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A Copa do Mundo no Brasil: implicações no campo dos direitos humanos

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05/06/2013 às 16:10
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Considerando a preparação para a Copa do Mundo, analisam-se as possíveis violações aos direitos humanos, especialmente moradia, trabalho, informação e participação pública, meio ambiente, mobilidade e direito do consumidor.

Resumo: O Brasil comprometeu-se a, nos próximos anos, organizar e sediar grandes eventos esportivos – responsabilidade que pode trazer benefícios políticos e econômicos a curto e longo prazos, mas que exige atenção nos processos de preparação. Acusações são feitas, contra o governo, de estarem sendo cometidos atropelos legais em nome do cumprimento dos compromissos estabelecidos, desconsiderando certos direitos humanos, alguns resguardados constitucionalmente. O presente trabalho visa a apurar tais denúncias, analisando os pontos e aspectos de maior relevância nas acusações, em temáticas específicas, e tomando como referência e objeto de estudo a Copa do Mundo de Futebol, a ser realizada em 2014.

Palavras-chave: Copa do Mundo; direitos humanos; violações.


1. INTRODUÇÃO

O Brasil recebeu, em maio de 2012, 170 recomendações no relatório desenvolvido pelo Grupo de Trabalho sobre o Exame Periódico Universal (EPU). O documento relacionava, dentre outras áreas, notificações por conta de possíveis violações de direitos humanos, decorrentes das obras preparatórias de dois megaeventos programados para os próximos anos, a saber, a Copa do Mundo de Futebol, em 2014 e as Olimpíadas, em 2016. Esta pesquisa visa a relacionar quais as implicações resultantes da realização de um grande evento esportivo no Brasil, no campo dos direitos humanos, centralizando a questão nos preparativos para a Copa do Mundo de Futebol.

A pesquisa se dará por consideração das acusações de violação de direitos humanos nos preparativos físicos para o evento, bem como análise dos pontos relacionados pelos defensores dos direitos humanos quanto ao texto do projeto da chamada Lei Geral da Copa. Concluir as obras no prazo estabelecido é de suma importância para o país, visando a que se transmita uma imagem séria e comprometida com o cumprimento dos acordos e planos. Será, no entanto, pressuposto da avaliação no presente trabalho a preponderância da importância da defesa e aplicação dos direitos humanos, enquanto satisfação do art. 1º, inc. III da Constituição Federal: a dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado Democrático de Direito.


3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1. OS DIREITOS HUMANOS NO BRASIL

Noberto Bobbio assevera, no livro A Era dos Direitos, que o grande problema acerca da temática referente aos direitos humanos, na atualidade, não é sua justificação, etapa que afirma o jurista ter sido superada, mas sua efetiva proteção. A fundamentação dos direitos humanos teria sido parte de um processo político, e não filosófico: os direitos foram conquistados, afirma Bobbio, não por necessidade subjetiva, mas por avanços sociais e políticos paulatinos e contínuos. Dessa forma, o conceito de direitos humanos seria sempre adaptável e subjetivo, definido pelo contexto social em questão (BOBBIO 1992: 15-26).

Bobbio finaliza explicando que de nada importa saber quais e quantos são os direitos, sua natureza ou fundamento, senão “qual o modo mais seguro para garantí-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados” (BOBBIO 1992: 26). Atualmente, a Organização das Nações Unidas (ONU), realiza, a cada quatro anos e meio, estudos voltados a seus países membros, com o intuito de fornecer recomendações em pontos considerados pendentes sob a avaliação do órgão, no que tange à aplicação de direitos humanos – é a chamada Revisão Periódica Universal. O Brasil recebeu, em maio, um relatório apontando 170 áreas onde recomentou-se revisão no posicionamento político (MIRAGLIA 2012).

Dentre as problemáticas emitidas pelo órgão através do documento, o “2º Relatório Nacional do Estado Brasileiro”, estava o alto índice de violência e letalidade policial (e recomendação de que se extingua a polícia militar, bem como o fîm da separação de polícias); a superlotação dos presídios; a violência doméstica contra a mulher; a necessidade de proteção dos direitos dos povos indígenas e quilombolas; a falta de um conselho nacional de direitos humanos; e com especial enfoque também às denúncias de violações de direitos humanos nos preparativos para a Copa do Mundo e as Olimpíadas (UNITED NATIONS 2012).

É importante destacar que órgãos nacionais, não-governamentais, de defesa dos direitos humanos, como o Conectas Direitos Humanos, fazem ressalvas a pontos específicos trazidos pela carta, como as recomendações de “proteger a família natural e o matrimônio, formado por um marido e uma mulher, como a unidade básica da sociedade que prove as melhores condições para educar as crianças”, dada pelo Vaticano; de “continuar o programa de educação religiosa nas escolas públicas”, dos representantes da Namíbia e até mesmo que “outros estados da federação considerem implementar os programas similares às UPPs”, pelo governo australiano (ASANO; CALDAS 2012).

Tais recomendações, no entanto, refletem a facilidade e abertura com que a temática dos Direitos Humanos vem sendo tratada atualmente e não deve ser rechaçada, mas filtrada e reconsiderada, com o objetivo a que adapte-se às necessidades específicas do Brasil. O próprio Conectas Direitos Humanos considera o saldo do 2º Relatório Nacional do Estado Brasileiro como “positivo”, por ter tratado de muitos temas relevantes e necessidades latentes no tangente aos direitos humanos (CONECTAS DIREITOS HUMANOS 2012).

3.2. PREPARATIVOS FÍSICOS PARA A COPA DO MUNDO EM 2014 E ACUSAÇÕES DE VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS

As denúncias de violações dos direitos humanos provocadas pela Copa do Mundo apresentam-se em duas vertentes: movidas por conta dos preparativos físicos para a copa; e questionamentos acerca dos fundamentos da chamada “Lei Geral da Copa”. O Instituto Nacional de Estudos Sócioeconômicos e Culturais (INESC) compara as medidas que vêm sendo tomadas pelo governo brasileiro como análogas às adotadas em “estado de exceção” – flexibilização desmedida de leis com o objetivo de satisfazer interesses de empresas privadas, com consequências que recaem primeiramente à parcela menos privilegiada da sociedade (INESC 2012).

3.2.1 - MORADIA

A BWI, órgão de representação internacional dos trabalhadores da construção civil, destaca a violação ao direito à moradia, constituindo um problema reincidente em eventos do tipo, e que deve ser evitado. A BWI assevera que propostas de consulta popular e maior atenção no processo de remoção de famílias localizadas em áreas afetadas direta ou indiretamente pelos preparativos para a Copa do Mundo são medidas que devem ser adotadas (INESC 2012).

A Articulação Popular Nacional, em iniciativa semelhante, destaca que a experiência prática diverge dos discursos das organizações internacionais responsáveis pelos megaeventos a serem realizados nos próximos anos (FIFA e COI) e das empresas envolvidas na promoção destes. Para a APN, os benefícios relacionados não são efetivados ou, quando são, não tornam-se suficientes se comparados aos custos e real retorno à população, sobretudo àqueles mais pobres e socialmente vulneráveis (APN 2012).

Segundo a APN, moradores de assentamentos informais, migrantes, moradores em situação de rua, profissionais do sexo, comunidades indígenas e afrodescendentes, vendedores e vendedoras ambulantes e outros trabalhadores informais, sobretudo da construção civil são os maiores afetados pelas arbitrariedades dos interesses privados. Remoções e despejos forçados acabam sendo situações comuns em meio à necessidade de cumprimento dos prazos estipulados. Tudo isso acaba por constituir grave ameaça, assim, aos mecanismos de defesa, proteção social, garantia e promoção de Direitos Humanos (APN 2012).

A título de informação, estima-se que, para a efetivação de uma obra de duplicação de uma das avenidas de Porto Alegre, considerada prioritária no estado para a Copa do Mundo, cerca de 1.700 famílias sejam removidas de suas casas. O projeto não define o destino dessas pessoas. Serão realocadas somente após o início das obras, para bairros a cerca de três quilômetros de onde vivem atualmente (D’ÁVILA 2012).

A Articulação Nacional de Comitês Populares da Copa lançou o dossiê Megaeventos e Violações de Direitos Humanos, que reúne dados e informações sobre impactos de obras e transformações urbanas realizadas para a Copa do Mundo de 2014. O documento encontra-se dividido em seis temáticas específicas e traz casos concretos de violações aos direitos fundamentais dos brasileiros (APN 2012).

A Constituição garante a moradia como direito social fundamental, além de criar a função social da propriedade, enquanto o Estatuto da Cidade (2001) torna obrigatórios os planos diretores – em que deve ser tratada a questão habitacional – para cidades acima de 20.000 habitantes. Sob o tópico ‘Moradia’, no entanto, o dossiê assevera que não menos que 150 mil pessoas terão seu direito à moradia ameaçado ou violado. Estes números acabariam por fomentar estimativas já desfavorecidas. Números oficiais oferecidos pelo Ministério das Cidades em 2008 apontam que aproximadamente 5 milhões de pessoas encontram-se desabitadas e outras 15 milhões em domicílios duráveis inadequados – é o chamado déficit habitacional.

Hertz Leal, um dos líderes do Comitê Popular da Copa e Olimpíadas, afirma que cidades como o Rio de Janeiro passam por um processo de “higienização”, retirada de favelas e comunidades que as autoridades políticas consideram como inadequadas ao ambiente do evento. A ideia, segundo Leal, é apropriada, mas não vem efetivando-se da maneira correta, pois o governo não estaria construindo moradias sociais, apenas oferece alugueis ou facilidades no programa “Minha Casa, Minha Vida”, ao qual a maioria da população não tem condições financeiras de aderir. Com isso, a própria legislação estaria sendo, segundo ele, descumprida, na medida que existem normas que determinam a concessão de indenização justa e prévia (INSTITUTO HUMANITAS UNISINOS 2012).

Esta intenção ficaria explícita na redação do Decreto Municipal n. 30.379, de 1/01/2009, que estabelece que o Poder Executivo “envidará todos os esforços necessários no sentido de possibilitar a utilização de bens pertencentes à administração pública municipal, ainda que ocupados por terceiros, indispensáveis à realização dos Jogos Rio 2016” (grifos nossos), o qual contradiria a garantia de “utilização prioritária de terrenos de propriedade do Poder Público para a implantação de projetos habitacionais de interesse social” (grifo nosso), prevista na Lei Federal n. 11.124, de 16/06/2005, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social.

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O dossiê Megaeventos e Violações de Direitos Humanos denuncia que a real intenção com as desapropiações de terrenos urbanos é a obtenção de lucro para empreiteiras e construtoras, através de especulação imobiliária, mascarada com as falsas justificativas de mobilidade urbana e preservação da própria população em questões de riscos ambientais, melhoria das condições de vida. Para a Articulação Nacional de Comitês Populares da Copa, a supressão do direito à habitação ocorre adstritamente à limitação do direito à informação, na medida em que dados são ocultos e o governo faz “vista grossa” à realidade das vítimas (APN 2012).

Apenas no Paraná, o projeto de desenvolvimento do chamado “Corredor Metropolitano” – obra cujo discurso oficial apresenta como pretendendo requalificar diversas vias e implantar faixas exclusivas para ônibus, numa extensão de 52 km, interligando diversos municípios do Estado, deverá afetar aproximadamente 1.173 imóveis, caso mantido o projeto até agora tornado público. Em Fortaleza, por sua vez, mais de 15.000 famílias, de várias comunidades, serão atingidas por empreendimentos relacionados à Copa do Mundo (APN 2012).

Em Belo Horizonte, são planejadas as obras do complexo urbano na Granja Werneck ou “Mata do Isidoro”, na regional Norte do município, uma área verde com aproximadamente 10 milhões de metros quadrados de área. De acordo com reportagem do jornal Hoje em Dia, o projeto prevê a construção de até 75 mil apartamentos, parte destes devendo ficar pronta até 2013 e seriam chamados de “Vila da Copa”, por planejar-se que inicialmente sirvam como alojamento de delegações, jornalistas e turistas da Copa do Mundo 2014 (GESTA/UFMG 2011).

3.2.2 - TRABALHO

Neste tópico, o dossiê Megaeventos e Violações de Direitos Humanos fornece a pertinente diferença entre direito ao trabalho e direito do trabalho. Âmbos seriam, de alguma forma, violados nos preparativos à Copa do Mundo de 2014. No referente aos direitos do trabalho, a Constituição Federal é clara ao assegurar o rol de garantias do art. 7º. As propagandas de promoção da Copa do Mundo e Olimpíadas destacam que constituem instrumento de geração de empregos e a ampliação de direitos voltados à obtenção de um ofício digno. Esta não tem sido, no entanto, a realidade brasileira (APN 2012).

A FIFA emitiu, no momento da eleição do Brasil como sede da Copa do Mundo, a determinação de que as obras fossem concluídas no máximo até 31 de dezembro de 2012. Esta pressão é constantemente tratada na mídia e acaba por contribuir para atropelos legais, servindo de justificativa para maiores investimentos em recursos públicos, irregularidades no processo de licenciamento das obras e inconsistência na elaboração de projetos sem qualquer segurança econômica, ambiental e jurídica. Acabou por servir também como pretexto para violação dos direitos dos trabalhadores envolvidos nas obras (APN 2012).

Em algumas cidades-sede, os contínuos desrespeitos às condições básicas de trabalho dos operários contratados para as obras levaram a ocorrência de uma série de movimentos de greve, com paralisações e movimentos transmitidos na mídia nacional como irresponsabilidade por parte dos trabalhadores, levando ao entendimento público que eventuais atrasos nas entregas dos projetos foram causados pela invocação do direito constitucional de greve, pelos operários (SEGALLA 2012).

Na maioria dos casos, os direitos protestados eram básicos, como questões ligadas à remuneração (pisos salariais unificados), pagamento de horas extras e adicionais noturnos, além de fornecimento de planos de saúde e melhoria das condições de trabalho (BWI 2011). No tópico 3.3 serão enunciados os casos de desrespeito ao direito ao trabalho, grande parte motivada pelo texto do projeto da chamada Lei Geral da Copa.

3.2.3 – INFORMAÇÃO E PARTICIPAÇÃO PÚBLICA

A Constituição Federal destaca, no art. 37, caput, o caráter educativo, informativo ou de orientação social da publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos. O Brasil é ainda signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), que assegura, no art. 23.1, ‘a’, o direito à participação de todo e qualquer cidadão nos negócios públicos, em qualquer situação.

Para que esta participação popular seja efetivada, o Estatuto da Cidade estabelece um conjunto de instrumentos para a gestão democrática, desde órgãos colegiados representativos, debates, audiências e consultas públicas e até conferências com a comunidade. O estatuto assevera ainda que representantes dos vários grupos da sociedade podem fazer parte da gestão da cidade, com o objetivo de garantir o controle equitativo dos recursos desta, o acesso às informações produzidas ou obtidas e, por fim, o pleno exercício da democracia. Todos estes direitos e instrumentos públicos vêm, no entanto, sendo desrespeitados na organização da Copa do Mundo de 2014.

O dossiê Megaeventos e Violações de Direitos Humanos denuncia que o conjunto de normas e regras enunciadas de forma violadora às leis vigentes no país e desconsiderando a opinião pública atinge, principalmente os mais pobres, que passariam a tornar-se vítimas de interesses privados, grande parte definidos por lobby de empresas – entidades cujas decisões estariam isentas de qualquer controle social (APN 2012).

A maioria das decisões sobre questões orçamentárias, prioridades e referentes projetos não teriam sido submetidas à opinião pública, mas implementadas através de medidas administrativas alheias aos anseios populares. Registra-se que nos poucos casos em que foi verificada realização de audiências públicas e estudos de impacto, “argumentos tecnocráticos e falta de vontade pública dos gestores” teriam tornado inúteis as seguidas tentativas populares de discussão dos projetos, sem que fossem consideradas as denúncias de irregularidades e alternativas apontadas (APN 2012).

O documento exemplifica as denúncias feitas alegando, como exemplo, o seguinte caso, ocorrido em Belo Horizonte, em que o município teria assumido um projeto que envolveria a demolição do Mercado Distrital do Cruzeiro,

[...] para a construção de um shopping center, hotéis e estacionamento para dois mil carros. Moradores do entorno e comerciantes são contrários ao projeto e organizaram, em parceria com o Instituto de Arquitetos do Brasil, um concurso de projetos arquitetônicos para revitalização do mercado, como alternativa ao empreendimento. O resultado do concurso seria apresentado no dia 2 de setembro de 2011 ao prefeito, que se recusou a comparecer na data. (APN 2012)

3.2.4 – MEIO AMBIENTE, MOBILIDADE E DIGNIDADE HUMANA

O art. 225 da Carta Magna de 1988 garante a todos os cidadãos um “meio ambiente ecologicamente equilibrado” por ser um “bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”. A Constituição assevera ainda que a responsabilidade por sua defesa e preservação cabe não só à coletividade, mas, primeiramente, ao Poder Público, visando a que possa ser usufruido pelas presentes e futuras gerações.

Também neste aspecto são identificadas violações de direitos constitucionais nos preparativos para a Copa do Mundo de Futebol de 2014. O Novo Código Florestal, sancionado no dia 25 de maio de 2012, tem em seu texto autorização para desmatamento em Áreas de Preservação Permanente (APPs), tais como margens de rios, para construção de estádios e pistas de atletismo, por exemplo, para os jogos da Copa do Mundo e Olimpíadas, nos próximos anos. O relator da matéria, o senador Luiz Henrique, alegou que tal exceção ocorreria por “interesse público” (MARQUES 2012).

No tocante ao direito à mobilidade, denuncia-se que os processos de mudança no tráfego e rotas de ônibus das grandes cidades envolvidas com os megaeventos afeta diretamente os de menor condição financeira e posição social, por “privilegiar certos corredores que atendem ou atenderão a determinadas parcelas já privilegiadas da população, negando a outras amplas parcelas o direito de mobilidade”. Dentre as possíveis razões, aponta-se como fator-chave a exploração de frentes imobiliárias em potencial, gerando lucro aos que controlam tais serviços (APN 2012).

Outro tema que preocupa os defensores de direitos humanos na temática referente à Copa do Mundo, é a exploração sexual. Neste ponto, a apreensão justifica-se pelos dados apresentados pela Secretaria de Direitos Humanos (SDH), entre janeiro e março de 2011, que expõe que 72,35% das denúncias de exploração sexual contra crianças e adolescentes feitas através do Disque Direitos Humanos (também conhecido como Disque 100), foram registrados nas 12 cidades-sede da Copa do Mundo. Além do fato de que os números aumentaram em cerca de 18% desde o início das obras (D’ÁVILA 2012).

3.3. “LEI GERAL DA COPA” E DESRESPEITO A DIREITOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS

As principais críticas desferidas à chamada Lei Geral da Copa, sancionada no dia 5 de junho de 2012, fazem referência a um “estado de exceção” aberto por esta: delimitação de um espaço temporal onde determinadas normas vigentes no país tem sua aplicação contida ou suprimida. Isto violaria o princípio da impessoalidade, universalidade e publicidade da lei dos atos da administração pública (SPADONI 2011). Crítica semelhante é feita à Lei 12.035, de 1/10/2009, conhecida como “Ato Olímpico”, à criação da “nova Secretaria Extraordinária de Segurança para Grandes Eventos”, através do decreto Decreto n. 7.536, de 1/08/2011, bem como aos novos tipos penais e justiças especiais, previstos no texto original da Lei Geral da Copa.

As maiores discordâncias com a redação original da Lei Geral da copa são referentes aos seguintes tópicos:

3.3.1 – MEIA ENTRADA E DIREITO DO CONSUMIDOR

De acordo com o projeto original, caberá à FIFA determinar o preço dos ingressos, as regras de compra, venda, alteração e cancelamento de entradas, além de suprimir do consumidor o “direito de reembolso” – ressarcimento de quantia paga em caso de desistência justificada. O projeto de Lei determina também que os ingressos serão subdividos em quatro categorias, com valores variados. Aos estudantes, estaria garantido o desconto de 50% apenas na categoria inferior. Aos idosos, decidiu-se estender o direito às demais categorias, após revisões do texto, em concordância com o Estatuto do Idoso.

3.3.2 – ZONAS DE EXCLUSÃO E DIREITO AO TRABALHO

A Constituição Federal assegura, nos termos do art. 6º, o direito ao trabalho, além de tratar, no inc. IV do art. 1º, os “valores sociais do trabalho” como um dos fundamentos do Estado democrático de direito. Críticas são feitas ao projeto da Lei Geral da Copa, no sentido de que um evento como a Copa do Mundo de 2014 poderia ser uma notável oportunidade de desenvolvimento social das comunidades localizadas nas imediações dos estádios ou espaços de atrações relativas à Copa do Mundo, fazendo valer os ditames constitucionais (APN 2012). Questiona-se, dessa forma, o comprometimento legal, estabelecido no art. 11 do texto proposto, de

[...] assegurar à FIFA e às pessoas por ela indicadas a autorização para, com exclusividade, divulgar suas marcas, distribuir, vender, dar publicidade ou realizar propaganda de produtos e serviços, bem como outras atividades promocionais ou de comércio de rua, nos Locais Oficiais de Competição, nas suas imediações e principais vias de acesso. Parágrafo único. Os limites das áreas de exclusividade relacionadas aos Locais Oficiais de Competição serão tempestivamente estabelecidos pela autoridade competente, considerados os requerimentos da FIFA ou de terceiros por ela indicados. (Grifos nossos). (CÂNDIDO 2012)

Embora não esteja claramente definida a representação objetiva do conceito de “entornos”, embates políticos levam ao entendimento de um raio de aproximadamente 2 quilômetros em relação ao estádio. Caso aprovado o projeto de Lei, nos limites deste espaço, a FIFA teria pleno controle das negociações e ditames normativos para comercialização de produtos. Dessa forma, os lucros dos comerciantes nativos ficam indefinidos, podendo até mesmo serem impedidos de exercer suas atividades. Algumas entidades de representação dos comerciantes, como a Confederação Nacional dos Diretores Lojistas (CNDL) e a Confederação Nacional do Comércio criticaram a proposta de lei. De acordo com o presidente da CNDL, Roque Pellizzaro Junior , o que o projeto propõe é “uma desapropriação temporária”.

3.3.3 – EXCLUSIVIDADE DA EXPLORAÇÃO COMERCIAL

A Lei Geral da Copa, segundo seu projeto original, também criará instrumentos de garantia de que a FIFA possa ser titular (única e absoluta) de “símbolos oficiais”, garantindo total exclusividade de uso e privando o INPI (Instituto Nacional de Propriedade Intelectual) de decidir quanto à natureza do registro de marcas. Tais “símbolos oficiais” não são conceituados no texto normativo e podem representar tudo que a FIFA assim determinar. Os críticos do projeto afirmam que, na prática, a lei deixaria ao arbítrio da entidade a escolha de bens imateriais (que já passariam de mil), isentando-os de toda retribuição de propriedade industrial (APN 2012).

Aqueles que forem identificados produzindo,  imitando  ou  falsificando indevidamente  quaisquer “Símbolos Oficiais” de titularidade da FIFA, segundo o projeto de lei, caso seja aprovado, estarão sujeitos a “detenção, de três meses a um ano, ou multa.”

3.3.4 – DIREITOS DE IMAGEM E SOM DO EVENTO

A restrição da transmissão, por deter a FIFA, na redação do projeto, a titularidade exclusiva de todos os direitos de imagem e som da Copa do Mundo é apontada pelos defensores dos direitos humanos como uma afronta à liberdade de imprensa e concretização de um “estado de exceção” prejudicial à cidadania e ofensivo à soberania estatal e aos princípios do Estado democrático de direito (APN 2012). (Consta no art. 12: “A FIFA é a titular exclusiva de todos os direitos relacionados às imagens, aos sons e às outras formas de expressão dos Eventos, incluindo os de explorar, negociar, autorizar e proibir suas transmissões ou retransmissões.”; e no art. 15: “A transmissão, a retransmissão ou a exibição, por qualquer meio de comunicação, de imagens ou sons dos Eventos somente poderão ser feitas mediante prévia e expressa autorização da FIFA.”)

3.3.5 – RESPONSABILIDADE POR DANOS À FIFA

O documento assume ainda que a União torna-se fiadora por qualquer dano causado à instituição organizadora, assumindo responsabilidade civil por estes. Estabelece, no art. 30 que

A União  assumirá os efeitos da responsabilidade civil perante a FIFA, seus representantes legais, empregados ou consultores por todo e qualquer dano resultante ou que tenha surgido em função de qualquer incidente ou acidente de segurança relacionado aos Eventos, exceto se e na medida em que a FIFA ou a vítima houver concorrido para a ocorrência do dano.

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Sobre o autor
Juvencio Almeida

Nascido em João Pessoa/PB, ao ano de 1994. Mestre em Direito Econômico pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba (PPGCJ/UFPB). Graduado em Ciências Sociais e Jurídicas pela UFPB. Servidor Público Federal em exercício na Divisão de Prestação de Contas e Tomada de Contas Especial do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça e Segurança Pública (DIPCTCE/DEPEN/MJSP). Exerceu a advocacia (OAB/PB nº 23.138) entre os anos de 2016 e 2019. Foi, durante o curso de mestrado, pesquisador bolsista pela CAPES (Coordenação de Apoio de Pessoal de Nível Superior). Foi Editor-Gerente do Periódico Jurídico Lexmax (ISSN nº 2446-4988), vinculado à OAB/PB, no biênio 2018/2019. Foi Diretor Acadêmico da Comissão Editorial de fundação do Periódico Jurídico Ratio Iuris (ISSN nº 2358-4351), no biênio 2013/2014. Foi Secretário-Geral da Comissão da Jovem Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional Paraíba (CJA-OAB/PB) nos anos de 2017 e 2018. Foi, durante a Graduação, por duas vigências consecutivas (2012/2013; 2013/2014), bolsista de iniciação científica pelo CNPq (PIBIC) do grupo de pesquisa em Retórica, Hermenêutica e Direito; e, por dois semestres consecutivos (2014.2; 2015.1), monitor bolsista da disciplina Hermenêutica Jurídica (CCJ/UFPB).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Juvencio. A Copa do Mundo no Brasil: implicações no campo dos direitos humanos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3626, 5 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24622. Acesso em: 15 nov. 2024.

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