Capa da publicação Concessão de medicamentos pelo Estado: o que dizem STF e STJ?
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Diretrizes jurisprudenciais do STF e do STJ acerca da concessão de medicamentos pelo poder público

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07/06/2020 às 15:30
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6 - JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS DE ALTO CUSTO NÃO REGISTRADOS NA LISTA DO SUS

 

No que toca às demandas judiciais em que se pleiteia a concessão de medicamentos de alto custo não previstos na relação do Programa de Dispensação de Medicamentos em Caráter Excepcional, do Sistema Único de Saúde, o Supremo Tribunal Federal decidiu, no RE 566.471, de relatoria do Min. Marco Aurélio, que o Estado não está obrigado a fornecê-los.

Cabe ao Estado, contudo, a produção de prova no sentido de revelar a inutilidade do medicamento ou, ao menos, a inequívoca insegurança relativamente a resultados positivos, bem como a existência de outro, com menor custo e mesma eficácia, para afastar a imprescindibilidade.

Ao fim, propôs a seguinte tese:

Proponho a seguinte tese para efeito de fixação sob o ângulo da repercussão geral: o reconhecimento do direito individual ao fornecimento, pelo Estado, de medicamento de alto custo, não incluído em Política Nacional de Medicamentos ou em Programa de Medicamentos de Dispensação em Caráter Excepcional, depende da comprovação da imprescindibilidade – adequação e necessidade –, da impossibilidade de substituição do fármaco e da incapacidade financeira do enfermo e dos membros da família solidária, respeitadas as disposições sobre alimentos dos artigos 1.694 a 1.710 do Código Civil.

O Supremo Tribunal ainda não decidiu sobre as situações excepcionais em que se admitirá o fornecimento, o que será abordado na formulação da tese de repercussão geral.

 


7 - AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES

Por último, faz-se preciso destacar alguns comentários a respeito do princípio da separação dos poderes.

A pergunta que se faz é: há violação ao princípio da separação dos poderes quando o Poder Judiciário intervém no intuito de garantir a implementação de políticas públicas, entre elas, a tutela do direito à saúde?

Em síntese, a teoria da separação dos poderes, consagrada na Constituição Federal do Brasil em seu artigo 2º, impõe que os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário desempenhem suas funções de forma harmônica e independente.

A resposta a questão formulada acima é negativa, isto é, decisão judicial que obriga o Estado ao fornecimento de medicamento não viola o princípio da separação dos poderes. Observemos o fundamento na leitura de trechos dos seguintes acórdãos do Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO. MEDICAMENTO NÃO CREDENCIADO PELO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS). FORNECIMENTO. POSSIBILIDADE. NECESSIDADE DO FÁRMACO. COMPROVAÇÃO. SÚMULA 7 DO STJ. INCIDÊNCIA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. INEXISTÊNCIA. (...) 6. A intervenção do Judiciário na implementação de políticas públicas, notadamente para garantir a prestação de direitos sociais, como a saúde, não viola o princípio da separação de poderes. 7. Agravo interno a que se nega provimento (STJ, AgInt no REESP 1553112/CE, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJ 10/3/2017).

[...] 2. Não podem os direitos sociais ficar condicionados à boa vontade do Administrador, sendo de suma importância que o Judiciário atue como órgão controlador da atividade administrativa. Seria distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente relevantes. [...] 7. Recurso Especial não provido (STJ, RESP 1488639/SE, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJ 16/12/2014).

O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, assim também decidiu:

[...] embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam essas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão - por importar em descumprimento dos encargos políticos-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório - mostra-se apta a comprometer a eficácia e a integridade de direitos sociais impregnados de estatura constitucional". Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF, RE 595595 - AgR, Rel. Min. Eros Grau, Segunda Turma, DJ 29/05/2009).

Portanto, considerando a saúde como um direito público fundamental, deve o poder judiciário garanti-la, visto ser prerrogativa indisponível, não havendo se falar em violação ao princípio da separação dos poderes. 


8. CONCLUSÃO

Diante do apresentado, podemos concluir que:

a) A saúde é um direito constitucional indissociável do direito à vida e, nesse contexto, cabe ao Estado o dever de tutelá-la. Trata-se de um direito social público subjetivo conferido a todos os cidadãos.

b) os entes da Federação são solidariamente responsáveis pelo fornecimento de medicamentos àqueles que necessitam de tratamento médico, de modo que, ao propor uma demanda judicial, poderá o requerente incluir, no polo passivo da ação, qualquer um deles ou, até mesmo, todos os entes federativos.

c) Em se tratando de ação judicial objetivando o fornecimento de medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS, o Superior Tribunal de Justiça estabeleceu os seguintes requisitos: i) comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; ii) incapacidade financeira do paciente de arcar com o custo do medicamento prescrito; iii) existência de registro do medicamento na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).

d)  Referente ao fornecimento pelo poder público de medicamentos não registrados pela ANVISA, o Supremo Tribunal Federal decidiu que: i) O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais; ii) A ausência de registro na ANVISA impede, como regra geral, o fornecimento de medicamento por decisão judicial; iii) É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da ANVISA em apreciar o pedido, quando preenchidos três requisitos: (a) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras); (b) a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e (c) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil; iv) As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA deverão necessariamente ser propostas em face da União.

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f) Quanto ao fornecimento de medicamentos de alto custo não registrados na lista do SUS, ainda que a matéria não esteja definitivamente julgada pelo Supremo Tribunal Federal, decidiu a Corte que o Estado não está obrigado a fornecê-los.

g) Considerando a saúde como um direito público fundamental, deve o Poder Judiciário garanti-la, visto ser prerrogativa indisponível, não cabendo falar em violação ao princípio da separação dos poderes.


REFERÊNCIAS

BARCELOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: O princípio da dignidade da pessoa humana. Renovar, 2002.

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm.

BRASIL. Decreto 26.042, de 17 de dezembro de 1948 – que ratificou a Constituição da Organização Mundial da Saúde, de 1946. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1940-1949/decreto-26042-17-dezembro-1948-455751-publicacaooriginal-1-pe.html.

Enunciados da “I Jornada de Direito da Saúde do Conselho Nacional de Justiça”, realizada em 15 de maio de 2014, em São Paulo. Disponível em https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2014/03/ENUNCIADOS_APROVADOS_NA_JORNADA_DE_DIREITO_DA_SAUDE_%20PLENRIA_15_5_14_r.pdf.

CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Vade Mecum de jurisprudência. 7 ed. Salvador: JusPodvim, 2019.

 


Notas

[1] A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: O princípio da dignidade da pessoa humana. Renovar, 2002, p. 305.

[2] Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1940-1949/decreto-26042-17-dezembro-1948-455751-publicacaooriginal-1-pe.html. Acesso em 20 abr. 2020.

[3] Disponível em https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2014/03/ENUNCIADOS_APROVADOS_NA_JORNADA_DE_DIREITO_DA_SAUDE_%20PLENRIA_15_5_14_r.pdf. Acesso em 22 abr. 2020.

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Sobre o autor
João Paulo Monteiro de Lima

Mestre em Ciências Jurídicas. Especialista em Direito Processual Civil, Direito Público, Direito Constitucional Aplicado e Direito da Seguridade Social. Oficial de Justiça Avaliador Federal (TRF1).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, João Paulo Monteiro. Diretrizes jurisprudenciais do STF e do STJ acerca da concessão de medicamentos pelo poder público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6185, 7 jun. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/82721. Acesso em: 21 nov. 2024.

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