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A Usina Hidrelétrica de Belo Monte à luz das normas constitucionais

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06/01/2014 às 07:10

Resumo:


  • A Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, é a terceira maior do mundo e tem gerado controvérsias quanto a impactos sociais, econômicos e ambientais, afetando direitos como propriedade, tutela indígena e direito ambiental.

  • Apesar dos benefícios econômicos e do potencial energético, a construção da usina enfrenta oposição devido a desapropriações, ameaças a comunidades indígenas e a possíveis danos ambientais irreversíveis.

  • A obra é vista como necessária para o crescimento do país, mas levanta questões sobre a preservação dos direitos constitucionais e a sustentabilidade do desenvolvimento frente às transformações sociais e ambientais na região.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

2.GARANTIA AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

A proteção aos direitos e garantias fundamentais está prevista no artigo 5º, caput, da Carta Magna:

“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade ao direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.” (BRASIL, 2013, p. 8)

A disposição acima traduz o objetivo, em geral, de resguardar a dignidade da pessoa humana. Para o doutrinador Alexandre de Moraes em nota ao artigo 5º da Constituição Federal, a constitucionalização dos direitos humanos fundamentais significa a positivação dos direitos, ou seja, o direito que o indivíduo terá para exigir sua tutela junto ao Judiciário, concretizando-se a democracia. (MORAES, 2001)

Antes de passarmos a análise do caso concreto, necessário se faz pontuar brevemente as características dos direitos fundamentais, quais sejam, a imprescritibilidade, alienabilidade, irrenunciabilidade, universalidade, efetividade, interdependência e complementariedade. (MESSA, 2010)

A imprescritibilidade trata-se de que, em regra, não há prazo para exercer os direitos fundamentais. A inalienabilidade, por sua vez, determina que tais direitos não podem ser vendidos ou cedidos, assim como, não podem também ser renunciados, conforme a característica da irrenunciabilidade. Os direitos fundamentais devem ser inteiramente respeitados pelo Poder Público, garantindo sua inviolabilidade, assim como, serem destinados a todos os seres humanos de maneira indistinta, tendo em vista sua característica universal. Possuem ainda a característica de efetividade, já que devem ser implementados, assim como devem também ser analisados de forma sistemática e interpretados de forma conjunta, em respeito às características da interdependência e complementariedade.

Mister se faz ressaltar que não há no texto constitucional, um elenco taxativo de direitos fundamentais, ao contrário, trata-se de uma enumeração aberta, conforme entendimento da escritora Ana Flávia Messa:

“A não tipicidade no Brasil vem desde a Constituição de 1891 (a especificação das garantias e direitos expressos na Constituição não exclui outras garantias e direitos não enumerados, mas resultantes da forma de governo que ela estabelece e dos princípios que consigna). Além dos direitos explícitos no texto constitucional, existem os subentendidos dos direitos expressos e os decorrentes do regime e dos princípios constitucionais e dos tratados internacionais subscritos pelo Brasil.” (MESSA, 2010, p. 377/378)

O centro dos direitos e garantias fundamentais está pautado no direito à igualdade, pois, como mencionado no caput do artigo 5º da Carta Magna todos são iguais perante a lei. Ademais, constitui objetivo fundamental da República Federativa do Brasil promover o bem de todos, sem qualquer preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação, conforme estabelece o inciso IV do artigo 3º da CF. (BRASIL, 2013)

O saber jurídico de Alexandre de Moraes nos ensina:

“O principio da igualdade consagrado pela Constituição opera em dois planos distintos. De uma parte, diante do legislador ou do próprio executivo, na edição, respectivamente, de leis, atos normativos e medidas provisórias, impedindo que eles possam criar tratamentos abusivamente diferenciados a pessoas que se encontram em situações idênticas. Em outro plano, na obrigatoriedade ao intérprete, basicamente, a autoridade pública, de aplicar a lei e os atos normativos de maneira igualitária, sem estabelecimento de diferenciações em razão de sexo, religião, convicções filosóficas ou políticas, raça, classe social.” (MORAES, 2001, p. 106/107)

Assim, demonstrado está que o direito à igualdade se faz presente em todas as esferas de direito, materializado pela eficácia de ações persistentes à proclamação de direitos de determinados indivíduos quando forem tratados como desiguais. (MORAES, 2011)

Depois de compreendidas estas noções preliminares, passemos à análise da aplicação dos direitos fundamentais ao caso concreto da construção da UHE Belo Monte.

Os direitos fundamentais analisados serão o direito de propriedade, direito e tutela dos índios bem como a proteção ao meio ambiente como direito fundamental.

2.1.       Do direito à propriedade

O direito de propriedade é definido pelo Código Civil, em seu artigo 1.228, caput,como o poder de usar, gozar, dispor e reaver um bem. A Constituição Federal garante o direito de propriedade nos incisos XXII, XXIII,XXIV, XXV e XXVI de seu artigo 5º.

É cediço que para um indivíduo desfrutar desse direito de propriedade, a terra objeto de direito, deve cumprir sua função social, ou seja, estar de acordo com determinados requisitos que resultam na exploração adequada da terra, tirando dela recursos naturais disponíveis, observando-se a preservação ao meio ambiente e, atingindo também o bem estar social para os trabalhadores rurais e empregadores. (MESSA, 2010, p. 388)

Ocorre, contudo, que o Poder Público tem o direito, resguardado constitucionalmente pelo inciso XXIV do artigo 5º da Constituição Federal, de desapropriar determinadas terras por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro.

Para que isso ocorra, a desapropriação deve estar prevista em lei e atender não somente o interesse público, como também se atentar ao desapropriado, o qual sofrerá a perda de seu imóvel.

No caso Belo Monte, será necessário o remanejamento de algumas pessoas para o prosseguimento da obra. De acordo com as alegações do IBAMA e Eletronorte nos autos do Agravo de Instrumento nº 2006.01.00.017736-8/PA, serão remanejadas cerca de 2.000 famílias na área urbana do município de Altamira, 813 famílias na área rural de Vitória do Xingu e 400 famílias ribeirinhas. (BRASIL, 2006)

Uma das questões mais preocupantes é em relação às propriedades rurais, onde se encontra a maior concentração de pessoas que vivem no sistema de economia familiar. Ademais, a questão das comunidades ribeirinhas também tem sido alvo de muitas discussões, pelo fato de provavelmente não conseguirem se adaptar em novos locais de habitação.

De acordo com a Relatora do citado Agravo de Instrumento, Ministra Selene Maria de Almeida, as discussões sócio ambientais que vêm ocorrendo em torno da construção da Usina, decorrem de uma real ameaça às populações locais. Veja-se parte do voto por ela proferido:

“As discussões sócio-ambientais são decorrentes de uma real ameaça às populações locais, pois parte do rio Xingu não terá navegação, haverá perda do volume de águas dos afluentes do Xingu (Rio Bacajá), onde vivem comunidades na Terra Indígena Trincheira Bacajá.

Há que se fazer o deslocamento de centenas de famílias que atualmente vivem em situações miseráveis na periferia de Altamira; 800 famílias da área rural de Vitória do Xingu e de 400 famílias ribeirinhas.

A situação dessas pessoas todas tem que ser considerada, inclusive os não índios. Indaga-se se as famílias que vivem em Altamira e os ribeirinhos que não possuem título de terra serão indenizados? Se não forem, qual será o seu destino?

Estima-se hoje que um milhão de pessoas foram desalojados em razão da construção de barragens, sendo que milhares não foram indenizadas por não terem título de propriedade.

As pessoas que vivem na área urbana poderão receber uma pequena indenização e tentarem a vida em outro município. Não é o que se passa com os ribeirinhos. Eles formam o que a antropologia chama de sociedade tradicional. Não são índios, mas também não são urbanos. Não conseguirão, se deslocados, adaptarem-se em novas comunidades urbanas. Deixarem o seu modus vivendi é mais que um desterro.

É preciso um olhar atento a este tipo de indivíduos e sua ligação simbiótica com a natureza.” (BRASIL, 2006, p. 21)

Consoante noção cediça e, como já mencionado anteriormente, o direito de propriedade não é absoluto, uma vez que a propriedade pode ser desapropriada por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, como se depreende no artigo 5º inciso XXIV da Carta Magna. Assim, desde que a propriedade esteja cumprindo sua função social, nos termos dos artigos 182 e 186 da referida legislação, o proprietário terá o direito de receber justa e prévia indenização, caracterizando, portanto, uma restrição ao direito de propriedade.

A intervenção do Poder Público na propriedade privada tem como máxima a supremacia do interesse público sobre o privado, mas, não se pode deixar de atentar a alguns princípios norteadores, dentre eles o princípio da proporcionalidade (adequação, necessidade e razoabilidade). Significa dizer que a proporcionalidade ou razoabilidade da medida de desapropriação há de resultar em uma ponderação entre o significado da intervenção para aquele que foi atingido e os objetivos visados pelo legislador. (MENDES, 2012)

Conforme ponderado por Gilmar Ferreira Mendes, de acordo com a Corte Constitucional Alemã, a definição do conteúdo e a imposição de limitações ao direito de propriedade devem observar o princípio da proporcionalidade, assim, o legislador ficará obrigado a concretizar um modelo social fundado no reconhecimento da propriedade privada e na sua função social. Veja-se seu dizer expressivo:

“[...] o Tribunal procura sistematizar a aplicação do princípio da proporcionalidade, enunciando as seguintes condições que hão de ser observadas:

a) O legislador deve considerar peculiaridades do bem ou valor patrimonial objeto da proteção constitucional; b) o legislador deve considerar o significado do bem para o proprietário; c) o legislador deve assegurar uma compensação financeira ao proprietário em caso de grave restrição à própria substância do direito de propriedade [...]; d) se possível, deve o legislador atenuar o impacto decorrente da mudança de sistemas mediante a utilização de disposições transitórias, evitando o surgimento de situações de difícil superação.

Entre nós, tem-se afirmado também a aplicação do princípio da proporcionalidade em relação às restrições estabelecidas ao direito de propriedade.” (MENDES, 2012, p. 389)

Se for necessário levar em conta as considerações doutrinárias acima citadas, o instituto da desapropriação pode sofrer restrições. Por exemplo, se o legislador deve considerar o significado do bem para o proprietário para chegar a uma decisão acerca da desapropriação do imóvel, as comunidades ribeirinhas e pequenos produtores rurais nunca seriam desapropriadas de suas terras, uma vez que dependem delas para sobreviver e raramente se adaptariam a outros locais de habitação.

Ainda nessa linha de raciocínio, o doutrinador Gilmar Ferreira Mendes entende que a disposição de o legislador dever assegurar uma compensação financeira ao proprietário em caso de grave restrição ao direito de propriedade significa que, mesmo não havendo uma expropriação propriamente dita, o princípio da proporcionalidade recomenda uma segurança ao proprietário que sofreu graves prejuízos decorrentes da desapropriação, segurança esta que pode ser materializada através de compensação financeira, entende-se, uma indenização pelos danos sofridos. (MENDES, 2012)

Em virtude de tal consideração doutrinária e do caso prático em análise, tem-se a necessidade da aplicação do princípio da proporcionalidade no que tange a restrição do direito de propriedade ocorrido na área de construção da obra. Passemos, adiante, à análise das desapropriações ocorridas no caso concreto.

2.1.1. Das desapropriações ocorridas para o estabelecimento da obra

As desapropriações nos locais afetados pela construção da Usina de Belo Monte já vêm ocorrendo. Durante este ano de 2013, 02 imóveis urbanos foram desapropriados, sendo que um deles possui cerca de 280m² (duzentos e oitenta metros quadrados) divididos em 02 lotes, o qual houve indenização pela Norte Energia no montante de R$17.813,00 (dezessete mil oitocentos e treze reais). O outro imóvel é um conjunto residencial de 790m² (setecentos e noventa metros quadrados) divididos em 07 lotes, o qual foi desapropriado pelo valor de R$62.646,00 (sessenta e dois mil seiscentos e quarenta e seis reais). Ambos os imóveis foram desapropriados com fundamento na ocorrência de utilidade pública, conforme dispõem os Decretos Municipais 269 e 270 de 11 de julho de 2013. (DIÁRIO OFICIAL DE ALTAMIRA, 2013)

O município de Altamira é o mais atingido pela obra. De acordo com o RIMA são 68.665 habitantes diretamente atingidos, o que corresponde a 72% da população total somente das cidades dessa área. No entanto, há ainda o meio rural que será atingido, abrangendo juntamente com Altamira os municípios de Vitória do Xingu e Brasil Novo.

Ainda de acordo com o RIMA 2009, na área urbana afetada pela obra moram 4.362 famílias, sendo que a maioria dessas famílias vive de mão de obra familiar e somente uma pequena parte são trabalhadores com carteira assinada. Não obstante, a área rural atingida diretamente possui 78% de imóveis produtivos, 21% usados apenas para moradia ou lazer e cerca de 10% sem qualquer utilidade. A maioria desses imóveis rurais são considerados pequenos imóveis e minifúndios da área rural, onde a agricultura familiar está sempre presente.

A desapropriação de pequenas e médias propriedades rurais, bem como de propriedades produtivas não pode ocorrer para fins de reforma agrária, consoante o disposto no artigo 185 da Constituição Federal. No entanto, não há qualquer exceção prevista em lei para a desapropriação decorrente de utilidade pública. Significa dizer que, mesmo se a propriedade urbana ou rural atingir sua função social ou sendo ela pequena ou média propriedade rural, única ou não do proprietário, poderá, sem qualquer restrição, ser objeto de desapropriação por necessidade ou utilidade pública ou interesse social.

O Decreto Lei 3.365/1941 dispõe sobre a desapropriação por utilidade pública, considerando-se utilidade pública as ocorrências dos incisos do artigo 5º do referido Decreto, entre eles o inciso f, que se encaixa no caso concreto:

“Consideram-se casos de utilidade pública:

[...]

f) o aproveitamento industrial das minas e das jazidas minerais, das águas e da energia hidráulica;

[...]” (BRASIL, 2013)

É bem verdade que o que se pode ocorrer caso o proprietário do imóvel discorde da desapropriação, é a discussão acerca do valor, que deverá ser realizada em ação própria conforme dispõe o §3º do artigo 32 do referido Decreto.

A imissão prévia na posse por parte do Poder Público não obriga o depósito integral do valor indenizatório determinado em laudo pericial, uma vez que o Supremo Tribunal Federal considerou, através da Súmula 652, que o artigo 15, §1º do DL 3.365/41 não ofende à Constituição Federal ao autorizar a imissão prévia na posse mediante pagamento da metade do valor arbitrado.

Referido dispositivo poderá ser invocado em juízo a qualquer momento pela Procuradoria Geral do Município de Altamira, conforme estabelece o artigo 5º dos Decretos Municipais 269 e 270, os quais dispuseram acerca das desapropriações urbanas anteriormente citadas.

De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 2010, a renda per capta rural da população do município de Altamira não passa de R$ 166,67 (cento e sessenta e seis reais e sessenta e sete centavos) e, a renda per capta urbana chega a R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais) em média. Além disso, o senso 2003 do IBGE demonstrou que a incidência de pobreza no município de Altamira, o qual é considerado um dos maiores municípios do mundo, é de 40,66% para uma população em torno de 99.075 pessoas. (IBGE, 2010)

Diante de tais dados percebe-se claramente que o referido município, o qual será o maisafetado pela construção, possui índice econômico baixo para a população em geral. Acontece que o município vive em constante crescimento, ainda mais no momento que a UHE começou a ser construída, o que levou muitas pessoas a residirem no município e nos arredores, gerando movimento na economia da cidade e, valorizando os imóveis nela localizados.

No que tange aos valores das indenizações desapropriatórias anteriormente citadas, o valor seria considerado irrisório em uma cidade de economia muito desenvolvida, como nas grandes capitais, porém, tratando-se do município de Altamira e dos municípios vizinhos, o valor atribuído pode ser objeto de diversas discussões, no sentido de ser devido pela baixa economia da cidade, sendo suficiente para o desapropriado adquirir novo imóvel ou, por outro lado, no sentido de que o valor esteja abaixo do necessário para adquirir outro imóvel, isto em decorrência da valorização econômica e imobiliária que vêm ocorrendo na cidade.

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Consoante artigo 32 §3º do DL 3.365/41 fica a cargo de o Judiciário decidir as discussões acerca dos valores inscritos ou executados a título de desapropriação, que ocorrerá em ação própria.

No que tange às terras rurais produtivas, perdendo-se essas áreas as pessoas perderão também suas fontes de renda e sustento, o que não pode ser suprido por uma indenização desapropriatória. De acordo com o RIMA 2009 “as medidas propostas para os impactos gerados pela aquisição de imóveis rurais e perda de atividades produtivas estão, na maioria, no Plano de Atendimento à População Atingida”, com diferentes programas que ficarão a cargo da concessionária da obra, objetivando a diminuição dos impactos causados às comunidades que vivem de economia familiar. (RIMA, 2009, p. 92)

Para BERTELI, “no tocante às populações serem deslocadas, trata-se de problema frequente nas regiões de grande população como China e Egito, onde ocorreu a necessidade de deslocamento de mais de 100 mil pessoas.” Em seu entendimento, o fato de pessoas, tanto no meio urbano quanto no meio rural, inclusive comunidades ribeirinhas, serem deslocadas, não pode ser tratado como motivo de impedimento da construção da obra, afinal “Belo Monte responde aos interesses do governo de produzir energia limpa, renovável e sustentável a fim de assegurar o desenvolvimento econômico e social da nação.” (BERTELI, 2012, p. 1)

2.1.2. Do reassentamento Coletivo efetuado pela Norte Energia S.A

Ainda sobre o direito de propriedade, no caso prático de Belo Monte, conforme mencionado anteriormente, diversas famílias estão sendo desapropriadas e realocadas em outras áreas rurais.

De acordo com o RIMA há uma área denominada Área Diretamente Afetada (ADA) pelos efeitos da obra. Essas áreas sofrerão impactos socioeconômicos, tais como: perda de imóveis e benfeitorias com a transferência da população, perda de renda e fontes de sustento, perda de equipamentos sociais como escolas, postos de saúde, igrejas.

Para amenizar o impacto socioeconômico ocorrido nessas áreas foi proposto um Plano de Atendimento à População Atingida, que acopla diversos programas e projetos voltados para a negociação de imóveis, reassentamento da população, recomposição de atividades econômicas rurais, entre outras. (RIMA, 2009)

Após a concessão da Licença de Instalação, o IBAMA vem efetuando relatórios de fiscalização sobre o consórcio Norte Energia e impondo condicionantes a serem cumpridas para o prosseguimento da obra e futura concessão da licença de operação.

Ocorre que na última análise do IBAMA, 2º Relatório Semestral de 2012 – Parecer 168/2012, muitas das condicionantes impostas não haviam sido cumpridas integralmente no prazo estipulado, apenas quatro delas foram totalmente concluídas.

Dentre as condicionantes em andamento está o processo de reassentamento coletivo das famílias que vivem em imóveis rurais. De acordo com o relatório, a comissão do Plano de Atendimento à População Atingida aprovou a aquisição de imóveis rurais feita por beneficiários de carta de crédito, os quais teriam acesso apenas ao tratamento de reassentamento coletivo ou individual em áreas remanescentes.

Entende-se que o reassentamento coletivo permite melhor atenção pelo empreendedor às áreas atingidas, facilita a proteção social ao redor das famílias alocadas e permite efetivar interações com instituições governamentais que atuam com políticas públicas de apoio ao fortalecimento da agricultura familiar. Por outro lado, o público destinado ao reassentamento coletivo é diminuto, chegando em torno de 682 famílias. Ante a isso, o IBAMA determinou que a Norte Energia revisasse este posicionamento para estabelecer um público determinado voltado ao reassentamento coletivo da área. (BRASIL, 2012)

Neste sentido vale relembrar o ocorrido no Estado de Santa Catarina durante a construção da hidrelétrica de Itá e Machadinho.A barragem de Machadinho afetou parte da população rural, momento em que foi proposto o chamando reassentamento coletivo.Ocorreu que, por se ter a presença do sistema de economia familiar nos locais afetados, alguns dos filhos dos proprietários dos imóveis passaram a pleitear o recebimento de indenização por entenderem que, pelo fato de trabalharem juntamente com seus pais, faziam jus à indenização autônoma pela desapropriação assim como os proprietários, pois haviam sido igualmente afetados.

No entanto, o entendimento do judiciário foi no sentido de que o objetivo principal do plano de reassentamento não é indenizar os proprietários, mas, sim, reduzir os impactos causados pelo deslocamento que teriam que passar. Por isso, a indenização apenas ocorreu em casos especiais e, nesses casos, abrangeu toda a família do proprietário do imóvel. Veja-se parte do acórdão proferido pelo Desembargador Sérgio Roberto Baasch Luz, na Apelação Cível nº 2009.014423-7/SC:

“[...] esse plano de reassentamento visa reduzir os impactos social, cultural e econômico causados pelo deslocamento de toda uma comunidade da área atingida pela implantação da usina hidrelétrica. Assim, não é sua finalidade precípua a indenização pelo desapossamento, até porque beneficia aqueles que não teriam prejuízo econômico, entretanto, quando cabível o ressarcimento, o plano prevê como se dará essa compensação. Esse fato é importante porque não se pode visualizar o plano de reassentamento como indenização, que decorre de obrigação legal, de forma que aqueles que foram nele inseridos podem ou não ter direito à indenização.” (BRASIL, 2009)

Significa dizer que o plano de reassentamento coletivo é opcional aos moradores da área rural, trazendo diversos benefícios, mas, podendo não ocorrer a indenização aos proprietários dos imóveis. Conforme mencionado acima, o IBAMA determinou que o empreendedor Norte Energia revisasse o plano de reassentamento coletivo estabelecendo um público alvo para sua efetivação. Veja-se o pronunciado no acórdão da apelação cível mencionada acerca do tema:

“Nesse contexto, observa-se que são considerados como público alvo dos planos e projetos de reassentamento: os proprietários e os posseiros, estes últimos considerados, os filhos de proprietários, solteiros ou casados, caracterizados como sem terra, que terão idade mínima de 16 anos até a data em que a unidade familiar for reassentada e que comprovadamente viva e trabalhe na terra e os arrendatários e parceiros que usam a mão–de–obra familiar, assalariados rurais, e trabalhadores volantes, que estiverem na terra até o fechamento do cadastro. Além disso, indispensável para a incorporação no projeto é a inexistência de indenização pela terra desapropriada.” (BRASIL, 2009)

Por sua vez, a Norte Energia, em seu 3º Relatório Consolidado de Andamento do Plano Básico Ambiental e Atendimento de Condicionantes, efetuado em janeiro de 2013, informou que o plano de reassentamento está pendente do término de um acordo de cooperação técnica com o Ministério de Desenvolvimento Agrário e, de um termo de compromisso com o INCRA, bem como o Programa de Relocação e Reassentamento encontra-se em execução desde março de 2011 e, já produziu o Cadastro Socioeconômico das famílias indígenas da área de influência do reservatório, portanto, tais condicionantes estão em atendimento. (NORTE ENERGIA S.A, 2013, p. 13, 20)

Ocorre que o MPF constatou irregularidades na construção das casas do plano de reassentamento coletivo rural. Primeiramente, o projeto e licença para a construção das casas deveria ser aprovado pela Prefeitura Municipal de Altamira, o que até o presente momento não ocorreu, significa dizer que, sem aprovação do projeto, as casas estão sendo construídas em desconformidade com a lei.

Alega ainda o MPF que, a Norte Energia, através de panfletos informativos destinados ao público alvo do reassentamento coletivo, informou que haveria3 tipos de casas disponíveis à sua escolha, no entanto, no início da construção, a NESA mudou seu posicionamento, sendo, agora, uma casa padrão para todos.

Dentre essas e outras irregularidades constatadas no plano, o MPF recomendou ao IBAMA, em 16 de setembro de 2013, que adote medidas para verificar tais irregularidades e, sendo elas confirmadas, aplique sansões administrativas cabíveis. (SILVA e CAZETTA, 2013)

O que se pode concluir é que há uma relativização em relação a alguns aspectos do direito de propriedade, tendo em vista o grande número de áreas atingidas. No entanto, os programas instituídos pelo IBAMA no RIMA 2009 e as condicionantes estipuladas desde a concessão da licença de instalação, não estão sendo integralmente cumpridas pelo empreendedor, o que vem gerando diversas preocupações no âmbito nacional e até internacional, como veremos adiante.

Por tratar-se de direito fundamental previsto na Carta Magna, sabe-se que o direito de propriedade, bem como os demais direitos fundamentais, é caracterizado como cláusula pétrea, ou seja, não pode ser abolido ou restringido, entretanto, devido ao princípio da convivência das liberdades públicas ou relatividade, é possível impor limites aos direitos fundamentais. Essas restrições podem ocorrer de forma indireta ou direita, ou seja, por determinação legal ou serem estabelecidas no próprio texto constitucional. (MESSA, 2010)

Tem-se, assim, que a relativização ao direito de propriedade ocorrida no caso prático, materializada pela desapropriação, não fere a Constituição Federal, pois obedece aos trâmites legais.

Por outro lado, o atingimento das propriedades urbanas e rurais próximas à obra e as irregularidades nos planos determinados pelo IBAMA, merecem maior atenção frente aos direitos fundamentais, para que, mesmo diante de um grande empreendimento, a dignidade da pessoa seja conservada.

Passaremos à análise do caso pratico no que concerne aos direitos dos índios e sua respectiva proteção.

2.2.       Proteção e Tutela dos índios

“São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam [...]” (BRASIL, Constituição Federal, art. 231, caput)

Os direitos dos índios estão dispostos nos artigos 231 e 232 da CF e são regulados pelo Estatuto do Índio,Lei 6.001/1973, que prevê resguardar seus direitos preservando sua cultura e integrando-os, progressivamente e harmonicamente, à comunhão universal. (BRASIL)

O parágrafo único do artigo 1º do referido Estatuto rege que são garantidos aos índios os mesmos direitos e proteções dos demais cidadãos, resguardados os costumes e tradições indígenas.

A proteção aos índios apenas foi consagrada a partir da Constituição de 1934, em que os índios eram denominados silvícolas e, atingiu ampla proteção na Constituição de 1988, passando a denominar tal população como ‘índios’ e trazer-lhes direitos e proteções específicas.

Um desses direitos, considerado de suma importância, é o direito à terra, consagrado pelo direito fundamental de moradia previsto no artigo 6º da Carta Magna. No dizer sempre expressivo de Pedro Lenza:

“Conforme estabeleceu o Min. Ayres Brito, no julgamento da ACO 312, a terra, para o índio, ‘...não é um bem mercantil, passível de transação. Para os índios, a terra é um totem horizontal, é um espírito protetor, é um ente com o qual ele mantém uma relação umbilical’.

Neste sentido, conforme bem anota Daniel Sarmento, nessas comunidades, a terra caracteriza-se como importante mecanismo para manter a união do grupo, permitindo, dessa forma, a sua continuidade ao longo do tempo, assim como a preservação da cultura, dos valores e de seu modo particular de vida dentro da comunidade.[...] consequentemente, anota o ilustre professor, ‘privado da terra, o grupo tende a se dispersar e a desaparecer, tragado pela sociedade envolvente [...]’” (LENZA, 2013, p. 1325)

No que tange às terras ocupadas pelos índios, estas são consideradas como bens da União, nos termos do inciso XI do artigo 20 da CF. Sendo assim, são caracterizadas como terras tradicionalmente ocupadas pelos índios aquelas que, necessariamente, atendem as disposições do §1º do art. 231 CF, quais sejam: utilizadas para suas atividades produtivas, imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem estar e as necessidades de sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. (BRASIL, 2013)

Esse dispositivo constitucional prevê ainda que as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, bem como são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis. (§§ 2º e 4º)

Ante a este conceito de terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, podemos visualizar a ocorrência do chamado ‘indigenato’, que nos ensina que“a expressão ‘terras tradicionalmente ocupadas pelos índios’ não tem relação com o tempo de sua ocupação, não estando relacionada a qualquer situação temporal, mas, sim, ao modo tradicional de ocupação das terras pelos índios.” (LENZA, 2012, p. 1327)

Não obstante ao fato de que cabe aos índios o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes nas terras tradicionalmente por eles ocupadas (§ 2º, art. 231, CF), o § 3º do referido dispositivo constitucional traz uma exceção: é permitido o aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas, desde que com autorização do Congresso Nacional e, ouvidas as comunidades afetadas.

Outrossim, o art. 176, §1º da CF, estabelece que a pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais de energia hidráulica em terras indígenas só poderão ocorrer mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, seguindo critérios e condições estabelecidas em lei.

É exatamente o que ocorreu no caso prático de Belo Monte. O Decreto Legislativo 788/2005 previu que, para ocorrer a autorização com a finalidade de o Poder Executivo implementar o Aproveitamento Hidrelétrico Belo Monte no trecho do Rio Xingu, era necessário a oitiva das comunidades indígenas localizadas na área de influência do projeto. Ocorre que tal oitiva foi realizada pelo IBAMA, órgão incompetente para a diligência, o que deu vazão à interposição do Agravo de Instrumento 2006.01.00.017736-8/PA, o qual foi dado parcial provimento para: considerar inválido o Decreto Legislativo 788/2005, por violação ao §3º do art. 231 da CF e, proibir ao IBAMA que fizesse a consulta política às comunidades indígenas interessadas, por ser tal ato de competência exclusiva do Congresso Nacional. (BRASIL, 2006)

Suprido o entendimento básico acerca da proteção aos direitos dos índios, passemos à análise do caso concreto.

2.2.1. Belo Monte e as comunidades indígenas

Existem cerca de 10 terras indígenas aos arredores do Rio Xingu, sendo que 7 delas serão afetadas de alguma forma pela construção da usina hidrelétrica.

De acordo com o RIMA as terras indígenas Paquiçamba e Arara da Volta Grande do Xingu estão localizadas na Área de Influência Direta (AID), sendo afetadas pela redução da vazão do rio Xingu. A área indígena Juruna do km 17 está localizada às margens da Rodovia PA-415, a qual, devido à obra, deverá sofrer a influência do aumento do tráfego nessa estrada. Por fim, as terras indígenas Trincheira Bacajá, Kaotinemo e Arara estão localizadas na Área de Influência Indireta (AII).

As comunidades indígenas da AID passaram por processos de miscigenação, se misturando com populações não indígenas. Perderam o domínio de suas línguas maternas e vêm lutando para se reafirmarem como povos indígenas. Já as comunidades da AII, juntamente com as tribos Kararaô, Cachoeira Seca, Arawete Igarapé Ipixuna e Apyterewa, mantém vivas a cultura e as formas tradicionais de organização social, bem como seus povos falam 3 línguas nativas: Tupi-Guarani, Kayapó e Karib. Esse bloco de terras formam uma área de mais de 5 milhões de hectares. (RIMA, 2009, p. 25,27)

A problemática em relação às terras indígenas gira em torno dos impactos a elas causados, não apenas no sentido de que pode haver deslocamento de algumas tribos indígenas, mas também, a questão do desmatamento que ocorrerá na área, uma vez que comunidades indígenas necessitam das florestas para sobreviver e, também da grande influência que o aumento da população aos arredores das tribos poderá trazer.

O próprio RIMA relata que “o aumento da chegada de pessoas à região tende a provocar o aumento das pressões sobre as Tis e seus recursos naturais, o aumento da disseminação de doenças sexualmente transmissíveis e outras”, ressaltando ainda que outra consequência será que “os indígenas ficam mais expostos ao alcoolismo, à prostituição e às drogas.” (RIMA, 2009, p. 85)

Para tanto, o RIMA estipula a criação de diversos planos e programas, dentre eles o Plano de Fortalecimento Institucional e Direitos Indígenas e o Plano de Sustentabilidade Econômica da População Indígena, o qual vem passando por diversas críticas. Para ACSELRAD:

“A continuidade a que o debate sobre ‘desenvolvimento sustentável’ se refere diz respeito às práticas espaciais dos diferentes grupos sociais – ou seja, às praticas que condensam [...] dimensões territoriais e culturais, materiais e simbólicas da existência das populações. [...] Isto posto, o dito Plano de Sustentabilidade Econômica da População Indígena, por várias vezes mencionado no referido RIMA, em nada servirá para assegurar a continuidade das práticas sócio espaciais dos povos indígenas afetados pela barragem. E com maior razão ainda, se visar transformar os índios em ‘agentes ambientais’ ou ‘mão-de-obra capacitada’ para o eventual trabalho remunerado sob formas e sob controle de grupos não-indígenas.” (ACSELRAD, 2009, p. 54)

Há discussões sobre se algumas das Terras Indígenas terão de ser realocadas integralmente ou parcialmente para outra área, o que se sabe é que a obra vai gerar, como já tem ocorrido, diversos impactos aos índios localizados na área.

O §6º do artigo 231 da CF, anteriormente analisado, dispõe que serão nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, atos que tenham por objeto a ocupação, domínio e a posse das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, salvo em casos de relevante interesse público da União.

Dessa maneira, além dos impactos sociais causados às comunidades indígenas mencionadas, caso haja interesse da União em utilizar essas terras para a construção da obra, isto poderá ser feito sem qualquer ressalva.

Ademais, o aproveitamento de recursos hídricos em terras indígenas, previsto no §1º do artigo 176 da CF, anteriormente estudado, não possui regulamentação por lei específica, sendo, assim, se torna impossível avaliar o projeto Belo Monte. Essa é mais uma luta do MPF, que ajuizou ACP para suspender a licença prévia e o leilão até que seja regulamento o aproveitamento de recursos hídricos em terras indígenas, no entanto, o processo foi julgado improcedente em 24/01/2013. (MPF/PA, 2013)

Mister abordar aqui que, em julho de 2010, o Conselho de Direitos Humanos chamou atenção ao Brasil sobre a situação dos direitos humanos e direitos e liberdades fundamentais dos povos indígenas frente a construção da hidrelétrica de Belo Monte.

O Relator Especial James Anaya se reuniu em abril de 2010 com o presidente da FUNAI durante a 9º sessão do Conselho Permanente – Fórum sobre Questões Indígenas, no qual concluiu que havia diversas problemáticas em relação a usina que afetariam aos índios, dentre as quais, a problemática das consultas públicas e procedimentos de informação realizados. Mesmo com tais deficiências, a FUNAI concluiu que a construção da barragem de Belo Monte era viável.

O Governo do Brasil respondeu à análise do Conselho de Direitos Humanos, a qual concluiu da seguinte forma:

“O Relator Especial registra os esforços de consulta relatados pelo Governo, ainda subsistem preocupações sobre se as consultas visaram a obtenção do acordo ou o consentimento das afetadas comunidades indígenas para a decisão de iniciar ou avançar com o projeto. Neste respeito, o relator especial chama a atenção para o artigo 32 da Declaração sobre os Direitos dos Povos Indígenas, que dispõe: ‘Os Estados celebrarão consultas e cooperarão de boa-fé com os povos indígenas interessados, por meio de suas instituições representativas com o fim de obter seu consentimento livre e esclarecido antes da aprovação de qualquer projeto que afete suas terras ou territórios e outros recursos, particularmente em conexão com o desenvolvimento, a utilização de exploração de minerais, água ou outros recursos.’ [...]o Relator Especial observa a necessidade de esforços concentrados para realizar consultas adequadas com esses povos, e se esforçar para chegar a um consenso com eles em todos os aspectos do projeto que lhes digam respeito." (ANAYA, 2010, p. 8)

É interessante saber que o direito dos índios em relação à construção da hidrelétrica de Belo Monte tem sido vistoriado pela ótica internacional, o que traz uma segurança jurídica voltada a esta população.

Não se pode olvidar que o artigo 2º do Estatuto do índio dispõe que cumpre à União, Estados e Municípios, e outros órgãos competentes, resguardar os direitos dos índios nas formas descritas nos seus incisos.Para o caso concreto, cumpre destacar alguns incisos importantes, quais sejam:

“Cumpre à União, aos Estados e aos Municípios, bem como aos órgãos das respectivas administrações indiretas, nos limites de sua comparência, para a proteção das comunidades indígenas e a preservação dos seus direitos:

[...]

V - garantir aos índios a permanência voluntária no seu habitat, proporcionando-lhes ali recursos para seu desenvolvimento e progresso;

VI – respeitar, no processo de integração de índio à comunhão nacional, a coesão das comunidades indígenas, os seus valores culturais, tradições, usos e costumes;

VII - executar sempre que possível mediante a colaboração dos índios, os programas e projetos tendentes a beneficiar as comunidades indígenas;

[...]

IX - garantir aos índios e comunidades indígenas, nos termos de Constituição, a posse permanente das terras que habitam, reconhecendo-lhes o direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e de todas as utilidades naquelas terras existentes;

[...]” (BRASIL, 2013, p. 1)

Ora, todas essas previsões devem ser observadas no processo de construção da obra de Belo Monte, no entanto, isto não tem ocorrido. Desde a concessão da Licença Prévia pelo IBAMA, os índios vêm demonstrando seu inconformismo com o prosseguimento da obra e efetuando diversas manifestações visando a paralização da obra.

Quando o IBAMA concedeu a Licença de Instalação para o início das obras ao empreendedor, o Movimento Xingu Vivo divulgou nota contra a liberação de Belo Monte pelo IBAMA, a qual vale a pena destacar algumas partes:

“Há muito já se sabe que a Usina Hidrelétrica (UHE) Belo Monte não tem viabilidade econômica, social, ambiental, cultural e mesmo política. [...] Há muito também já se sabe que a UHE Belo Monte infringe frontalmente a constituição e a legislação ambiental do Brasil.[...] A UHE Belo Monte é hoje uma bandeira política do Governo Federal, só isso explica a obsessão por esta obra, que vai repassar no mínimo 30 bilhões de reais para as empreiteiras, setor que, coincidentemente, ficou em 1º lugar no repasse de verbas para a campanha da presidente Dilma Rousseff.

Mostrando mais uma vez força e determinação, reuniram-se entre os dias 20 e 23 de maio/2011, na Aldeia Piaraçu, mais de 200 lideranças, representando 12 etnias, índios Kayapó, Juruna, Kaiabi, Xavante, Cinta larga, entre outros, além de lideranças dos movimentos sociais, que reafirmaram em alto e bom tom “NÃO À CONSTRUÇÃO DE BELO MONTE”. Reiterando a intenção de todos e todas em lutar até o ultimo suspiro contra esta usina.

É por tudo isso que repudiamos a emissão da Licença de Instalação ilegal de Belo Monte. Exigimos que esse projeto seja definitivamente encerrado. Alertamos ao governo da presidente Dilma Rousseff que ele será o único responsável pelas consequências que decorrerão de sua insistência nesse projeto. Consequências que poderão ser expressas, literalmente, em dor, lagrimas e sangue.

Pedimos o apoio de todos os brasileiros e brasileiras. Conclamamos as pessoas do mundo todo para que possamos estar juntos nesta decisiva batalha para barrar os mais pesados ataques que o capital já desferiu, até hoje, contra a floresta, os rios, os povos e a vida na Amazônia, no Brasil, e no Planeta Terra. Somos fortes. [...]” (SILVA, 2012, p. 1)

Nos termos do Relatório de atendimento às condicionantes, efetuado pela Norte Energia em janeiro de 2013, as condicionantes que diziam respeito aos índios já foram parcialmente atendidas, sendo que, no que tange ao Licenciamento Ambiental concedido, a FUNAI manifestou-se pelo prosseguimento do processo de licenciamento da UHE Belo Monte. (NORTE ENERGIA S.A, 2013)

Ademais, a Norte Energia afirma que nenhuma das terras indígenas na área de influência da Usina Belo Monte será alagada. “O projeto original perdeu dois terços do tamanho do reservatório e foi reduzido para 503 km². Praticamente metade deste reservatório ficará na área do rio. Apenas os 252 km² restantes alagarão áreas, que estão longe de terras indígenas.”(NORTE ENERGIA, 2011)

Os índios entendem ter seus direitos constitucionais cerceados, pela baixa participação nos projetos de Belo Monte. Pelo estudo de especialistas Tenotã-Mõ – alertas sobre as consequências dos projetos hidrelétricos no rio Xingu, realizado em 2005, se retira a mesma conclusão:

“[...] Belo Monte não pode ser reduzida a uma questão técnica. Não é possível transformar diferenças sócio-culturais concretas em banalidade. Afinal, a sensibilidade jurídica dos índios e dos xinguenses que se apresenta complexa, dadas às múltiplas falas que implicam em suposições e histórias sobre ocorrências reais, passadas e futuras, formuladas através de imagens relacionadas aos seus princípios culturais, não pode ser desconhecida. Aos indígenas está se imputando a pesada carga de ‘obstruir o desenvolvimento’. Mas o que é o desenvolvimento feito às custas de vidas, de usurpação de terras? Aos índios, como aos demais moradores do território do Xingu, não se tem garantido os princípios constitucionais de ampla defesa de direitos, na medida em que a participação é cerceada.” (PONTES JR E BELTRÃO, 2005, p. 82)

Pelo exposto, há, por um lado, a necessidade que o empreendedor busca em fazer com que os cidadãos afetados entendam a viabilidade da obra e, por outro lado, o inconformismo das comunidades indígenas afetadas e dos representantes de seus direitos.

Uma coisa é certa, o direito de proteção aos índios está consagrado pela Constituição Federal e, não pode ser relativizado ou desconsiderado em hipótese alguma, pelo contrário, deve ser tratado com rigor e diligência, afinal, não estamos falando de simples cidadãos, mas, sim, das origens e da raiz do nosso país.

2.3.       Preservação ao meio ambiente como direito fundamental

Podemos contemplar hoje a previsão constitucional, através de nossa Carta Magna, a respeito do direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, como dispõe seu artigo 225:

“Todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essência à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” (BRASIL, 2013, p. 73)

Tal dispositivo consubstancia-se no conceito de que o meio ambiente é um patrimônio universal, suscitando diversas questões quanto à efetividade de sua proteção.

A necessidade de preservação dos recursos naturais existentes em todo o planeta surge quando o meio ambiente é conceituado como um patrimônio comum da humanidade, ou seja, o termo ‘patrimônio comum da humanidade’ implica relação jurídica, pois o patrimônio pertence à humanidade inteira.Neste sentido, tem-se a criação de conflitos de representação no exercício desse direito, propondo-se os organismos internacionais e Estados soberanos pleitear a defesa desse bem jurídico. (MORAES, 2001)

Em nosso país a preservação do direito ao meio ambiente é dever do Poder Público e de toda coletividade. Por mais que não esteja elencado no rol do artigo 5º da Constituição Federal, que trata dos direitos e garantias fundamentais, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é considerado como direito subjetivo de cada um, portanto, como direito fundamental. (MORAES, 2001)

De acordo com o saber doutrinário de Alexandre de Moraes, o Estado deverá garantir esse direito a um nível de vida adequado com a condição humana, respeitando os princípios fundamentais da cidadania, dignidade da pessoa humana e valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, e ainda, os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil de construção de uma sociedade livre, justa e solidária, garantido o desenvolvimento nacional.

De acordo com Pedro Lenza (2013), apenas com o advento da Constituição de 1988 que se estabeleceu, de maneira específica e global, a proteção ao meio ambiente, em capítulo próprio, trazendo regras sobre o meio ambiente além de outras garantias constitucionais. De acordo com o referido doutrinador, eis o conceito de meio ambiente:

“Podemos afirmar que o meio ambiente é bem de fruição geral da coletividade, de natureza difusa e, assim, caracterizado como res omnium – coisa de todos, e não como res nullius, como muito bem advertiu Sérgio Ferraz. Trata-se de direito que, apesar de pertencer a cada indivíduo, é de todos ao mesmo tempo e, ainda, das futuras gerações.” (LENZA, 2013, p. 1293)

Neste sentido, LENZA busca uma interligação entre o direito ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado e o direito ao desenvolvimento. Este segundo deve observar a questão ambiental, uma vez que o artigo 170, caput e inciso VI da Lex Mater estabelece que a ordem econômica tem por fim assegurar a todos uma existência digna, observando diversos princípios, dentre eles o da defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado de acordo com o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação. (LENZA, 2013)

Quando nos atentamos ao desenvolvimento, o deputado federal Aldo Rebelo cita que “o progresso é um processo conflituoso, pois todas as ações humanas geram impactos, positivos e negativos.” Entende ele que cada vez que enfrentamos um problema, outro é gerado, o que resulta em uma troca daquilo que uns consideram mais importante e outros consideram de menor valor, resultando, portanto, em um círculo vicioso, o que para o deputado é chamado de “intercâmbio de problemas”. (REBELO, 2010, p. 56)

Outrossim, o novo Código Florestal, Lei 12.651/2012, traz como seu principal objetivo o desenvolvimento sustentável, elencando diversos princípios para a materialização dele. Os que merecem ser ressaltados são os princípios impostos nos incisos I, III e IV do parágrafo único do art. 1º-A do referido código, quais sejam: afirmação do compromisso soberano do Brasil com a preservação de suas florestas e demais formas de vegetação nativa, ação governamental de proteção e uso sustentável de florestas e, responsabilidade comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, em colaboração com a sociedade civil, na criação de políticas para a preservação e restauração da vegetação nativa e de suas funções ecológicas e sociais nas áreas urbanas e rurais. (BRASIL, 2012)

Ora, o Poder Público, juntamente com toda a população, é responsável por manter o meio ambiente ecologicamente equilibrado em meio ao desenvolvimento do país e do mundo. Assim, oportuno se torna descrever o relatado por Pedro Lenza:

“Nesse sentido, com precisão, observa ÉdisMilaré: [...] Compatibilizar meio ambiente e desenvolvimento significa considerar os problemas ambientais dentro de um processo contínuo de planejamento, atendendo-se adequadamente às exigências de ambos e observando-se suas inter-relações particulares a cada contexto sociocultural, político, econômico e ecológico dentro de uma dimensão tempo/espaço. Em outras palavras, isto significa dizer que a política ambiental não deve constituir em obstáculo ao desenvolvimento.” (LENZA, 2013, 1290/1291)

Depois das noções preliminares em breve trecho, podemos concluir que hoje há uma preocupação com o desenvolvimento garantindo o direito ao meio ambiente, consagrando-se o desenvolvimento sustentável.

Para o caso concreto da UHE Belo Monte, o impacto ambiental é demasiadamente significante, o que vem gerando diversas polêmicas em todo o país. Para tanto, no próximo capítulo analisaremos, detalhadamente, a grande questão ambiental em consonância à construção da hidrelétrica Belo Monte.

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Sobre a autora
Gabriela Pinheiro de Sousa

Advogada. Bacharel em Direito pela Faculdade de Ensino Superior e Formação Integral - FAEF Garça/SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUSA, Gabriela Pinheiro. A Usina Hidrelétrica de Belo Monte à luz das normas constitucionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3841, 6 jan. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26325. Acesso em: 22 dez. 2024.

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