Da (In)Constitucionalidade da Lei do Tiro de Destruição

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27/02/2014 às 08:30
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5 CORRENTE DA INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI DO ABATE

O Ordenamento Jurídico Pátrio determina como inconstitucional qualquer dispositivo da legislação que contrariar qualquer disposição na Carta Política Fundamental ou subalterna a ela. Com arrimo nisto, uma considerável parte da doutrina entende ser eivada de inconstitucionalidade a Lei do Abate por violar diversos princípios elencados na Carta Magna.

Apenas para pontuar os princípios violados, o professor Luiz Flávio Gomes indica os seguintes dispositivos da Constituição de Federal de 1988: art. 4º, II, “prevalência dos direitos humanos”; VI – “defesa da paz”; VII – “solução pacífica dos conflitos” – e art. 5º, caput – “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”, incisos II – “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer senão em virtude de lei”, III – “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”, XXXVII – “não haverá juízo ou tribunal de exceção”, XLVI – “a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:”, XLVII – “não haverá pena de morte: a) de morte”, LIII – “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”, LIV – “ninguém será privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”, LV – “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”, LVII – “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” e § 2º - “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

Contudo, para fins didáticos, consignará apenas os principais pontos de que a Lei do Abate colide com a Carta Política Fundamental sob o ponto de vista de alguns juristas que discorreram sobre o tema.

5.1 Princípio da Inviolabilidade do Direito à Vida

O princípio da inviolabilidade do direito à vida, conforme consagrado no caput do art. 5º da Carta Política Fundamental, não se constitui de uma garantia somente aos brasileiros e estrangeiros residentes do Brasil, mas também aos estrangeiros em trâmite no Brasil conforme o sustentado pela doutrina e pela jurisprudência (OLIVEIRA). Este direito se desdobra não somente à vida, contudo também com o direito à existência, à integridade física e moral, além de se contrapor à pena de morte (SILVA, 2007, p. 197-201).

Luiz Flávio Gomes sustenta que houve violação ao princípio em tela com a edição da lei. Logo, a instituição da referida lei se torna uma autorização da aplicação da pena de morte fora do estado de guerra nos termos do art. 5º, XLVII, alínea a, da Constituição Federal, visto que, em tese, o disparo da medida de destruição com o fim de provocar danos na aeronave para impedir o seu avanço, poderia provocar a destruição da mesma ou a morte de todos os tripulantes ao colidir com o solo.

5.2 Princípio do Devido Processo Legal

Diferentemente da corrente que defende a constitucionalidade, o princípio do devido processo legal se encontra violado uma vez que não há contraditório ou oportunidade de defesa. Não obstante, não existe contraditório diferido visto que a medida do tiro de destruição, pelas suas próprias características não contemplaria esta possibilidade (CASTRO, 2007, p. 16-19). Este é um dos pontos mais levantados pelos autores que defendem esta corrente.

Cumpre destacar o posicionamento de Marcel Peres de Oliveira que sintetiza os argumentos elencados pelos autores:

Em primeiro lugar, estar-se-á aplicando sanção sem processo, sem direito de defesa, sem julgamento. Com a efetivação do tiro de destruição, o criminoso que utiliza o transporte aéreo para comercializar substância entorpecente está sujeito a ser privado da sua vida ou de seus bens sem qualquer possibilidade de se defender, ou seja, sem a garantia do contraditório e da ampla defesa, que engloba a defesa técnica. Há ofensa à isonomia, pois o criminoso que utiliza meio de transporte diverso está sujeito a tratamento distinto, mais benéfico. [...] Outra questão grave é que o Regulamento trabalha com presunções e suspeitas, ilações totalmente incompatíveis com a medida extrema. Enquanto a pena privativa de liberdade ou de perdimento de bens só pode ser estabelecida na sentença, proferida após cognição exauriente, com base em juízo de certeza, a medida de destruição prescinde de qualquer ato judicial. Não é medida de natureza cautelar, pois não resguarda provimento jurisdicional futuro.

No mesmo sentido tem-se a posição de Bruno Barata Magalhães e de Fábio Anderson de Freitas Pedro visto que a Força Aérea Brasileira não pode prolatar uma decisão de condenação de ofício, isto é, não seria competente para este ato.

Automaticamente, a violação deste princípio contempla outras violações como da ampla defesa e do contraditório trabalho, do juiz natural entre outros conforme a lição de José Afonso da Silva (2007, p. 429-430, 431-432) visto que este princípio contempla outros. Alguns destes já foram trabalhados no posicionamento da corrente da constitucionalidade da medida do tiro de destruição e outras ainda serão neste capítulo.

5.3 Princípio da Ampla Defesa e do Contraditório

A ampla defesa e o contraditório possui albergue constitucional no art. 5º, LV, do qual “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

Souza Netto argumenta que este princípio “[...] compreende a faculdade de ele intervir no processo, depois de citado, para levar a cabo todas as atividades necessárias para esvaziar a resposta penal ou atenuar a consequência jurídico-penal” (2011, p. 122-123). Não obstante, aduz ainda que a acusação deve ser feita de forma clara e completa para que o réu possa oferecer a sua resposta, sendo que uma descrição dos fatos incompleta, duvidosa ou que não contenha um fato típico gera a inépcia da denúncia. Em outras palavras, “Para que alguém possa reparar e realizar sua defesa é preciso que esteja claramente descrito o fato de que deve se defender” (SOUZA NETTO, 2011, p. 124).

O art. 8º, alínea b, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, Pacto de San José da Costa Rica, promulgado pelo Decreto nº 678 de 06 de novembro de 1992, estabelece que “comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada”. Trata-se, segundo Tucci, do direito à informação (TUCCI, 2004, p. 177-178).

As partes também devem, no decorrer da instrução processual, assegurados a paridade de armas (par conditio) visto que nenhuma das partes pode ter exclusiva vantagem em detrimento da outra parte, sendo que esta não deve ser somente formal, contudo material (TUCCI, 2004, p. 63-64). Este princípio de igualdade entre as partes denota o princípio da isonomia processual. E por fim, a ausência de defesa ou agindo de forma deficiente contraria os princípios da ampla defesa e do contraditório (SOUZA NETTO, 2011, p. 124).

No caso da Lei do Abate, o princípio da ampla defesa e do contraditório foram violados uma vez que a Lei do Abate não oferece esta possibilidade visto que se trata de um processo de conhecimento sumário, sem cognição plena (CASTRO, 2007, p. 19-22). Em nenhum momento aos tripulantes da aeronave é informado formalmente de qual crime, em tese, estariam praticando. E não obstante, em caso de não cumprimento das ordens emanadas pela FAB, correm o risco de serem abatidos mesmo sendo inocentes, não podendo recorrer desta medida para o Judiciário conforme assegura a Constituição.

Para o juiz Jesseir Coelho de Alcântara, o princípio do devido processo legal, além do contraditório e da ampla defesa, se encontram violados uma vez que a derrubada das aeronaves poderão atingir inocentes. E por fim, destaca que:

A derrubada de aeronaves, pela simples suspeita de tráfico de drogas, matando os seus pilotos e passageiros, é assassinato e depõe contra o Brasil, que com a desculpa de combater os traficantes, passa a utilizar os mesmos métodos dos criminosos.

Portanto, a ampla defesa e o contraditório não existem no rito de aplicação da medida do tiro de destruição. Ou segue as ordens dos pilotos da FAB ou serão submetidos à medida de destruição.

5.4 Princípio da Legalidade

O princípio da legalidade encontra agasalho no art. 5º, XXXIX, da Carta Política de 1988, nos seguintes termos, de que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Trata-se de uma real barreira para o poder de interferir nas liberdades individuais do indivíduo por parte do Estado (TOLEDO, 1994, p. 21). Sendo que o princípio da legalidade se desdobra em três postulados, a saber, o da reserva legal, da taxatividade e da irretroatividade (LUISI, 2003, p. 17-18). Passa-se neste momento a fazer breve menção sobre cada postulado.

5.4.1 Da Reserva Legal

José Afonso da Silva distingue o postulado em tela, da reserva legal, para o princípio da legalidade. Para ele, o postulado da reserva legal consiste em “estatuir que a regulamentação de determinadas matérias há de fazer-se necessariamente por lei formal” enquanto que o princípio da legalidade significa a “submissão e o respeito à lei, ou a atuação dentro da esfera estabelecida pelo legislador” (SILVA, 2007, p. 422).  Por seu turno, Vezio Crisafulli aduz que

Tem-se, pois, reserva de lei quando uma norma constitucional atribui determinada matéria exclusivamente à lei formal (ou a atos equiparados, na interpretação firmada na praxe), subtraindo-a, com isso, à disciplina de outras fontes, àquela subordinadas (apud SILVA, 2007, p. 422).

Nelson Hungria, ao discorrer sobre este postulado afirma que a

fonte única do direito penal é a norma legal. Não há direito penal vagando fora da lei escrita [...] Sub specie juris, não existe crime “sem lei anterior que o defina, nem pena “sem prévia cominação legal”. Nullum crimen, nulla poena sine proevia lege poendi. A lei penal é, assim, um sistema fechado: ainda que se apresente omissa ou lacunosa, não pode ser suprida pelo arbítrio judicial, ou pela analogia, ou pelos “princípios gerais de direito”, ou pelo costume (HUNGRIA, 1976, p. 21).

E assevera ainda Nelson Hungria que a “supressão do princípio da legalidade subverteria a própria noção de culpabilidade, que não pode existir sem a consciência da violação do dever jurídico, ou possibilidade dessa consciência” do qual resultaria para o indivíduo

a viver em constante sobressalto, sempre na iminência de se ver sujeito à reação penal por fatos cuja antissociabilidade escapasse ao seu mediano senso de ajustamento à moral ambiente. Seria inevitável o conflito entre a apurada mentalidade dos juízes e a mentalidade média do homem do povo, ficando este subordinado a um juízo de reprovação muitas vezes inacessível ao seu próprio entendimento (HUNGRIA, 1976, p. 24).

Por seu turno, Luiz Luisi assevera que “somente não é lícito aquilo que a lei proíbe. Dentre esses direitos se insere o da Reserva Legal, ou seja: somente a lei, e anteriormente ao fato, pode estabelecer que este constitui delito, e a pena a ele aplicável” (LUISI, 2003, p. 19).

Frisou ainda o professor Luisi que

o postulado da Reserva Legal, além de arginar o poder punitivo do Estado nos limites da lei, dá ao direito penal uma função de garantia, posto que tornando certos o delito e a pena, asseguram ao cidadão que só por aqueles fatos previamente definidos como delituosos, e naquelas penas previamente fixados pode ser processado e condenado (LUISI, 2003, p. 23).

Beccaria, muito tempo antes, em 1764, asseverava na mesma linha de Hungria que “apenas as leis podem indicar as penas de cada delito e que o direito de estabelecer leis penais não pode ser senão da pessoa do legislador, que representa toda a sociedade ligada por um contrato social” (BECCARIA, 2007, p. 20).

Fragoso destaca ainda que são intrínsecas a este postulado a exigência de lei escrita, nullum crimen nulla poena sine lege scripta, do qual veda a sanção penal por analogia (in HUNGRIA, 1976, p. 223) na mesma fala de Nelson Hungria (HUNGRIA, 1976, p. 21).

Luisi, citando outras opiniões, alega que este princípio não possui unanimidade sobre a sua origem, tendo correntes que situam no Direito Romano, outros no período medieval e alguns na Magna Carta Inglesa de 1215 (LUISI, 2003, p. 18-19). Para Hungria (1976, p. 35-36), o princípio da reserva legal surgiu no direito romano. Contudo, em que pese esta divergência, certo é que se trata de um princípio de grande valia e primordial para existência do direito penal.

E por fim, cumpre destacar que somente lei em sentido estrito que pode instituir crimes (TOLEDO, 1994, p. 23). Logo, não se pode aceitar que um decreto ou uma resolução ou até uma medida provisória institua um crime. Muito menos que o Legislativo delegue este poder para um outro ente ou pessoa.

Em breve síntese, se trata de um princípio penal com o fim de evitar abusos por parte do Estado ao impor que somente poderá ser considerado como culpado caso o delito praticado esteja expresso na lei e de ainda seja anterior ao fato praticado.

5.4.2 Da Determinação Taxativa

Este postulado versa sobre a exigência de que as leis devem ser claras, certas e precisas.

Cesare Beccaria expõe em sua obra épica que se

o texto das leis não for um livro familiar, como um catecismo, enquanto elas forem redigidas em língua morta e não conhecida do povo, e enquanto forem, de maneira solene, mantida como oráculos misteriosos, o cidadão que não puder aquilatar por si próprio as consequências que devem ter os atos que pratica sobre sua liberdade e sobre seus bens estará dependendo de um pequeno número de homens que são depositários e intérpretes das leis (BECCARIA, 2007, p. 24)

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Para Luiz Luisi,

O princípio da determinação taxativa preside, portanto, a formulação da lei penal, a exigir qualificação e competência do legislador, e o uso por este de técnica correta e de uma linguagem rigorosa e uniforme.

Sem esse corolário o princípio da legalidade não alcançaria seu objetivo, pois de nada vale a anterioridade da lei, se esta não estiver dotada de clareza e da certeza necessárias, e indispensáveis para evitar normas diferenciadas, e, pois, arbitrárias na sua aplicação, ou seja, para reduzir o coeficiente de variabilidade subjetiva na aplicação da lei.

[...] A exigência de normas penais de teor preciso e unívoco decorre do propósito de proteger o cidadão do arbítrio judiciário, posto que fixado com a certeza necessária a esfera do ilícito penal, fica restrita a descricionariedade (sic) do aplicador da lei (LUISI, 2003, p. 24-25).

Para Heleno Cláudio Fragoso, se trata de uma nova função modernamente atribuída ao princípio da reserva legal, a determinação taxativa, visto que proíbe “a incriminação vaga e indeterminada, que não permite saber de forma exata qual é a conduta incriminada” (in HUNGRIA, 1976, p. 223).

Para Francisco de Assis Toledo, a exigência da lex certa

Diz com a clareza dos tipos, que não devem deixar margens a dúvidas nem abusar do emprego de normas muito gerais ou tipos incriminadores genéricos, vazios. Para que a lei penal possa desempenhar função pedagógica e motivar o comportamento humano, necessita ser facilmente acessível a todos, não só aos juristas (TOLEDO, 1994, p. 29).

Soler citado por Fragoso destaca ainda que

só a existência de lei prévia não basta; esta lei deve reunir certos caracteres: deve ser concretamente definitória de uma ação, deve traçar a figura cerrada em si mesma, por meio da qual se conheça não apenas qual é a conduta compreendida, mas também qual é a não compreendida” (in HUNGRIA, 1976, p. 223).

Em suma, não basta a existência de uma lei para poder incriminar. A mesma deve ser entendida da mesma forma, em todos os lugares, por todas as pessoas, não podendo haver aplicação diferente, isto é, duas medidas para um mesmo peso pelos magistrados.

5.4.3 Da Irretroatividade

Trata-se de um princípio basilar do qual a Lei que incrimina uma conduta somente poderá albergar os delitos praticados após a sua vigência. Este princípio remonta à Declaração Francesa dos Direitos do Homem de 1789 do qual, no art. VIII estatuía que “[...] ninguém pode ser castigado senão em virtude de uma lei estabelecida e promulgada anteriormente ao delito e legalmente aplicada”.

Aliás, a própria Constituição Federal autoriza a retroatividade da lei somente nos casos para beneficiar o réu conforme art. 5º, XL: “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. Logo, a lei que instituir um crime e a respectiva pena deverá ser anterior ao fato, não podendo incriminar fatos pretéritos a lei. Este postulado também é válido para a lei que majorar a pena. Entende-se como lei penal, a lei penal material.

A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, Pacto de San José da Costa Rica, promulgado pelo Decreto nº 678 de 06 de novembro de 1992, no art. 9º já aduzia antes da promulgação da Constituição de 1988 que

Ninguém pode ser condenado por ações ou omissões que, no momento em que forem cometidas, não sejam delituosas, de acordo com o direito aplicável. Tampouco se pode impor pena mais grave que a aplicável no momento da perpetração do delito.

Nelson Hungria destaca este ponto da irretroatividade da lei da seguinte forma:

As mesmas razões que fundamentam o veto à criação de crimes ou aplicações de penas à margem da lei (pelo arbitrum judicis ou pela analogia) militam para a interdição da lei penal ex post facto, que no caso de novatio criminis, quer no de acréscimo de punibilidade ou desfavor ao réu. Em ambos os casos, a retroatividade encontra o obstáculo de autêntico direito adquirido na órbita da liberdade individual, isto é, o direito que o indivíduo adquiriu, vigente a lei anterior, de não ser punido ou ser punido menos severamente (CARRARA, PESSINA) (HUNGRIA, 1976, p. 114).

E continua frisando de que o Estado não pode criar “emboscadas” ao cidadão visto que ao “criminoso não pode ser imposta uma pena que lhe era desconhecida ao tempo do crime” (HUNGRIA, 1976, p.115).

Heleno Cláudio Fragoso aduz que o “princípio da reserva legal surge como exigência de natureza política para proibir o efeito retroativo dado à lei penal” (in HUNGRIA, 1976, p. 222). Logo, não poderá haver criação de uma lei para incriminar determinadas condutas pretéritas em hipótese alguma.

José Laurindo de Souza Netto aduz ainda que a “legalidade processual exige regulamentação, por normas, dos direitos que se exercitem durante o processo” (p.45) sendo que este princípio da legalidade “exige do juiz o dever de cumprimento das funções a ele conferidas, não podendo subtrair-se da sua atividade legal, a qual é indelegável, indeclinável e improrrogável” (p.46). Aliás, “a legalidade do processo identifica-se pois com o atendimento de todas as normas e garantias estabelecidas na Lei Processual” (p. 46). Por fim, destaca ainda que serve o princípio da legalidade para “evitar arbitrariedades, tutelar a igualdade, preservando a função persecutória do Estado” (p. 49).

Para Fernando Capez, serve para evitar que haja discricionariedade por parte dos órgãos incumbidos da persecução penal (2009, p. 33).

5.4.4 Posição da Corrente

O princípio da legalidade foi violado uma vez que não há tipificação certa do que poderia ser considerada aeronave hostil, como também a medida de destruição. Aliás, foi por meio de um Decreto a regulamentação da Lei, o qual não podia. Ademais, a simples ignorância das ordens emitidas pelos caças da FAB não pode presumir-se como hostilidade.

Diante disto, houve a violação da separação dos poderes visto que o Legislativo delega competência exclusiva sua para a efetivação da Lei, fora das hipóteses previstas na Constituição, assim como Presidente da República, ao delegar para o Comandante da Aeronáutica o poder de decidir se autoriza ou não a medida de destruição (OLIVEIRA).

Como consequência direta da violação do princípio da legalidade, tem-se a insegurança jurídica. Não se sabe em qual hipótese que poderá haver a destruição de aeronaves. Os princípios norteadores do direito penal determinam normas claras, devendo as mesmas ser emanadas por autoridades competentes.

5.5. Princípio da Igualdade

O princípio da igualdade também encontra óbice conforme o caput do art. 5º da Constituição visto que todos possuem o direito de serem tratados de forma igual (CASTRO, 2007, p. 22-25). A medida de destruição trata de forma desigual quem realiza o tráfico de drogas por meio de aeronave para que realiza por meio de um automóvel.

A medida é desproporcional visto que

A aeronave hostil não tem, evidentemente, o direito de fugir e tentar percorrer sua rota originária sem ser incomodada. O piloto da aeronave hostil não pode, evidentemente, atuar contra o direito ao contrariar a Lei do Tiro de Destruição e, ao mesmo tempo, estar exercitando um direito, no caso em exame, o suposto direito de empreender a fuga. Esse é o aspecto capital da Lei do Tiro de Destruição, uma vez que representa a medida mais extrema a ser adotada contra aeronaves suspeitas de narcotráfico. É, ao mesmo tempo, o que aparentemente mais incomoda. A doutrina penal entende, em regra, que a resistência passiva, isto é, aquela não exercida com violência contra a autoridade que cumpre ordem legal, não tem o condão de autorizar a morte do infrator. O indivíduo abordado pela polícia, sob a suspeita de estar realizando tráfico de drogas, não pode ser morto ao tentar simplesmente fugir, ao empreender resistência passiva. Assim, é estranhável que o piloto de aeronave suspeita de tráfico de drogas possa ser legalmente abatido em idêntica situação. (FREITAS, p. 80-81)

O exemplo repassado por Freitas também é trabalhado sobre outro pano de fundo por José Moaceny Félix Rodrigues Filho e por Fernando Lima. Sendo que este último, Fernando Lima, aduz ainda que mesmo que fosse tipificado como crime a fuga, a mesma não poderia ter como sanção a pena capital (LIMA, p. 2). Não obstante disto, João Augusto Arruda conclui que “se a Força Aérea Brasileira pode destruir veículo utilizado como meio de fuga pelo traficante, a polícia vai querer fazer o mesmo com o cidadão que, desavisadamente, não pare o carro durante uma blitz policial” (apud GOES).

Neste mesma esteria, o posicionamento de Marcel Peres de Oliveira do qual, caso um estrangeiro entrasse transportando drogas por um outro meio diferente das aeronaves, estaria sujeito somente à pena privativa de liberdade. E por fim, a posição do deputado federal Átila Lins, do qual “o tiro de abate, mutatis mutandis, assemelha-se à destruição de um automóvel cheio de passageiros, que porventura não parasse ao apito do guarda para o competente exame da documentação”.

Logo, fica evidente que há divergências em sua aplicação conforme o meio utilizado para realizar o tráfico de drogas.

5.6 Princípio do Juiz Natural

Consta no art. 5º, XXXVII e LIII, respectivamente, nas seguintes palavras que “não haverá juízo ou tribunal de exceção” e “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”. Este princípio se traduz na validade de um processo penal cujo o acusado seja julgado por um agente do Poder Judiciário regularmente investido neste cargo e dotados de garantias que não possam influenciar em sua decisão (TUCCI, 2004, p. 109-110).

Greco Filho aduz que

as regras de determinação de competência devem ser instituídas previamente aos fatos e de maneira geral e abstrata de modo a impedir a interferência autoritária externa. Não se admite escolha de magistrado para determinado caso, nem a exclusão ou afastamento do magistrado competente. Quando ocorre determinado fato, as regras de competência já apontam o juízo adequado, utilizando-se, até, o sistema aleatório do sorteio (distribuição) para que não haja interferência na escolha. (apud FERNANDES, 2005, p. 134)

Sustentam ainda que, assim como o juiz natural, devem ter também a garantia do promotor natural (TUCCI, 2004, p. 128-136, CAPEZ, 2009, p. 30) tendo em vista o princípio da oficialidade.

O princípio do juiz natural se encontra violado visto que a autoridade que aplica a sanção não é um membro da magistratura, ou seja, do Poder Judiciário, mas o próprio Comandante da Aeronáutica, membro das Forças Armadas (CASTRO, 2007, p. 26-27).  Ademais, a acusação também não é feita por um promotor de justiça, mas pelos próprios pilotos da FAB. Neste mesmo diapasão o posicionamento do juiz Jesseir Coelho de Alcântara e de Fábio Anderson de Freitas Pedro.

Houve, diante disto, a violação constitucional ao autorizar que uma autoridade administrativa pudesse autorizar a execução da pena de morte.

5.7 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

O princípio em tela remonta ao período do iluminismo do qual existem direitos inerentes à condição humana e que a relação do Estado com os cidadãos deveria ser como um contrato. Luiz Luisi destaca sobre este ponto a necessidade do direito penal atrelado às leis prévias e certas, possuindo como limite o mínimo necessário, sem penas degradantes (LUISI, 2003, p. 47).

Na Constituição Federal de 1988 há diversos dispositivos neste sentido tais como o inciso XLVII e XLIX, a saber, respectivamente, “não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis;” e “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e mora”.

Cumpre destacar o seguinte posicionamento sobre a questão da pena de morte:

No concernente a pena de morte a Constituição Federal vigente alinhou-se com a tendência fortemente majoritária das legislações contemporâneas no sentido de banir a pena em causa do elenco das sanções penais. Em numerosas Constituições após guerra a pena capital é expressamente proibida. E em muitos países a mesma foi abolida na legislação ordinária (BERISTAIN apud LUISI, 2003, p. 48).

José Afonso da Silva se alinha a posição de que “o direito à vida contrapõe-se a pena de morte. Uma constituição que assegure o direito à vida incidirá em irremediável incoerência se admitir a pena de morte” (SILVA, 2007, p. 201-202).

E por fim, o de Jescheck do qual

O direito penal não pode se identificar com o direito relativo a assistência social. Serve em primeiro lugar a Justiça distributiva, e deve por em relevo a responsabilidade do delinqüente (sic) por haver violentado o direito, fazendo com que receba a reposta merecida da Comunidade. E isto não pode ser atingido sem dano e sem dor principalmente nas penas privativas de liberdade, a não ser que se pretenda subverter a hierarquia dos valores morais, e fazer do crime uma ocasião de prêmio [...] todas as relações humanas disciplinadas pelo direito penal devem estar presididas pelo princípio da humanidade (LUISI, 2003, p.50-51).

Cesare Beccaria aduz, sobre a questão da pena de morte, de que o

rigor do castigo faz menor efeito sobre o espírito do homem do que a duração da pena, pois a nossa sensibilidade é mais fácil e mais constantemente atingida por uma impressão ligeira, porém freqüente, do que por abalo violento, porém passageiro (BECCARIA, 2007, p. 53).

E conclui afirmando que a “pena de morte [...] é prejudicial à sociedade, pelas demonstrações de crueldade que apresenta aos homens” (BECCARIA, 2007, p. 56).

Diego Luís de Castro destaca que a violação ao princípio da dignidade da pessoa humana, com base em Luiz Antonio Rizatto Nunes, é o mais importante de toda Constituição, servindo como baliza para os demais princípios (p. 10).

De fato, há violação ao princípio da dignidade da pessoa humana ao assegurar a pena de morte aos tripulantes da aeronave sendo que ao efetivar tiros na fuselagem da aeronave com o fim de evitar que ela prossiga o seu voo, indubitavelmente, a mesma ficará sem controle por parte do piloto que acarretará na sua destruição ao colidir com o solo.

5.8 Princípio da Presunção de Inocência

Assim como no princípio anterior, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, Pacto de San José da Costa Rica, promulgado pelo Decreto nº 678 de 06 de novembro de 1992, no art. 8, 2, estabelece que “Toda pessoa acusada de deleito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprova legalmente sua culpa”. No mesmo sentido, o art. XI da Declaração Universal dos Direitos Humanos, in verbis,

Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.

O art. 5º, LVII, da Carta Política Fundamental aduz que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

Este princípio pode ser visto sob o panorama formal e substancial. O primeiro como direito constitucional fundamental, garantido na Carta como cláusula pétrea, e no segundo, como um direito processual que gerará reflexos nas provas e no tratamento do acusado (SOUZA NETTO, 2011, p. 157). Ademais, este princípio ainda refletirá sobre a questão da proibição da condenação do caso de dúvida, in dubio pro reo.

Diego Luís de Castro assevera que o princípio da presunção de inocência foi violado haja vista que cabe ao Poder Judiciário a prolação de sentença penal condenatória e não ao Comandante da Aeronáutica, devendo ainda, primeiramente, ser devidamente processada com as devidas provas do fato delituoso (p. 14-16).

A aplicação sumária da medida de destruição destoa do princípio da presunção de inocência visto que a aplicação da lei é feita com presunções e não com provas cabais. Não cumpriu as medidas, está sujeito a medida de destruição.

5.9 Princípio da Passagem Inofensiva e o Direito de Fuga

Fábio Anderson de Freitas Pedro eleva a discussão para a questão do princípio da passagem inofensiva do qual para alguns críticos estaria sendo violada. Todavia, sustenta que passagem inofensiva não deve ser confundida com passagem clandestina e em face disso é legítima a pretensão do Brasil em criar normas a serem observadas. Aderem também à inconstitucionalidade da Lei de Abate, José Aparecido Correira, advogado e piloto de linha aérea, do qual defende o direito de fuga da aeronave interceptada.

5.10 Princípio da Relativização dos Direitos Fundamentais

Pacífico Luiz Saldanha adere a corrente da inconstitucionalidade visto que há relativização dos direitos fundamentais (p.3). Para Saldanha, não há como “conciliar a possibilidade de se atentar, legalmente, contra a vida de outrem, em tempo de paz, diante do texto maior que exige a declaração de guerra” (p. 4) e que os princípios violados foram o direito à vida, à dignidade da pessoa humana, à defesa da paz, à solução pacífica de conflitos, ao devido processo legal, ao contraditório, à ampla defesa, à proibição da pena de morte ou pena cruel, e à presunção de inocência (p.5).

Cita-se ainda como defensores da inconstitucionalidade da Lei da Medida do Tiro de Destruição, Paulo Queiroz do qual sustenta que

Com a edição do decreto, sabemos, agora, que a pena de morte, que sempre existiu entre nós informalmente, passou a contar com o apoio oficial explícito, tudo a revelar quão violento e antidemocrático pode ser o “direito democrático”, criado que é à nossa imagem e semelhança, e, pois, expressão fiel dos nossos micro-sistemas jurídicos.

Para Adriana de Lacerda Rocha, a medida do tiro de destruição fere a Lei Maior em virtude de um decreto não poder ser superior às Leis conforme o estabelecido na Constituição e com fulcro na teoria Kelseniana. Ademais, há violação ao princípio da prevalência dos direitos humanos, da defesa da paz e da solução pacífica de conflitos. Aliás, os princípios e valores humanísticos são pressupostos para a própria Constituição. Para esta autora a Lei do Abate viola a Constituição por promulgar o espírito bélico, retrocedendo aos tempos medievais da pena capital, profissionalizando e legalizando o homicídio, justificado pela ação estatal.

5.11 Outras Ponderações sobre a Inconstitucionalidade

O Ministro aposentado do STJ, Luiz Vicente Cernicchiaro, destaca que o combate à criminalidade é válido, todavia, deve obedecer ao complexo de valores existentes na legislação. Sobre a questão da soberania e do tráfico de drogas, o Ministro aposentado do STJ aduz que:

Interessa e nos preocupa a "medida de destruição". Em período de guerra, tudo bem! Como procedimento para constatação e apreensão de substâncias entorpecentes e drogas afins, não obstante à nobreza da finalidade, não resiste aos mandamentos constitucionais. Quando se diz que o país está em guerra para combater o narcotráfico, evidente, expressão é retórica. A soberania nacional não está em jogo. Trata-se de mera eficácia de combate à criminalidade comum.

E continua, defendendo que no balanceamento de bens, a vida está em primazia em relação ao combate à criminalidade. Destaca ainda que os princípios do Direito Penal e do Direito Processual Penal (juízo ou tribunal de exceção, devido processo legal, ao contraditório e a ampla defesa, de que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória) foram olvidados, podendo haver execução sumária no casos estampados na lei, sendo que, finaliza o artigo com a frase de que “Execução sumária é resquício (precisa ser banido) dos Estados totalitários!”.

Na mesma esteira de argumentação acima, o procurador da Justiça Militar, Ricardo de Brito A. P. Freitas do qual também entende a inconstitucionalidade da lei. Sustenta que, mesmo com a posição favorável da população em prol da lei, a mesma constitui uma violação as garantias do direito:

A opinião pública, constata-se, apresenta um comportamento padrão diante do problema criminal: um comportamento que se traduz na adoção de um “direito penal do inimigo”, ou seja, aquele no qual são subtraídas as “tradicionais garantias do Direito Penal Material e do Direito Penal Processual”. Esse direito penal do inimigo, baseado na ilusão de que a criminalidade pode vir a ser suprimida mediante a adoção de medidas eficientes e desvinculadas dos princípios liberais do Direito Penal, revela-se contrário ao espírito da própria Constituição e ao Estado de Direito Democrático (FREITAS, p. 79)

Não obstante ainda, o próprio escopo da Lei está deturpado visto que se for o impedimento do ingresso de drogas no país, a medida de destruição da aeronave colidiria com a intenção da lei (FREITAS, p. 81).

Para Ricardo de Brito A. P. Freitas, o

art. 51 da Carta das Nações Unidas, anteriormente mencionado, não parece constituir um fundamento legítimo da referida lei. Nele, a legítima defesa é regulada nos seguintes termos: “Nada na presente Carta prejudicará o direito inerente de legítima defesa individual ou coletiva, no caso de ocorrer um ataque armado contra um membro das Nações Unidas [...]”. Tal dispositivo, parece evidente, revela-se inservível no sentido de justificar a Lei do Tiro de Destruição, na medida em que ele pretende, em primeiro lugar, permitir que os Estados defendam sua soberania tão-somente contra ataques armados e não contra ingresso clandestino de aeronaves civis em seu território, ainda que estejam traficando drogas. (FREITAS, p. 84)

E finaliza tratando que o bem jurídico protegido pela Lei do Tiro de Destruição não é a soberania nacional, a segurança pública ou a honra dos militares, contudo a tutela está na saúde coletiva ameaça pelo narcotráfico, visto que a criminalidade não pode ser extinta, porém controlada (FREITAS, p. 85-86).

Para o promotor de justiça em Sergipe, Marcel Peres de Oliveira, o princípio da soberania chocou-se com o princípio da dignidade da pessoa humana. O primeiro como essencial para existência do próprio Estado e o segundo como imprescindível à existência do Estado Democrático de Direito. Em uma prima facie poderia levar a conclusão de que o princípio da soberania se colocaria acima do princípio da dignidade da pessoa humana. Todavia, Marcel Peres de Oliveira alude que “o conflito normativo não pode ser resolvido com a aplicação de uma norma constitucional, suprimindo totalmente a outra (princípio da cedência recíproca)”.

Cumpre neste ponto citar a posição de Jorge César de Assis, promotor de Justiça Militar, de que

Conquanto não seja difícil de concordar que a ordem para destruição de uma aeronave civil é medida extrema, grave e de grande repercussão, o emprego das Forças Armadas na defesa da Pátria e na garantia da lei e da ordem pressupõe a defesa dos valores nacionais postos em risco, seja por uma eventual agressão alienígena, seja em face do aumento avassalador dos atos de terrorismo e das ações do crime organizado com base no tráfico ilícito de armas e de entorpecentes.

Todavia, regulamentar o abate de aeronave que necessariamente não estará atacando as aeronaves militares ou objetivos nacionalmente protegidos me parece ser, no mínimo, muito perigoso. Sobretudo quando sabemos que sequer as Forças Armadas brasileiras estão aparelhadas a contento (p. 73).

E que também

em princípio uma aeronave que desobedece às ordens do interceptador para pousar em local determinado – atitude passiva, sem que da aeronave interceptada venham disparos contra a aeronave militar ou contra alvos nacionalmente protegidos não estará resistindo, apenas foge, ou prossegue voando ignorando a aeronave militar. Difícil então ver, nessas circunstâncias – onde não há hostilidades da aeronave interceptada, fundamento para sua destruição com a conseqüente morte daqueles que a ocupam (p. 78)

E por derradeiro, cumpre destacar a seguinte posição que para Maierovitch que o traficante é audaz e de que pode colocar pessoas inocentes como crianças como uma espécie de “mula”.

5.12 Projeto de Lei Nº 1.219 de 2003

Cumpre trazer a lume o projeto de Lei nº 1.219 de 2003, proposto pelo Deputado Federal Átila Lins requerendo a revogação da Lei do Abate por dois motivos. O primeiro que a autoridade administrativa não pode invadir área de competência do Poder Judiciário. A segunda, a permissão da pena de morte. Ademais, sustenta ainda a violação ao princípio do contraditório e o da presunção de inocência, além da desproporção entre a lesão causada e a sanção.

Contudo, conforme já asseverado no capítulo da corrente da constitucionalidade, houve dois pareceres foram contrários e ao final do trâmite na segunda comissão, o deputado Átila Lins requereu a retirada do projeto, sendo deferida pelo presidente da Câmara.

5.13 Representação pela Inconstitucionalidade

Jorge Cesar de Assis, promotor de justiça militar em Santa Mariana no Rio Grande do Sul, representou pela propositura de Ação Indireta de Inconstitucionalidade da Lei do Abate e do seu Decreto Regulamentador sob o argumento de que “a apuração de ilícitos é uma das atribuições de polícia judiciária e que, para os efeitos penais, consideram-se como extensão do território nacional as embarcações e aeronaves brasileiras” (p. 3), além de que caso haja uma interceptação de uma aeronave em pleno voo, não haveria sobreviventes.  Aduz ainda que

Conquanto não seja difícil de concordar que a ordem para destruição de uma aeronave civil é medida extrema, grave e de grande repercussão, o emprego das Forças Armadas na defesa da Pátria e na garantia da lei e da ordem pressupõe a defesa dos valores nacionais postos em risco, seja por uma eventual agressão alienígena, seja em face do aumento avassalador dos atos de terrorismo e das ações do crime organizado com base no tráfico ilícito de armas e de entorpecentes.

Todavia, regulamentar o abate de aeronave que, necessariamente, não estará atacando as aeronaves militares, ou objetivos nacionalmente protegidos, nos parece ser, no mínimo, muito perigoso. Sobretudo quando sabemos que sequer as Forças Armadas brasileiras estão aparelhadas a contento. (p. 4)

Entende ainda que não há hostilidade no ato de fugir a aeronave interceptada com arrimo no argumento de que caso a polícia fizesse o mesmo em destruir veículos seria um caos (p. 8).

Sustenta ainda o promotor militar Jorge Cesar de Assis, com fulcro na fala do Brigadeiro do Ar Teomar F. Quírico de que

independente do fato de serem ridicularizados por tripulantes bandidos que lhes fazem gestos obscenos ou, simplesmente, ignoram os caças da FAB quando interceptados, eles fazem meia volta e retornam ao aeródromo de origem, fora de nosso País. (ASSIS, 2005, p. 6)

Não obstante, sustenta ainda que há diversidade do tratamento dado à patrulha naval em casos semelhante com o da Lei do Abate. O Decreto nº 5.129, de 06 de julho de 2004 contempla o uso de projéteis com carga explosiva somente quando o infrator responder com fogo ou qualquer outra manobra que coloque em risco o meio naval ou a patrulha. Logo, a

regulamentação da Patrulha Naval, portanto, ficou mais consentânea com o uso necessário de força militar, do que em relação ao tiro de destruição contra aeronave, que poderá ser feito, da forma como foi regulamentado, mesmo sem nenhuma atitude hostil da aeronave interceptada. (ASSIS, 2005, p. 9)

Além de que, a

a maneira como se apresenta, a discriminação dos meios coercitivos legalmente previstos, SÓ PODERÁ SER FEITA POR LEI, LEI FORMAL, gerada a partir do processo legislativo previsto na Constituição Federal. Daí decorre o entendimento de que a Lei 9.614/98 não é de aplicação imediata porque sua regulamentação não pode ser feita por decreto presidencial, e muito menos por portaria da autoridade aeronáutica. (grifo do autor) (ASSIS, 2005, p. 10)

Entretanto, a representação proposta pelo promotor de justiça militar foi arquivada pelo Procurador-Geral da República, Claudio Fonteles, conforme já aduzido no capítulo anterior.

5.14 Considerações

Há de consignar a Lei nº 12.432, de 29 de junho de 2011, que versa sobre a competência da Justiça Militar para julgar os crimes praticados em consonância com o art. 303 do Código Brasileiro de Aeronáutica, sobre a questão da Lei do Abate do qual modificou o Código Penal Militar. Para Luiz Alexandre Kikuchi Negrão e outros, a Lei nº 12.432 modificou a competência para julgamento de crimes cometidos por militar em face de civis, do qual, antes desta Lei, eram de competência do Tribunal do Júri, passando, após a promulgação da Lei, ser de competência da Justiça Militar.

Com arrimo em tudo o que foi exposto são vários os argumentos que sustentam a inconstitucionalidade, se destacando o da violação ao princípio da presunção de inocência, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, do juiz natural e da proporcionalidade entre a conduta delituosa e a sanção.

Trata-se de argumentos consistentes que demonstram de forma unívoca a inconstitucionalidade da Lei e do Decreto regulamentador.

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Sobre o autor
Paulo Henrique Vieira Sante

Servidor público e advogado.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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