Um casal de adquirentes de unidade residencial na planta no empreendimento denominado Condomínio Chácara Cantareira Residencial Clube, em São Paulo, perante a incorporadora EZ TEC (o nome da SPE era: Miziara Empreendimentos Imobiliários Ltda.), obteve vitória na Justiça paulista com a declaração de quebra do “Contrato de Compromisso de Venda e Compra de unidade autônoma” por ato dos próprios compradores, que já não mais suportavam arcar com o pagamento das parcelas, obtendo a devolução à vista de 90% sobre os valores pagos em Contrato, acrescido de correção monetária desde cada pagamento (correção retroativa) + juros de 1% ao mês.
A aquisição do projeto de imóvel na planta ocorreu em maio de 2013, quando então os compradores assinaram o contrato perante a incorporadora. Após cerca de 2,5 anos pagando as parcelas, optaram por não mais seguir com o negócio e procuraram a vendedora para obter a devolução dos valores pagos.
Porém, como não foi possível um consenso entre as partes no tocante à devolução dos valores pagos em contrato, os compradores decidiram procurar auxílio perante o Poder Judiciário.
A Juíza de Direito da 1ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo, Dra. Denise Cavalcante Fortes Martins, em sentença datada de 02 de agosto de 2016, JULGOU PROCEDENTE a ação para rescindir o Contrato por ato dos compradores, amparados pela súmula nº 1 do Tribunal de Justiça de São Paulo, além de condenar a incorporadora na restituição à vista de 90% (noventa por cento) dos valores pagos em Contrato, acrescidos de correção monetária sobre cada um dos pagamentos e juros de 1% ao mês.
A Juíza fundamentou sua decisão no sentido de que o comprador de imóvel na planta pode procurar a Justiça para solicitar a rescisão do contrato a qualquer tempo, independentemente de mora do credor ou do devedor (comprador), sendo certo que a incorporadora (vendedora) deve restituir parte considerável dos valores pagos, com observação ao quanto prescrito pelo artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor e nas súmulas 1 e 2 do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Nas palavras da magistrada:
- “Cuida-se de ação de rescisão contratual cumulada com devolução de valores pagos, na qual alegam os autores que, por dificuldades financeiras, desejam rescindir o Instrumento Particular de Contrato de Promessa de Venda e Compra de unidade condominial celebrado com a ré.
- Alegam que pleitearam junto à ré a rescisão contratual, tendo a requerida, por sua vez, entrado em desacordo com relação ao pedido de devolução dos valores já pagos. Pleiteiam, dessa forma, a rescisão do contrato, com a restituição de 90% dos valores pagos atinentes as parcelas do imóvel.
- Destaco, inicialmente, que a relação jurídica travada entre as partes possui natureza consumerista, uma vez que o autor é destinatário final do serviço prestado pela empresa ré, que o faz de forma contínua e habitual no desenvolvimento de sua atividade comercial, enquadrando-se perfeitamente nos conceitos de consumidor e fornecedor de serviços, nos moldes dos artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor.
- Desse modo, de rigor a aplicabilidade das regras previstas na Lei 8.078/90, no que concerne a boa fé objetiva e a inversão do ônus da prova.
- O pedido comporta procedência.
- É fato incontroverso nos autos que os requerentes optaram por rescindir o contrato firmado, veiculando sua pretensão junto à ré na esfera administrativa.
- A ré, por sua vez, não se opõe à rescisão do contrato, divergindo, apenas, dos valores a serem restituídos ao autor.
- Assim, operada a rescisão do contrato, vez que não há resistência da requerida, de rigor passar-se ao exame da questão relativa à restituição dos valores pagos em princípio de pagamento do preço do imóvel compromisso à venda.
- Consoante interpretação finalística do artigo 53 da Lei 8.078/90 - Código de Defesa do Consumidor, o direito dos autores à restituição parcial das quantias pagas é inegável.
- Certo é que o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 53, veda, sob pena de nulidade, a previsão de cláusulas contratuais que estabeleçam a perda total das prestações pagas nos contratos de compra e venda de imóveis mediante prestações. Visasse, com isso, impedir que o fornecedor crie vantagens exageradas para si em prejuízo do consumidor, parte mais fraca na relação de consumo.
- A vedação, portanto, recai sobre toda e qualquer disposição que imponha a perda total de parcelas pagas. Com isso, com o advento do Código de Defesa do Consumidor, entende-se por derrogado parcialmente o artigo 35 da Lei 6.766/79, que vinculava o direito à restituição de prestações pagas somente quando quitado mais de 1/3 das parcelas ajustadas.
- Com efeito, evidenciado o direito de ressarcimento do requerente, a fim de evitar o odioso enriquecimento sem causa da parte ré, resta apreciar o percentual de devolução das parcelas pagas.
- No caso em tela, o contrato de promessa de venda e compra prevê, em sua cláusula décima, letra e, o direito do compromissário comprador a ser restituído de parte das parcelas pagas.
- Estabeleceu-se o percentual limitado de 30% até 50% do valor amortizado, dependendo de quanto o adquirente tenha efetivamente pago à vendedora.
- O percentual de retenção máximo previsto no contrato, de 70% dos valores pagos, mostra-se descabido e irrazoável, na medida em que, à luz dos princípios consumeristas, é excessivamente oneroso ao compromissário comprador.
- Nesse diapasão, a pretensão dos autores, qual seja, de retenção pela ré de apenas 10% dos valores pagos, mostra-se razoável, na medida em que possibilita a devolução de parte dos valores pagos, sem gerar prejuízos a incorporadora pelos gastos já realizados, muito menos ocasionando enriquecimento ilícito por parte da requerida. Devesse, contudo, corrigir monetariamente a quantia, uma vez ser mera reposição do valor da moeda.
- A jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, acompanhada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo entende como razoável a retenção, para casos análogos, de percentual entre 10 e 20% dos valores quitados.
- Assim, não há como prevalecer o quanto ajustado no contrato, sendo de rigor a restituição de 90% das quantias quitadas.
- Diante do exposto e de tudo o mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE o pedido para DECLARAR rescindido o contrato firmado entre as partes e nula a cláusula contratual décima, por ser abusiva. CONDENO a ré a restituir aos autores 90% (noventa por cento) das quantias pagas, relativas às parcelas das compras dos imóveis indicados na inicial, corrigidas monetariamente desde o efetivo desembolso e acrescida de juros legais de mora a contar da citação.”
Processo nº 1108890-85.2015.8.26.0100
Fonte: Tribunal de Justiça de São Paulo e Mercadante Advocacia (especialista em Direito Imobiliário e Rescisão de Contratos de Promessa de Venda e Compra de imóvel na planta)
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http://mercadanteadvocacia.com/decisao/rescisaodistrato-do-contrato-por-ato-do-comprador/
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