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Retomada das atividades docentes de forma remota e emergencial na pandemia:

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Agenda 22/08/2020 às 10:00

Como fica a proteção da imagem – incluída também a voz – de docentes e alunos no ensino à distância? O aluno pode desligar câmera e microfone? O que é protegido por direito autoral? A instituição de ensino tem direito de usar a aula? Essas e outras dúvidas são abordadas no artigo.

Diante do cenário mundial decorrente da pandemia, que impôs diversas modificações de hábitos, costumes, atividades profissionais e econômicas, o ensino igualmente passa por profundas alterações, o que demanda de todos os agentes envolvidos uma série de adaptações e cuidados. Escolas e universidades deverão repensar a logística necessária, preservando a qualidade do ensino e a igualdade de acesso a todos os alunos; professores e técnicos em educação repensarão sua forma de trabalho, adequando-se a novas ferramentas e novas modalidades de diálogo entre pares, alunos e sociedade, alunos experimentarão novas formas de ensino e de interação com colegas, professores e a escola.

O desafio que nos foi apresentado por sindicatos de docentes do ensino público federal é analisar o impacto dessas alterações profundas no cotidiano do professor, em especial no que toca à implantação do ensino remoto, educação à distância, aulas virtuais, ou qualquer outra forma que se denomine o trabalho não presencial através da rede mundial de computadores. Esse impacto será analisado, da forma mais didática e pragmática possível, sobre os seguintes ângulos:

Importante fazer um alerta antes de passarmos às perguntas e respostas : essa análise é estritamente jurídica. Em se tratando de orientações relativas a atividades docentes que envolvem aspectos relevantíssimos (didática, currículo, avaliação, métodos de ensino, etc) é fundamental compatibilizar as orientações aqui contidas com as recomendações de natureza pedagógicas.

SUMÁRIO

1. EAD ou ensino remoto? Uma mescla dos modelos já existentes

2. O professor pode ser opor a exercer suas atividades remotamente?

3. A Administração tem obrigação de disponibilizar meios para viabilizar aulas e atividades remotas?

4. Como fica a proteção da imagem – incluída também a voz - dos envolvidos, em especial docentes e alunos?

5. O aluno pode se opor à gravação?

6. A câmera e o microfone devem estar obrigatoriamente ligados?

7. O aluno pode gravar a aula?

8. Qual a consequência do uso indevido da imagem?

9. Aulas são protegidas por direitos autorais?

10. O que é protegido por direito autoral?

11. Direito autoral pode ser vendido ou cedido integralmente?

12. A instituição de ensino tem o direito de usar livremente uma aula por conta do pagamento mensalmente feito ao professor?

13. Os cuidados com direitos autorais de terceiros na apresentação e elaboração de aulas e outras ferramentas de ensino remoto

14. Como posso proteger a minha produção intelectual?

15. Compatibilização entre a liberdade de ensino e a transmissão (ou gravação) das aulas

16. Qual a consequência da violação de direito autoral?

17. Condições de trabalho – “professor 24 horas”

18. Como mensurar o tempo de preparação de aulas, orientação e demais atividades?

19. SUGESTÕES de consulta


1. EAD ou ensino remoto? Uma mescla dos modelos já existentes

 Escapa ao propósito dessa cartilha uma análise conceitual dos diversos modelos ou formatos de ensino não-presencial[i]. Ainda assim, algumas considerações breves são necessárias, justamente por conta do ineditismo do momento atual e pela expressa autorização pelo Ministério da Educação (MEC) para, em caráter excepcional, a substituição das disciplinas presenciais, em cursos regularmente autorizados, por atividades letivas que utilizem recursos educacionais digitais, etc. Como se vê, a Portaria 544, de 16.7.2020, do MEC não transforma o ensino presencial em ensino à distância. Além disso, o MEC delegou às instituições de ensino (IEs) as adequações curriculares e disponibilização de recursos aos alunos de modo a permitir o acompanhamento das atividades letivas. 

Convêm lembrar que a educação a distância (EAD) tem expressa previsão na Lei de diretrizes  e base da educação nacional (Lei 9394/96), sendo que seu artigo 80 encontra-se hoje regulamentado no Decreto 9057/17. A EAD não é livremente autorizada a qualquer instituição de ensino, sendo necessário um credenciamento específico, uma estrutura física adequada, espaço para desenvolvimento de algumas presenciais (avalições, estágios, práticas, defesa de trabalhos, etc) e diversos outros aspectos previstos na legislação de regência que permitem distinguir a EAD do ensino tradicional presencial.

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A retomada das atividades de ensino de maneira virtual por conta da pandemia impôs uma ruptura completa na forma a que estávamos habituados com o aprendizado, pesquisa e extensão. O simples fato de as aulas agora passarem a ser virtuais não permite afirmar que a educação passou a ser toda pelo modelo EAD. Portanto, a adoção de atividades remotas, como regra, implica na criação de um modelo mesclado, ou seja, não é mais presencial, mas tampouco corresponde à EAD na forma como regulada. Isto exigirá muita ponderação, compreensão e parcimônia quanto ao uso de novas ferramentas sem a devida capacitação, da parte de todos os envolvidos, sejam estes os docentes, os alunos e as instituições.

Partindo-se do pressuposto de que a pandemia traz uma profunda alteração no ensino presencial, impondo uma maior utilização das ferramentas digitais, é preciso refletir sobre as implicações que daí advirão sobre outros aspectos da vida e direitos, tais como direitos à imagem e à produção intelectual.


2. O professor pode ser opor a exercer suas atividades remotamente?

A posse em cargo público é um importante instituto jurídico, cabendo recordar sua definição legal e os efeitos dela decorrentes:

Art. 13 da Lei 8112/90 (RJU): A posse dar-se-á pela assinatura do respectivo termo, no qual deverão constar as atribuições, os deveres, as responsabilidades e os direitos inerentes ao cargo ocupado, que não poderão ser alterados unilateralmente, por qualquer das partes, ressalvados os atos de ofício previstos em lei.

A relação de trabalho do docente federal titular de cargo não tem natureza contratual (como ocorre no setor privado e, no ensino federal, com os professores visitantes e substitutos, que firmam um contrato temporário de prestação de serviços). A relação do docente federal é de natureza estatutária, vale dizer, decorre de previsão legal, o que impede que haja alteração das obrigações e direitos de forma individual entre o professor e a universidade. Os limites, deveres e direitos são os previstos de forma geral para o servidor (Lei 8112/90) e aos integrantes da carreira (Lei 12.772/2012).  Além disso, como decorrência da autonomia prevista no artigo 207 da Constituição, a relação de trabalho docente observará também as normas internas de cada instituição federal de ensino, como ocorre, por exemplo, em relação às regras dos concursos, progressões funcionais, limites de valores para percepção de bolsas de pesquisa ou extensão, etc.

Com isso, resta estabelecida uma premissa básica: não há espaço para negociar individualmente o estabelecimento de novas obrigações ou direitos com a universidade ou instituto. Evidentemente, isso não implica em desconsiderações de situações individualmente vivenciadas pelo docente e seu impacto na prestação de suas atividades. A legislação é aberta a situações individuais, criando mecanismos para isso, que são aplicadas de forma igual a todos, quando necessário. Enquadram-se nessa hipótese as licenças para tratamento de saúde, afastamentos para estudo, etc.

A retomada das aulas de forma virtual ou presencial é, portanto, uma decisão institucional e não individual. Isso, contudo, não implica em ignorar as individualidades, já que professores podem estar mais ou menos familiarizados com informática e possuírem – ou não – uma estrutura mínima (computadores, celulares e internet banda larga), outros apresentam alguma restrição de saúde, enfim. Não se pode desprezar o fato de que o modelo previsto na legislação de educação à distância não corresponde exatamente às alternativas encontradas para continuidade do ensino durante a pandemia, o que, portanto, cria uma lacuna normativa que deverá ser preenchida pelo bom senso e pela aplicação dos princípios gerais e de direitos e garantias individuais.


3. A Administração tem obrigação de disponibilizar meios para viabilizar aulas e atividades remotas?

Sim, devem ser viabilizadas por parte da administração pública as condições para que alunos e docentes possam acompanhar as atividades de ensino à distância, o que incluiu especialmente uma capacitação. Sugerimos que o professor que não dispuser de estrutura necessária ou que apresente alguma limitação de saúde que lhe impeça as atividades de forma remota formalize essa circunstância junto à chefia imediata (em geral o chefe de departamento). Essa comunicação é fundamental para registrar a boa-fé do servidor, evitando que suas dificuldades sejam equivocadamente interpretadas como desídia.

Caso seja tecnicamente impossível o fornecimento de condições para que docentes desempenhem em sua residência as atividades, deverão ser encontradas soluções alternativas que garantam acesso a algum local na própria universidade ou instituto federal com estrutura adequada para a transmissão das atividades, sempre tendo em conta as medidas de contingenciamento impostas pelas autoridades públicas e eventuais restrições de saúde do servidor (grupo de risco, comorbidades, etc).


4. Como fica a proteção da imagem – incluída também a voz -  dos envolvidos, em especial docentes e alunos?

Direito à imagem e direitos autorais não se confundem. O direito à imagem é um direito de personalidade previsto nos incisos V e X do artigo 5º da Constituição brasileira e é inerente a qualquer pessoa, independentemente de idade ou nacionalidade. O artigo 20 do Código Civil é claro ao dispor que “salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.

Logo, qualquer gravação, publicação ou divulgação de aulas pressupõe a concordância dos envolvidos. No caso específico da transmissão e gravação de aulas e outras atividades de ensino remoto, não há necessidade de que essa concordância seja formalizada individualmente e por escrito, desde que fique claro que a pessoa foi alertada da gravação, da finalidade a que se propõe e da alternativa de se opor à exposição de sua imagem. Nesse último caso, havendo oposição, qualquer divulgação deverá ser previamente editada de maneira a que imagem desautorizada não apareça na transmissão.

Dicas práticas sobre a utilização de imagens:


5. O aluno pode se opor à gravação?

Sim. O aluno que se opõe à gravação terá a liberdade, obviamente, de desativar sua câmera de computador. Mas mesmo que não o faça e tenha, de forma expressa, registrado sua vontade de não ser gravado, não poderá o material ser disponibilizado sem a devida edição, suprimindo sua imagem e sua voz.


6. A câmera e o microfone devem estar obrigatoriamente ligados?

Não se pode impor a ninguém a obrigação de ser filmado ou gravado contra sua vontade. Portanto, docente e aluno podem desligar câmeras e microfones durante a aula, ainda que isso possa causar algum prejuízo no desenvolvimento da aula ou de certa forma dificultar a avaliação. A utilização do chat é uma alternativa, já que a opção de desligar a câmera e o microfone não dispensa o aluno da presença na aula.


7. O aluno pode gravar a aula?

A gravação ou fotografia de trechos da aula com a finalidade exclusiva de anotação do conteúdo para posterior utilização própria pelo aluno em seus estudos tem expressa autorização legal (art. 46, IV da Lei 9610/98). Porém, é expressamente vedada sua publicação sem a autorização dos demais envolvidos (alunos e professores), o que inclui compartilhamento pela internet, WhatsApp, etc.


8. Qual a consequência do uso indevido da imagem?

A utilização indevida da imagem sujeita o violador à responsabilização na esfera civil (reparação dos prejuízos financeiros) como também na esfera penal, conforme o uso que for dado à imagem e seu propósito, podendo ser a hipótese enquadrada nos crimes contra a honra  (calúnia, difamação e injúria), por exemplo.

Quando o uso indevido se destinar a fins econômicos ou comerciais, o prejuízo sofrido é presumido, ou seja, independe de prova (Súmula 403 do Superior Tribunal de Justiça: Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais).


9. Aulas são protegidas por direitos autorais?

Como regra, sim. As aulas são protegidas por direitos autorais na medida em que decorrem de um estudo, do intelecto e da criatividade, sendo o docente considerado seu ‘autor’. Dessa forma, não pode um professor reproduzir a aula de algum colega sem sua autorização, como tampouco pode copiar os exercícios e demais figuras, gravuras e tabelas preparadas por terceiro sem sua expressa anuência.

Porém, nem tudo que se usa ou se diz em aula é uma obra autoral. Exemplo: explicar aos alunos a lei da gravidade não torna o professor autor da mesma. O que está protegido, neste caso, não é a teoria, mas a forma literária ou artística pela qual o conteúdo científico é transmitido. Justamente para clarear essa situação, a LDA explicita eu seu art. 7º, §3º : No domínio das ciências, a proteção recairá sobre a forma literária ou artística, não abrangendo o seu conteúdo científico ou técnico, sem prejuízo dos direitos que protegem os demais campos da propriedade imaterial.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BORDAS, Francis Campos. Retomada das atividades docentes de forma remota e emergencial na pandemia:: direito de imagem, direitos autorais, deveres e obrigações. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6261, 22 ago. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/84668. Acesso em: 22 dez. 2024.

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