).

A doutrina indica alguns caracteres pertencentes ao poder familiar, dentre eles[17]: a) éirrenunciável, pois os pais não é permitida a desoneração de quaisquer de seus deveres; b) a titularidade do poder familiar é indivisível, pois os pais não podem confiar a terceiros parte de suas atribuições; c) é personalíssimo, pois o poder cabe restritamente aos pais, biológicos ou não;d) é imprescritível, pois não se extingue pela falta de exercício da função; e) é temporário, sua duração vai até a maioridade ou emancipação do filho.

2.1.1 Conteúdo do Poder Familiar

O Código Civil de 2002, dispõe sobre o conteúdo do poder familiar no art. 1.634, inc. I a VII, na Seção Do Exercício do Poder Familiar:

Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:

I - dirigir-lhes a criação e educação;

II - tê-los em sua companhia e guarda;

III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;

IV - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;

V - representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;

VI - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;

VII - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.

Merece especial atenção os incisos I e II do artigo citado acima, que tratam dos deveres dos pais de criação e educação, assim como companhia e guarda, pois o conteúdo relaciona diretamente à temática do presente trabalho.

Quanto à criação e educação, estas são atribuições básicas da autoridade parental, assim a expressão“Dirigir-lhes a criação e educação” implica na obrigação aos pais de prover os meios necessários  para sua subsistência e instrução de acordo com seus recursos financeiros, preparando-os para a vida, assegurando-lhes todos os direitos fundamentais da pessoa humana, conforme Maria Helena Diniz (2012, p. 606).

A criação pressupõe os cuidados e o zelo com o desenvolvimento físico e mental, enquanto a educação implica na prestação de assistência moral e o preparo intelectual, conforme Paulo Nader (2011, p. 352), ainda conforme o autor “criar não é apenas oferecer recursos materiais, mas essencialmente é atenção, carinho, diálogo.

Quanto a essa obrigação legal, é válido destacar que os genitores que no decorrer do tempo dedica ao filho apenas à prestação de assistência material, limitando-se ao pagamento de pensão alimentícia, podem incorrer na prática do abandono afetivo, estando sujeitos à responsabilização civil pelo descumprimento do dever de cuidado e, por consequente, dano moral causado ao filho.

Paulo Nader (2011, 353) assevera que “o judiciário registra casos dessa natureza e não há como se negar o direito de ressarcimento, provando-se: o dano moral, o abandono emocional, o nexo de causa e efeito entre ambos e o elemento de culpa”.

Como será visto mais detalhadamente no capítulo específico sobre a guarda dos filhos, a separação dos pais não implica na desobrigação do genitor não guardião dos deveres inerente ao poder familiar. Mesmo quando os pais não podem conviver diariamente como os filhos, ainda cabe aos pais a obrigação de proporcionar um conjunto mínimo de cuidados em relação à prole, que envolve cuidado, atenção, contato, enfim atos que importem na participação no desenvolvimento do filho, de forma que estes sintam que o genitor não guardião ainda faz parte de sua família efetivamente.

Quanto ao inc. II, do art. 1.634, CC, sobre a obrigação dos pais de ter os filhos em sua companhia e guarda;esse dever é importante, pois para que os pais proporcionem aos filhoso desenvolvimento físico, mental, social e as demais atribuições do poder familiar é necessário tê-los em sua companhia.

As atribuições que envolvem o ato de criar e educar requer o acompanhamento de perto e o conhecimento das necessidades e da evolução da criança e do adolescente, conforme Paulo Nader (2011, p. 354).

Assim, para que os pais possam proporcionar o necessário desenvolvimento físico, psíquico, educacional e social do filho a convivência é fundamental.

Por outro lado, o direito à companhia dos filhos tem como contrapartida o direito dos filhos à companhia de ambos os pais e à convivência familiar, constitucionalmente atribuída, conforme Paulo Lôbo (2011, p. 304).

Nesse sentido, vale destacar que o art. 227 da Constituição Federal determinar como deverda família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente, com absoluta prioridade, dentre outros direitos, o direito à convivência familiar.

Ainda seguindo os ensinamentos de Paulo Lôbo (2011, p. 304), o direito-dever de guarda inclui o de fiscalização, pois os filhos estão sobre a vigilância dos pais, que permite aos pais controlar da vida da criança, dentro do domicílio e também.

Segundo Maria Helena Diniz (2012, p. 608), o direito de guarda abrange o de vigilância, necessariamente, pois os pais são civilmente responsáveis pelos atos dos filhos menores sob sua guarda e companhia, tornando efetivo o poder de dirigir moralmente o filho.

Além do Código Civil (art. 1.634) o poder familiar também encontra fonte da Constituição Federal (art. 227) e no Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 22).

Consagrando o princípio da proteção integral à criança e ao adolescente, a Constituição Federal estabelece no seu art. 227, que traz uma relação das principais obrigações legais dos pais, que detém o poder familiar, em relação à prole, titulares dos direitos emanados do conteúdo do poder familiar. A Carta Magna estabelece que esses deveres devam ser assegurados pela família, pela sociedade e pelo Estado.

 Assim, conforme manda o texto constitucional, devem ser assegurados à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade,com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, assim como colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

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O art. 22, do Estatuto da Criança e do Adolescente determina que “aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.

O poder familiar é uma obrigação decorrente de lei e deve ser exercida pelos pais no interesse dos filhos. Sendo assim, se os interesses dos filhos estiverem ameaçados a lei prevê casos em que o juiz poderá privar o genitor do exercício temporário do poder familiar (suspensão), ou até mesmo, em casos mais graves retirar a titularidade do poder familiar (perda ou extinção), conforme as hipóteses descritas no Código Civil de 2002.

É importante ressaltar que a perda do poder familiar não implica na quebra o vínculo de parentesco entre o destituído e sua prole, apenas retira-lhe o poder de administrar a vida e os bens do menor, conforme ensina Paulo Nader (2011, p. 360).

As hipóteses de suspensão do poder familiar do pai ou mãe estão previstas no art. 1.637 do Código Civil, quando verificado a prática deabuso de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, ou ainda, em virtude de condenação por sentença irrecorrível, por crime cuja pena exceda a dois anos de prisão, caberá ao juiz adotar à medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha. Assim, a suspensão não é a primeira medida a ser adotada, o juiz poderá, ainda, optar por outras para cessar o prejuízo ao menor.

Paulo Nader (2011, p. 363) explica quea lei civil não é precisa ao definir as hipóteses de suspensão do poder familiar, apenas indica genericamente as suas causas que são abuso de poder, falta aos deveres e ato de arruinar os bens dos filhos.

As hipótesesde extinção do poder familiar estão previstas no art. 1.635, inc. I a V, do Código Civil. Assim, conforme o dispositivo legal o poder familiar poderá ser extinto nos seguintes casos: pela morte dos pais ou do filho; pela emancipação; pela maioridade; pela adoção;  por decisão judicial, na forma do artigo 1.638.

O art. 1. 638, do Código civil estabelece as condutas adotadas pelos pais que importarão na perda do poder familiar, a saber: castigo imoderado ao filho; deixar o filho em abandono; praticar atos contrários à moral e aos bons costumes; incidir, reiteradamente, nas referidas faltas previstas.

O assunto também é tratado no Estatuto da Criança e do Adolescente, que dispõe no art. 24:

Art. 24 A perda e a suspensão do poder familiar serão decretadas judicialmente, em procedimento contraditório, nos casos previstos na legislação civil, bem como na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que alude o art. 22.

O art. 22, conforme já dito trata dos deveres de sustento, guarda e educação dos filhos menores dos pais em relação aos filhos.

É importante destacar que além da possibilidade de suspensão ou perda do poder familiar quando o genitor se omite dolosamente em cumprir os deveres de guarda, sustento e educação da prole, essa conduta poderá ensejar a responsabilidade civil indenizatória por dano moral e psicológico sofrido pelo filho, em decorrência do afastamento do genitor, tanto a jurisprudência quanto a doutrina já tem entendimentos nesse sentido. Isso porque não se pode negar que a convivência com ambos os pais é um direito que todo filho possui, independentemente do vínculo afetivo existente entre os pais. Além disso, a saudável convivênciafamiliar é fundamental para a formação da personalidade das crianças e adolescentes, devido a sua especial condição de pessoas em formação que necessitam sobremaneira do cuidado dos seus pais.

2.2Guarda do filho de pais separados

Conforme Rolf Madaleno (2011, p. 422), a guarda é a faculdade que os pais possuem de “conservar consigo os filhos sob seu poder familiar, compreendendo-se a guarda como o direito de adequada comunicação e supervisão da educação da prole”.

Segundo Novellino[18],a guarda trata-se de uma faculdade advinda da  lei aos progenitores de manter seus filhos perto de si, através do direito de fixar o lugar de residência da prole e com ela coabitar, tendo os descendentes menores sob seus cuidados e debaixo de sua autoridade parental.

A guarda também pode ser conceituada como a atribuição a um dos pais separados ou a ambos dos encargos de cuidado, proteção, zelo e custódia do filho, podendo ser exercida por um dos pais – denominada unilateral - ou por ambos–denominada compartilhada, segundo Paulo Lôbo (2011, p. 190).

A regra básica, nas hipóteses de separação ou de pais que nunca viveram sob o mesmo teto, é a da preferência ao que os pais decidiram sobre a guarda dos filhos, quando chegam a consenso mútuo[19], conforme § 2º, art. 1.584, CC.

Entretanto a guarda pode ser modificada pelo juiz, conforme explica Madaleno[20]:

Embora a guarda decorrente da separação dos pais tenha natureza de custodia permanente, ela poderá ser alterada se assim for apurado ser em benefício do menor, mesmo porque é direito condicionado ao interesse da prole e sua principal característica é a de nunca resultar absolutamente definitiva, pois só guardará essa condição de imutabilidade enquanto subsistam os pressupostos fáticos que condicionaram a sua outorga para o guardião, mas qualquer decisão acerca da custódia da prole pode ser modificada se ocorrerem transformações nos fatos em que se fundou o pronunciamento judicial, ou no acordo dos pais, e se essas mutações afetarem os interesses da prole, de sorte que, ainda que se qualifique a guarda como definitiva, ela jamais terá esse caráter jurídico. (grifo nosso).

Importante frisar que a guarda não afeta o poder familiar dos pais em relação aos filhos, senão quanto ao direito de os primeiros terem em sua companhia os segundos (CC 1632). Por regra a guarda é um atributo do poder familiar, embora não seja de sua essência, pois existem guardiões sem o poder parental, como sucede, por exemplo, na tutela e com as famílias reconstituídas, nas quais o novo parceiro do guardião ascendente não o poder familiar, mas exerce a guarda indireta dos filhos de seu companheiro[21].

Ainda seguindo os ensinamentos de Rolf Madaleno (2011, p. 422) os adultos são naturalmente encarregados de cuidar de seus filhos no sentido mais amplo do termo. É importante destacar que os pais possuem o dever, e não a simples faculdade de ter seus filhos menores em sua companhia, pois os filhos menores e incapazes são naturalmente frágeis, indefesos e vulneráveis e, por isso, necessitam de proteção especial, a qual abrange a presença física, psicológica e afetiva dos pais, sendo esses os principais pressupostos da responsabilidade parental.

Nesse sentido, a guarda tem o objetivo de definir com quem o filho irá morar, em face da ruptura dos laços afetivos entre os pais ou mesmo nos casos que esses laços sequer chegaram a existir. Entretanto, o poder familiar ainda continua pertencendo a ambos os pais, de modo algum poderá ser admitido que a separação dos pais implique, igualmente, na separação dos filhos em relação a um dos pais. Tanto que o legislador previu que o pai ou mãe poderá/deverá visitar os filhos e tê-los em sua companhia, conforme dispõe o art. 1.589, CC.

Além disso,o Código Civil de 2002 também traz como obrigação a supervisão dos interesses dos filhos ao pai ou mãe que não detenha a guarda, nos termos do § 3º, art. 1.583, CC.

Por fim, é indispensável salientar que aos pais  incumbe ter os filhos em sua companhia e custódia, isso não significa tê-los simplesmente em uma companhia física, mas  pressupõe uma relação de comunicação que englobe não apenas o espaço físico do filho em interação cm seu genitor, mas que “nesse ambiente também impere uma relação de afeto e de carinho unindo ascendente e filho com laços de verdadeira e ilimitada comunhão de um fraterno amor”, conforme bem destaca Rolf Madaleno (2011, p. 422).

2.3 Guarda unilateral

A guarda unilateral é quando um dos pais possui a guarda dos filhos, assim a prole irá residir sob o mesmo teto desse guardião. Está prevista no art. 1.583, do CC, conforme descrito abaixo ipsis litteris:

“Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada.

§ 1º Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5º) e, por guarda compartilhada (...).

Interessante é que o Código Civil prevê a possibilidade da guarda unilateral, mas dá preferência à guarda compartilhada. A guarda conferida a apenas um dos genitores, com regime de visitas ao outro, é estabelecida em virtude de consenso dos pais, conforme Maria Berenice Dias (2011, p. 446).

Entretanto, já na audiência de conciliação o juiz deverá informar ao pai e à mãe a importância e o significado da guarda compartilhada, conforme § 1º, art. 1.584, CC. Essa disposição demonstra a preferência do legislador em conferir a guarda compartilhada aos pais.

Não havendo acordo entre os pais sobre a guarda dos filhos, assim como, não sendo possível a guarda compartilhada, a guarda será determinada pelo juiz seguindo os seguintes critérios legais do art. 1.584, § 2º, inc. I a III:

§ 2º A guarda unilateral será atribuída ao genitor que revele melhores condições para exercê-la e, objetivamente, mais aptidão para propiciar aos filhos os seguintes fatores: (grifo nosso)

I – afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar;

II – saúde e segurança;

III – educação.

Dessa forma nota-se que o filho ficará com o pai ou a mãe que se mostre mais apto para proporcionar ao filho seu pleno desenvolvimento humano, social, psíquico, educacional, dando-lhe afeto não só nas relações com o genitor, mas igualmente, com o grupo familiar. Além disso, a saúde e educação também são fatores a serem observados e proporcionados a criança ou adolescente.

Sendo assim, percebe-se que com a consolidação do principio do melhor interesse da criança na Constituição Federal a culpa do cônjuge não é mais relevante para a definição da guarda do filho. Os filhos ficarão sob a guarda de quem demonstrar melhores condições para exercê-la[22].

As melhores condições, para os fins legais, não pode ser entendida como melhores condições financeiras. De tal forma que o juiz levará em conta o conjunto de fatores que apontem para o desenvolvimento moral, educacional, psicológico do filho, das circunstâncias afetivas, sociais e econômicas do pai ou da mãe, conforme bem esclarece Paulo Lôbo (2011, p. 193). Em seguida, o referido autorcompleta com o seguinte:

Nenhum fator é aprioristicamente decisivo para determinar a escolha, mas certamente consulta o melhor interesse do filho menor a permanência com o genitor que lhe assegure a manutenção de seu cotidiano e de sua estrutura atual de vida, em relação aos meios de convivência familiar, social, de seus laços de amizade e de acesso ao lazer. Fator relevante deve ser o de menor impacto emocional ou afetivo sobre o filho, para essa delicada escolha.

É importante destacar que “A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos”, conforme art. 1.584, § 3º, CC. Pela simples leitura do dispositivo legal subtrai-se a conclusão que ao pai ou mãe que não detém a guarda cabe-lhe a obrigação de zelar pelos interesses dos filhos, ou seja, aquele genitor não guardião não poderá se eximir da obrigação pelo cuidado ininterrupto da prole devido à guarda não lhe pertencer.

A própria legislação é clara ao assegurar que o poder familiar não será afetado pela ruptura dos laços que uniam os pais, a exemplo disso tem-se o disposto no art. 1.632: “A separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos.” Também verificamos esse entendimento no art. 1.579, CC: “O divórcio não modificará os direitos e deveres dos pais em relação aos filhos.”

Além disso, caberá ao pai ou à mãe não guardião o poder/dever de visita, assim como a fiscalização a manutenção e educação da prole, nos termos do art. 1.589, CC.

Outro ponto que merece ser discutido é o disposto no art. 1.633, CC: “O filho, não reconhecido pelo pai, fica sob poder familiar exclusivo da mãe (...).” Essa é a situação do filho reconhecido somente por um dos pais – geralmente a mãe – obviamente aquele que sequer desejou reconhecer um filho, não poderia ficar com a guarda do mesmo. Esta situação configura a família monoparental, assegura Maria Berenice Dias (2011, p. 446).

Por fim, é importante lembrar que a guarda unilateral não afasta as obrigações e direitos do genitor não guardião. Nessa perspectiva, também cabe ao genitor não guardião verificar uma série de fatores sobre a vida do filho, como a saúde, a alimentação, o desempenho escolar e social, não estando dispensado de tais obrigações simplesmente por não estar residindo sob o mesmo teto.

2.4Guarda compartilhada

A guarda compartilhada foi instituída no ordenamento jurídico brasileiro através da Lei nº 11.698/2008, a qual modificou os arts. 1.583 e 1.584 do CC/2002.Antes dessa lei, esses artigos tinham a seguinte redação:

Art. 1.583. No caso de dissolução da sociedade ou do vínculo conjugal pela separação judicial por mútuo consentimento ou pelo divórcio direto consensual, observar-se-á o que os cônjuges acordarem sobre a guarda dos filhos.

Art. 1.584. Decretada a separação judicial ou o divórcio, sem que haja entre as partes acordo quanto à guarda dos filhos, será ela atribuída a quem revelar melhores condições para exercê-la. (grifo nosso).

Com a vigência da referida norma, inaugurou-se o instituto da guarda compartilhada dos filhos, conforme o art. 1.583 “A guarda será unilateral ou compartilhada”. Em seguida o legislador traz o conceito de guarda compartilhada “a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns”, conforme § 1º do art. 1.583, CC.

Conforme Paulo Lôbo (2011, p. 198) a Lei 11.698/2008 promoveu uma alteração profunda no modelo de guarda dos filhos, pois até então o que predominava no direito brasileiro era o instituto da guarda unilateral conjugada com o direito de visita. Essa lei, entretanto, inaugurou a preferência pela guarda compartilhada, exceto em situações que indiquem a guarda unilateral como forma de garantir o melhor interesse dos filhos.

Nesse  sentido tem-se os importantes ensinamentos de Rolf Madaleno (2011, p. 427), o qual aponta que a guarda era atribuída de forma unilateral, por força da tradição, com ampla tendência para a custódia da mãe, principalmente quando se tratava de filhos com pouca idade.

Vale destacar os apontamentos de Maria Berenice Dias (2011, p. 443), sobre a guarda compartilhada, afirmando ser esta o maior reconhecimento do caráter dinâmico das relações familiares, assegurando maior aproximação física e imediata dos filhos com ambos os genitores, mesmo diante da quebra do vínculo da conjugalidade, ou seja, quando cessa o matrimonio ou qualquer outro vínculo afetivo que unia os pais. E ainda completa o raciocínio sobre o instituto da guarda compartilhada da seguinte forma:

É o modo de garantir, de forma efetiva, a corresponsabilidade parental, a permanência da vinculação mais estrita e a ampla participação destes na formação e educação do filho, a que a simples visitação não dá espaço. O compartilhar da guarda dos filhos é o reflexo mais fiel do que se entende por poder familiar. (grifo do autor)

Ainda conforme a autora[23], os fundamentos da guarda compartilhada são de ordem constitucional e psicológica, com o objetivo básico de assegurar o melhor interesse do filho. De tal forma, esse tipo de guarda irá proporcionar mais prerrogativas a ambos os pais, implicando que os mesmos estejam mais presentes na vida da prole.

Conforme o Código Civil:

Art. 1.584.  A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser:

I – requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer deles, em ação autônoma de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar;

II – decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe.

Assim, a guarda compartilhada poderá ocorrer em face de consenso dos pais ou por determinação do juiz. Ainda que a guarda unilateral tenha sido definida antes dos advento da Lei, qualquer um dos pais tem o direito de pleitear a alteração[24].

Quanto à finalidade, a guarda compartilhada tem por objetivo resgatar o ambiente de harmonização e de coparticipação dos pais na educação e formação dos filhos, respeitando o poder familiar a fim de minimizar os efeitos negativos para a prole com a separação dos pais, conforme Rolf Madaleno (2011, p. 423).

Assim, a guarda compartilhada tem a função de preservar em condições de igualdade os laços de interação de pais e filhos, permanecendoo mais semelhante possível ao relacionamento outrora existente durante o período em que os filhos e pais viviam na mesma residência. Nessa perspectiva, a guarda compartilhada reconhece o princípio da isonomia entre o homem e a mulher e põe em prática o do superior interesse da criança, assevera Maria Berenice Dias (2011, p. 424).

Há uma preferência legal pela concessão da guarda compartilhada, tanto que o próprio legislador assegurou que “ Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada”, conforme disposto no art. 1.584, § 2º, CC.

Essa preferência legal dá-se em virtude do princípio do melhor interesse da criança, tanto que a guarda compartilhada é considerada como “direito à convivência dos filhos em relação aos pais” [25].

Através da guarda compartilhada os filhos possuem acesso a ambos os pais separados, proporcionando à prole o direito de continuar convivendo plenamente com os pais. Conforme os ensinamentos do ilustre doutrinador Paulo Lôbo (2011, p. 199):

Ainda que separados os pais exercem em plenitude o poder familiar. Consequentemente, tornam-se desnecessários a guarda exclusiva e o direito de visita, geradores de ‘pais-de-fins-de-semana’ ou de ‘mães-de-feriados’, que privam os filhos de suas presenças cotidianas. A guarda unilateral estimula o que a doutrina tem denominado alienação parental, quando o genitor que não a detém termina por se distanciar do filho, ante as dificuldades de convivência com este, máxime quando constitui nova família.

É necessário observar que na guarda compartilhada é definida a residência de um dos pais, onde viverá ou permanecerá o filho. Essa providencia é importante, pois garante a referência de um lar, para suas relações de vida, mesmo que a prole tenha liberdade de frequentar a casa do outro; ou mesmo viver alternadamente em uma e outra, seguindo as lições de Paulo Lôbo (2011, p, 200).

Maria Berenice Dias (2011, p. 445) também trata dessa possibilidade, para a autora a guarda compartilhada significa dois lares, dupla residência, mais de um domicílio. Porém, não há qualquer impedimento que os genitores estipulem alguns pontosa serem observados por ambos. Assim, há a possibilidade de ficar definida a residência do filho com um dos pais.

Ainda seguindo as lições de Paulo Lôbo (2011, p. 200), é necessário lembrar que a guarda compartilhada possui como finalidade essencial “a igualdade na decisão em relação ao filho ou corresponsabilidade, em todas as situações existenciais e patrimoniais”. Assim, em consequência de sua finalidade nada impede o juiz de conceder esse tipo de guarda mesmo quando os pais residirem em cidades e até mesmo em países diferentes, pois as decisões podem ser tomadas a distancia, dado o avanço das tecnologias da informação.

Dessa forma, a guarda compartilhada caracteriza-se pela manutenção responsável e solidária dos direitos e deveres inerentes ao poder familiar, suavizando os efeitos negativos da separação dos pais para a prole. Preferencialmente os pais permanecem com as mesmas divisões de tarefas que mantinham quando conviviam, acompanhando conjuntamente a formação e o desenvolvimento do filho. Na medida do possível, cada um dos pais deve participar das atividades educacionais, de esporte e de lazer dos filhos. Nesse contexto, a convivência compartilhada é o mais importante, pois o ideal é que o filho possa se sentir bem tanto na residência de um quanto na do outro, considerando ambas as residências como sua, ensina Paulo Lôbo (2011, p. 200).

Nesse contexto, as vantagens da guarda compartilhada são claras: prioriza o melhor interesse dos filhos e da família, prioriza o poder familiar em sua extensão e a igualdade dos gêneros no exercício da parentalidade, bem como a diferenciação de suas funções, não ficando um dos pais como mero coadjuvante, e privilegia a continuidade das relações da criança com seus dois pais, conforme Lôbo (2011. P. 201).

Fabíola Lathrop Gómez[26] esclarece que a guarda compartilhada não se vincula à divisão do tempo de permanência dos pais separados com seus filhos, mas é caracterizada pelo desenvolvimento de outras atribuições, que passam pelo dever de cuidar dos filhos, ou seja, pelo exercício do direito e dever de vigilância e controle dos filhos e pelo dever de colaboração a ser observado pelos pais. 

Quanto à divisão do tempo de permanência dos pais com os filhos, o art. 1.584, inc. II traz que o juiz tem o poder de distribuir o tempo dos filhos em conformidade com suas reais necessidades de convívio com cada um, justamente para que eles possam efetivamente participar da vida cotidiana dos filhos, conforme Rolf Madaleno (2011, p. 429).

Nessa temática é importante destacar que guarda compartilhada e guarda alternada são institutos distintos. Já que na guarda alternada, procede-se praticamente a divisão da criança, mais no interesse dos pais do que no dofilho, na medida em que o poder parental é conferido de forma exclusiva por períodos preestabelecidos de tempo, geralmente de forma equânime entre as casas dos pais, conforme Dias (2011, p. 446).

Por fim, para a guarda compartilhada, o mais relevante não é com quem está sendo atribuída a custódia física do filho, como ocorre na unilateral, pois a guarda conjunta não conta o tempo de custódia, tratando os pais de repartirem suas tarefas, assumindo a efetiva responsabilidade pela criação, educação e lazer dos filhos, e não só a um deles, como sucede na guarda unilateral, nas lições de Rolf Madaleno (2011, p. 431).

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Sobre a autora
Hilma da Silva Costa Venez

Acadêmica de Direito do Instituto de Ensino e Pesquisa Objetivo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VENEZ, Hilma Silva Costa. Possibilidade de indenização em face do abandono afetivo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3480, 10 jan. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23326. Acesso em: 29 mar. 2024.

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