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Retomada das atividades docentes de forma remota e emergencial na pandemia:

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Agenda 22/08/2020 às 10:00

10. O que é protegido por direito autoral?

O conceito de obra autoral é amplo, ficando sujeito às inovações e  invenções de novas formas de manifestação do espírito humano. A Lei 9610/98 (Lei dos direitos autorais – LDA) lista alguns exemplos de criações protegidas por direitos autorais, como também de situações que não se sujeitam à proteção:

Exemplos de obras protegidas por direitos autorais – art. 7º da LDA

Não são objeto de proteção como direitos autorais – art. 8º da LDA

I - os textos de obras literárias, artísticas ou científicas;

II - as conferências, alocuções, sermões e outras obras da mesma natureza;

III - as obras dramáticas e dramático-musicais;

IV - as obras coreográficas e pantomímicas, cuja execução cênica se fixe por escrito ou por outra qualquer forma;

V - as composições musicais, tenham ou não letra;

VI - as obras audiovisuais, sonorizadas ou não, inclusive as cinematográficas;

VII - as obras fotográficas e as produzidas por qualquer processo análogo ao da fotografia;

VIII - as obras de desenho, pintura, gravura, escultura, litografia e arte cinética;

IX - as ilustrações, cartas geográficas e outras obras da mesma natureza;

X - os projetos, esboços e obras plásticas concernentes à geografia, engenharia, topografia, arquitetura, paisagismo, cenografia e ciência;

XI - as adaptações, traduções e outras transformações de obras originais, apresentadas como criação intelectual nova;

XII - os programas de computador;

XIII - as coletâneas ou compilações, antologias, enciclopédias, dicionários, bases de dados e outras obras, que, por sua seleção, organização ou disposição de seu conteúdo, constituam uma criação intelectual.

I - as ideias, procedimentos normativos, sistemas, métodos, projetos ou conceitos matemáticos como tais;

II - os esquemas, planos ou regras para realizar atos mentais, jogos ou negócios;

III - os formulários em branco para serem preenchidos por qualquer tipo de informação, científica ou não, e suas instruções;

IV - os textos de tratados ou convenções, leis, decretos, regulamentos, decisões judiciais e demais atos oficiais;

V - as informações de uso comum tais como calendários, agendas, cadastros ou legendas;

VI - os nomes e títulos isolados;

VII - o aproveitamento industrial ou comercial das ideias contidas nas obras.


11. Direito autoral pode ser vendido ou cedido integralmente?

É preciso distinguir as duas faces da proteção dos direitos autorais: A Lei 9610/98 (Lei dos direitos autorais – LDA) explicita essa duplicidade em seu artigo 22: Pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou. [1] direito moral: corresponde à criação e originalidade da obra e o direito moral que seu autor tem em ser eternamente reconhecido como sendo criador.  Esse direito moral não pode ser transmitido e não prescreve. Assim, ainda que já tenha caído em domínio público, Shakespeare sempre será o autor de Hamlet, assim como a autoria de Dom Casmurro sempre será de Machado de Assis. [2] o aspecto patrimonial, a seu turno, envolve a titularidade da obra e sua exploração econômica, o uso, a licença, a edição, etc.  O direito patrimonial da autoria pode, portanto, ser cedido de forma onerosa ou gratuita, de forma integral ou parcial.

Chega-se assim a um ponto polêmico: o pagamento de uma remuneração pela instituição de ensino a torna autora da obra?


12. A instituição de ensino tem o direito de usar livremente uma aula por conta do pagamento mensalmente feito ao professor?

Partindo do pressuposto que as obras protegidas por direitos autorais são frutos da criatividade e originalidade da mente humana - e isso se torna bem evidente nos vínculos educacionais (a universidade não entra na sala de aula, quem entra é a pessoa do docente) -  parece-nos difícil argumentar que a autoria de aulas virtuais seja de uma pessoa jurídica.

Logo, a face moral da autoria é claramente da professora ou professor responsável por aquele trabalho que será transmitido ou gravado. Contudo, do ponto de vista patrimonial, a situação é mais complexa, pois é possível que o uso da obra tenha sido autorizado pelo autor e muitas vezes seja objeto de contratação específica com o empregador, onde é estabelecido valor (pode ser o salário mensal), o prazo, a forma de utilização, etc (VIEIRA, 2003[ii]). Eventual ajuste de cessão de uso da obra deve ser formal, por escrito e seu caráter oneroso é  presumido. Na falta de ajuste quanto aos efeitos patrimoniais, esses permanecem intactos, ou seja, são exclusivos do autor.

O fato de uma universidade pagar remuneração mensal para que o professor produza aulas e outras obras autorais deve ser visto com cautela, pois não se está nem diante de uma usurpação indevida do direito autoral, tampouco, com uma cessão irrestrita de direitos patrimoniais ao empregador ou ente público. Quando a remuneração é paga com esse propósito, a “teoria da disposição funcional” sustenta que os aspectos patrimoniais sejam temporariamente cedidos ao “pagador”. “Terminado o contrato de trabalho, por motivo justo ou sem motivação, os direitos que já eram do empregado permanecem com ele. A empresa não poderá mais usar a obra sem autorização. É como se aquela licença de uso pela empresa existente na vigência do contrato de trabalho encerrasse com a demissão (PINHEIRO, 2016[iii]). Ilustrativa, nesse sentido, a decisão do Tribunal Superior do Trabalho que condenou uma instituição privada a reparar os prejuízos decorrente da utilização indevida de aulas preparadas por ex-empregada sua (TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO, 2013[iv]):

 A utilização de material didático pela empresa sem a correspondente autorização pela empregada, reproduzindo-o e distribuindo-o após a extinção do contrato de trabalho, gera para a autora o direito à indenização. Na espécie se ressalta que o contrato de cessão de direitos autorais vinculava-se ao relacionamento profissional - empregada e empregadora -, permitindo a transferência total dos direitos da divulgação das apostilas e vídeo-aulas da reclamante em favor da ré. De sorte que com a extinção do contrato de trabalho exsurgiu novo enquadramento jurídico donde a continuidade da reprodução parcial ou integral do material didático enseja a necessidade de prévia e expressa autorização por parte da autora da obra intelectual (art. 29, inciso I, da Lei nº 9.610/98).  PROCESSO Nº TST-RR-270900-94.2007.5.09.0004 – Relator MINISTRO VIEIRA DE MELLO FILHO

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Portanto, com base nessa teoria, entendemos que as aulas produzidas para o prosseguimento das atividades de forma virtual podem ser usadas pelas instituições de ensino para que elas prestem suas finalidades de ensino público, sem que isso gere ao professor qualquer direito à reparação financeira. Contudo, esse uso do material está restrito àquela disciplina específica, no semestre específico,  não podendo a instituição usar essa mesma aula em outros anos e de forma irrestrita.


13. Os cuidados com direitos autorais de terceiros na apresentação e elaboração de aulas e outras ferramentas de ensino remoto

A preparação de aulas virtuais ou remotas e a preparação de material didático que será transmitido via internet exige um cuidado muito grande, em dois especiais sentidos: PROTEGER OS AUTORES de materiais usados nas aulas e PROTEGER O AUTOR da aula.

Ao preparar seu material, o professor deve ficar atento aos direitos autorais sobre materiais usados por ele. Fotografias, figuras, músicas, vídeos, ainda que disponibilizados gratuitamente pela internet, estão protegidos por direitos autorais. Lembramos que o uso de representações teatrais e execuções musicais para fins didáticos é legalmente permitido no artigo 46, VI da LDA. Portanto, é importante certificar-se se o material que se pretende usar esteja liberado para uso e sempre informar a autoria e a fonte.  Outro cuidado que se deve ter é quanto à possibilidade de que o material já esteja em domínio público, de forma que seu uso estará liberado, desde que referida a autoria.

Recomendamos a consulta aos materiais indicados ao final do trabalho contendo orientações bastante didáticas quanto ao uso de outras obras.


14. Como posso proteger a minha produção intelectual?

A originalidade de uma obra não pressupõe registro. Logo, alguém pode ser o autor de uma obra sem que ela tenha sido registrada. A vantagem do registro é a proteção daí decorrente e a facilidade de comprovar a data de criação.

Atualmente, existem algumas plataformas na rede mundial que auxiliam no registro gratuito de obras. A Creative Commons é uma dessas ferramentas que viabiliza o registro de obras e atua para que as regras de utilização dos conteúdos disponibilizados estejam claras, pois, quando se pesquisa um conteúdo no ambiente virtual, nem sempre estão claras suas normas de utilização e possibilidades de reprodução. São licenças gratuitas e fáceis de usar e que fornecem para o autor uma forma simples e padronizada de conceder autorização para que a obra possa ser utilizada. O autor pode dizer para todos que estão interessados em fazer o uso de sua obra como ela poderá ser utilizada, sem a necessidade de contratar um advogado ou um intermediário (PREVEDELLO, 2015[v]).


15. Compatibilização entre a liberdade de ensino e a transmissão (ou gravação) das aulas

A forma como serão divulgadas as aulas virtuais e demais atividades didáticas depende, em grande parte, da vontade do professor. O fato de as instituições de ensino transmitirem, em tempo real, ou gravarem as aulas para posterior utilização pelo aluno em ambiente ou plataformas controladas, nos parece dentro da permissão decorrente própria finalidade das instituições e dentro das atribuições decorrentes da relação funcional. Haveria abuso se a instituição de ensino compartilhasse na internet as aulas sem a devida autorização do autor. Nesse caso, haveria uma utilização indevida tanto da imagem como do direito autoral. Porém, o professor é livre para disponibilizar sua aula em canais como Youtube, por exemplo, devendo apenas ter o cuidado de incluir os alertas e autorizações que deseja  sejam observados quando do uso.

Reitera-se que as aulas, bem como o material de apoio produzido pelo professor estão protegidos pelo direito autoral.

Assim, o fato de a aula estar disponibilizada em ambiente ou plataforma virtual, não autoriza que a Administração ou o aluno compartilhem ou preparem qualquer tipo de manual ou publicação para repassar a colegas ou outros alunos, apropriando-se indevidamente do trabalho do professor. O mesmo vale, por exemplo, para trabalhos apresentados por alunos em sala de aula, os quais estão também protegidos.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BORDAS, Francis Campos. Retomada das atividades docentes de forma remota e emergencial na pandemia:: direito de imagem, direitos autorais, deveres e obrigações. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6261, 22 ago. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/84668. Acesso em: 22 nov. 2024.

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