Colho do noticiário algo de extrema importância para o mercado, no sentido de que o CADE investiga bancos por cartel na manipulação de taxas de câmbio:
“O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) informou nesta quinta-feira, dia 2 de julho de 2015, que o processo administrativo aberto contra uma série de bancos tem o objetivo de investigar suposto cartel na manipulação de taxas de câmbio envolvendo o real e moedas estrangeiras. Também será apurada a manipulação de índices de referência de mercado de câmbio, tais como o do Banco Central do Brasil (PTAX), do WM/Reuters e do Banco Central Europeu.
A abertura da investigação foi formalizada nesta quinta-feira em despacho publicado no Diário Oficial da União, conforme o Broadcast, serviço de notícias em tempo real da Agência Estado, noticiou. As empresas investigadas no processo são Banco Standard de Investimentos, Banco Tokyo-Mitsubishi UFJ, Barclays, Citigroup, Credit Suisse, Deutsche Bank, HSBC, JP Morgan Chase, Merril Lynch, Morgan Stanley, Nomura, Royal Bank of Canada, Royal Bank of Scotland, Standard Chartered e UBS, além de 30 pessoas físicas.
Em nota, o Cade explica que as supostas condutas anticompetitivas envolveram o mercado de câmbio (em inglês “Foreign Exchange market” ou “FX market”) e as instituições financeiras que operam neste mercado. Parecer da Superintendência-Geral do Cade aponta que existem fortes indícios de práticas anticompetitivas de fixação de preços e condições comerciais entre as instituições financeiras concorrentes. Segundo as evidências, os acusados teriam feito um cartel para fixar níveis de preços (spread cambial), coordenar compra e venda de moedas e propostas de preços para clientes, além de dificultar e/ou impedir a atuação de outros operadores no mercado de câmbio envolvendo a moeda brasileira.
Essas instituições também teriam se coordenado para influenciar índices de referência dos mercados cambiais, por meio do alinhamento de suas compras e vendas de moeda. Foram encontrados indícios adicionais de práticas anticompetitivas de compartilhamento de informações comercialmente sensíveis sobre o mercado de câmbio, como informações sobre negociações, contratos e preços futuros; ordens de clientes; estratégias e objetivos de negociação; posições confidenciais em operações e ordens específicas; e o montante de operações realizadas (fluxos de entrada e saída).
“Todas as supostas condutas teriam comprometido a concorrência nesse mercado, prejudicando as condições e os preços pagos pelos clientes em suas operações de câmbio, de forma a aumentar os lucros das empresas representadas, além de distorcer os índices de referência do mercado de câmbio”, cita a nota. “As práticas anticompetitivas foram viabilizadas por meio de chats da plataforma Bloomberg – por vezes autodenominados pelos representados como “o cartel” ou “a máfia”. As condutas teriam durado, pelo menos, de 2007 a 2013″, acrescenta.
As empresas têm 30 dias para apresentar defesa. Ao final da instrução processual, a Superintendência-Geral opinará pela condenação das empresas ou arquivamento do processo e remeterá o caso para julgamento pelo Tribunal do Cade, responsável pela decisão final.”O que é o cartel?
– Cartel: A Resolução CADE 20/1999 descreve cartel como acordo explícito ou tácito entre concorrentes do mesmo mercado envolvendo parte substancial de mercado relevante, em torno de itens como preços, quotas de produção e distribuição e divisão territorial, na tentativa de aumentar preços e lucros conjuntamente para preços mais próximos ao de monopólio. Além de infração administrativa, há crime, configurado na Lei 12.529/2011;
Entendo que ainda cabe ao Banco Central tomar as devidas providências para investigar o fato noticiado.
Consoante o artigo 11 da Lei 4.595/64, chamada de lei de reforma bancária, com a redação determinada pelo Decreto-lei 581, de 14 de maio de 1969, vigente desde 28 de julho de 1969, nos termos do Decreto 65.188, de 18 de julho de 1969, o Banco Central tem competência específica para atuar no sentido de funcionamento regular do mercado cambial, da estabilidade relativa das taxas de câmbio e do equilíbrio do balanço de pagamentos, podendo, para esse fim, comprar e vender ouro e moeda estrangeira, bem como realizar operações de crédito no exterior, inclusive as referentes aos direitos especiais de saque, e separar os mercados de câmbio financeiro e comercial.
O Banco Central, na matéria, tem conceitos importantes que abaixo se desenvolve.
O mercado de câmbio é regulamentado e fiscalizado pelo Banco Central e compreende as operações de compra e de venda de moeda estrangeira, as operações em moeda nacional entre residentes, domiciliados ou com sede no País e residentes, domiciliados ou com sede no exterior, e as operações com ouro-instrumento cambial, realizadas por intermédio das instituições autorizadas a operar no mercado de câmbio pelo Banco Central, diretamente ou por meio de seus correspondentes.
Câmbio é a operação de troca de moeda de um país pela moeda de outro país.
No Brasil, o mercado de câmbio é o ambiente onde se realizam as operações de câmbio entre os agentes autorizados pelo Banco Central e entre estes e seus clientes, diretamente ou por meio de seus correspondentes.
Incluem-se no mercado de câmbio brasileiro as operações relativas aos recebimentos, pagamentos e transferências do e para o exterior mediante a utilização de cartões de uso internacional, bem como as operações referentes às transferências financeiras postais internacionais, inclusive vales postais e reembolsos postais internacionais.
À margem da lei, funciona um segmento denominado mercado paralelo. São ilegais os negócios realizados no mercado paralelo, bem como a posse de moeda estrangeira oriunda de atividades ilícitas.
Podem ser autorizados pelo Banco Central a operar no mercado de câmbio: bancos múltiplos; bancos comerciais; caixas econômicas; bancos de investimento; bancos de desenvolvimento; bancos de câmbio; agências de fomento; sociedades de crédito, financiamento e investimento; sociedades corretoras de títulos e valores mobiliários; sociedades distribuidoras de títulos e valores mobiliários e sociedades corretoras de câmbio.
Esses agentes podem realizar as seguintes operações:
a) bancos, exceto de desenvolvimento, e a Caixa Econômica Federal: todas as operações previstas para o mercado de câmbio;
b) bancos de desenvolvimento; sociedades de crédito, financiamento e investimento e agências de fomento: operações específicas autorizadas pelo Banco Central;
c) sociedades corretoras de títulos e valores mobiliários; sociedades distribuidoras de títulos e valores mobiliários e sociedades corretoras de câmbio:
c1.) operações de câmbio com clientes para liquidação pronta de até US$100 mil ou o seu equivalente em outras moedas; e
c2.) operações no mercado interbancário, arbitragens no País e, por meio de banco autorizado a operar no mercado de câmbio, arbitragem com o exterior.
Além desses agentes, o Banco Central também concedia autorização para agências de turismo e meios de hospedagem de turismo para operarem no mercado de câmbio. Atualmente, não se concede mais autorização para esses agentes, permanecendo ainda apenas aquelas agências de turismo cujos proprietários pediram ao Banco Central autorização para constituir instituição autorizada a operar em câmbio. Enquanto o Banco Central está analisando tais pedidos, as agências de turismo ainda autorizadas podem continuar a realizar operações de compra e venda de moeda estrangeira em espécie, cheques e cheques de viagem, relativamente a viagens internacionais.
As instituições financeiras autorizadas a operar em câmbio podem contratar correspondentes (pessoas jurídicas em geral) para a realização das seguintes operações de câmbio:
a) execução ativa ou passiva de ordem de pagamento relativa a transferência unilateral (ex: manutenção de residentes, transferência de patrimônio, prêmios em eventos culturais e esportivos ) do ou para o exterior, limitada ao valor equivalente a US$ 3 mil dólares dos Estados Unidos, por operação;
b) compra e venda de moeda estrangeira em espécie, cheque ou cheque de viagem, bem como carga de moeda estrangeira em cartão pré-pago, limitada ao valor equivalente a US$ 3 mil dólares dos Estados Unidos, por operação; e
c) recepção e encaminhamento de propostas de operações de câmbio.
As operações realizadas pelos correspondentes são de total responsabilidade da instituição contratante (para mais informações sobre correspondentes, consulte: Perfis > Cidadão > Perguntas frequentes, cartilhas e notícias > Perguntas frequentes).
A Empresa de Correios e Telégrafos (ECT) também é autorizada pelo Banco Central a realizar operações com vales postais internacionais, emissivos e receptivos, para liquidação pronta, não sujeitos ou vinculados a registro no Banco Central do Brasil e de até o equivalente a US$50 mil, por operação.
A relação dos agentes autorizados a operar no mercado de câmbio pode ser consultada em: Câmbio e Capitais Internacionais.
Quaisquer pagamentos ou recebimentos em moeda estrangeira podem ser realizados no mercado de câmbio, inclusive as transferências para fins de constituição de disponibilidades no exterior e seu retorno ao País e aplicações no mercado financeiro. As pessoas físicas e as pessoas jurídicas podem comprar e vender moeda estrangeira ou realizar transferências internacionais em reais, de qualquer natureza, sem limitação de valor, observada a legalidade da transação, tendo como base a fundamentação econômica e as responsabilidades definidas na respectiva documentação.
Embora do ponto de vista cambial não exista restrição para a movimentação de recursos, os agentes do mercado e seus clientes devem observar eventuais restrições legais ou regulamentares existentes para determinados tipos de operação. Como exemplo, relativamente à colocação de seguros no exterior, devem ser observadas as disposições dos órgãos e entidades responsáveis pela regulação do segmento segurador.
Os artigos 37 e 38 da Lei 12.529 fazem previsão das penas, a começar de multa de 0,1%(um décimo por cento) a 20%(vinte por cento) do valor do faturamento bruto da empresa, grupo ou conglomerado obtido, no último exercício anterior à instauração do processo administrativo, no ramo de atividade empresarial em que ocorreu a infração, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível a sua estimação. Porém, no caso das demais pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, bem como quaisquer associações ou entidades ou pessoas constituídas de fato ou bem como quaisquer associações de entidades ou pessoas constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, que não exerçam atividade empresarial, não sendo possível utilizar-se o critério do valor do faturamento bruto, a multa será entre R$50.000,00 (cinquenta mil reais) e R$2.000.000.000,00 (dois bilhões de reais), a teor do artigo 37, II. O inciso III do mesmo dispositivo legal impõe multa, no caso de administrador, direta ou indiretamente, responsável pela infração cometida, quando comprovada a sua culpa ou dolo, de 1% (um por cento) a 20% (vinte por cento) daquela aplicada à empresa, no caso do inciso I do caput deste artigo, ou as pessoas jurídicas ou entidades, nos casos previstos no inciso II do artigo 37. Se houver reincidência, as multas cominadas serão aplicadas em dobro. No caso de cálculo do valor da multa de que trata o inciso I do caput do artigo 37, o CADE poderá considerar o faturamento total da empresa ou do grupo de empresas, quando não vier a dispor do valor do faturamento do ramo de atividade empresarial em que ocorreu a infração.
De importância na apuração dessas infrações, surgem os compromissos de cessação (artigo 85), em que o CADE poderá tomar do representado compromisso de cessação da prática sob investigação ou dos seus efeitos lesivos, sempre dentro de parâmetros de conveniência e oportunidade, devidamente fundamentados. Ao invés de aplicar multa, punição prevista, o Estado prefere a colaboração do investigado, reduzindo o tempo de análise, mas aumentando as chances de uma melhor resposta à sociedade com relação à conduta nociva.
Por sua vez, o programa de leniência (artigo 86) ocorre quando o CADE, por intermédio de sua Superintendência-Geral poderá celebrar acordo com a extinção da ação punitiva da administração pública ou redução de 1 (um) a 2/3 (dois terços) da penalidade aplicável, com pessoas físicas ou jurídicas, que forem autoras de infração à ordem econômica, desde que colaborem de forma efetiva com as investigações e o processo administrativo e que esta colaboração resulte: na identificação dos demais envolvidos na infração e ainda na obtenção de informações e documentos que comprovem a infração noticiada ou sob investigação.
De outra parte, tem-se os tipos penais, que são estabelecidos pela Lei 12.529/2011, que revogou a antiga redação dos artigo 4º, 5º e 6º da Lei 8.137/1990.
I – abusar do poder econômico, dominando o mercado ou eliminando, total ou parcialmente, a concorrência mediante qualquer forma de ajuste ou acordo de empresas (Redação dada pela Lei nº 12.529, de 2011);
II – formar acordo, convênio, ajuste ou aliança entre ofertantes, visando (Redação dada pela Lei nº 12.529, de 2011):
a) à fixação artificial de preços ou quantidades vendidas ou produzidas (Redação dada pela Lei nº 12.529, de 2011);
b) ao controle regionalizado do mercado por empresa ou grupo de empresas (Redação dada pela Lei nº 12.529, de 2011);
c) ao controle, em detrimento da concorrência, de rede de distribuição ou de fornecedores (Redação dada pela Lei nº 12.529, de 2011).
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa. (Redação dada pela Lei nº 12.529, de 2011).
São crimes de perigo concreto e formais, que se punem independente de resultado.
Naturalisticamente há uma verdadeira ação comissiva do agente, no abuso do poder econômico.
Protege-se a ordem econômica. O bem jurídico tutelado é a livre concorrência e a livre iniciativa, como fundamentos da ordem econômica, cujo mandato para criminalizar condutas tem base no artigo 170 (incisos III, IV e V) e 173, parágrafo quarto, da Constituição.
Sujeito ativo é o empresário ou a pessoa que exerce a atividade econômica ou empresarial. Sujeito passivo são os empresários concorrentes que tiveram, de algum modo, restringido o seu direito à livre concorrência, ficando impedidos de competir.
Nos crimes citados fica clara a existência de um processo de cartelização a revelar uma intrincada conexão entre a norma penal e a norma administrativa.
Discute-se a quem cabe a fiscalização dessa hipótese de abuso de poder econõmico: ao Banco Central ou ao CADE.
A principal queda de braço entre os dois órgãos é pela competência para analisar atos de concentração de instituições financeiras. O caso já chegou ao Supremo Tribunal Federal ( STF) e, nos últimos meses, os dois lados têm feito ofensivas para tentar ganhar a briga. Os procuradores-gerais do BC e do CADE têm gasto sola de sapato pelos gabinetes do tribunal para conversar sobre o assunto.
O principal argumento do BC é que a lei que criou a instituição, em 1964, confere-lhe competência privativa para avaliar fusões e alienações de bancos e também para regular as condições de concorrência e coibir abusos. O Cade, por sua vez, diz que a lei de defesa da concorrência lhe dá autoridade para analisar todos os setores, inclusive o financeiro. A matéria foi objeto de apreciação pelo Ministro Toffoli.
O magistrado já negou um pedido do CADE para rever decisão que foi proferida em favor do Banco Central no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Toffoli entendeu que o assunto não é constitucional e, portanto, não cabe à corte. O CADE, no entanto, recorreu com um agravo regimental e pediu que o caso seja analisado por outros ministros.
Por certo, a matéria é de norma infraconstitucional e a discussão entre CADE e BACEN somente gera incerteza para o mercado.
Na hipótese, tem razão o Banco Central por ser matéria de fiscalização bancária, o que aquela instituição está determinada a fazer desde a edição da Lei 4.595/65.