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A viabilidade do casamento civil entre os pares homoafetivos

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É necessário consolidar a tutela jurídica e acabar ou diminuir as injustiças contra casais homoafetivos que constituir família de forma duradoura, contínua e pública.

RESUMO

Este trabalho monográfico trata de uma questão muito intrigante: a viabilidade do casamento civil entre pares homoafetivos no Brasil. Utilizando, principalmente, as ideias da autora Maria Berenice Dias, pioneira no estudo dos direitos dos homoafetivos de serem reconhecidos como um casal. Por isso, foi utilizado, inclusive, o termo homoafetivo, cunhado pela referida autora, por dar ênfase ao afeto como vínculo primordial para formação da família. Primeiramente, será analisada a história da homossexualidade a fim de entender melhor quando e como esse segmento começou ter a intenção de formar casais ligados pela afetividade, sempre tentando entender quais foram os motivos para tanto preconceito acerca do assunto. Por isso, são analisados termos e conceitos e princípios concernentes ao tema. Em seguida, é feita uma análise das lacunas legislativas, objetivando mostrar as colmatações necessárias para ajudar a minorar as injustiças sofridas por casais formados por pessoas do mesmo sexo. Outra parte do trabalho inclui o Direito Comparado para que sejam conhecidos quais os países já legalizaram o casamento civil entre pares homoafetivos e a abrangência de tais normas. Este trabalho pretendeu, ainda, informar quais as conquistas jurídicas dos pares homoafetivos, bem como analisar quais são as jurisprudências e as Normas do Executivo que preenchem as lacunas do Legislativo. Por último, foram expostos argumentos para a viabilidade do casamento civil entre os pares homoafetivos ante a decisão do Supremo Tribunal Federal de aprovar a união estável entre pessoas do mesmo sexo.

Palavras-chave: Casamento Civil. Família Homoafetiva. Homoafetividade. União Estável.


1.                  INTRODUÇÃO

Este trabalho monográfico visa analisar a viabilidade do casamento civil entre os pares homoafetivos à luz dos princípios constitucionais atinentes à dignidade da pessoa humana, à igualdade, à busca da felicidade, à legalidade e a outros princípios capazes de favorecer o reconhecimento desse direito civil tão importante para o acesso a tantos outros direitos provenientes dele e que, ainda, as pessoas que amam pessoas de mesmo sexo não puderam adquiri-los, uma vez que são discriminados por causa de uma interpretação literalista do art. 226, § 3º, da Constituição Federal de 1988, e artigo 1514 do Código Civil.

Para elaboração desse trabalho, foi utilizado o método dedutivo, com pesquisa bibliográfica em busca de doutrinas, artigos e tantos outros instrumentos capazes de esclarecer, de elucidar os aspectos jurídicos, históricos e sociais para se chegar às lacunas legislativas e a colmatações oriundas do Judiciário e do Poder Executivo como também ao entendimento da viabilidade do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, principalmente após a decisão unânime do Supremo Tribunal Federal aprovando a união estável entre os pares homoafetivos.

O primeiro capítulo trata dos aspectos históricos da homossexualidade a fim de conhecer o momento que esse segmento começou a ser discriminado, e o que levou à feição atual discriminatória. Serão estudados, também, os aspectos epistemológicos para o melhor entendimento de alguns termos utilizados no texto monográfico. Também, nesse capítulo, serão analisados os princípios constitucionais mais importantes para a viabilidade do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo.

No segundo capítulo, o trabalho abordará a insegurança jurídica sofrida por esse tipo de casal, Aqui serão citados casos nos quais não houve justiça no momento da extinção da união homoafetiva devido às lacunas legislativas e às decisões conservadoras, prolatadas sem a utilização da equidade. Nesse momento, serão elencadas medidas de iniciativa dos poderes Executivo e Judiciário para melhor proteção dos direitos dos casais homoafetivos, como também a decisão unânime do Supremo Tribunal Federal aprovando união estável.

E, no último capítulo, será analisado porque a Lei 11.340/2006, a chamada Lei Maria da Penha, foi considerada o marco inicial da legalização das uniões homoafetivas, possibilitando o reconhecimento da união estável entre pessoas homoafetivas, como também reconhecendo a própria família homoafetiva. Serão, outrossim, citados direitos já adquiridos pelos casais homoafetivos no Brasil, passando por legislações alienígenas, os quais tiveram a sabedoria de legislar a favor do casamento civil entre os pares homoafetivos.

Em suma, este trabalho monográfico pretende auxiliar aos operadores do direito a fim de diminuir o preconceito contra pessoas que não cometeram nenhum crime, apenas amaram, amam, têm afeto e desejam formar família, vivendo esse amor de forma pública, contínua e duradoura, com pessoa do mesmo sexo. Pessoas as quais precisam da proteção jurídica do Estado no qual residem, uma vez que vivem em um Estado Democrático de Direito, obedecendo às normas e contribuindo com seus impostos para formar uma sociedade melhor e mais justa. E, com certeza, o Estado não pode negar-lhes proteção e o direito à felicidade.

 


2.                  DESENVOLVIMENTO

2.1.            HISTÓRIA DA HOMOSSEXUALIDADE: BREVE DISCUSSÃO SOBRE CONCEITUAÇÃO E PRINCIPIOLOGIA ACERCA DA HOMOSSEXUALIDADE

A homossexualidade é um fato social e, por isso, deve ser estudada para melhor ser compreendida. E, para isso, é necessário um mergulho na sua história e em conceitos importantes para o entendimento da necessidade da tutela jurídica a fim de proteger esse segmento tão significativo na construção da sociedade brasileira.

2.1.1.      A Homossexualidade na Grécia e em Roma

A homossexualidade é tão antiga como a heterossexualidade (assertiva atribuída a Goethe). Segundo Maria Berenice (2009, p. 34) “as diversas culturas e civilizações sempre encontraram uma forma de revelar sua existência, por meio de mitos, lendas, relatos ou encenações. As restrições que até hoje são impostas às uniões homoafetivas dizem mais com sua externalidade”, ou seja, é alvo de rechaço o comportamento homossexual, sua conjugalidade, muito mais do que sua prática. O que denota preconceito, pois não há uma lógica nesse tipo de entendimento.

De acordo com Fabiana Marion Spengler (2003, p. 37) “Na Grécia Antiga o livre exercício da sexualidade era considerado prática cotidiana. Naquela época, o homossexualismo não era visto com preconceito, sendo considerada uma prática usual entre grandes guerreiros e filósofos como Platão”. A homossexualidade restringia-se aos ambientes chamados cultos, representando uma verdadeira manifestação da libido.

Conforme os ensinamentos de Maria Berenice (2009, p. 36) em Esparta, o homossexualismo era estimulado dentro do exército para torná-lo mais eficiente, pois o espartano lutava não apenas pela sua cidade-estado como também defendia o seu amado nas guerras.

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A autora Maria Berenice Dias (2009, p. 36) também cita a obra Discurso de Aristófanes, de Platão, que deixa claro a existência e aceitação de práticas homossexuais entre homens, a aceitável era a masculina, rito de iniciação sexual aos adolescentes, os quais eram chamados efebos. Antes deles se relacionarem com o sexo oposto, os efebos deveriam incursionar em seu próprio gênero.

Tanto em Roma como na Grécia, os homossexuais eram tidos como seres privilegiados, de grande inteligência e com grande desenvoltura verbal, não possuindo as relações com seus amantes qualquer viés preconceituoso por parte da sociedade onde viviam (SPENGLER, 2003, p. 37).

Maria Berenice Dias (2009, p. 37) acrescenta afirmando que em Roma, o preconceito da sociedade romana existia somente contra quem assumia a condição de passividade, uma vez que era feita uma associação com impotência política entre rapazes, mulheres e escravos, os quais eram excluídos da estrutura do poder.

De acordo com Ivone Coelho Souza (2001, p. 103) citada por Dias (2009 p.35), na Grécia, o livre exercício da sexualidade fazia parte do cotidiano de deuses, reis e heróis, sendo o mais famoso casal masculino da mitologia grega era formado por Zeus e Ganimede. Lendas falam do amor de Aquiles por Pátroclo e dos constantes raptos de jovens por Apolo.

Segundo Paulo Roberto Iotti Vecchiatti (2008, p. 45), havia uma diferença fundamental entre gregos e romanos: os homens gregos cortejavam os meninos de seu interesse, com agrados que visavam persuadi-los a reconhecer sua honra e suas boas intenções; entre os romanos, o amor por meninos livres era proibido, uma vez que a sexualidade desse povo estava intimamente ligada à dominação, sendo permitido apenas o amor por jovens escravos.

Já na Idade Média, segundo Fernanda de Almeida Brito (2000, p. 32), a homossexualidade continuou a ser prática frequente principalmente nos mosteiros e acampamentos militares, sendo grandes intelectuais da época tidos como homossexuais. A Santa Inquisição também era contrária a atos e práticas homossexuais.


3.                  A Homossexualidade e o Cristianismo

Conforme Fabiana Marion Spengler (2003, p. 37), o que se depreende é que a condenação da união afetiva entre pessoas do mesmo sexo remonta ao cristianismo e ao fato de o ato sexual ser considerado pela doutrina cristã unicamente como meio de procriação.

Segundo Fernanda de Almeida Brito (2000, p. 47),

Alguns teólogos modernos associam a concepção bíblica de homossexualidade aos conceitos judaicos que procuravam preservar o grupo étnico. Nessa linha, toda a prática sexual entre os judeus só poderia ser admitida com a finalidade de procriação. Qualquer atividade sexual que desperdiçasse sêmen seria condenada.

São Tomás de Aquino, citado por Maria Berenice Dias (2009, p. 35), dispunha que outro ponto de vista ensejador da proibição de relacionamentos homossexuais por parte da igreja demonstrava a preocupação com a ocupação territorial, no sentido de justificar o sexo “como caminho de procriação, pela necessidade de ocupação dos vazios geográficos e para a reposição da humanidade, que tinha uma expectativa de vida de cerca de 30 anos”.

Porém, segundo Daniel Helminiak, (1998, p. 14), esse posicionamento é contraditório, pois, muitas dessas igrejas (Cristãs) permitem o uso de contraceptivos, o casamento e as relações sexuais entre casais estéreis ou que ultrapassaram a idade para procriar. Esse argumento, pois, de que o relacionamento sexual somente pode existir para fins de procriação, se anteriormente adotado, atualmente se encontra completamente ultrapassado, não podendo ser utilizado como meio para cobrir de preconceito o relacionamento homossexual.

Daniel Helminiak (1998, p. 14) continua afirmando ter percebido, durante o período no qual viveu no Cinturão Bíblico (uma vasta região do sudeste dos Estados Unidos), que as religiões cristãs contribuem de modo prepoderante para a manutenção do preconceito contra os homoafetivos, uma vez que divulgam passagens da Bíblia, as quais, supostamente, condenam a homossexualidade, tentando justificar o ódio e a crueldade contra gays e lésbicas.

Maria Berenice Dias (2009, pp. 37-38) acerca do preconceito religioso contra a homossexualidade, afirma:

Das religiões advém o maior preconceito contra a homossexualidade, uma vez que cultura e religião estiveram entrelaçadas na história, daí a censura aos chamados pecados da carne. A Igreja Católica considera as relações de pessoas do mesmo sexo verdadeira perversão, uma aberração da natureza, pois se fundamenta na passagem bíblica: com o homem não te deitarás como se fosse mulher, é abominação (Levítico, 18:22). Daí a condenação à homossexualidade.

Em sites oficiais da própria Igreja Católica, pode-se notar notícias que confirmam tais afirmações, como o site oficial da Canção Nova (2006): “O Vaticano, que se manifesta contra as uniões entre homossexuais, também se posiciona contra a adoção de crianças por casais gays alegando que as crianças correm o risco de quando crescerem manifestarem as mesmas tendências sexuais dos que as adotarem”. E, a polêmica ainda é inflamada por frases do Papa Bento XVI acerca do tema, tais como:

A igreja classifica os casamentos homossexuais como imorais, artificiais e nocivos.

É destrutiva para a família e para a sociedade. O direito cria uma forma de moral, já que as pessoas consideram freqüentemente que o que diz o direito também é moralmente lícito. E, se considerarmos essa união mais ou menos equivalente ao matrimônio, temos uma sociedade que já não reconhece as características e nem o caráter fundamental da família, ou seja, que é próprio do homem e da mulher, que tem a finalidade de dar continuidade, não só no sentido biológico, à humanidade (Em entrevista ao jornal 'La Repubblica', em 2004).

Embora a inclinação particular de uma pessoa homossexual não seja um pecado, é mais ou menos uma tendência que vem de um mal moral intrínseco, e, portanto, a inclinação em si pode ser vista como uma desordem de objetivo (Em 1986, na carta aos bispos da Igreja Católica sobre o cuidado pastoral de gays).

Entretanto, para Daniel Helminiak (1998, p. 16), “a Bíblia não fornece qualquer base real para a condenação da homossexualidade”. E, afirma que a bíblia não condena o comportamento homossexual, sob o argumento de que os verdadeiros pecados de Sodoma e Gomorra eram o orgulho, o ódio, o abuso e a dureza de coração, não tendo o sexo nunca sido mencionado.

Daniel Helminiak (1998, p. 44) em seus estudos a respeito do que a Bíblia diz sobre a homossexualidade afirma que:

O Levítico proíbe a homogenitalidade como uma traição à identidade judaica, pois supostamente o sexo entre homens era uma prática canaanita. A questão tratada pelo Levítico com relação ao sexo entre homens era a da impureza, uma ofensa contra a religião judaica e não uma violação da natureza intrínseca do sexo. Segundo, a Epístola aos Romanos pressupõe o ensinamento das leis judaicas no Levítico, e em Romanos o sexo entre homens é mencionado como um exemplo de impureza. Entretanto, a sua inclusão em Romanos tem a finalidade precisa de demonstrar que as questões de pureza não tinham importância em Cristo. Finalmente, através do obscuro termo arsenokoitai, 1 Coríntios e 1 Timóteo condenam os abusos associados à atividade homogenital no século I: exploração e libertinagem.

Segundo Débora Vanessa Caús Brandão (2002, p. 35), “na Idade Média, a homossexualidade estava mais presente nos mosteiros e nos acampamentos militares. Mesmo assim, curiosamente, era a igreja, por meio da Santa Inquisição, a maior perseguidora dos homossexuais”. E, Colin Spencer (1999, p. 109) afirma em sua obra que “Havia um sentimento crescente, na Igreja, de que a sodomia era o maior dos crimes, pior até mesmo do que o incesto entre mãe e filho”. Época na qual ocorreu o III Concílio de Latrão, de 1179, o qual tornou a homossexualidade crime. O primeiro código ocidental prescreveu a pena de morte à sua prática. As legislações dos séculos XII e XIII penalizavam a sodomia.

Sérgio Resende Barros (2001, p. 06) sobre a união heterossexual para a afirma:

Na Idade Média que ocorreu a sacralização da união heterossexual, onde o casamento foi transformado em sacramento, somente a união realizada pela Igreja era válida, o ato sexual foi reduzido à fonte de pecado. Deveria ser evitado sempre, exceto no matrimônio, única hipótese em que poderia ser praticado – assim mesmo em condições de máximo recato – para cumprir o ditame “crescei e multiplicai-vos”.

De acordo com Maria Berenice Dias (2009, p. 39), a Igreja Católica só aprova as relações heterossexuais dentro do matrimônio, classificando a contracepção, o amor livre e a homossexualidade como condutas moralmente inaceitáveis, que distorcem o “profundo significado da sexualidade”. Até hoje, a masturbação e o sexo infértil são considerados antinaturais. Qualquer relação sexual prazerosa é vista como transgressão à ordem natural. O que se observa é que sempre foi maior a rejeição à homossexualidade masculina do que à feminina, pois a última era considerada mera lascívia.


4.                  A Homossexualidade na atualidade e a associação LGBTT

Nas palavras de Maria Berenice Dias (2009, p. 42), desde o século passado, meados da década de 60 e início dos anos 70, houve o aumento da visibilidade de diversas formas de expressão da sexualidade. O movimento de liberação desfraldou suas bandeiras, buscando mudar a conceituação, tanto social como individual, das relações homoafetivas.

Importante ressaltar que, de acordo com a citada autora, desde 1995 o sufixo “ismo”, que designa doença, foi substituído pelo sufixo “dade”, que significa modo de ser, assim a homossexualidade deixou de ser doença.

Conforme os escritos de Veloso citados por Dias (2009, p. 42) sobre a atualidade do mundo homossexual:

Neste novo século, menores restrições pesam sobre os homossexuais, cedendo a intolerância a uma atitude de maior compreensão. Posturas predominantemente negativas são contestadas. Desmascaram-se de falsos preconceitos e errôneos pressupostos estigmatizantes. Começou a ser admitido que a rotulação discriminatória de que são alvo os homossexuais revela comportamento agressivo, obscurantista e violento, e não pode ser admitido ou incentivado.

De acordo com Maria Berenice Dias (2009, pp. 43-44), “a proliferação dos movimentos libertários, estruturados de forma articulada, tem levado à aceitação dessa nova realidade, bastando lembrar as paradas que são realizadas em todas as partes do mundo”. E, Rogério Mesquita (1997) apud Maria Berenice Dias (2009, pp. 43-44) afirma que:

Mais importante, é a constatação de que muito mais prejudicial do que a homossexualidade em si é o avassalador estigma social de que são alvos gays, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis e transgêneros. São indivíduos que experimentam sofrimento originado na intolerância e no injustificado preconceito social. A busca pela despatologização da homossexualidade visou defini-la como simples variante natural da expressão sexual humana, mostrando um comportamento que determina uma maneira de viver diferente de outros componentes da mesma sociedade.

Danda Prado (1995, p. 64), afirma que no século XX, o poder heterossexual e machista deu lugar à família que se tornou um espaço onde se deve assegurar a preservação da dignidade. E, Maria Berenice Dias (2009, p. 42) ensina que no mundo pós-moderno, em nome do respeito à diferença, está sendo construído um conceito plural de família: daí o direito das famílias.

No decorrer do tempo, apesar do crescente preconceito que envolve esses relacionamentos, sua prática continua, inclusive com a intensificação dos movimentos gays por todo o mundo. Como assevera Luís Roberto Barroso (2007, p. 06), “a homossexualidade não é uma opção, mas um fato da vida, que não viola qualquer norma jurídica nem é capaz, por si só, de afetar a vida de terceiros”.

Barroso (2006, p. 06) complementa essa afirmação dizendo que é inquestionavelmente válida para o Brasil, assim como para a maioria dos países. Nem mesmo a Suprema Corte norte-americana, em sua atual tendência conservadora, ousou dizer o contrário. No julgamento do caso Lawrence et. al. v. Texas, (...), declarou-se a inconstitucionalidade da criminalização da chamada sodomia.

E, de acordo com Maria Berenice Dias (2009, p. 48), o neologismo homoafetividade busca evidenciar que as uniões de pessoas do mesmo sexo nada mais são do que vínculos de afetividade.

A autora (2009, p. 49) lembra que, na primeira edição do Festival de Cinema e Vídeo Mix Brasil, no ano de 1993, surgiu a sigla GLS (gays, lésbicas e simpatizantes). Quando os organizadores do evento perceberam que, apesar de a maioria do público frequentador ser de gays e lésbicas, havia também uma parcela que não era homossexual. Resolveram, então, chamar esse grupo não-homossexual de simpatizantes, expressão advinda da inglesa gay friendly, que literalmente significa: amigável ao gay.

Dias (2009, p. 49) afirma que com o tempo agregou-se à sigla a letra “B”, que identifica os bissexuais, e a letra “T”, para contemplar transexuais e travestis. Com o surgimento da expressão transgênero, chegou a se usar GLBTTT. A Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais – ABGLT foi criada em 31.01.1995, com 31 grupos fundadores. Em 2008 a GLBT era a maior rede, na América Latina, composta por 203 organizações, sendo 141 grupos de gays, lésbicas, travestis e transexuais, e mais 62 organizações colaboradoras voltadas aos direitos humanos e AIDS. Na assembleia realizada por ocasião da Conferência Nacional, em junho de 2008, foi aprovada a alteração da sigla para LGBTT. A referência inicial é às lésbicas, depois aos gays e aos bissexuais. Os travestis, transexuais e transgêneros são contemplados pelos dois “T”. A nova grafia, ao tornar mais visível a homossexualidade feminina, coaduna-se com as expressões utilizadas internacionalmente.

Atualmente, conforme informações do site oficial, a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – ABGLT é uma rede nacional de 237 organizações afiliadas. É a maior rede LGBT na América Latina, tendo como missão a promoção da cidadania e defesa pelos direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, contribuindo para a construção de uma democracia sem quaisquer formas de discriminação, afirmando a livre orientação sexual e identidades de gênero.

O site informa, ainda, que, atualmente, as linhas prioritárias de atuação da ABGLT incluem: o monitoramento da implementação das decisões da I Conferência Nacional LGBT; o monitoramento do Programa Brasil Sem Homofobia; o combate à homofobia nas escolas; o combate à AIDS e outras doenças sexualmente transmissíveis; o reconhecimento de Orientação Sexual e Identidade de Gênero como Direitos Humanos no âmbito do Mercosul; Advocacy no Legislativo, no Executivo e no Judiciário; a capacitação de lideranças lésbicas em direitos humanos e advocacy; a promoção de oportunidades de trabalho e previdência para travestis; a capacitação em projetos culturais LGBT. Algumas destas linhas de trabalho são apoiadas por projetos específicos que são executadas pela ABGLT, por meio de organizações afiliadas. Segundo o Censo Demográfico 2010, o país tem mais de 60 mil casais homossexuais, que desejam ter assegurados direitos como herança, comunhão parcial de bens, pensão alimentícia e previdenciária, licença médica, inclusão do companheiro como dependente em planos de saúde, entre outros benefícios.

Importante analisar brevemente a questão da homofobia neste item da atualidade, tendo em vista os inúmeros crimes cometidos contra os homossexuais, exatamente, por estes existirem. Cabe, em primeira análise, que a palavra homofobia é um termo que combina a palavra grega phobos, que significa fobia, com o prefixo homo, fazendo uma remissão à palavra homossexual. A fobia também tem o significado de aversão ou repulsa em geral, por qualquer que seja o motivo.

É sempre bom lembrar que a Constituição Federal de 1988 define como objetivo fundamental da República, no art. 3º, IV, o de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade, ou quaisquer outras formas de discriminação. Assim, verifica-se que a expressão quaisquer outras formas refere-se a todas as formas de discriminação não mencionadas explicitamente no artigo, incluindo a orientação sexual. Atualmente, a homofobia não é criminalizada, apesar de haver alguns esforços para o combate de tal prática criminosa.

Sobre as autoras
Penélope Aryadne Antony Lira

Advogada Militante. Professora Universitária na Faculdade Metropolitana de Manaus – Fametro. Formada pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas – Ciesa. Pós-graduada em Finanças Coorporativas – IDAAM/Gama Filho. Mestranda em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas - UEA.

Yonete Melo das Chagas

Bacharel em Direito e Contabilidade pela Universidade Federal do Amazonas. Pós-graduada em Contabilidade Pública e Tributária pela Centro Universitário do Norte – Uninorte/Laurate International Universities e Finanças Corporativas – IDAAM/ Gama Filho. Servidora Pública do Estado do Amazonas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIRA, Penélope Aryadne Antony; CHAGAS, Yonete Melo. A viabilidade do casamento civil entre os pares homoafetivos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3253, 28 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21879. Acesso em: 5 nov. 2024.

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