9- A polêmica do FUNDEB na apuração da receita corrente líquida - RCL
Sucessor do FUNDEF, o Fundo da Educação Básica – FUNDEB é sistema que redistribui certos impostos entre Estados e seus municípios.
Ganha o ente estatal que, em face da média estadual, oferece mais vagas na rede própria de ensino básico; em sentido inverso, perde o Estado ou o Município que assegura menos vagas.
Considerando a retenção, na fonte, dos impostos vinculados ao FUNDEB [18] e tendo em vista que, após o cálculo da quota estadual ou municipal no Fundo, aqueles tributos, no todo ou em parte, “retornam” para o erário de origem, ante essa engenharia contábil, há interpretações divergentes quanto à participação do FUNDEB na receita corrente líquida de Estados e Municípios.
De sua parte, a Secretaria do Tesouro Nacional deduz, da receita corrente líquida, toda a retenção dos 20% de impostos do FUNDEB, mas soma o efetivo recebimento vindo do Fundo.
Essa leitura prejudica os Estados e Municípios que recebem menos do que contribuem ao Fundo da Educação Básica; os perdedores.
Alguns Tribunais de Contas, entre eles o do São Paulo, discordam desse método; sustentam que o valor perdido para o Fundo se inclui na RCL, visto que, para todos os efeitos, se inclui na aplicação dos 25% constitucionais da Educação.
É bem assim pois não há como fazer despesa (parte daqueles 25%) sem que haja a correlata receita de suporte, sendo que esta deriva de impostos e, por isso, há de compor a receita corrente líquida.
Tal entendimento vê-se confirmado em recente lei, a que regula o gasto mínimo na Saúde (LC nº 141, de 13.01.2012). Com efeito, assim dispõe o art. 29 de tal diploma:
“Art. 29. É vedado aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios excluir da base de cálculo das receitas de que trata esta Lei Complementar quaisquer parcelas de impostos ou transferências constitucionais vinculadas a fundos ou despesas, por ocasião da apuração do percentual ou montante mínimo a ser aplicado em ações e serviços públicos de saúde” (grifamos)
Claro está que, sob tal dispositivo, todo o Fundo da Educação Básica é base sobre a qual se calcula a despesa mínima da Saúde, mesmo que parte do Fundo tenha se perdido em favor de outro ente estatal.
Então, se a parcela perdida é receita que baseia o gasto da Saúde, também compõe, por óbvio, a receita corrente líquida.
Ante o exposto, assim se deve afastar o FUNDEB da receita corrente total:
Relação FUNDEB/entidade federada |
Subtração da Receita Corrente Total |
Entidade federada com perda junto ao FUNDEB (contribui mais do que recebe) |
O efetivo recebimento desse Fundo, mas, não, os 20% de impostos do FUNDEB. |
Entidade federada com ganho junto ao FUNDEB (recebe mais do que contribui). |
Os 20% dos impostos do FUNDEB, mas, não, o efetivo recebimento desse Fundo |
10- A polêmica exclusão da receita do fundo de saúde
Tendo em vista que a LRF manda deduzir, da RCL, a contribuição dos servidores ao seu sistema de previdência e assistência social [19], interpretam alguns que, por analogia, deva também ser afastada a contribuição aos fundos de saúde dos servidores.
Todavia, essa dicção tem dois relevantes inconvenientes:
a) A pretendida exclusão do fundo de saúde não se expressa, de forma inequívoca e cabal, na Lei de Responsabilidade Fiscal, em cujo artigo 2º, IV as deduções são exaustivas; taxativas; não enunciam os tais fundos de saúde dos servidores.
b) A referenciada exclusão da LRF tem a ver com a figura da “Contribuição”, porém, de outro lado, Estados, Distrito Federal e Municípios não podem instituir contribuição para a saúde de servidores, mas, somente, contribuição de melhoria (art. 145, III, CF), contribuição funcional para o RPPS (art.40, § 1º e art. 149, da CF) e contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública (art. 149-A, da CF). Aliás, é bem isso o que diz a Secretaria do Tesouro Nacional nas explicações ao modelo nacional de RCL, introduzido pela Portaria STN nº 249, de abril de 2010.
11- Conclusão
No intento de agregar as contas de todas as entidades federadas da Nação, cabe à Secretaria do Tesouro Nacional (STN) editar normas que possibilitem tal lide (art. 50, § 2º da LRF).
Nessa dinâmica, há, ainda hoje, razoável divergência quanto ao conteúdo de alguns demonstrativos padronizados pela STN, vez que alguns Estados lêem, de modo diferente, as respectivas normas legais.
No tocante à receita corrente líquida, entendem os discordantes que cabe excluir o Imposto de Renda Retido na Fonte, bem assim as transferências voluntárias de outros entes federados, os Royalties, o Salário-Educação, as contribuições ao fundo de saúde dos servidores, sem prejuízo de embutir, em alguns casos, valor menor do Fundo da Educação Básica – FUNDEB.
De outro lado, conclui este artigo que o modelo da Secretaria do Tesouro Nacional – STN é o que melhor se ajusta à respectiva norma da Lei de Responsabilidade Fiscal, o inciso IV do art. 2º.
Contudo, este trabalho diverge da STN em um único ponto; eis a cifra perdida para o Fundo da Educação Básica – FUNDEB, a qual, para todos os efeitos, integra os 25% constitucionais da entidade perdedora, além de referenciar a despesa obrigatória em Saúde e, por ambos os motivos, não pode ser afastada do cômputo da receita corrente líquida.
Em vista dos argumentos apresentados ao longo deste artigo, eis a fórmula de cálculo da receita corrente líquida aplicável a Estados e Municípios:
- Receita Total Corrente já excluída as receitas intraorçamentárias
- (-) Receita de anulação de Restos a Pagar
- (-) Recebimento efetivo do FUNDEB para entes estatais com perda financeira junto a tal Fundo
- (-) 20% dos impostos vinculados ao FUNDEB para os entes estatais com ganho financeiro junto a tal Fundo.
- (-) Transferências constitucionais a Municípios
- (-) Contribuição do servidor para o regime próprio de previdência
- (-) Compensação Financeira junto aos regimes de previdência.
- (=) RECEITA CORRENTE LÍQUIDA
Notas
[1] Segundo a Medida Provisória 589, de 13.11.2012, o parcelamento de débitos junto ao INSS reterá parcela do FPM ou FPE até 2% da receita corrente líquida do governo devedor.
[2] Quando o ente transferidor nada obtém em troca do dinheiro entregue à outra entidade pública da mesma esfera de governo, o repasse não será intraorçamentário, mas, sim, financeiro, extraorçamentário; isso, a mando do art. 7º da Portaria SOF/STN nº 163, de 2001.
[3] 30% dos vencimentos anuais - art. 5º, IV da Lei nº 10.028, de 2000.
[4] Art. 22, parágrafo único da Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF.
[5] Art. 59, § 1º da LRF.
[6] Resoluções Senatoriais nº 40 e 43, de 2001.
[7] Art. 11, § 2º da Lei nº 4.320, de 1964.
[8] Portaria STN nº 407, de junho de 2011 - Modelo do Relatório Resumido da Execução Orçamentária – www.tesouro.fazenda.gov.br.
[9] Vide site www.tce.sp.gov.br
[10] Art. 6º da Lei nº 4.320, de 1964.
[11] Conforme previsto no art. 201, § 9º da Constituição – contagem recíproca do tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada.
[12] Art. 19 - .................
§ 1º Na verificação do atendimento dos limites definidos neste artigo, não serão computadas as despesas:
VI - com inativos, ainda que por intermédio de fundo específico, custeadas por recursos provenientes:
a) da arrecadação de contribuições dos segurados;
b) da compensação financeira de que trata o § 9º do art. 201 da Constituição;
[13] vide www.tesouro.fazenda.gov.br.
[14] Art. 38 da Lei nº 4.320, de 1964 – Reverte à dotação a importância da despesa anulada no exercício; quando a anulação ocorrer após o encerramento deste, considerar-se-á receita do ano em que se efetivar.
[15] Art. 35, I da Lei nº 4.320, de 1964.
[16] Portaria STN nº 249, de abril de 2010.
[17] Art. 6º da Lei nº 4.320, de 1964.
[18] ICMS, IPVA, FPM, FPE, IPI/Exportação e ITR.
[19] Art. 2º, IV, c) da Lei de Responsabilidade Fiscal.