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ADPF nº 101: a atuação da AGU no caso da importação de pneus usados

ADPF nº 101: a atuação da AGU no caso da importação de pneus usados

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A ADPF aduz que a comercialização de pneus usados no Brasil contribui para incrementar o risco ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e, consequentemente, à saúde, já que não há meio seguro e eficaz de eliminação dos resíduos apresentados pelos pneumáticos de qualquer espécie.

1. Apresentação do caso

A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 101[1], proposta pela Presidência da República, por meio da Secretaria-Geral de Contencioso da AGU (SGCT/AGU), tem por fundamento a defesa de políticas públicas que visam a garantia do direito à saúde e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, nos termos dos artigos 196[2] e 225[3], ambos da Constituição Federal, por meio do combate à importação de pneus usados, proibição essa prevista expressamente em normas de caráter infraconstitucional (Portaria DECEX 08, de 14 de maio de 1991), com exceção da importação desses produtos oriundos de países que integram o Mercosul (Portaria SECEX 14, de 17 de novembro de 2004[4]).[5]

Não obstante a clara vedação à importação de pneus usados, uma série de decisões judiciais[6] pontuais vinham autorizando a importação dos referidos produtos provenientes de países não integrantes do Mercosul. Tais decisões se alicerçavam nos seguintes fundamentos (ADPF 101, petição inicial p. 08-09): a) ofensa ao regime constitucional de livre iniciativa e da liberdade de comércio (art. 170, IV, p. único, da CF88); b) ofensa ao princípio da isonomia, uma vez que o Poder Público estaria autorizando a importação de pneus remoldados provenientes de países integrantes do Mercosul; c) os mencionados atos normativos só abarcariam pneus usados, nos quais não estariam compreendidos os pneus recauchutados; d) tais restrições não poderiam ser veiculadas por meio de ato regulamentar, mas somente por lei em sentido formal; e) a Resolução CONAMA n. 258/99, com a redação determinada pela Resolução CONAMA n. 301/2002, teria revogado a proibição de importação de pneus usados, na medida em que teria previsto a destinação de pneus importados reformados.

Deste modo, a ação proposta em 2006 tinha por objetivo a obtenção de uma posição definitiva do Supremo sobre o tema, que deveria ser seguida por todas as instâncias da Justiça no país.


2. Dos argumentos da AGU

Na inicial da ADPF n. 101 (p. 10), a AGU sustentou o cabimento da demanda uma vez que o rol de direitos e garantias fundamentais previstos constitucionalmente não se esgota na enumeração promovida pelo art. 5º, mesmo porque o § 2º do mencionado artigo dispõe que “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Assim, tal qual consignado por meio do julgamento da ADI 939, onde restou fixado que o princípio da anterioridade tributária é uma garantia fundamental, embora prevista no art. 150, “b” da Constituição, a AGU sustentou que tanto o direito à saúde quanto o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado[7] são direitos/garantias fundamentais, ainda que não expressamente arrolados pelo art. 5º, CF/88.

Noutro turno, ao final da petição inicial (p. 49-50), ainda sobre o cabimento da ADPF, a AGU sustentou a existência de controvérsia judicial relevante, eis que há decisões tanto permitindo quanto proibindo a importação de pneus usados, o que justificaria, nos termos do art. 3º, V da lei n. 9.882/1999, o manejo da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental.

Finalizando sua argumentação acerca da viabilidade processual da medida judicial em comento, a parte requerente (ADPF 101, petição inicial, p. 50-59) informa que o requisito da subsidiariedade previsto no § 1º do art. 4º da lei n. 9.882/1999[8] encontra-se presente, já que não há nenhuma outra ação objetiva apta a enfrentar lesões a preceitos fundamentais causadas por atos concretos do Poder Público, no caso lesões oriundas de decisões judiciais. Ademais, segundo aponta, algumas das decisões judiciais combatidas – além de nem sempre atacarem a constitucionalidade dos dispositivos que proíbem a importação de pneus usados, o que afastaria o uso da ADI ou ADC – já transitaram em julgado, apenas podendo ser desafiadas por uma ADPF, consoante interpretação a contrario sensu[9] que faz do art. 5º, § 3º da lei 9.882/1999[10].

Ultrapassada a fase da admissibilidade da ADPF, o fato é que, apesar da existência de legislação impeditiva, decisões judiciais estão a descumprir os normativos permitindo a importação de pneus usados, o que viola os preceitos fundamentais de defesa da saúde e do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Ademais, tais decisões judiciais implicaram na abertura de processo de questionamento contra o Brasil na Organização Mundial do Comércio – OMC, ao argumento de que se o Estado permite a importação de pneus usados como matéria-prima, a vedação de importação de pneus reformados equivaleria a imposição de uma barreira comercial não tarifária (ADPF 101, petição inicial p. 23).

Eis a razão, sustenta a AGU, da necessidade de uma definição por parte do STF de que a vedação de importação de pneumáticos usados, inclusive os reformados, encontra supedâneo constitucional, eis que visa à proteção do meio ambiente e da saúde pública, não havendo espaço para decisões judiciais em sentido contrário. Esse posicionamento do Supremo Tribunal Federal seria fundamental, argumenta a AGU, para as pretensões do Brasil junto à OMC.

Nesse sentido, aduz em sua manifestação (ADPF 101, petição inicial, p. 24-25), não haver método eficaz de eliminação de resíduos representados por pneumáticos que não revele riscos ao meio ambiente e à saúde do ser humano. O método mais difundido atualmente, a incineração, produz gases tóxicos danosos tanto ao meio ambiente ecologicamente equilibrado quanto à saúde humana. Ademais, o Brasil, tal qual a União Europeia, não permite o aterro dos pneus como método de descarte, sendo que, por outro lado, a permanência dos referidos materiais ao ar livre pode ocasionar incêndios de grandes proporções e longa duração, como também pode ser foco para o desenvolvimento de doenças tropicais como a malária, a febre amarela e, especialmente, a dengue.

Destaca ainda (ADPF 101, petição inicial, p. 27-28), que o Brasil produz (sem contar a importação) 40 milhões de pneus por ano, já possuindo um estoque de mais de 100 milhões de pneus abandonados, segundo dados do Ministério do Meio Ambiente em 2006.

Sustenta também (ADPF 101, petição inicial, p. 28-29) que a argumentação dos importadores de pneus usados no sentido de que a vedação de importação deveria recair somente sobre os pneus inservíveis, já que os demais que são remodelados têm a sua vida útil aumentada, não se constituindo em lixo ambiental, não merece prosperar, eis que ainda que servíveis, os pneus reformados têm vida útil bem inferior ao pneu novo, sendo que o INMETRO informa que os pneus de carro de passeio só podem passar por uma reforma. Desgastado após a reforma, o pneu torna-se lixo. Justamente por essa razão é que a norma proíbe, de igual modo, a importação de pneus que serviriam como matéria-prima e pneus já reformados (o que é contestado pela União Europeia na OMC).

Outro detalhe informado pela AGU (ADPF 101, petição inicial p. 29-30) é o de que só se sabe se o pneu é inservível ou reformável quando colocado na máquina de reforma, não sendo possível aferir tal característica em momento anterior a fim de impedir a importação de material sem qualquer utilidade industrial. Nesse contexto, os importadores estimam e já admitem que 10% dos pneus importados seriam inservíveis, ao passo que o governo brasileiro diz que esse percentual é três vezes maior (30%).

A AGU (ADPF 101, petição inicial, p. 30) traz ainda dois dados interessantes a serem considerados pelo Supremo Tribunal Federal: a) o fato de que há no Brasil (dados de 2006) 100 milhões de pneus abandonados e que boa parte deles poderia ser utilizada como matéria-prima para outros pneus, o que reduziria em muito a necessidade de importação do referido insumo; b) dados da Mazola Comércio, Logística e Reciclagem Ltda., sociedade que seleciona carcaças reformáveis para a DPascoal, maior revendedora de pneus no Brasil, informam que 30% dos pneus da frota de veículos brasileira é reformável, o que tornaria desnecessária a importação de pneus para esse fim.

Assim, a utilização de carcaças brasileiras poderia aliviar o passivo de pneumáticos existentes no país, diferentemente do que ocorre com a prática da importação desses materiais, sendo, consequentemente, de grande valia para a proteção do meio ambiente e da saúde da população (ADPF 101, petição inicial, p. 31).

Outro argumento utilizado pelos importadores e pelos magistrados que permitiram, via decisão judicial, a importação dos pneus usados é o de que referida limitação quanto à entrada do produto no Brasil incorreria em ofensa à livre iniciativa e à liberdade de comércio, ao que a AGU (ADPF 101, petição inicial, p. 35-36) retruca informando que constitui princípio geral da atividade econômica a proteção e defesa do meio ambiente, inclusive com tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços (art. 170, VI, CF/88[11]), sendo que, deste modo, não há “direitos absolutos” não sujeitos à redução (ou eventual ampliação) de seu alcance por meio de processos interpretativos que visem à harmonização do ordenamento quando em jogo interesses jurídicos passíveis de ponderação.

Nesse sentido, não há que se aventar a impossibilidade da prática comercial eis que, como dito pela AGU (ADPF 101, petição inicial, p. 37), há um passivo de 100 milhões de pneus usados (dados de 2006) aptos à reforma, o que, por si só, garante a continuidade do negócio. Embora esta não seja a melhor opção comercial, já que a importação do pneu usado ainda é mais barata que a compra do produto no mercado interno, o empreendimento não restará inviabilizado com a proibição da importação.

Noutro turno, sustenta a AGU ser descabido se falar em quebra do princípio da isonomia ante o fato de a proibição das importações não se estender aos países integrantes do Mercosul. Com efeito, o Brasil não importa pneus usados para utilização como matéria-prima de qualquer país que seja (inclusive dos países membros do Mercosul), mas tão só pneus já reformados (ADPF 101, petição inicial, p. 38).

Ademais, consoante lembrado pela AGU (ADPF 101, petição inicial, p. 38), o Brasil aderiu livremente à jurisdição do Tribunal Arbitral “ad hoc” do Mercosul, razão pela qual não se pode querer sustentar quebra da isonomia pelo fato de tal exceção não ser aplicável aos países estranhos ao Mercado Comum do Sul, já que muito embora o Brasil discorde dos termos da mencionada decisão arbitral, que desconheceu dos argumentos de natureza ambiental e de saúde pública, deve a ela integral cumprimento, pois também se revela essencial para os interesses do Estado brasileiro a manutenção das relações harmônicas com os países do Mercosul[12], a fim de buscar a “integração econômica, política, social e cultura dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações”, conforme previsto pelo parágrafo único do artigo 4º da Constituição Federal de 1988.

Noutro giro, a AGU (ADPF 101, petição inicial, p. 40) combateu o argumento de ofensa ao princípio da legalidade afirmando que o art. 237 da CF/88[13] legitimou a normatização da questão via portaria do Ministério da Fazenda (Portaria DECEX 08/1991), já que é deste a competência para fiscalizar e controlar o comércio exterior.

De igual modo, mas desta vez sob a perspectiva de proteção ao meio ambiente, o art. 225, § 1º, V da Constituição garante ao Poder Público a competência para “controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente” (ADPF 101, petição inicial, p. 41).

Nesse contexto, a Convenção de Basiléia, incorporada ao ordenamento pátrio com estatura de lei por meio do decreto n. 875/1993, previu a possibilidade de todo Estado soberano proibir não somente a entrada ou eliminação de resíduos perigosos estrangeiros em seu território, mas de qualquer outro resíduo (ADPF 101, petição inicial, p. 41).

Por fim, a AGU (ADPF 101, petição inicial, p. 47-49) sustenta que não houve revogação da proibição da importação de pneus usados em razão da nova redação da Resolução CONAMA n. 258/1999 determinada pela Resolução CONAMA n. 301/2002. Com efeito, ao disciplinar a destinação dada aos pneus importados, a Resolução CONAMA n. 301/2002, em seus considerandos[14], fez constar expressamente a proibição da importação de pneus usados, nos termos das Resoluções CONAMA n. 23/2006[15] e 235/98[16].


3. Do Acórdão do STF e do Parecer do MPF

O fato é que a relatora, Ministra Cármen Lúcia, votou parcialmente favoravelmente à ADPF n. 101 em março de 2009[17], tendo sido acompanhada pela maioria dos ministros do STF[18], com exceção do ministro Marco Aurélio.

Em seu voto, após minucioso relatório, a relatora inicia apontando o cabimento da ADPF (p. 12), uma vez que restou demonstrado pelo autor que há preceitos fundamentais sendo descumpridos por reiteradas decisões judiciais, daí a razão de sua total pertinência.

Em complemento, a relatora destaca a formação de uma controvérsia judicial relevante em torno do caso, a justificar o ajuizamento da medida, como única ação capaz de enfrentar a celeuma jurídica posta, especialmente ante o fato de se estar atacando atos concretos do Poder Público o que já denota o respeito à regra da subsidiariedade que deve permear toda e qualquer ADPF[19].

Em seguida, a Ministra Cármen Lúcia promoveu uma detida análise acerca dos processos citados na inicial (vide nota de rodapé n. 8) como sendo representativos de decisões favoráveis à importação de pneus usados, tendo excluído da ação vários arguidos uma vez que, segundo informações por eles mesmos prestadas, não teriam proferido decisões nos termos informados pela AGU na sua peça vestibular.

Adentrando ao mérito, a relatora aponta que o cerne da questão debatida nos autos põe em confronto princípios constitucionais caros à nação brasileira: de um lado estão o direito à saúde e o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, e do outro lado está o princípio do desenvolvimento econômico sustentável.

Nesse sentido, a relatora promoveu um estudo histórico acerca de toda a legislação nacional da proteção ao meio ambiente, mormente as normas que vedam a importação de material usado, em especial pneumáticos. Ao final dessa contextualização história, a Ministra Cármen Lúcia (voto, p. 54-55) chega à seguinte conclusão, verbis:

8.3. Esse histórico das normas serve a comprovar que apenas durante um curtíssimo intervalo de tempo, entre a edição das Portarias Decex n. 1/92 e 18, de 13.7.1992, é que se permitiu a importação de pneus usados e, ainda assim, com a ressalva de que fossem utilizados como matéria-prima para a indústria de recauchutagem.

É esse, aliás, o entendimento sedimentado neste Supremo Tribunal Federal, como se tem, por exemplo, no Agravo Regimental na Suspensão de Tutela Antecipada n. 118:

‘Registrou-se que, à exceção do período compreendido entre as Portarias DECEX 1/92 e 18/92, desde a edição da Portaria DECEX 8/91, não é permitida a importação de bens de consumo usados. Asseverou-se que a proibição geral de importação de bens de consumo ou de matéria-prima usada vigorou até a edição da Portaria SECEX 2/2002, consolidada na Portaria SECEX 17/2003 e, mais recentemente, na Portaria SECEX 35/2006, que adequou a legislação nacional à decisão proferida pelo Tribunal Arbitral do Mercosul para reiterar a vedação, com exceção da importação de pneus recauchutados e usados remoldados originários de países integrantes do Mercosul’ (Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 12.12.07)

9. Foi, pois, por força da decisão do Tribunal Arbitral ad hoc que, em 2003, o Brasil viu-se obrigado a aceitar a importação, por ano, de até 130 mil pneus remoldados dos Países partes do MERCOSUL, basicamente do Uruguai.

Observo, ainda, que a mesma proibição de pneus usados foi objeto de normas argentinas, também questionada pelo Uruguai e matéria de lide perante o Tribunal ad hoc.

É de se atentar que conferir destinação adequada a todo tipo de pneu tem sido desafio constante para todos os Países.

Fixado que o Brasil quase que perenemente, à exceção de um curto espaço de tempo, proibiu e continua a proibir a importação de pneumáticos usados, salvo os provenientes (pneus reformados) do Mercosul, em razão de decisão do Tribunal Arbitra ad hoc do Mercosul, resta saber se as decisões judiciais que permitiram a importação de pneus usados provenientes de Estados não integrantes do Mercado Comum do Sul descumpriram algum preceito fundamental da Constituição Federal.

Registra a relatora a necessidade premente de se pacificar o cuidado judicial com essa matéria em razão do questionamento feito pela União Europeia em face do Brasil na Organização Mundial do Comércio[20], que combate o fato de o Brasil só permitir a importação de pneumáticos usados de países integrantes do Mercosul, sendo que tal preocupação também restou consignada na manifestação da Advocacia-Geral da União. Veja-se o seguinte trecho do voto da Ministra Cármen Lúcia (p. 73) que bem explicita a perplexidade dos órgãos internacionais diante da plêiade de decisões judiciais conflitantes, o que enfraqueceria substancialmente os objetivos do Brasil apresentados junto à OMC:

Essa a razão fundamental de cá estarmos reunidos hoje, a resolver definitivamente sobre uma pendência que, conforme o resultado a que chegarmos, no plano internacional, justificaria a derrocada das normas proibitivas sobre a importação de pneus usados, pois, para o Órgão de Apelação da OMC, se uma parte do Poder Judiciário brasileiro libera empresas para importá-los, a despeito da vigência das normas postas, é porque os objetivos apresentados pelo Brasil, perante o órgão internacional do comércio, não teriam o fundamento constitucional que as justificariam e fundamentariam. Fosse o contrário, sendo uma única e mesma Constituição a do Brasil e tendo eficácia plena e efetividade jurídica incontestável a matéria, não haveria as frestas judiciais permissivas do que nelas se veda.

Com efeito, informou a relatora que, em 03 de dezembro de 2007, o órgão de apelação da OMC externou a conclusão de que seria justificável a medida adotada pelo Brasil quanto à proibição da importação de pneus usados e reformados, de modo a proteger a saúde e o meio ambiente, nos termos do art. XX (b) do GATT[21]. Todavia, o mesmo órgão de apelação fixou:

a) que haveria discriminação injustificável em relação aos demais países exportadores de pneus usados que não integram o Mercosul, independentemente do volume de importação de pneus reformados;

b) que a isenção do Mercosul caracterizou discriminação injustificável;

c) que a importação de pneus usados e reformados por meio de liminares judiciais constituiria discriminação de comércio internacional ainda que não ocorressem em volumes significativos;

d) que a importação de pneus usados e reformados consistiu em discriminação arbitrária.

Assim, tem-se que a OMC reconheceu a legitimidade da medida proibitória de importação de pneumáticos adotada pelo Brasil a fim de proteger a saúde da população e o meio ambiente; todavia também se reconheceu que o Brasil estaria a aplicar referida medida de modo contraditório, já que permite a importação de pneus reformados de países integrantes do Mercosul, bem como ante a profusão de decisões que desafiam a legislação nacional.

Diante desse cenário, destaca a Ministra relatora, o Supremo Tribunal Federal é convidado a pacificar e solucionar a controvérsia judicial, a fim de, ao menos sob esse aspecto, robustecer (acaso acatem a tese da AGU) os objetivos apresentados pelo Brasil junto à OMC[22].

Em sequência, a relatora tece um longo arrazoado acerca do procedimento de fabricação de pneus, bem como dos materiais necessários à sua composição, para, em seguida, tratar das formas de reaproveitamento dos pneumáticos usados. O fato é que seja na reforma de pneus, seja os utilizando como arrecifes artificiais de corais, seja os aproveitando na composição de asfalto ou na fabricação de cimento, os danos ambientais e à saúde humana são consideráveis.

Nesse sentido diz que a preocupação com o meio ambiente em termos globais e a preocupação com a destinação conferida aos resíduos domésticos e industriais decorrem da conclusão de dois fatores: a) os recursos naturais têm se tornado mais escassos, pelo mau uso a eles dado pelo homem; b) a ameaça de segurança à saúde que deles decorre.

Ciente disso, o Brasil, mesmo antes da Constituição Federal de 1988, promulgou a lei n. 6.938/81, que dispondo sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, em seu art. 3º, I, definiu o meio ambiente como “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”[23], sendo que com o advento da Constituição de 1988, pela primeira vez na história do constitucionalismo pátrio, se dedicou um capítulo inteiro e exclusivo ao meio ambiente, adotando-se, por meio da norma inscrita no art. 225[24], o princípio da responsabilidade e da solidariedade intergeracional.

Portanto, afirma em seu voto a relatora que “a existência do meio ambiente ecologicamente equilibrado significa não apenas a sua preservação para a geração atual, mas, também, para as gerações futuras.” E prossegue afirmando que se nos dias atuais a palavra de ordem é desenvolvimento sustentável, tal conceito deve compreender tanto o crescimento econômico quanto a garantia paralela da saúde da população, cujos direitos devem ser observados tendo-se em mira não apenas as suas necessidades atuais, mas também as que se podem prever e que se devem prevenir para as futuras gerações (p. 109).

Lembra que na ECO-92 foi confeccionado documento denominado “Declaração do Rio de Janeiro” o qual contém 27 princípios dentre os quais destaca o da “precaução”[25] que, indo além da simples prevenção, prevê que “quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental”.

Por essa razão é que não há de se esperar a comprovação de um risco real, atual e comprovado de dano que pode sobrevir de uma dada atividade para que se adotem medidas que visem impedi-lo. Essa é a diferença básica entre prevenção e precaução: naquela o risco precisa ser iminente e comprovado, enquanto que nesta o risco pode ser apenas potencial, ou seja, é a prevenção de algo que não se tem certeza se vai ou não ocorrer.

Deste modo, ainda que se entenda necessária e imperiosa a garantia do desenvolvimento econômico, não se pode superar uma crise gerando outra potencialmente mais danosa, como seria um severo desequilíbrio ambiental com implicações sérias à saúde da população. Tanto é assim, que a própria Constituição em seu art. 170, VI, destaca a relatora, alça a proteção ao meio ambiente como fundamento próprio do desenvolvimento econômico.

Não é por outra razão que a Ministra Cármen Lúcia conclui no que tange ao preceito fundamental da proteção ao meio ambiente:

As medidas impostas nas normas brasileiras, que se alega terem sido descumpridas nas decisões judiciais anotadas no caso em pauta, atendem, rigorosamente, ao princípio da precaução, que a Constituição cuidou de acolher e cumpre a todos o dever de obedecer. E não desacata ou desatende os demais princípios constitucionais da ordem econômica, antes com eles se harmoniza e se entende, porque em sua integridade é que se conforma aquele sistema constitucional (p. 112).

Quanto à proteção da saúde, a relatora lembra que a Constituição Federal de 1988 a trouxe em seu art. 196[26] como sendo direito de todos e dever do Estado, verdadeiro corolário da vida digna. Sendo de relevância pública as ações e os serviços destinados à saúde da população em geral, consoante disposto no art. 197[27].

De igual modo, a Constituição de 1988, em seu art. 6º[28], também classificou o direito à saúde como sendo espécie de direito social, previsto no Título destinado aos direitos e garantias fundamentais.

Assim, a relatora destaca que o reconhecimento Constitucional do direito à saúde como direito social fundamental tem como consequência serem exigíveis do Estado ações positivas para assegurá-lo e dotá-lo de eficácia plena. Nesse contexto relembra que a ADPF em análise tem por escopo a proteção do preceito fundamental “saúde” visando impedir a importação de pneumáticos usados que podem causar (princípio da precaução) severos danos à saúde da população, não podendo, deste modo, quedar-se inerte ou omisso o Estado.

Sem discrepar da linha de raciocínio seguida, a Ministra Cármen Lúcia argumenta:

Seja realçado que o direito à saúde não é apenas o direito à ausência de doença, mas, também, o direito ao bem-estar físico, psíquico e social, como se tem no preâmbulo da Constituição da Organização Mundial da Saúde - OMS.

É vedado, portanto, ao Poder Público ser insuficiente ou imprevidente em suas ações e decisões que tenham o precípuo objetivo de dotar de proteção os direitos fundamentais, sob pena de essa inoperância ou ausência de ações afrontar o núcleo central desses direitos. Desta insuficiência ou imprevidência afastou-se o Poder Público brasileiro ao adotar as medidas normativas proibitivas de importação de resíduos que conduzem ao comprometimento da saúde pública e da saúde ambiental. É isto o que se busca, aqui, resguardar e garantir a efetividade dos direitos constitucionais fundamentais.

19. Constatado que o depósito de pneus ao ar livre - a que se chega, inexoravelmente, com a falta de utilização dos pneus inservíveis, mormente quando se dá a sua importação nos termos pretendidos por algumas empresas - é fator de disseminação de doenças tropicais, o razoável e legítimo é atuar o Estado de forma preventiva, com prudência e com a necessária precaução, na adoção de políticas públicas que evitem as causas que provoquem aumento de doenças graves ou contagiosas. (p. 116-117)

E mais à frente arremata a Ministra relatora (p. 118): “Se a proteção à saúde é dever do Estado, manifestando-se por cada qual de seus três poderes, cabe ao Judiciário assegurar a plena, efetiva e eficaz aplicação das normas que determinam as medidas necessárias para assegurá-la”.

Lembra que excesso de pneus na natureza, sem utilização, produz o ambiente mais favorável possível à proliferação de doenças tropicais, especialmente a dengue. Pondera, ademais, que do mesmo modo que os ovos do Aedes Aegypti podem permanecer vivos em meio seco por até um ano, vindo a eclodir com o primeiro contato com a água (acumulada nos pneus), o Brasil pode, juntamente com os pneus usados, estar importando doenças (ovos em estado de adormecimento) ainda não incidentes no país, ou dele já erradicadas, o que demandaria maiores gastos do Estado com a já precária saúde pública nacional (p. 118-119).

Contra-argumentando, os interessados na importação aduzem que a sua proibição afrontaria o princípio constitucional da livre iniciativa e a busca pelo pleno emprego, já que inúmeras fábricas e inúmeros postos de trabalho seriam fechados.

A Ministra Cármen Lúcia, por sua vez, rebate a crítica com a seguinte afirmação:

Os dados assim apresentados, contudo, não conectam os princípios constitucionais definidos para a ordem econômica e para a ordem social, como antes acentuado. Nem há desenvolvimento, incluído o econômico, sem educação e sem saúde. Porque o desenvolvimento constitucionalmente protegido é o que conduz à dignidade humana, não à degradação - inclusive física - humana (p. 120).

Nesse sentido, sustenta que a importação de pneus usados causa potencialmente mais danos à saúde e ao meio ambiente que benefícios econômicos e pondera que, no caso, quem mais sofre com a situação criada com o lixo gerado pelos pneus é a população de baixa renda, que não dispõe de meios materiais para se desfazer ou se proteger dos males advindos do referido lixo.

Argumenta ainda, que “sendo o direito à saúde um bem não patrimonial, sua tutela faz-se na forma inibitória, preventiva, impedindo-se a prática de atos de importação de pneus usados – prática, aliás, adotada pelos Países ricos que deles querem se livrar –, quando demonstrado que estes não são plenamente aproveitados pela indústria.” (p. 122)

Ao enfrentar o argumento de que a proibição da importação de pneus só poderia se dar por meio de lei formal, a relatora afirmou que o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, criado pela Medida Provisória n. 1.911-8, de 29.7.99, tem como área de competência o desenvolvimento de “políticas de comércio exterior” e a “regulamentação e execução das atividades relativas ao comércio exterior”, sendo que no referido Ministério há o Departamento de Comércio Exterior - Decex, responsável pelo monitoramento e pela fiscalização do comércio exterior, cujas normas, por si editadas, são imediatamente aplicáveis, em especial aquelas proibitivas de trânsito de bens no território nacional.

Assim, amparado pelo Decreto 99.244/90[29] (alterado pelo Decreto n. 99.267/90), o Decex no uso de suas atribuições restringiu a emissão de licenças de importação e exportação de bens que poderiam causar danos ao País e editou a Portaria n. 8/91, que obstou, por sua vez, a importação de bens de consumo usados, entre eles, o pneu.

Deste modo, não se há que falar em ofensa ao princípio da legalidade, pois é expresso o fundamento no Decreto 99.244/90, editado em face do artigo 237 da Constituição, matéria esta que já foi, inclusive, examinada pelo Supremo Tribunal que, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 202.313, Relator o Ministro Carlos Velloso (Plenário, DJ 19.12.1996) e do Recurso Extraordinário n. 203.954, Relator o Ministro Ilmar Galvão (Plenário, DJ 7.2.1997), decidiu pela constitucionalidade das Portarias Decex n. 8/91 e Secex n. 8/00, que vedam a importação de bens de consumo usados, tendo aquelas normas fundamento direto na Constituição.

Lembre-se, ademais, que em 1995 foi editada Portaria Interministerial n. 3/95, entre os Ministérios da Fazenda e o Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo, impedindo a importação de qualquer bem de consumo usado.

Noutro turno, sustenta a relatora, a Convenção da Basiléia, da qual o Brasil é signatário, determinou a adoção de procedimentos para o controle de resíduos perigosos, o que deu ensejo à edição da Resolução CONAMA[30] n. 23/1996 que, dentre outras providências, proibiu a importação de pneus usados. Posteriormente, o CONAMA editou duas outras resoluções, a de n. 258/1999 e a de n. 301/2002 que, diferentemente do alegado pelos arguidos, não revogaram, ao contrário confirmaram, a resolução n. 23/1996.

A única exceção a essa expressa proibição foi dada em razão da decisão do Tribunal Arbitral ad hoc do Mercosul que, como dito diversas vezes, obrigou o Brasil a permitir a importação de pneus reformados (não para uso como matéria-prima) provenientes de países integrantes do bloco do cone sul, não podendo tal exceção, destaca a Ministra Cármen Lúcia (p. 127), ser caracterizada como prática discriminatória relativamente aos países não integrantes do Mercado Comum do Sul.

Corroborando o dado trazido pela AGU de que a importação de pneu usado é mais barata do que a compra do mesmo material no mercado interno, a relatora põe em dúvida a real justificativa para tal “generosidade” dos países exportadores, acaso esse material não fosse prejudicial à saúde e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado[31].

Nessa esteira, pondera a relatora, cai por terra o argumento dos arguidos de que a proibição da importação feriria os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência, pois, como afirma em seu voto (p. 132), “se fosse possível atribuir peso ou valor jurídico a tais princípios relativamente ao da saúde e do meio ambiente ecologicamente equilibrado preponderaria a proteção desses, cuja cobertura, de resto, atinge não apenas a atual, mas também as futuras gerações.”

A título de conclusão a Ministra relatora conduz seu raciocínio do seguinte modo:

Os preceitos fundamentais da saúde e do meio ambiente ecologicamente equilibrado são constitucionalmente protegidos e estão a ser descumpridos por decisões que, ao garantir a importação de pneus usados ou remoldados, afronta aqueles direitos fundamentais.

A Arguente demonstrou que a) a gama de elementos que compõem o pneu, dando-lhe durabilidade, é responsável pela demora na sua decomposição quando descartado em aterros – mais de cem anos -; b) a dificuldade de seu armazenamento impele a sua queima, o que libera substâncias tóxicas e cancerígenas no ar; c) quando compactados inteiros, os pneus tendem a voltar à sua forma original e retornam à superfície, ocupando espaços que são escassos e de grande valia, em especial nas grandes cidades; d) a desintegração dos pneus para serem depositados em aterros é procedimento de alto custo; e) os pneus inservíveis e descartados a céu aberto são ideais para o criadouro de insetos e outros vetores de transmissão de doenças, em razão de seu formato; f) se de um lado o alto índice calorífico dos pneus é interessante para as indústrias cimenteiras, quando queimados a céu aberto, tornam-se focos de incêndio difíceis de extinguir, podendo durar dias, meses e até anos; g) o Brasil produz pneus usados em quantitativo suficiente para abastecer as fábricas de remoldagem de pneus, do que decorre não faltar matéria-prima a impedir a atividade econômica.

[...]

30. Os Interessados insistem em que o que os leva a demandar a permissão para continuar a importação de pneus usados é a má qualidade das rodovias brasileiras, que deterioram bastante os pneus a serem remoldados. Na audiência pública realizada pelo Supremo Tribunal, especialistas informaram que os pneus usados importados não são previamente classificados antes da importação, havendo resíduo da ordem de 30% a 40% nos contêineres, que são simplesmente passivo ambiental, inservível para remoldagem. Isso apenas reforça a conclusão de afronta aos preceitos fundamentais relativos à saúde e ao meio ambiente. Ao contrário do que sustentam eles, as decisões judiciais que autorizaram as importações de pneus usados é que afrontam o art. 170 da Constituição brasileira, pois o material refugado agride o meio ambiente, causa impacto ambiental, contrariando o disposto no inciso VI do art. 170, bem como aos arts. 196 e 225, especialmente. Ademais, essa transferência de material inutilizável representa, por si só, afronta ao disposto na Convenção da Basiléia, da qual o Brasil é signatário.

[...]

Assim, apesar da complexidade dos interesses e dos direitos envolvidos, a ponderação dos princípios constitucionais demonstra que a importação de pneus usados ou remoldados afronta os preceitos constitucionais da saúde e do meio ambiente ecologicamente equilibrado e, especificamente, os princípios que se expressam nos arts. 170, inc. I e VI e seu parágrafo único, 196 e 225, da Constituição do Brasil.

25. Pelo exposto, encaminho voto no sentido de ser julgada parcialmente procedente a presente Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental para:

a) declarar válidas constitucionalmente as normas do art. 27, da Portaria DECEX n. 8, de 14.05.1991; do Decreto n. 875, de 19.7.1993, que ratificou a Convenção da Basiléia; do art. 4º, da Resolução n. 23, de 12.12.1996; do art. 1º, da Resolução CONAMA n. 235., de 7.1.1998, do art. 1º, da Portaria SECEX n. 8, de 25.9.2000; do art. 1º da Portaria SECEX n. 2, de 8.3.2002, do art. 47-A no Decreto n. 3.179, de 21.9.1999 e seu 2º, incluído pelo Decreto 4592, de 11.2.2003; do art. 39, da Portaria SECEX n. 17, de 1.12.2003; e do art. 40, da Portaria SECEX n. 14, de 17.11.2004 com efeitos ex tunc;

b) declarar inconstitucionais, com efeitos ex tunc, as interpretações, incluídas as judicialmente acolhidas, que, afastando a aplicação daquelas normas, permitiram ou permitem a importação de pneus usados de qualquer espécie, aí incluídos os remoldados, ressalva feita quanto a estes àqueles provenientes dos Países integrantes do MERCOSUL, na forma das normas acima listadas.

c) Excluo da incidência daqueles efeitos pretéritos determinados as decisões judiciais com trânsito em julgado, que não estejam sendo objeto de ação rescisória, uma vez que somente podem ser objeto da Arguição de Preceito Fundamental atos ou decisões normativas, administrativas ou judiciais impugnáveis judicialmente. Ora, as decisões cobertas pelo manto constitucional da coisa julgada, cujo conteúdo já tenha sido executado e exaurido o seu objeto, já não podem ser desfeitas, menos ainda pela via eleita pelo Arguente, que, de toda sorte, teve opções processuais para buscar o seu desfazimento, na forma da legislação vigente, não se tendo a comprovação de que tenha buscado atingir tal objetivo ou que tenha tido sucesso em suas ações.

Não se incluem nesta exceção conteúdos decisórios em aberto ou dispostos de forma ilimitada para o futuro, pois a partir do que aqui definido ficam proibidas importações de pneus, dando-se o estrito cumprimento das normas vigentes com os contornos e exceções nela previstas (p. 135-140).

O Ministro Eros Grau[32], por sua vez, ao trazer em mesa seu voto vista acompanhando a relatora na sua conclusão, fez questão de destacar que não acatava as razões de decidir do voto da Ministra Cármen Lúcia, pois não entendia possível a chamada ponderação de princípios defendida pela referida magistrada[33].

No caso, ponderou o Ministro Eros Grau que a decisão acerca da inconstitucionalidade dos atos tidos por descumpridores dos preceitos fundamentais referentes à defesa da saúde e do meio ambiente ecologicamente equilibrado devem surgir não de sua ponderação com relação à livre iniciativa e liberdade de comércio, pois o que se pondera são valores e não princípios e a ponderação de valores é discricionária, o que gera, por consequência, insegurança jurídica.

No caso, entende o referido Ministro que a inconstitucionalidade advém da interpretação da totalidade da Constituição, do todo que a Constituição é.

Em seu voto (p. 04), afirma textualmente que:

Interpretar o direito é formular juízos de legalidade, ao passo que a discricionariedade é exercitada mediante a formulação de juízos de oportunidade. Juízo de legalidade é atuação no campo da prudência, que o intérprete autêntico desenvolve contido pelo texto.

Ao contrário, o juízo de oportunidade comporta uma opção entre indiferentes jurídicos, procedida subjetivamente pelo agente. Uma e outra são praticadas em distintos planos lógicos.

Segundo defende, o direito moderno é racional, pois pautado por critérios de legalidade que permitem uma previsibilidade e calculabilidade em relação aos comportamentos humanos, deixando de ser, portanto, arbitrário e aleatório em suas decisões[34]. Nesse sentido, reafirma a impossibilidade de ponderação entre princípios, mas de interpretação sistêmica. Todavia, como dito, embora discorde das razões de decidir, conclui da mesma forma que a Ministra relatora concluiu.

Noutro turno, o Ministro Gilmar Mendes[35], acompanhando na íntegra o voto da Ministra Cármen Lúcia, desenvolve uma fundamentação muito próxima à externada pela Ministra relatora e, consequentemente, acatando diversos argumentos deduzidos na inicial da ADPF pela Advocacia-Geral da União.

De início aduz ser inequívoca a relevância da questão posta à análise da Corte sob a ótica da proteção aos preceitos fundamentais do direito à saúde e a um meio ambiente ecologicamente equilibrado em sua interpretação sistêmica especialmente com relação ao princípio da liberdade de iniciativa. E acrescenta, tal qual observado pela AGU em sua manifestação, que a Corte já fixou a desnecessidade de o direito fundamental, que segundo entende “rima” com preceito fundamental, estar elencado no rol do art. 5º, já que o mesmo não é taxativo a teor do que dispõe o seu § 2º[36].

Na sequência, após destacar a especial atenção com que a preservação ambiental e a saúde pública são tratadas pela Constituição, destaca que na inicial da AGU é dito que a comercialização de pneus usados no Brasil contribui para incrementar o risco ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e, consequentemente, à saúde, já que não há meio seguro e eficaz de eliminação dos resíduos apresentados pelos pneumáticos de qualquer espécie. Deste modo, diante da potencial nocividade dos referidos resíduos, o controle de sua produção, consubstanciado no caso pela vedação de sua importação, seria medida condizente com a proteção à saúde e ao meio ambiente preconizadas pela Constituição Federal. Ademais, destaca o Ministro Gilmar Mendes, não se pode esquecer que a proibição de importação dos pneumáticos é medida que milita em favor da proteção à saúde humana na medida em que impede a criação de ambiente favorável à proliferação de doenças tropicais, como é o caso da dengue[37].

Nesse sentido, assevera que a preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado é cofator necessário à proteção do direito à saúde, bem como à execução de políticas públicas sanitárias, sendo que a interpretação do artigo 170 que veicula a liberdade de iniciativa e de comércio sofre relevantes temperamentos constitucionais, uma vez que tal prerrogativa deve restar harmonizada com a defesa do meio ambiente, nos termos do seu inciso VI, tal qual apontado pela Advocacia-Geral da União[38].

Lembrando o princípio da responsabilidade e da solidariedade intergeracional de proteção do meio ambiente, destaca a faceta da prevenção e da precaução que permeiam a norma Constitucional inserta no art. 225 e, de igual modo, aduz que a redação dada ao art. 196 da Lei Fundamental aponta para um dever geral de garantia da saúde, sendo, ambas, determinações constitucionais que visam evitar riscos, o que, via de consequência, autoriza o Estado a adotar medidas de proteção ou prevenção à saúde e ao meio ambiente, inclusive quanto ao desenvolvimento técnico ou tecnológico, o que deságua, por conseguinte, na utilização (importação) de pneumáticos de qualquer espécie[39].

Nesse contexto, traz à baila o inciso V do § 1º do art. 225 da Constituição, que determina expressamente que o Poder Público poderá controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias nocivas à vida, à saúde e ao meio ambiente, de modo que a noção de controle de produção e de comercialização veicula em seu significado a possibilidade de restrição da importação de bens que ao menos tragam potencialmente riscos aos bens constitucionalmente tutelados (voto do ministro Gilmar Mendes, p. 16-17).

Por fim, o Ministro Gilmar Mendes tratando dos atos normativos federais que disciplinam a importação de pneus usados e sua relação com uma provável inviabilização da atividade comercial, acentua que:

Os atos normativos federais aqui discutidos não proíbem, contudo, a comercialização dos pneus usados de qualquer espécie, oriundos do mercado nacional. A principal alegação econômica dos interessados no processo de importação seria a baixa qualidade dos pneus usados de origem nacional em relação aos pneus usados importados.

Contudo, apreende-se que, em tese, não se inviabiliza a atividade comercial das empresas de reforma de pneus usados, mas restringe-se sua liberdade de livre iniciativa de importação ilimitada daqueles bens, em razão da proteção e da defesa da saúde, do meio ambiente e, em última instância, da soberania nacional junto à OMC. (voto do Ministro Gilmar Mendes, p. 21)

Importante mencionar que o Ministério Público Federal[40] aderiu à tese sustentada pela AGU e, em seu, parecer opinou pela total procedência da ADPF.

Em seu parecer, o Procurador-Geral da República afirma, acerca da importação de pneumáticos usados, não ter dúvidas quanto ao potencial extremamente prejudicial à saúde e ao meio ambiente, tanto em face da sua complexa composição química, cuja queima produz elevados índices de toxicidade, somada às condições físicas do produto e sua tendência ao amontoamento em larga escala, bem como, no que toca ao amontoamento referido, por ser berço para procriação de insetos vetores de doenças tropicais infectocontagiosas[41].

Além disso, o parquet advoga o cabimento da medida judicial proposta pela AGU, “ante a provocação articulada de questão constitucional viva, de relevo incontestável[42], [...], avaliado sob a perspectiva – ilegítima – por meio de decisões judiciais reiteradas que, em seu conjunto, estabelecem quadro de preocupante reversão de determinada política pública” (Parecer do PGR, p. 08).

Ingressando no mérito da questão posta em discussão, o Ministério Público afirma que a inexistência de destinação viável para os pneumáticos usados ou reformados, finalizada a vida útil econômica do bem, é um argumento insuperável no que toca ao acerto da medida governamental de vedação de sua importação. Ademais, não se sustenta o argumento de que a utilização/importação de pneus usados diminuiria a fabricação de pneus novos, o que implicaria em um ganho ao meio ambiente, pois, como sustentado pela AGU, cerca de 30% dos pneumáticos usados importados já ingressam em solo nacional em estado imprestável para qualquer utilização. Ou seja, cerca de 30% do que se importa é essencialmente lixo, nocivo ao meio ambiente e, por consequência, à saúde humana[43].

Deste modo, aduz que, de saída, a importação de material absolutamente inutilizado para armazenamento em terras brasileiras milita contra a responsabilidade e solidariedade intergeracional na proteção ao meio ambiente prevista no texto do art. 225, caput, razão pela qual a atividade econômica desenvolvida pelos importadores de pneumáticos usados deveria ser contida[44]. E, nesse contexto, prossegue em sua linha de raciocínio afirmando que a proibição da importação do referido material não anula a iniciativa privada nesse setor de comércio e indústria, já que o solo nacional é fértil na produção de pneumáticos reformáveis, sendo que a insistência na importação desse produto reflete exclusivamente interesses econômicos individuais, focados na redução do preço da referida matéria-prima[45].

Por fim, o Ministério Público Federal defende que as decisões judiciais que admitem a importação de pneumáticos de modo amplo nulificam a política pública de defesa do meio ambiente e proteção à saúde pretendidas pelo Estado brasileiro, sendo equivalente a dizer, especialmente à comunidade internacional, que a atividade econômica pode ser exercida ainda que contrarie decisão soberana adotada pelo Brasil em sentido diametralmente oposto. Ademais, a mencionada violação não afeta tão só os artigos 196 e 225 da Constituição, mas o próprio dispositivo constitucional que regula a livre iniciativa e a liberdade da atividade comercial, que deverá observar tanto a soberania nacional quanto a defesa do meio ambiente, como princípios fundantes para o seu exercício[46].


Notas

[1] Petição inicial da ADPF n. 101, Relatora Ministra Cármen Lúcia. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br /estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=2416537>. Acesso em: 07 mar. 2012.

[2] “Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

[3] “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”

[4] Tal proibição encontra esteio no art. 27 da Portaria DECEX 08, de 14 de maio de 1991, do Departamento de Comércio Exterior, que assim dispõe: “Não será autorizada a importação de bens de consumo usados.” Referida norma teve sua constitucionalidade desafiada, em sede de controle difuso (RE 203953/CE), sendo que o STF a declarou constitucional assentado que o dispositivo encontrava fundamento no art. 237 da Constituição Federal que expressamente submeteu ao Ministro da Fazenda (órgão que à época detinha atribuição legal acerca da matéria) “A fiscalização e controle sobre o comércio exterior, essenciais à defesa dos interesses fazendários nacionais [...]”. A ementa do Recurso Extraordinário foi assim redigida:

“IMPORTAÇÃO DE AUTOMÓVEIS USADOS. PROIBIÇÃO DITADA PELA PORTARIA N. 08, DE 13.05.91 DO MINISTÉRIO DA FAZENDA. ALEGADA AFRONTA AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ISONOMIA, EM PRETENSO PREJUÍZO DAS PESSOAS DE MENOR CAPACIDADE ECONÔMICA. ENTENDIMENTO INACEITÁVEL, PORQUE NÃO DEMONSTRADO QUE A ABERTURA DO COMÉRCIO DE IMPORTAÇÃO AOS AUTOMÓVEIS TENHA O FITO DE PROPICIAR O ACESSO DA POPULAÇÃO, COMO UM TODO, AO PRODUTO DE ORIGEM ESTRANGEIRA, ÚNICA HIPÓTESE EM QUE A VEDAÇÃO DA IMPORTAÇÃO AOS AUTOMÓVEIS USADOS PODERIA SOAR COMO DISCRIMINATÓRIA, NÃO FOSSE CERTO QUE, AINDA ASSIM, CONSIDERÁVEL PARCELA DOS INDIVÍDUOS CONTINUARIA SEM ACESSO AOS REFERIDOS BENS. DISCRIMINAÇÃO QUE, AO REVÉS, GUARDA PERFEITA CORRELAÇÃO LÓGICA COM A DISPARIDADE DE TRATAMENTO JURÍDICO ESTABELECIDA PELA NORMA IMPUGNADA, A QUAL, ADEMAIS, SE REVELA CONSENTÂNEA COM OS INTERESSES FAZENDÁRIOS NACIONAIS QUE O ART. 237 DA CF TEVE EM MIRA PROTEGER, AO INVESTIR AS AUTORIDADES DO MINISTÉRIO DA FAZENDA NO PODER DE FISCALIZAR E CONTROLAR O COMÉRCIO EXTERIOR. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (STF – Pleno – RE 203954/CE – Relator Ministro Ilmar Galvão – DJ 07.02.1997)”

Posteriormente, essa Portaria foi substituída pela Portaria SECEX (Secretaria de Comércio Exterior) n. 14, de 17 de novembro de 2004, que assim dispõe: “Art. 40. Não será deferida licença de importação de pneumáticos recauchutados e usados, seja como bem de consumo, seja como matéria-prima, classificados na posição 4012 da NCM, à exceção dos pneumáticos remoldados, classificados nas NCM 4012.1.00, 4012.12.00, 4012.13.00 e 4012.19.00, originários e procedentes dos Estados Partes do MERCOSUL ao amparo do Acordo de Complementação Econômica n. 18.”

Por oportuno, e isto foi frisado na inicial da ADPF 101, não se pode esquecer que a defesa do meio ambiente foi alçada pela Constituição de 1988 à qualidade de princípio geral da atividade econômica, conforma externado pelo inciso VI do art. 170 da Lei Fundamental, verbis: “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...] VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação”.

[5] Em audiência pública (junho/2008) convocada pela ministra Cármen Lúcia, a Advocacia-Geral da União – cuja participação caracteriza exemplo de atuação na defesa extrajudicial dos interesses da União, mormente em um ambiente de diálogo democrático e plural como costumam ser as audiências públicas – informou que a legislação brasileira de forma geral proíbe a importação de pneus usados, com exceção daqueles advindos de países que compõem o MERCOSUL, isto porque o Tribunal Arbitral Ad Hoc do MERCOSUL condenou o Brasil a aceitar a importação de pneus dos países do grupo, quando questionado pelo Uruguai.

Na oportunidade, o Advogado-Geral da União ressaltou que a ADPF 101 foi proposta contra as decisões judiciais que permitiram a importação de pneus usados para utilização no Brasil, na chamada indústria de remodelagem e que a ação pretende a declaração de inconstitucionalidade dessas decisões judiciais bem como a declaração de constitucionalidade do normativo que veda a importação desses pneus. Ademais, foi relembrado que a ADPF em questão tem fundamento nos artigos 196 e 225 da Constituição Federal, que dispõem respectivamente, sobre o dever do Estado em garantir políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e sobre o direito da sociedade ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

[6] Ações em que houve decisão versando sobre o tema em debate: 2004.38.00.021230-5/MG; 2003.50.01.003302-3/ES; 2003.50.01.003418-0/ES; 2002.51.01.007841-7/RJ; 2004.51.01.01332709/RJ; 2004.51.01.018271-0/RJ; 2000.51.01.015268-2/RJ; 2003.51.01.009085-9/RJ; 2003.51.01.020151-7/RJ; 2006.51.01.006669-0/RJ; 2002.51.01.021336-9/RJ; 2003.51.01.028108-2/RJ; 2006.51.01.5790-0/RJ; 2003.51.01.005269-6/RJ; 95.00.19425-2/RJ; 2002.51.01.005700-5/RJ; 2003.51.01.007301-1/RJ; 2004.51.01.011794-8/RJ; 2002.51.01.021335-7/RJ; 92.00.40127-7/RJ; 2004.51.01.001799-5/RJ; 2004.51.01.021624-0/RJ; 2006.51.01.004284-2/RJ; 2006.70.003656-4/PR; 2003.70.00.047071-8/PR; 95.00.22905-6/CE; 2003.02.01.018228-4/TRF2; 2004.50.01.011427-1/TRF2;2006.02.01.000974-5/TRF2; 2004.02.01.011669-3/TRF2; 2002.51.01.014707-5/TRF2; 2002.51.01.022492-6/TRF2; 2002.61.00.004306-9/TRF2; 2002.51.01.014705-1/TRF2; 2003.51.01.020151-7/TRF2; 2000.02.01.049640-0/TRF2; 2001.02.01.000846-9/TRF2; 2004.02.01.007769-9/TRF2; 2001.51.01.001651-1/TRF2; 2006.02.01.0049299-9/TRF2; 2003.02.01.003495-7/TRF2; 2006.02.01.004450-2/TRF2; 2003.02.01.006804-9/TRF2; 2002.51.01.022377-6/TRF2; 2004.02.01.002822-6/TRF2; 2003.02.01.016651-5/TRF2; 2005.02.01.001764-6/TRF2; 2005.02.01.000174-6/TRF2; 2006.02.021.003524-0/TRF2; 2002.51.01.014426-1/TRF2; 2006.04.00.004730-4/TRF4; 2002.70.00.008773-6/TRF4; 2002.70.00.045835-0/TRF4; 2002.70.00.075048-6/TRF4; 96.05.27638-0/TRF5; 245552-AI/STF; 411318-RE/STF. (ADPF 101, petição inicial, p. 20-22)

[7] Ver ADI n. 3.540-MC/DF (voto do Ministro Celso de Mello).

[8] “Art. 4º A petição inicial será indeferida liminarmente, pelo relator, quando não for o caso de arguição de descumprimento de preceito fundamental, faltar algum dos requisitos prescritos nesta Lei ou for inepta.

§ 1º Não será admitida arguição de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade.”

[9] “A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, por sua vez, possibilita a retirada do mundo jurídico mesmo de decisões transitadas em julgado, o que se infere da interpretação a contrario sensu extraída do art. 5º, § 3º, da Lei 9.882, de 03 de dezembro de 1999:

Se existe expressa vedação de afetação de efeitos de decisões judiciais transitadas em julgado em sede de liminar da ADPF, é porque a decisão definitiva está apta a expelir do mundo jurídico tais decisões judiciais, que, ressalte-se, são as verdadeiras causas da lesão a preceito fundamental. Ora, se a ADPF não se prestar a esse papel, pode-se concluir que a Constituição não terá meios de assegurar a observância dos preceitos fundamentais por ela erigidos, em claro desprestígio de sua força normativa.” (petição inicial, p. 56)

[10] “Art. 5º O Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, poderá deferir pedido de medida liminar na arguição de descumprimento de preceito fundamental.

[...]

§ 3º A liminar poderá consistir na determinação de que juízes e tribunais suspendam o andamento de processo ou os efeitos de decisões judiciais, ou de qualquer outra medida que apresente relação com a matéria objeto da arguição de descumprimento de preceito fundamental, salvo se decorrentes da coisa julgada.”

[11] “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

[...]

VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;”

[12] Paralelamente, transcrevemos trecho da petição inicial da ADPF n. 101, onde a AGU, ainda sobre o princípio da isonomia, aduz que: “A par disso, para se falar em isonomia de tratamento, deveria se considerar países em situação ao menos assemelhada, no que se refere a quantitativo de pneus existente como passivo ambiental.

Afinal, como se extrai das lições de Aristóteles, o que com propriedade denominou de ‘igualdade recíproca’, a verdadeira igualdade consiste em dar tratamento desigual àqueles que se encontrem em situações desiguais, na justa medida da sua desigualdade.

Ora, querer comparar o que a União Européia pode representar em termos de danos ambientais e à saúde com os seus milhões de pneus, com o que os países do Mercosul poderiam representar nessa área, é no mínimo desarrazoado.

Para se compreender a dimensão do abismo existente entre esses dois paradigmas, basta dizer que os países do Mercosul foram responsáveis pela importação de apenas 500 mil pneus em 2005, o que representa 5% dos 10 milhões de pneus importados pelo Brasil da União Européia.

Desse modo, a argumentação de violação ao princípio da igualdade mostra-se falaciosa, pois, além de o Brasil ter sido compelido judicialmente a permitir a importação apenas de pneus remoldados dos países do Mercosul, e não de pneus usados para servirem como matéria-prima, seria plenamente justificável conferir tratamento distinto aos mesmos, pelo fato de o Mercosul se tratar de União Aduaneira e por razões de equidade e de política internacional, considerando, sobretudo, o diminuto impacto ambiental que tais importações poderiam representar.” (petição inicial, p. 39)

[13] “Art. 237. A fiscalização e o controle sobre o comércio exterior, essenciais à defesa dos interesses fazendários nacionais, serão exercidos pelo Ministério da Fazenda.”

[14] Resolução CONAMA 301/2002:

 “Art. 1º Alterar e incluir os seguintes Considerandos à Resolução CONAMA n. 258, de 26 de agosto de 1999, que passam a vigorar com a seguinte redação:

[...]

Considerando que a importação de pneumáticos usados é proibida pelas Resoluções CONAMA n.s 23, de 12 de dezembro de 1996 e 235, de 07 de janeiro de 1998;”

[15] “Art. 4º. Os Resíduos Inertes – Classe III não estão sujeitos a restrições de importação, à exceção dos pneumáticos usados cuja importação é proibida.”

[16] A Resolução CONAMA n. 235/1998 apenas confirma a proibição quanto à importação de pneumáticos usados, na medida em que, conferindo nova redação ao Anexo 10 da Resolução CONAMA n. 23/1996, classificou os pneumáticos usados como resíduos inertes – Classe III – de importação proibida. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res97/res23597.html>. Acesso em: 15 abr. 2012.

[17] Voto da Ministra Cármen Lúcia. Disponível em: <http://s.conjur.com.br/dl/voto-carmen-lucia-pn.pdf>. Acesso em: 21 abr. 2012.

[18] A Ementa restou assim redigida: “EFEITOS NOCIVOS À SAÚDE E AO MEIO AMBIENTE EQUILIBRADO. AFRONTA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA SAÚDE E DO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO. COISA JULGADA COM CONTEÚDO EXECUTADO OU EXAURIDO: IMPOSSIBILIDADE DE ALTERAÇÃO. DECISÕES JUDICIAIS COM CONTEÚDO INDETERMINADO NO TEMPO: PROIBIÇÃO DE NOVOS EFEITOS A PARTIR DO JULGAMENTO. ARGUIÇÃO JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE.

1. Adequação da arguição pela correta indicação de preceitos fundamentais atingidos, a saber, o direito à saúde, direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (arts. 196 e 225 da Constituição Brasileira) e a busca de desenvolvimento econômico sustentável: princípios constitucionais da livre iniciativa e da liberdade de comércio interpretados e aplicados em harmonia com o do desenvolvimento social saudável. Multiplicidade de ações judiciais, nos diversos graus de jurisdição, nas quais se têm interpretações e decisões divergentes sobre a matéria: situação de insegurança jurídica acrescida da ausência de outro meio processual hábil para solucionar a polêmica pendente: observância do princípio da subsidiariedade. Cabimento da presente ação.

2. Arguição de descumprimento dos preceitos fundamentais constitucionalmente estabelecidos: decisões judiciais nacionais permitindo a importação de pneus usados de Países que não compõem o Mercosul: objeto de contencioso na Organização Mundial do Comércio – OMC, a partir de 20.6.2005, pela Solicitação de Consulta da União Europeia ao Brasil.

3. Crescente aumento da frota de veículos no mundo a acarretar também aumento de pneus novos e, consequentemente, necessidade de sua substituição em decorrência do seu desgaste. Necessidade de destinação ecologicamente correta dos pneus usados para submissão dos procedimentos às normas constitucionais e legais vigentes. Ausência de eliminação total dos efeitos nocivos da destinação dos pneus usados, com malefícios ao meio ambiente: demonstração pelos dados.

4. Princípios constitucionais (art. 225) a) do desenvolvimento sustentável e b) da equidade e responsabilidade intergeracional. Meio ambiente ecologicamente equilibrado: preservação para a geração atual e para as gerações futuras. Desenvolvimento sustentável: crescimento econômico com garantia paralela e superiormente respeitada da saúde da população, cujos direitos devem ser observados em face das necessidades atuais e daquelas previsíveis e a serem prevenidas para garantia e respeito às gerações futuras. Atendimento ao princípio da precaução, acolhido constitucionalmente, harmonizado com os demais princípios da ordem social e econômica.

5. Direito à saúde: o depósito de pneus ao ar livre, inexorável com a falta de utilização dos pneus inservíveis, fomentado pela importação é fator de disseminação de doenças tropicais. Legitimidade e razoabilidade da atuação estatal preventiva, prudente e precavida, na adoção de políticas públicas que evitem causas do aumento de doenças graves ou contagiosas. Direito à saúde: bem não patrimonial, cuja tutela se impõe de forma inibitória, preventiva, impedindo-se atos de importação de pneus usados, idêntico procedimento adotado pelos Estados desenvolvidos, que deles se livram.

6. Recurso Extraordinário n. 202.313, Relator o Ministro Carlos Velloso, Plenário, DJ 19.12.1996, e Recurso Extraordinário n. 203.954, Relator o Ministro Ilmar Galvão, Plenário, DJ 7.2.1997: Portarias emitidas pelo Departamento de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior – Decex harmonizadas com o princípio da legalidade; fundamento direto no art. 237 da Constituição da República.

7. Autorização para importação de remoldados provenientes de Estados integrantes do Mercosul limitados ao produto final, pneu, e não às carcaças: determinação do Tribunal ad hoc, à qual teve de se submeter o Brasil em decorrência dos acordos firmados pelo bloco econômico: ausência de tratamento discriminatório nas relações comerciais firmadas pelo Brasil.

8. Demonstração de que: a) os elementos que compõem o pneus, dando-lhe durabilidade, é responsável pela demora na sua decomposição quando descartado em aterros; b) a dificuldade de seu armazenamento impele a sua queima, o que libera substâncias tóxicas e cancerígenas no ar; c) quando compactados inteiros, os pneus tendem a voltar à sua forma original e retornam à superfície, ocupando espaços que são escassos e de grande valia, em especial nas grandes cidades; d) pneus inservíveis e descartados a céu aberto são criadouros de insetos e outros transmissores de doenças; e) o alto índice calorífico dos pneus, interessante para as indústrias cimenteiras, quando queimados a céu aberto se tornam focos de incêndio difíceis de extinguir, podendo durar dias, meses e até anos; f) o Brasil produz pneus usados em quantitativo suficiente para abastecer as fábricas de remoldagem de pneus, do que decorre não faltar matéria-prima a impedir a atividade econômica. Ponderação dos princípios constitucionais: demonstração de que a importação de pneus usados ou remoldados afronta os preceitos constitucionais de saúde e do meio ambiente ecologicamente equilibrado (arts. 170, inc. I e VI e seu parágrafo único, 196 e 225 da Constituição do Brasil).

9. Decisões judiciais com trânsito em julgado, cujo conteúdo já tenha sido executado e exaurido o seu objeto não são desfeitas: efeitos acabados. Efeitos cessados de decisões judiciais pretéritas, com indeterminação temporal quanto à autorização concedida para importação de pneus: proibição a partir deste julgamento por submissão ao que decidido nesta arguição.

10. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental julgada parcialmente procedente.”

[19] “A adequação da presente Arguição está na comprovação de existência de múltiplas ações judiciais sobre as normas aqui questionadas tendo como objeto exatamente os preceitos constitucionais fundamentais.

Na peça inicial da Arguição se comprova que alguns daqueles casos foram julgados: a) em primeiro grau; b) em grau de recurso e, ainda, c) com trânsito em julgado.

Desta pletora de decisões, algumas conflitantes, e como não houve declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade das normas relativas à matéria, tem-se a manutenção de atos concretos do Poder Público. Esses, porém, são tidos como não aplicáveis às situações descritas em diferentes processos mencionados nos autos.

A aplicação diferenciada e simultânea das normas pelas decisões judiciais contrárias parecem poder traduzir descumprimento de preceitos constitucionais fundamentais.

Não há, pois, outra ação na qual se possa suscitar o questionamento posto na presente Arguição com a efetividade da prestação jurisdicional pretendida, donde a comprovação de acatamento ao princípio da subsidiariedade.” (Voto da Ministra Cármen Lúcia, p. 13-14)

[20] “Os Países integrantes da União Européia ressaltaram então: a) a proibição de importação de pneus remoldados; b) a imposição de multa de quatrocentos reais para quem importa ‘comercializa, transporta, armazena, guarda ou mantém em depósito pneu usado ou reformado’; c) a isenção de proibição de importação e de penalidades econômicas por parte do Brasil aos Países integrantes do Mercosul; d) que a existência de legislações proibitivas da comercialização de pneus reformados importados afrontaria os princípios de livre comércio e isonomia entre os Países membros da OMC.

O Brasil argumentou, então, sobre a necessidade de adoção das medidas para evitar danos ambientais, pois os pneus usados têm vida útil mais curta que os novos, além de se transformarem em resíduos de difícil aproveitamento e de grave contaminação do meio ambiente e comprometimento da saúde humana. Demonstrou, ainda, que, em Países tropicais, a proibição de importação de pneus faz-se especialmente necessária como procedimento de combate às doenças transmitidas por mosquitos, que neles se instalam. Em resumo, a proibição da importação é uma providência imprescindível adotada para, dando cobro às normas constitucionais vigente (sic), cuidar-se do meio ambiente e da saúde da população brasileira.

Ponderou, ainda, haver dificuldades no armazenamento de pneus procedentes de outros Países, além daqueles produzidos internamente, defendendo a tese da responsabilização pela correta destinação, ou seja, o Estado produtor deveria dar solução ao problema do resíduo de seu produto.”

Demonstrou, ademais, “que a isenção do Mercosul da proibição de importações e das multas anticircunvenção é também justificada pelo Artigo XX(D) porque é uma medida ...‘necessária para assegurar o cumprimento de leis ou regulamentos’ que não são inconsistentes com o GATT. [E] que a isenção dos países do Mercosul da proibição e das multas é necessária para assegurar o cumprimento pelo Brasil de suas obrigações no âmbito do Mercosul, conforme determinado pelo Tribunal ad hoc do Mercosul” (Segunda Petição do Brasil perante a Organização Mundial do Comércio apresentada em 11.8.2006, p. 62-63, tradução livre).” (Voto da Ministra Cármen Lúcia, p. 57-58)

[21] Textualmente, aquele artigo do Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio estabelece:

“Artigo XX. Exceções Gerais.

Sujeito aos requisitos de que tais medidas não sejam aplicadas de maneira que possam constituir arbitrária ou injustificada discriminação entre países onde as mesmas condições prevaleçam, ou disfarçada restrição ao comércio internacional, nada neste Acordo poderá ser interpretado de forma a evitar a adoção ou aplicação por qualquer parte contratante de medidas:

(b) necessárias para proteger a vida ou saúde humana, animal ou vegetal”.

[22] A relatora aponta, com base na argumentação desenvolvida pela AGU, as nefastas consequências para o Brasil acaso a OMC desse ganho de causa à União Europeia, verbis: “Como ponderado pelo Arguente, se a Organização Mundial de Comércio desse ganho de causa à União Europeia, ‘o Brasil poder(ia) ser obrigado a receber, via importação, pneus reformados de toda a Europa, que detém um passivo de pneus usados da ordem de 2 a 3 bilhões de unidades, abrindo-se a temível oportunidade de receber pneus usados do mundo inteiro, inclusive dos Estados Unidos da América, que também possuem um número próximo de 3 bilhões de pneus usados’.” (voto da Min. Cármen Lúcia, p. 100)

[23] Também destacou que o STF já assegurava a proteção ao meio ambiente antes mesmo do advento da Constituição de 1988, como demonstra o precedente MS n. 22.164, de relatoria do Ministro Celso de Mello (DJ 17.11.1985), cuja ementa foi assim lavrada:

“A questão do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Direito de terceira geração. Princípio da solidariedade. O direito à integridade ao meio ambiente. Típico direito de terceira geração. Constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas, num sentido verdadeiramente mais abrangente, à própria coletividade social. Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) - que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais - realçam o princípio da liberdade e os direitos da segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) - que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas - acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela de uma essencial inexauribilidade. Considerações doutrinárias” (Plenário, DJ 17.11.85).

(Observação: A ementa acima foi extraída do voto da Ministra Cármen Lúcia (p. 104-105). Mas em pesquisa junto ao sítio do STF, não encontramos tal acórdão. No caso o MS n. 22.164 se refere a uma questão fundiária/ reforma agrária e foi movida por um particular contra o Presidente da República, sendo da relatoria do Ministro Celso de Mello e tendo sido publica do no DJ em 17.11.1995)

Sendo que essa tendência protecionista se confirmou no julgamento da ADI n. 3.540-MC, de relatoria do Ministro Celso de Mello, cuja ementa segue abaixo reproduzida:

“E M E N T A: MEIO AMBIENTE - DIREITO À PRESERVAÇÃO DE SUA INTEGRIDADE (CF, ART. 225) - PRERROGATIVA QUALIFICADA POR SEU CARÁTER DE METAINDIVIDUALIDADE - DIREITO DE TERCEIRA GERAÇÃO (OU DE NOVÍSSIMA DIMENSÃO) QUE CONSAGRA O POSTULADO DA SOLIDARIEDADE - NECESSIDADE DE IMPEDIR QUE A TRANSGRESSÃO A ESSE DIREITO FAÇA IRROMPER, NO SEIO DA COLETIVIDADE, CONFLITOS INTERGENERACIONAIS - ESPAÇOS TERRITORIAIS ESPECIALMENTE PROTEGIDOS (CF, ART. 225, § 1º, III) - ALTERAÇÃO E SUPRESSÃO DO REGIME JURÍDICO A ELES PERTINENTE - MEDIDAS SUJEITAS AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE LEI - SUPRESSÃO DE VEGETAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE - POSSIBILIDADE DE A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, CUMPRIDAS AS EXIGÊNCIAS LEGAIS, AUTORIZAR, LICENCIAR OU PERMITIR OBRAS E/OU ATIVIDADES NOS ESPAÇOS TERRITORIAIS PROTEGIDOS, DESDE QUE RESPEITADA, QUANTO A ESTES, A INTEGRIDADE DOS ATRIBUTOS JUSTIFICADORES DO REGIME DE PROTEÇÃO ESPECIAL - RELAÇÕES ENTRE ECONOMIA (CF, ART. 3º, II, C/C O ART. 170, VI) E ECOLOGIA (CF, ART. 225) - COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS - CRITÉRIOS DE SUPERAÇÃO DESSE ESTADO DE TENSÃO ENTRE VALORES CONSTITUCIONAIS RELEVANTES - OS DIREITOS BÁSICOS DA PESSOA HUMANA E AS SUCESSIVAS GERAÇÕES (FASES OU DIMENSÕES) DE DIREITOS (RTJ 164/158, 160-161) - A QUESTÃO DA PRECEDÊNCIA DO DIREITO À PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE: UMA LIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL EXPLÍCITA À ATIVIDADE ECONÔMICA (CF, ART. 170, VI) - DECISÃO NÃO REFERENDADA - CONSEQUENTE INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR. A PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE: EXPRESSÃO CONSTITUCIONAL DE UM DIREITO FUNDAMENTAL QUE ASSISTE À GENERALIDADE DAS PESSOAS. - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Trata-se de um típico direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que assiste a todo o gênero humano (RTJ 158/205-206). Incumbe, ao Estado e à própria coletividade, a especial obrigação de defender e preservar, em benefício das presentes e futuras gerações, esse direito de titularidade coletiva e de caráter transindividual (RTJ 164/158-161). O adimplemento desse encargo, que é irrenunciável, representa a garantia de que não se instaurarão, no seio da coletividade, os graves conflitos intergeneracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade, que a todos se impõe, na proteção desse bem essencial de uso comum das pessoas em geral. Doutrina. A ATIVIDADE ECONÔMICA NÃO PODE SER EXERCIDA EM DESARMONIA COM OS PRINCÍPIOS DESTINADOS A TORNAR EFETIVA A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. - A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a "defesa do meio ambiente" (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral. Doutrina. Os instrumentos jurídicos de caráter legal e de natureza constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que não se alterem as propriedades e os atributos que lhe são inerentes, o que provocaria inaceitável comprometimento da saúde, segurança, cultura, trabalho e bem-estar da população, além de causar graves danos ecológicos ao patrimônio ambiental, considerado este em seu aspecto físico ou natural. A QUESTÃO DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL (CF, ART. 3º, II) E A NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE (CF, ART. 225): O PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COMO FATOR DE OBTENÇÃO DO JUSTO EQUILÍBRIO ENTRE AS EXIGÊNCIAS DA ECONOMIA E AS DA ECOLOGIA. - O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações. O ART. 4º DO CÓDIGO FLORESTAL E A MEDIDA PROVISÓRIA N. 2.166-67/2001: UM AVANÇO EXPRESSIVO NA TUTELA DAS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. - A Medida Provisória n. 2.166-67, de 24/08/2001, na parte em que introduziu significativas alterações no art. 4o do Código Florestal, longe de comprometer os valores constitucionais consagrados no art. 225 da Lei Fundamental, estabeleceu, ao contrário, mecanismos que permitem um real controle, pelo Estado, das atividades desenvolvidas no âmbito das áreas de preservação permanente, em ordem a impedir ações predatórias e lesivas ao patrimônio ambiental, cuja situação de maior vulnerabilidade reclama proteção mais intensa, agora propiciada, de modo adequado e compatível com o texto constitucional, pelo diploma normativo em questão. - Somente a alteração e a supressão do regime jurídico pertinente aos espaços territoriais especialmente protegidos qualificam-se, por efeito da cláusula inscrita no art. 225, § 1º, III, da Constituição, como matérias sujeitas ao princípio da reserva legal. - É lícito ao Poder Público - qualquer que seja a dimensão institucional em que se posicione na estrutura federativa (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) - autorizar, licenciar ou permitir a execução de obras e/ou a realização de serviços no âmbito dos espaços territoriais especialmente protegidos, desde que, além de observadas as restrições, limitações e exigências abstratamente estabelecidas em lei, não resulte comprometida a integridade dos atributos que justificaram, quanto a tais territórios, a instituição de regime jurídico de proteção especial (CF, art. 225, § 1º, III).”

[24] “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”

[25] Sobre o princípio da precaução a relatora fala (p. 110): “O princípio da precaução vincula-se, diretamente, aos conceitos de necessidade de afastamento de perigo e necessidade de dotar-se de segurança os procedimentos adotados para garantia das gerações futuras, tornando-se efetiva a sustentabilidade ambiental das ações humanas. Esse princípio torna efetiva a busca constante de proteção da existência humana, seja tanto pela proteção do meio ambiente como pela garantia das condições de respeito à sua saúde e integridade física, considerando-se o indivíduo e a sociedade em sua inteireza.”

[26] “Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

[27] “Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.”

[28] “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

[29] São competências do Decex, dentre outras:

“Art. 165. Ao Departamento de Comércio Exterior compete:

[...]

VII - traçar diretrizes da política do comércio exterior;

VIII - adotar medidas de controle das operações do comércio exterior, quando necessárias ao interesse nacional;

[...]

X - baixar normas necessárias à implementação da política de comércio exterior, bem assim orientar e coordenar a sua expansão;

[...]

XXI - normatizar, supervisionar, orientar, planejar, controlar e avaliar as atividades aduaneiras.”

[30] O CONAMA foi criado pela lei n. 6.938/81 e detém as seguintes atribuições:

“Art. 8º Compete ao CONAMA:  (Redação dada pela Lei n. 8.028, de 1990)

I - estabelecer, mediante proposta do IBAMA, normas e critérios para o licenciamento de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras, a ser concedido pelos Estados e supervisionado pelo IBAMA; (Redação dada pela Lei n. 7.804, de 1989)

II - determinar, quando julgar necessário, a realização de estudos das alternativas e das possíveis consequências ambientais de projetos públicos ou privados, requisitando aos órgãos federais, estaduais e municipais, bem assim a entidades privadas, as informações indispensáveis para apreciação dos estudos de impacto ambiental, e respectivos relatórios, no caso de obras ou atividades de significativa degradação ambiental, especialmente nas áreas consideradas patrimônio nacional.  (Redação dada pela Lei n. 8.028, de 1990)

III - (Revogado pela Lei n. 11.941, de 2009)

IV - homologar acordos visando à transformação de penalidades pecuniárias na obrigação de executar medidas de interesse para a proteção ambiental; (VETADO);

V - determinar, mediante representação do IBAMA, a perda ou restrição de benefícios fiscais concedidos pelo Poder Público, em caráter geral ou condicional, e a perda ou suspensão de participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito; (Redação dada pela Lei n. 7.804, de 1989)

VI - estabelecer, privativamente, normas e padrões nacionais de controle da poluição por veículos automotores, aeronaves e embarcações, mediante audiência dos Ministérios competentes;

VII - estabelecer normas, critérios e padrões relativos ao controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente com vistas ao uso racional dos recursos ambientais, principalmente os hídricos.

Parágrafo único. O Secretário do Meio Ambiente é, sem prejuízo de suas funções, o Presidente do Conama. (Incluído pela Lei n. 8.028, de 1990)”

[31] “Há notícias de que pneus chegam ao Brasil por preços ínfimos, em torno de 20 a 60 centavos de dólar por unidade. A questão é: qual a causa de tamanha ‘generosidade’, qual o motivo de preço tão ínfimo se o bem fosse tão bom, servível ou mesmo aproveitável e não agressivo à saúde ou ao meio ambiente? Ou seria isso apenas ‘despejo’ de material inservível? Essas interrogações não têm resposta prévia. Nem mudam o que aqui se há de decidir com base na Constituição. Mas sobre ela, sertaneja, diria como Guimarães Rosa, ‘eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa’.” (voto da Ministra Cármen Lúcia, p. 128)

[32] Voto do Ministro Eros Grau. Disponível em: <http://jusvi.com/files/document/pdf_file/0004/0666/ADPF101 ERus.pdf>. Acesso em: 22 abr. 2012.

[33] “Acompanho o voto entendendo, contudo, ser outra a fundamentação da afirmação de inconstitucionalidade das interpretações judiciais que autorizaram a importação de pneus. Isso de um lado porque recuso a utilização da ponderação entre princípios para a decisão da questão de que se cuida nestes autos. De outro porque, tal como me parece, essa decisão há de ser definida desde a interpretação da totalidade constitucional, do todo que a Constituição é. Desse último aspecto tenho tratado, reiteradamente,em textos acadêmicos. Não se interpreta o direito em tiras; não se interpreta textos normativos isoladamente, mas sim o direito, no seu todo --- marcado, na dicção de Ascarelli, pelas suas premissas implícitas.” (voto do Ministro Eros Grau, p. 03)

[34] “O direito moderno, posto pelo Estado, é racional porque cada decisão jurídica é a aplicação de uma proposição abstrata munida de generalidade a uma situação de fato concreta, em coerência com determinadas regras legais. Eis o que define a racionalidade do direito: as decisões deixam de ser arbitrárias e aleatórias, tornam-se previsíveis. Racionalidade jurídica é isso: o direito moderno permite a instalação de um horizonte de previsibilidade e calculabilidade em relação aos comportamentos humanos, sobretudo àqueles que se dão nos mercados.” (voto do Ministro Eros Grau, p. 08)

[35] Voto do Ministro Gilmar Mendes. Disponível em: <http://www.sbdp.org.br/arquivos/material/682_101%20 GM.PDF>. Acesso em: 25 abr. 2012.

[36] “Na forma da jurisprudência desta Corte, que se apreende inclusive a partir dos precedentes acima evidenciados, vê-se que a importação de pneus usados de qualquer espécie, a despeito de estar expressamente materializada em diversos atos normativos federais, consubstancia questão constitucional relevante, por envolver a interpretação sistêmica do conteúdo normativo do direito à saúde (art. 196), do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225) e do direito à liberdade de iniciativa (art. 170).

O contexto da referida discussão evidencia a complexidade do sistema constitucional de proteção dos direitos fundamentais, que são, num só tempo, direitos subjetivos e elementos fundamentais da ordem constitucional objetiva.

[...]

É inequívoca, pois, a relevância constitucional da controvérsia submetida a esta Corte, quanto à ofensa aos artigos 196 e 225 da Constituição, que, inevitavelmente, envolve também a consideração do artigo 170. Dessa forma, há implicação de preceitos fundamentais de enunciação expressa na Constituição, bem como uma repercussão jurídica evidente na sociedade quanto às distintas posições interpretativas adotadas em atos judiciais e atos normativos federais.

[...]

Já firmamos o entendimento de que os direitos fundamentais rimam com a ideia de preceitos fundamentais e de que outros direitos fundamentais compõem a nossa ordem constitucional, sem necessariamente estarem topograficamente estabelecidos no art. 5º da Constituição.” (voto do Ministro Gilmar Mendes, p. 04-06)

[37] “O tema da garantia da preservação ambiental e da saúde pública é tratado pela Constituição com especial atenção. Como se pode perceber, no caput do art. 225 e nos incisos do seu parágrafo único, afirma-se o direito dos cidadãos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, como meio de fruição de uma sadia qualidade de vida, bem como se destaca o dever do Poder Público de efetivar meios objetivos para consecução de tal fim. Entre os variados meios, aponta-se o controle da produção, da comercialização e do emprego de métodos, técnicas e substâncias que comportem risco para a vida, para a qualidade de vida e para o meio ambiente.

Na inicial, alega-se que a comercialização de pneus usados de qualquer espécie envolve riscos para o meio ambiente e para a sadia qualidade de vida, na medida em que o grande volume importado desses bens para produção gera um passivo ambiental extremamente preocupante e não há método eficaz de eliminação completa dos resíduos apresentados pelos pneumáticos usados de qualquer espécie. Assim, diante do risco conhecido de nocividade dos resíduos desses bens, que não recebem adequado descarte no meio ambiente, o controle da produção, em termos de proibição de importação, seria medida conforme à determinação constitucional.

Ao mesmo tempo, o artigo 196 da Constituição trata a saúde como um direito de todos e um dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos. Nos termos da inicial, a proibição de importação de pneus usados de qualquer espécie se enquadraria como política socioeconômica voltada à redução de risco de doença e outros agravos, na medida em que o número excessivo de pneus consubstancia um aumento efetivo de vetores de doenças e sua eliminação inadequada no meio ambiente gera a liberação de diversas substâncias tóxicas e cancerígenas.” (voto do Ministro Gilmar Mendes, p. 07-08)

[38] “Nesses termos, apreende-se que a preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado constitui um cofator ou dimensão que potencializa a fruição do direito à saúde e a execução de políticas públicas sanitárias. A efetividade de um direito é dependente, em certa medida, da efetividade do outro direito.

Além disso, a interpretação do artigo 170 da Constituição evidencia que o direito fundamental à livre iniciativa e ao livre comércio não é absoluto, mas deve guardar compatibilidade com a defesa do meio ambiente. Tal como outras Constituições brasileiras anteriores, a Constituição de 1988 consagra a técnica de estabelecimento de restrição a diferentes direitos individuais.” (voto do Ministro Gilmar Mendes, p.09)

[39] “O artigo 225 da Constituição, ao impor à coletividade e ao Poder Público o dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações, apresenta um dever geral de prevenção dos riscos ambientais, na condição de uma ordem normativa objetiva de antecipação de futuros danos ambientais, que são apreendidos juridicamente pelos princípios da prevenção (riscos concretos) e da precaução (riscos abstratos). Também o artigo 196 da Constituição, ao impor expressa determinação de execução de políticas socioeconômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos, aponta para um dever geral de garantia da saúde.

[...]

As referidas determinações constitucionais de evitar riscos (Risikopflicht) são explicitadas no texto da Constituição (art. 196 e art. 225), o que autoriza o Estado a atuar com objetivo de evitar riscos para o cidadão em geral, mediante a adoção de medidas de proteção ou de prevenção da saúde e do meio ambiente, especialmente em relação ao desenvolvimento técnico ou tecnológico, que resulta também da utilização de pneus usados de qualquer espécie”(voto do Ministro Gilmar Mendes, p.13-14).

[40] Parecer da Procuradoria-Geral da República. Disponível em: <http://www.sbdp.org.br/arquivos/material/422 _ADPF_101_MPF.pdf>. Acesso em: 26 abr. 2012.

[41] “Tendo em consideração a complexa composição química do material, aliada às condições físicas do produto e sua propensão ao amontoamento de larga escala, os meios de controle não têm hoje nenhuma dúvida quanto ao potencial extremamente prejudicial não só ao equilíbrio do meio ambiente, como também à saúde coletiva. Além de berço da procriação de insetos vetores de doença infecto-contagiosas, a queima de pneus usados, afora a própria degradação do material de sua composição, é item de índices de imensa toxicidade.” (Parecer do PGR, p. 03)

[42] Refere-se ao âmbito normativo dos arts. 196 e 225 da Constituição da República.

[43] “49. Um argumento insuperável diz com a já instalada questão do despojo dos dejetos, que, finalizada a vida útil econômica do bem, não têm destinação viável para nenhum processo aperfeiçoado de reutilização.

Fala-se em alguns destinos, como a moagem para pavimentação de estradas, mas todas – absolutamente todas – as saídas são por demais dispendiosas, a ponto de se inviabilizarem, ao menos neste momento, como solução para a questão.

50. De outro lado, a utilização comercial de produtos reformados não se justifica ante a perspectiva da substituição de pneus novos, que, virtualmente, deixariam de ser comercializados. Há um dado relevante nesse ponto, que é bem destacado nas razões apresentadas pelo arguente. Absolutamente não há como se promover válido controle dos pneus que entram no país nesse processo de importação, sendo verificado que, sem maiores considerações quanto ao montante que é destinado aos processos de reforma, desde logo 30% (trinta por cento) dos lotes já chegam ao país inteiramente degradados, sem a menor condição sequer de aproveitamento pelos importadores/consumidores.” (Parecer do PGR, p. 12)

[44] “52. A importação constitui-se, já de saída, na transferência de material absolutamente inutilizado proveniente dos países exportadores para o seu armazenamento em terras brasileiras. Essa é uma situação que, por si só, parece lançar muitas luzes quanto à relação dessa atividade econômica com o plano de equilíbrio que o Estado brasileiro, comprometido com futuras gerações de brasileiros, deve atender.

53. Portanto, a importação de pneus usados, uma vez apurada a patente ligação com o meio ambiente e seu equilíbrio, há de ser considerada como um fator a ser legitimamente regulado pelo Estado, em garantia a direitos fundamentais de ordem de brasileiros que, sequer, muitos deles, ainda nasceu.” (Parecer do PGR, p. 13)

[45] “54. Há que se considerar que a proibição da importação de pneus usados e reformados não anula a iniciativa privada nesse setor de comércio e de indústria. O parque industrial instalado no país é expressivo, e tem no próprio consumo de pneus internamente realizado material infindável de produção. O interesse pela irrigação do mercado interno com pneus importados atende apenas a questões individuais e de ordem eminentemente econômica, centrada na redução dos preços da matéria prima.” (Parecer PGR, p. 15)

[46] “O ambiente gerado pelos pronunciamentos, que tão abrangentemente admitem o processo de importação de pneumáticos, nulifica por completo a política pública adotada. Isso é o mesmo que se dizer que atividade econômica pode, sim, ser exercida sem rédeas, e mesmo à revelia da decisão soberana adotada pelo Brasil perante organismos internacionais. A violação, ao que se constata, é não só aos arts. 196 e 225 da Lei Maior, mas também ao art. 170, I e VI, e seu parágrafo único:

‘Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

I - soberania nacional;

[...]

VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Redação dada pela Emenda Constitucional n. 42, de 19.12.2003)

[...]

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.’”(Parecer do PGR, p. 18)


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMORIM, Filipo Bruno Silva. ADPF nº 101: a atuação da AGU no caso da importação de pneus usados. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3407, 29 out. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22895. Acesso em: 20 abr. 2024.