Artigo Destaque dos editores

Possibilidade de indenização em face do abandono afetivo

Exibindo página 3 de 5
10/01/2013 às 15:35
Leia nesta página:

3 RESPONSABILIDADE CIVIL EM FACE DO ABANDONO AFETIVO

A possibilidade da ocorrência de danos cresce na medida em que a sociedade se torna mais complexa, onde são ampliadas as relações e a interdependência das pessoas. Sendo assim, o Direito deve acompanhar passo a passo as mudanças sociais, percebendo que as formas originais de danos ao patrimônio e à personalidade exigem critérios próprios de aplicação dos princípios e normas da responsabilidade civil, conforme os ensinamentos de Paulo Nader (2010, p. 04).

A permanente transformação da ordem jurídica impede a formação de uma teoria unitária e definitiva da responsabilidade civil. O instituto da responsabilidade é dinâmico, como destaca José de Aguiar Dias[27]:

(...) é essencialmente dinâmico, tem de adaptar-se, transformar-se na mesma proporção em que evolve a civilização, há de ser dotado de flexibilidade suficiente para oferecer, em qualquer época, o meio ou processo pelo qual, em face de nova técnica, de novas conquistas, de novos gêneros de atividade, assegure a finalidade de restabelecer o equilíbrio des-feito por ocasião do dano, considerado, em cada tempo, em função das condições sociais então vigentes.

Sendo assim, pode-se afirmar que ospressupostos da responsabilidade civil se mantém estáveis, baseados na ideia de reparação com o pilar tríplice: ação humana, nexo causal e dano. Apesar disso, as suas normas reguladoras assumem o caráter dinâmico em face do constante desenvolvimento da sociedade e com a expansão do rol de direitos subjetivos, calcados no princípio constitucional da dignidade da pessoa.

Nesse contexto, o Direito, assim como, a jurisprudência vem admitindo novos tipos de danos morais, como o dano afetivo, oriundo das relações entre pais e filhos. Contudo, há divergências da doutrina e da jurisprudência sobre a possibilidade da incidência da responsabilidade civil em face do abandono afetivo.

3.1 Breves considerações sobre a responsabilidade civil

A Responsabilidade Civil refere-se à situação jurídica de quem descumpriu determinado dever jurídico, causando dano material ou moral a ser reparado, conforme Paulo Nader a define, em sua obra Curso de Direito Civil – Responsabilidade Civil (2010, p. 04). Conforme o autor existedois requisitos essenciais às modalidades de responsabilidade civil: a existência de prejuízo e o nexo de causalidade. No caso da responsabilidade subjetiva exige-se também a culpa.

Segundo Maria Helena Diniz (2010, p. 26) a doutrina encontra muitas dificuldades para conceituar a responsabilidade civil, devido à abrangência e complexidade do tema. Entretanto, a autora conceitua o instituto como:

(...) a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda, ou, ainda, de simples imposição legal.

Nos ensinamentos de Cavaliere Filho (2010, p. 01) a responsabilidade civil designa o dever que alguém possui de reparar o prejuízo causado decorrente da violação de outro dever jurídico, em seguida, o autor sintetiza o conceito da seguinte forma: “a responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário.”Nesse sentido, existe um dever jurídico originário ou primário, cuja violação gera um dever jurídico sucessivo ou secundário, que é o dever de indenizar o prejuízo.

Sendo, assim, pode-se perceber que a responsabilidade civil surgirá onde houver a ofensa a um dever jurídico e essa ofensa importe em dano a outrem. Em consequência, surge a obrigação de ressarcir ou reparar o dano causado injustamente ao outro.

O Código Civil de 2002 trata da obrigação de indenizar no art. 927:

Art. 927: Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem fica obrigado a repará-lo.

O ato ilícito é previsto no art. 186 do Código Civil, que define a sua ocorrência quando alguém comete ato (ação ou omissão) que viole o direito e cause dano à outra pessoa, por dolo, negligência ou imprudência, conforme texto legal:

Art. 186: Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Assim, percebe-se que a responsabilidade civil sustenta-se a partir do ato ilícito, com o surgimento da obrigação de indenizar (art. 927, CC).

Cumpre diferenciar obrigação e responsabilidade, enquanto a primeira é sempre um dever jurídico originário, a segunda é um dever jurídico sucessivo, em decorrência da violação do primeiro, conforme Cavalieri Filho (2010, p. 02).

De acordo com a gravidade do ilícito cometido ele poderá ser gerar responsabilidade civil ou penal, ou em ambos, pois as esferas são independentes.

Dessa forma, para o Direito Penal é transportado apenas o ilícito de maior gravidade, que afeta mais o interesse público (a vida, a integridade física, por exemplo). Já o ilícito civil abriga os casos de menor gravidade, não reclamando a incidência de uma severa pena criminal, conforme bem diferencia Cavalieri (2010, p. 14).

Segundo Cavalieri filho (2010, p. 13) é possível dividir a responsabilidade civil em diferentes espécies, dependendo de onde provém esse dever e qual o elemento subjetivo dessa conduta.

Assim, encontra-se no ordenamento jurídico brasileiro diversas espécies de responsabilidade civil, que poderá ser classificada, segundo Maria Helena Diniz (2010, p. 129):

a) Quanto a seu fato gerador: 1) responsabilidade contratual, que decorre da não execução de negócio jurídico bilateral ou unilateral; 2) extracontratual ou aquiliana: resulta da lesão a um direito subjetivo, sem que entre ofensor e vítima preexista qualquer relação jurídica. A diferença entre está na sede do dever, assim, haverá responsabilidade contratual quando o dever jurídico violado estiver previsto em contrato, por outro lado, haverá responsabilidade extracontratual se o dever jurídico lesado estiver previsto em lei e não no contrato.

b) Quanto ao seu fundamento: 1) responsabilidade subjetiva, é fundada na culpa ou dolo por ação ou omissão lesiva a determinada pessoa (art. 186, CC). Nesse instituto a comprovação da culpa do agente será fundamental para o surgimento do dever de reparar o dano; 2) responsabilidade objetiva: é fundada no risco, o agente causou prejuízo à vítima ou a seus bens. Nesse tipo, para surgir a obrigação de reparar o dano a conduta culposa ou dolosa do agente é irrelevante, vez que bastará a existência do nexo causal entre o prejuízo sofrido pela vítima e a ação do agente para configurar o dever de indenizar.

c) Quanto ao agente: 1) responsabilidade direta: o agente responderá por ato próprio; 2) indireta ou complexa: decorre de ato de terceiro que o agente tem vínculo legal de responsabilidade.

Após a classificação das espécies de responsabilidade civil é necessário fazer uma abordagem sobre os seus pressupostos.

Conforme Maria Helena Diniz (2010, p. 36), os pressupostos da responsabilidade civil são a ação ou omissão do agente,o dano e a existência de nexo de causalidade entre o dano e a ação.

A ação pode ser comissiva omissiva. A ação pode se dar através de um movimento corpóreo comissivo, como a destruição de uma coisa alheia, a morte ou a lesão corporal. Ainda pode ocorrer pela forma da omissão, caracterizando-se  pela inatividade, pela abstenção de alguma conduta devida, conforme Cavalieri Filho (2010, p. 24).

No caso da responsabilidade civil subjetiva além da conduta lesiva é necessário a presença da culpa. Mas conforme os casos previstos em lei, há hipóteses que se desvinculam a culpa, onde a responsabilidade (objetiva) é baseada no risco, conforme Diniz (2010, p. 37).

A culpa pode ser conceituada como a conduta voluntária contrária ao dever de cuidado imposto pela lei, que gere um evento danoso involuntário, porém previsto ou previsível, conforme ensina Cavalieri Filho (2010, p. 35).

A falta de cautela exterioriza-se através da imprudência, negligência e imperícia. A imprudência é a falta de cautela ou cuidado por conduta comissiva, positiva, por ação. Negligência é a mesma falta de cuidado por conduta omissiva. Por sua vez, a imperícia decorre da falta de habilidade no exercício da atividade técnica, caso em que se exige, de regra, maior cuidado ou cautela do agente, conforme explica Cavalieri Filho (2010, p. 37).

O dano, como pressuposto para a responsabilidade civil, é a lesão de qualquer bem jurídico e aí se inclui o dano moral, conforme Carlos Roberto Gonçalves (2009, p. 594).

É importante destacar que o dano é elemento indispensável para haver indenização ou ressarcimento, pois poderá haver responsabilidade sem culpa (objetiva), mas não há que se falar em responsabilidade sem dano, conforme os ensinamentos de Cavalieri Filho (2010, p. 73). Assim, o dano não é apenas um elemento constitutivo, mas determinante para existência do dever de indenizar.

Por sua vez, há a existência do nexo de causalidade entre o fato ilícito e dano causado como pressuposto da responsabilidade civil, sem essa relação há é possível a configuração da obrigação de indenizar. Conforme ensina Cavalieri Filho (2010, p. 47), o nexo causal “é o vínculo, a ligação ou relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado.”Assim, todo dano ligado a uma causa que gere dano está sujeito à indenização, assim, a causa deverá ser determinante para a produção do dano.

Presentes os pressuposto, ainda é necessário se verificar se não há incidência de nenhuma das causas de excludente da responsabilidade civil, a saber: legítima defesa, exercício regular de direito, estrito cumprimento do dever legal, culpa exclusiva da vítima, fato de terceiro e caso fortuito ou força maior.

Por fim, estando presentes os seus pressupostos,e não incidindo nenhuma causa excludente, a responsabilidade civil está configurada, surge a obrigação de reparar o dano.

É importante destacar que o atual Código Civil adota tanto a responsabilidadecivil subjetiva quanto a objetiva, dependendo das situações fáticas.

A responsabilidade civil subjetiva faz-se presente no art. 186, CC, que exige o dolo ou a culpa como fundamento para a obrigação de reparar o dano, conforme Carlos Roberto Gonçalves (2009, p. 24).

Segundo Carlos Roberto Gonçalves (2009, p. 24), a responsabilidade subjetiva subsiste como regra necessária, sem prejuízo da admissão da responsabilidade objetiva, em vários dispositivos. Assim, é possível identificar a incidência da responsabilidade civil objetiva, nos seguintes casos, dentre outros:os arts. 936[28], 937[29] e 938[30], que tratam da responsabilidade civil do dono do animal, do dono e edifício ou construção em ruína e do habitante de prédio do qual caírem as coisas; nos arts. 929 e 930, que prevê a responsabilização por ato lícito (estado de necessidade), e no parágrafo único do art. 927, conforme abaixo:

Art. 927 (...).

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Entretanto, Cavalieri Filho (2010, p. 159) entende que o Código Civil de 2002, embora tenha mantido a responsabilidade civil subjetiva, optou pela responsabilidade objetiva, considerando que são extensas e profundas as clausulas gerais que a consagram, tais como: abuso do direito (art. 187); exercício de atividade de risco ou perigosa (parágrafo único, art. 927); danos por produtos (art. 931); responsabilidade por ato de outra pessoa (art. 932, c/c o art. 933); responsabilidade por fato da coisa e do animal (arts. 936, 937 e 939), dentre outras possibilidades. O autor conclui que mediante tantos casos, pouco sobrou para a responsabilidade subjetiva.

Apesar das divergências, quanto ao tipo de responsabilidade adotada predominantemente pelo Código Civil de 2002, o mais importante a ser observado é que as duas espécies de responsabilidade foram adotadas pela lei civil e não é necessário se fazer uma escolha, pois as duas formas se completam e solucionam os inúmeros casos que envolvem esse tema.

3.2.Dano moral e sua incidência no direito de família

Conforme Yussef Said Cahali[31], com o advento da Constituição Federal de 1988, as divergências sobre a reparação do dano moral caiu por terra, já que a Carta Magna consolidou como direito fundamental no seu art. 5º, inc. V, a indenização por dano moral ou à imagem.

O Código Civil de 2002, por sua vez, prevê o dano moral no seu art. 186, a saber: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligencia ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” (grifo nosso).

E mais adiante ao dispor sobre a responsabilidade civil o Código Civil determina àquele que causar dano a outrem por ato ilícito o dever de repará-lo (art. 927).

Há uma grande discussão na doutrina e na jurisprudência sobre a possibilidade ou não de incidência do dano moral no Direito de Família.

Conforme Dias (2011, p. 118), atualmente, existe uma tendência significativa de ampliação do alcance da responsabilidade civil. De tal forma, a busca pela indenização por danos morais cresceu bastante, onde o dano moral passou a ser visto em, praticamente, qualquer fato que possa gerar desconforto, aflição e sofrimento. Assim, essa tendência acabou afetando as relações familiares.

Assim, o integrante de uma família poderá sofrer lesões provocadas por qualquer um dos seus componentes, a saber o cônjuge, o filho e demais parentes[32]. Entretanto, ainda existe um costume social, proveniente de antigas regras morais que impede que se busquem os tribunais para resolver os atos ilícitos praticados no seio da família, conforme Madaleno (2011, p. 338).

O Estatuto da Criança e do Adolescente traz dispositivos, onde se consolida a proteção imaterial do menor, conforme descrito abaixo:

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. (grifo nosso)

Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.

Quanto à consagração do direito à liberdade, ao respeito e à dignidade, o ECA dispõe no seu art. 15:

Art. 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis.

O Estatuto é claro ao proteger, além da integridade física, a psíquica e moral da criança e do adolescente, conforme expresso abaixo:

Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.

Não obstante todos os avanços na área da reparação civil do dano moral, as opiniões doutrinárias referentes à incidência do dano moral no Direito de Família seguiam cautelosas e bastante divididas. Sempre existiu forte resistência doutrinária e entendimento jurisprudencial contrários à possibilidade de reparação civil no âmbito familiar, pois entediam que o Direito de Família pertence a um ramo especial do Direito Privado, sem espaço para reparação pecuniária, conforme Rolf Madaleno (2011, p. 341).

Entretanto, o Direito de Família evoluiu muito com o advento da Constituição Federal de 1988, consolidando a dignidade de todos os membros da família e abolindo a autoritária e incontestável figura do patriarca. Sendo assim, conforme Graciela Medina[33] não existe qualquer “prerrogativa doméstica a permitir que possa um membro de uma família causar dano doloso ou culposo a outro membro da família e se eximir de responder em virtude do vínculo familiar”.

Paulo Nader (2010, p. 350) afirma que os danos causados nas relações familiais sujeitam-se aos princípios da responsabilidade subjetiva. Sendo assim, cabe à vítima provar os danos, o nexo causal e a conduta dolosa ou culposa do agente, sendo que o ressarcimento poderá ser tanto por danos morais quanto materiais.

O Direito de Família, entendido como o ramo do Direito que regula as relações dos cônjuges, dos companheiros e dos pais e filhos, não pode ser colocado em um pedestal inalcançável pelos princípios da responsabilidade civil, é o entendimento de Regina Beatriz Tavares da Silva[34]. Conforme a autora, ao se cogitar que a família é colocada num plano superior – ao não se admitir a incidência das regras da responsabilidade civil - na verdade, deixa-se de oferecer proteção aos membros de uma família, ao privá-los da utilização do mais relevante instrumento jurídico, o qual assegura as condições existenciais da vida em sociedade: a reparação civil de danos. Além disso, essa vedação estaria transformando os deveres de família em meras recomendações, sem as devidas consequências por sua violação, ao favorecer o seu inadimplemento.

O Código Civil determina que o ressarcimento do dano causado é devido àquele que culposamente violar um dever jurídico de conduzir-se com cautela e diligencia para não lesar outrem (art. 186). Nesse contexto, a reparação é concebida como princípio geral do direito e, portanto, não há empecilhos que impeçam de contemplar os fatos danosos no seio das relações familiares.

Frequentemente, esse assunto é pauta no Poder Judiciário, abordando várias matérias do Direito de Família: pedido de divórcio cumulado com indenização por dano moral; dano moral por rompimento de noivado; por traição; por reconhecimento forçado de paternidade; por abandono afetivo, dentre outros.

Entre as demandas, o abandono afetivo merece especial atenção, mormente por ser objeto de estudo do trabalho em alusão.

3.3 Direito e dever da visita

O Código Civil, seguindo o princípio constitucional do melhor interesse da criança e do adolescente, estabelece no seu art. 1.589:

Art. 1.589. O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação. (grifo nosso)

Já no art. 1.583, § 3º, o legislador ressalta a obrigação que o genitor não guardião possui de cuidar dos interesses da prole: “A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos”. Conforme Rolf Madaleno (2011, p. 436), dessa forma deve mesmo ocorrer, pois no caso da guarda não ser compartilhada, as visitas do genitor não guardião tem o objetivo precípuo de garantir ao filho menor ou incapaz o direito de manter por igual, um saudável e rotineiro vínculo com seu ascendente depois da separação de seus pais e assim, manter uma estabilidade afetiva dos filhos em relação a seus pais.

Paulo Lôbo (2011, p. 196) conceitua o direito de visita em consonância com a Constituição Federal (art. 227) como “o direito recíproco de pais e dos filhos à convivência, de assegurar a companhia de uns com os outros”, e isso é independente da separação. Sendo assim, conforme o autor seria mais correto dizer direito a convivência, ou a companhia, ou ao contato permanente do que direito a visita, unicamente, pois o direito a visita não se limita apenas a encontrar-se com o filho na residência do guardião ou em outro local qualquer. O direito a visita abrange ter o filho em “sua companhia” e, inclusive, o direito/obrigação de fiscalizar sua manutenção e educação, como prescreve o próprio Código Civil no seu art. 1.589.

O referido autor, ainda completa: “O direito de ter o filho em sua companhia é expressão do direito à convivência familiar, que não pode ser restringido em regulamentação de visita. Uma coisa é visita, outra, a companhia ou convivência.”

É notório, nessa discussão, que o interesse primordial do direito a visita é preservar os vínculos afetivos da criança e do adolescente, interpretado conforme o princípio constitucional do melhor interesse da criança, tanto é que o direito de visita não se restringe apenas entre pais e filhos. Conforme Paulo Lôbo “o direito de visita, no sentido de direito à convivência, não se esgota na pessoa do pai não guardião”, nesse mesmo sentido também há o entendimento de Maria Berenice Dias (2011, p. 449):

(...) quanto mais se reconhece a importância da preservação dos vínculos afetivos, vem se desdobrando o direito de visita também a parentes outros. Assim, avós, tios, padrastos, padrinhos, irmãos, etc. podem buscar o direito de conviver, com crianças e adolescentes, quando os elos de afetividade existente merecem ser resguardados.

Conforme Bittencourt[35] o direito de visitas já foi considerado uma prerrogativa reconhecida aos ascendentes de “receberem seus descendentes menores confiados à guarda de um dos pais ou terceiros”. Entretanto, a visita trata-se de um direito dos filhos de manter comunicação contínua e frequente com ambos os pais, assim como traz o dever do ascendente não guardião de supervisionar os interesses dos filhos, por força de lei (§ 3º, art. 1.583, CC).

É importante destacar que quando as visitas representavam um direito, e não uma obrigação dos pais, a ausência deles configurava apenas uma transgressão ao bom-senso, já que não era aconselhável forçar uma visitação nutrida de rejeição e contrariedade, mesmo porque a opção pela visita fica apenas no foro de consciência do visitante[36].

Entretanto, jurisprudência atual tem firmado entendimento que o direito de visitas é um dever sujeito à execução judicial, estando passível, inclusive, de multa através de astreintes (2011, p. 436). Ou seja, os tribunais têm entendido que os pais possuem a obrigação de conviver com os filhos e se agem de modo contrário a esse obrigação, o Estado poderá obriga-los a mudar de conduta, conforme Madaleno (2011, p. 436):

(...) foi-se o tempo equivocado, em que se entendia inútil forçar a espontaneidade do afeto, devendo assim, ser imposta a pena pecuniária para força essa relação que geralmente esconde, de forma impune, um infantil jogo de provação de adultos que, infelizmente não são suficientemente crescidos para perceberem que seus atos infantis afetam negativamente seus filhos, sendo salutar que o Estado-juiz force, através de ameaça financeira, os progenitores sem a guarda a exercerem o direito de visita.

Assim, a visitação passa a ser entendida não é apenas como um direito assegurado ao pai ou à mãe, mas é direito de convivência do próprio filho com os pais, o que reforça os vínculos paterno e materno-filial. Segundo Maria Berenice Dias (2011, p. 447) talvez o melhor fosse o uso da expressão direito de convivência, pois é isso que deve ser preservado mesmo quando pai e filho não vivem sob o mesmo teto. Também é salutar destacar que o direito de visitas é um direito de personalidade, na categoria do direito à liberdade, pelo qual o indivíduo, no seu exercício, recebe as pessoas com quem quer conviver[37].

Para Denise Bruno Duarte[38], o direito de visitas é o direito da criança de manter contato com o genitor com o qual não convive, cotidianamente, havendo o dever do pai de concretizar esse direito. Conforme Guilherme Calmon[39], a causa da ruptura da sociedade conjugal é irrelevante para a fixação de visitas, pois principal interesse a ser resguardado é o do filho, prioritariamente, com o propósito de atenuar a perda da convivência diuturna na relação parental.

Nessa perspectiva, a convivência entre pais e filhos é direito, mas gera, igualmente, obrigações ao genitor não guardião, conforme Paulo Lôbo (2011, p. 198). Também sobre essa questão, Paulo Nader (2001, p. 261) ensina que:

O direito de visita é irrenunciável, pois o interesse em questão é, sobretudo, dos filhos, que carecem da presença e do convívio de seus pais. Esse direito é considerado líquido e certo e enseja mandado de segurança, a fim de assegurar o seu exercício.

Assim, conforme os ensinamentos de Paulo Lôbo (2001, p. 197) “a fiscalização ou supervisão do exercício da guarda, por parte do não guardião, é direito e dever, no superior interesse do filho”, de forma que o cuidado diz respeito a tudo o que envolve as necessidades vitais do filho, dentre elas a alimentação adequada, cuidados com saúde física e mental, lazer, brinquedos, educação, dentre outros. Assim, fiscalização dos interesses do filho ultrapassa a mera obrigação pecuniária para suprir alimentos da prole.

Também é válido lembrar que o direito de visita, enquanto direito à companhia, não deve ser imposto quando o filho não o deseja, pois poderão existir fundadas razões para essa repulsa, como o abuso sexual ou violência física praticada pelo não guardião, conforme ensina Paulo Lôbo (2011, p. 197).

Entretanto, essa repulsa em relação ao não guardião deverá ser bem investigada pelo juiz, pois poderá ocorrer em virtude da Síndrome da Alienação Parental (SAP), expressão criada, em 1985, pelo professor Richard Gardner, do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Columbia, em Nova York, EUA, conforme Stolze e Pamplona Filho (2012, p. 613).

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

A Síndrome da Alienação Parental refere-se a um distúrbio que atinge crianças e adolescentes vítimas da interferência psicológica indevida de um dos pais com o objetivo de fazer com que o filho repudie o outro genitor, ainda seguindo os autores[40].

Assim sendo, no ordenamento jurídico brasileiro, a visita assume caracteres distintos em relação a pais e filhos. Para os filhos a visita possui natureza de direito natural de convivência com ambos os pais, não importando o vínculo que se rompeu ou que se quer existiu entre os genitores. Por outro lado, em relação aos pais, a visita assume duas naturezas, a de direito de acompanhar o desenvolvimento da prole e tê-la em sua companhia, e ao mesmo tempo o dever de visitas, o dever de cuidar, de assegurar que os interesses vitais para o desenvolvimento físico e psíquico do filho estão sendo respeitados.

Nessa conjuntura, o direito e dever de visitas objetiva o superior interesse da prole, onde a visita assume um largo significado e não se limita a uma singela faculdade que o não guardião possui de visitar o filho ou acomodá-lo por uns dias intercalados em sua casa. A visita, como direito à convivência, impõe um  dever e direito de contínua comunicação e relacionamento com o filho e seu ascendente não guardião, incluindo a educação e formação, assim como a participação nas atividades rotineiras da vida da prole, conforme os ensinamentos de Holf Madaleno (2011, p. 437).

Com esse entendimento, prevalece o respeito à dignidade humana do filho em desenvolvimento, conforme ensina Madaleno (2011, p. 437), o que enseja a possibilidade de punição, através da obrigação de indenização em face do descumprimento dos deveres paterno-filiais, cuja inobservância tenha gerado dano moral ao filho.

Assim, a fiscalização ou supervisão dos interesses do filho, o próprio direito/dever de visitas, previstos no código civil, assumem o caráter de obrigação para o pai ou mãe não guardião.  Essas providências deixam de ser optativas e assumem um caráter objetivo, que pode ser verificado através da prestação efetiva da assistência material, afetiva, psicológica, social dos pais em relação à prole.

3.4 Abandono afetivo

Tem sido objeto de demandas judiciais os casos provenientes do que a doutrina convencionou chamar de abando afetivo. Abandono afetivo pode ser entendido como o caso em que o pai ou a mãe deixar de prestar a assistência física e psíquica ao filho, ou seja, por vontade própria o genitor deixa de conviver com a prole.

Os partidários do entendimento sobre a possibilidade de indenização em face do abandono afetivo sustentam seus argumentos baseados na concepção de que dentre as diversas obrigações dos pais em relação à prole está a assistência moral, psíquica e social que são proporcionadas através da contínua convivência com o filho. Nesse contexto, também é observado o descumprimento do direito-dever de visitas o que impossibilita a convivência saudável entre pais e filhos. Assim, quando essas obrigações não são cumpridas quando o pai ou mãe se limita a prestar unicamente a assistência material à prole e esse abandono ocasiona intenso sofrimento ao filho, surge então obrigação de reparação do dano moral pela prática de ato contrário ao ordenamento jurídico.

Já os que se contrapõem à possibilidade indenização sustentam que essa opção caracterizaria uma indevida capitalização do afeto, ou seja, estaria se estipulando um valor financeiro pelo afeto. Isso ocasionaria a desvirtuação da essência do afeto, pois o Judiciário não possui ferramentas para obrigar alguém a amar outro, ainda que seu filho. Nesse sentido, o abandono afetivo não configuraria ato contrário à lei, pois o afeto não poderia ser considerado uma obrigação jurídica sob controle do Estado.

Conforme Regina Beatriz Tavares da Silva[41] não é falta de amor em si que acarreta a obrigação de indenizar, e sim o preenchimento dos requisitos da responsabilidade civil nestes casos, quais sejam: descumprimento intencional e injustificado dos deveres dos genitores de educar e ter os filhos em sua companhia, ou seja, o desrespeito ao direito destes à convivência familiar, além do nexo entre esta omissão ou negligência e o dano comprovado à figura dos filhos através de perícia. Eis a lição da autora:

(...) amar não é dever ou direito no plano jurídico. Portanto não há qualquer ilicitude na falta de amor. Quem deixa de amar, numa relação de família, não pratica ato ilícito. (...) O abandono do filho, desde que seja voluntário e injustificado, configura violação ao dever do pai de ter o filho em sua companhia. Essa conduta desrespeita o direito do filho à convivência familiar. Aí reside a ação ou omissão, um dos requisitos da responsabilidade civil. Se dessa conduta resultam danos ao filho (...) estarão preenchidos os outros requisitos da responsabilidade civil: nexo causal e dano. A falta de afeto ou de amor não pode gerar a condenação paterna no pagamento de indenização ao filho, mas, sim, o ato ilícito acima descrito.

Paulo Lôbo (2011, p. 310), define abandono afetivo como o “fato de o pai, que não convive com a mãe, contentar-se em pagar alimentos ao filho, privando-o de sua companhia”.

Conforme Madaleno (2011, p. 375):

Dentre os inescusáveis deveres paternos figura o de assistência moral, psíquica e afetiva, e quanto os pais ou apenas um deles deixar de exercitar o verdadeiro e mais sublime de todos os sentidos da paternidade, respeitante à integração do convívio e entrosamento entre pai e filho, principalmente quando os pais são separados, os nas hipóteses de famílias monoparentais, onde um dos ascendentes não assume a relação fática de genitor, preferindo deixar o filho no mais completo abandono, sem exercer o direito a visitas, certamente afeta a higidez psicológica do descendente rejeitado. (grifo nosso)

O princípio da paternidade responsável estabelecida no art. 226 da Constituição Federal não se limita apenas ao cumprimento do dever de assistência material. Esse princípio também abrange a assistência moral, que é dever jurídico, onde o seu descumprimento enseja a reparação indenizatória, conforme entendimento de Paulo Lôbo (2011, p. 312).

O art. 227 da Constituição Federal consagra o princípio do superior interesse da criança e do adolescente ao garantir-lhes o direito com absoluta prioridade  à vida, à saúde, à educação, ao lazer, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar,que são direitos que integram a personalidade, cuja rejeição provoca dano moral. Assim, crianças e adolescentes foram transformados em sujeitos de direito contemplados com um imenso rol de garantias e prerrogativas,conforme Lôbo (2011, p. 312) e Dias (2011, p. 459).

O Estatuto da Criança e do Adolescente assegura no seu art. 7º, além do direito a proteção à vida e à saúde, igualmente o direito ao “desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência”.Da mesma forma estabelece no art. 19 que“Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família”.

Assim, no entendimento de Maria Berenice Dias (201, p. 460):

A convivência dos filhos com os pais não é direito, é dever. Não há direito de visitá-lo, há obrigação de conviver com ele. O distanciamento entre pais e filhos produz sequelas de ordem emocional e pode comprometer o seu sadio desenvolvimento. O sentimento de dor e de abandono pode deixar reflexos permanentes em sua vida. (grifo nosso)

Nesse mesmo sentido está o entendimento do ilustre doutrinador Rolf Madaleno (2011, p. 375) sobre a obrigatoriedade da convivência dos pais para com a prole, que assevera “as visitas são como um direito-dever dos pais não conviventes para com seus descendentes menores, não emancipados e com os maiores incapazes”.

Rolf Madaleno (2011, p. 375) ainda explica que no passado, as visitas já foram consideradas prerrogativa ou faculdade do genitor não guardião de receber seus filhos sob a custódia do outro genitor. Esse entendimento durou muitos anos e foi responsável pelo enorme equívoco até hoje presente e responsável, em parte, pela geração de um sem-número de abandonos morais e afetivos de pais que veem nas visitas apenas a faculdade, desconsiderando o seu caráter de direito fundamental do filho, de compartilhar a saudável convivência com seus ascendentes.

Dessa forma, a convivência familiar através das visitas configuram um direito dos filhos e um direito-dever dos pais em relação a estes, pois essa comunicação é fundamental para a saudável formação psíquica e moral das crianças e adolescentes.

Nesse sentido, temos os apontamentos de Maria Berenice Dias (2011, p. 460), onde a autora explica que a falta de convívio dos pais com os filhos, em virtude do rompimento do elo de afetividade, pode gerar severas sequelas psicológicas e comprometer seu desenvolvimento saudável. De tal forma, quando o genitor se omite em cumprir as obrigações decorrentes do poder familiar, ao deixar de atender ao dever de convivência com o filho, essas atitudes produzem danos emocionais que fazem jus a reparação.

Ainda seguindo Dias (2011, p. 460), essa “a ausência da figura do pai desestrutura os filhos, tira-lhes o rumo da vida e debita-lhes a vontade de assumir um projeto de vida. Tornam-se pessoas inseguras e infelizes.Sendo assim, a comprovação que o abandono paterno causou tais danos tem gerado o reconhecimento da obrigação de reparação civil do dano afetivo.

Segundo Paulo Nader (2010, p. 365), quanto ao abandono afetivo, ao se verificar o dano, surge para o filho o direito de reparação contra o genitor, em tese, pois a questão é muito complexa, pois requer: a identificação do dano; a definição da conduta do pai; a certeza do nexo de causalidade, que a conduta do pai originou o dano; e o dolo ou culpa, pois se trata de responsabilidade extracontratual subjetiva. Nesse contexto, é fundamental que a conduta do indigitado tenha sido intencional ou decorrente de negligência ou imprudência.

O abandono afetivo é o inadimplemento dos deveres jurídicos de paternidade. Sua área transcende a moral, pois o direito chamou para si esse emblemático tema e lhe confere consequências jurídicas que não podem ser esquecidas, conforme ensina Paulo Lôbo (2011, p. 312).Sendo assim, conclui o referido autor, existe a possibilidade de incidência da responsabilidade civil para aquele que descumpre essa obrigação inerente ao poder familiar.

A negligência enseja até a perda do poder familiar, por configurar o abandono (art. 1.683, II, CC). Porém, nesse caso específico de abandono afetivo, esse penalidade não parece a melhor opção, pois esta poderá significar uma bonificação e não uma penalidade, conforme Maria Berenice Dias (2011, p. 461). Assim, quem abandona não está mesmo interessado em preservar o seu poder familiar sobre o filho, caso contrário, não o abandonaria.

Também é o entendimento de Teixeira[42]: (...) se uma criança veio ao mundo – desejada ou não, planejada ou não – os pais devem arcar com a responsabilidade que esta escolha (consciente ou não) lhes demanda”.

Conforme Maria Berenice Dias (2011, p. 462) é imperioso reconhecer o caráter didático dessa nova orientação, despertando a atenção para o significado do convívio entre pais e filhos. Ainda que os pais estejam separados por causas diversas, a necessidade afetiva a ser assegurada aos filhos passou a ser reconhecida como bem jurídico tutelado.

Assim, o dano à dignidade humana do filho em processo de desenvolvimento dever ser passível de reparação material, não unicamente para que as obrigações parentais omitidas não fiquem impunes, mas, principalmente, para que qualquer inclinação ao irresponsável abandono afetivo, no futuro, possa ser dissuadida pelo posicionamento do Poder Judiciário, ao mostrar que o afeto tem valor jurídico e também valor alto na nova concepção de família[43].

O abandono afetivo cria uma evidente carência afetiva, assim como traumas e agravos morais, cujo peso atinge e restringe o desenvolvimento mental, físico e social do filho, que sofre a injusta repulsa pública que o próprio pai faz conscientemente.

Essa ação deve gerar o direito à reparação integral do agravo moral sofrido pela negativa paterna do direito que tem o filho à convivência saudável e referência paternal que priva a prole de “um espelho que deveria seguir e amar”, conforme bem explica Rolf Madaleno (2011, p. 376).

Conforme, Regina Beatriz Tavares da Silva[44], nas relações entre pais e filhos, principalmente quanto ao cumprimento dos deveres inerentes ao poder familiar, tais como a obrigação de guarda, sustento e educação da prole, também se aplicam os princípios da responsabilidade civil. Assim, o pai ou mãe que descumprir esses deveres causam danos morais ou materiais aos filhos, estando sujeitos ao pagamento de indenização.

A fundamentação legal do direito a indenização em face do abandono afetivo se sustenta principalmente na cláusula geral de proteção à dignidade humana; no art. 227, da CF, que consagra a proteção da criança e do adolescente com absoluta prioridade, estabelecendo como dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, dentre outros direitos fundamentais, o direito à convivência familiar, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Também encontra fundamento noart. 5º, caput, inciso X e § 2º da CF, que estabelece a inviolabilidade dos direitos da personalidade e o direito à indenização pelo dano moral e material decorrente de sua violação.

A possibilidade de indenização em face do abandono afetivo é importante pelo caráter punitivo ao ofensor e, ao mesmo tempo possui caráter educativo e preventivo de futuras práticas dessa natureza, para reforçar esse entendimento Rolf Madaleno (2011, p. 377) explica:

A condenação de hoje pelo dano moral causado no passado, tem imensurável valor propedêutico para evitar ou arrefecer o abandono afetivo do futuro, para que pais irresponsáveis pensem duas vezes antes de usar seus filhos como instrumento de vingança de suas frustrações amorosas.

Embora possa até ser dito que não há como o Judiciário obrigar amar, da mesma forma deve ser observado que o Judiciário não pode se omitir de tentar acabar com essa cultura de impunidade que permanece no ordenamento jurídico brasileiro desde os tempos em que as visitas representavam mera faculdade que os pais tinham ou mesmo era considerada um direito do adulto em relação aos filhos e não como o é  hoje um claro e incontestável dever que os genitores possuem de proporcionar aos filhos a convivência familiar contínua, conforme expressa Rolf Madaleno (2011, p. 377).

É importante destacar que nenhuma quantia em dinheiro seria suficiente para compensar a ausência, a frieza, e mesmo o desprezo de um pai ou mãe que abandona seu filho ao longo de anos.

Entretanto, é necessário compreender que a estipulação de uma indenização tem um significativo e necessário caráter punitivo e pedagógico, na perspectiva da função social da responsabilidade civil no ordenamento jurídico brasileiro. Nesse sentido, a indenização serve para impedir a consagração do paradoxo de se impor ao pai ou mãe autor desse grave comportamento danoso, simplesmente, a perda do poder familiar, pois, para o genitor que abandona o filho essa pena funcionará como um imenso favor[45].

O objetivo que justifica a existência das leis é exatamente obrigar pessoas a agir de modo consoante aos princípios norteadores da sociedade, ou seja, colocar limites nas pessoas. De tal forma, simplesmente estabelecer regras sem sanção para quem agir em contrário não surtiria nenhum efeito. Portanto, no Direito, para todo regramento jurídico deve haver uma sanção correspondente.

Dessa forma, estampar o mandamento que os pais devem cuidar de seus filhos porque assim é o correto, natural e está previsto em lei sem cominar nenhuma sanção para quem não cumprir esse dever é um estímulo à ineficácia da norma.Portanto, deixar que conferir penalidadegenitor é o mesmo que premiar o abandono afetivo.

Assim, se um genitor não quiser cumprir suas obrigações em virtude do poder familiar, que inclui não só dar assistência material a prole, mas também conviver, participar da vida social e afetiva dos filhos, dando-lhes afeto, a lei não poderá obrigá-los a agir exatamente dessa maneira. Entretanto, o Direito tem o dever de dizer que isso não está correto e que essaconduta pode abalar a formação humana dessas crianças ou adolescentes abandonadas.

E a forma que o Direito possui, nesse caso, de dizer que a conduta é reprovável juridicamente será através da obrigação de reparação do dano causado, ou seja, através de indenização, que nada mais é que uma sanção compensatória, pois reparar o dano sofrido por um filho abandonado seria impossível.

3.5 Entendimento dos tribunais

Inicialmente é importante ressaltar que a possibilidade de indenização em face do abandono afetivo ou abandono paterno-filial ou, ainda, teoria do desamor, na doutrina e na jurisprudência brasileira não é pacífica, o tema suscita muitas opiniões dentre os renomados especialistas no Direito de Família.

As divergências são grandes, principalmente pelo fato da matéria ainda não ter sido apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, por isso as decisões judiciais nos tribunais brasileiros que já apreciaram os casos que traziam como demanda o abandono afetivo de filhos não são uniformes.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já havia apreciado a matéria em 2005, através do julgamento do REsp nº 757411/MG, e negou a concessão de reparação indenizatória pelo abandono afetivo.

Conforme Flávio Tartuce (2011, p. 230), em sua obra Novas Tendências e Julgamentos Emblemáticos, afirma que esse tema ganhou relevo quando do julgamento do caso Alexandre Fortes, referente ao REsp nº 757411/MG acima citado,que teve destaque na imprensa nacional.

Em 2004, Tartuce (2011, p. 230) comenta que o extinto Tribunal de Alçada de Minas Gerais, em sede de recurso, entendeu pela possibilidade de indenização por abandono paterno-filial, em decorrência de violação à dignidade humana, que encontra proteção jurídica no art. 1º, inc. III, da Constituição Federal, conforme ementa do voto do relator Unias Silva[46]:

Dano moral - relação paterno-filial - abandono - princípios da dignidade da pessoa humana e da afetividade - indenização devida. "Indenização. Danos morais. Relação paterno-filial. Princípio da dignidade da pessoa humana. Princípio da afetividade. A dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno, que o privou do direito à convivência, ao amparo afetivo, moral e psíquico, deve ser indenizável, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana." (TAMG – 7ª Câmara Cível. Apelação Cívil 408.550-5  - Rel. Unias Silva - DJMG 29.04.2004).

Nesse caso, o TAMG reformou a decisão de primeira instância e o pai foi condenado a pagar uma indenização no valor de duzentos salários-mínimos ao filho por tê-lo abandonado afetivamente. O abandono porque, após a separação com a mãe do autor da ação, o pai veio a contrair novo casamento e com o nascimento da filha dessa nova relação, o pai passou a privar o filho de sua convivência. Apesar disso, o pai continuou prestando a assistência material, através do pagamento de pensão alimentícia, o abandono foi de natureza afetiva[47].

Contudo, essa decisão foi reformada pelo STJ, em 29 de novembro de 2005, afastando a condenação por danos morais contra o pai, o julgamento teve como relator Ministro Fernando Gonçalves[48]:

Responsabilidade civil – Abandono moral – Reparação – Danos morais – Impossibilidade. 1. A indenização por abandono moral pressupõe a prática de ato ilícito, não rendendo ensejo à aplicabilidade da norma do art. 159 do Código Civil de 1916 o abandono afetivo, incapaz de reparação pecuniária. 2. Recurso especial conhecido e provido.

Conforme os comentários sobre o julgamento feito por Tartuce (2011, p. 230), o primeiro argumento utilizado na decisão foi a não caracterização da conduta do pai como ato ilícito ao abandonar afetivamente o filho. O segundo argumento consiste na impossibilidade de imposição do afeto na relação parental, não sendo o caso da existência de um dever jurídico.

Contudo, o referido julgamento do STJ não conseguiu encerrar o debate sobre esse tema, tanto que no decorrer dos anos foram surgindo outros julgados concedendo a reparação civil por abandono afetivo e outros negando.

A maioria dos entendimentos dos Tribunais foi no sentido da impossibilidade da concessão de indenização pelo abandono afetivo, conforme descrito no item 3.3.1., até o ano de 2012, quando em 29 de abril a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça reconheceu o dano moral em virtude de abandono afetivo, no julgamento do Recurso Especial[49] nº 1.159.242 – SP (2009/0193701-9), a ser abordado no item 3.3.3.

3.5.1 Entendimentos Contrários

Os julgamentos contrários à responsabilização civil, em face do abandono afetivo paterno, utilizam como principal fundamento para a decisão denegatório a impossibilidade do judiciário para forçar uma pessoa  gostar ou amar alguém.

Tribunal de Justiça de São Paulo  -  Apelação APL 171419520108260482 SP[50], publicada em 16/05/2012:

Ementa: Indenização Moral? Abandonoafetivo? Prova pericial indeferida? Não interposição do recurso cabível O abandonoafetivo sem que indique conduta ilícita ou mesmo intenção deliberada de prejudicar, não dá ensejo a indenização por dano moral ? Sentença mantida Recurso improvido.

Tribunal de Justiça de São Paulo   -  Apelação APL 9199720772009826 SP[51], publicada em 24/02/2012:

Ementa: INDENIZAÇÃO. Danos morais. Abandonoafetivo. Filho que afirma ter sofrido graves transtornos psicológicos ante a falta da figura paterna. Ordenamento jurídico que não prevê a obrigatoriedade do pai em amar seu filho. Recurso desprovido.

 Tribunal de Justiça de São Paulo -  Apelação APL 61386520088260272 SP[52], publicada em 19/07/2011:

Ementa: INDENIZAÇÃO DE DANOS MORAIS ABANDONOAFETIVO RECONHECIMENTO DE PATERNINDADE APENAS COM AJUIZAMENTO DE SEGUNDA AÇÃO DANOS MORAIS INEXISTENTES NÃO DEMONSTRAÇÃO DE QUE A AUSÊNCIA DA FIGURA DO PAI ACARRETOU DANOS EMOCIONAIS PASSÍVEIS DE INDENIZAÇÃO DIANTE DA FIGURA DO PADASTRO, COM QUEM A GENITORA DO AUTOR-APELANTE CONTRAIU NUPCIAS QUE EDUCOU O SEU ENTEADO COMO SE FILHO FOSSE SENTENÇA MANTIDA RECURSO IMPROVIDO.

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul-  Apelação Cível AC 70044341360 RS[53],publicada em 28/11/2011:

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE VISITA PATERNA COM CONVERSÃO EM INDENIZAÇÃO POR ABANDONO AFETIVO. EXTINÇÃO DO PROCESSO POR IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. A paternidade pressupõe a manifestação natural e espontânea de afetividade, convivência, proteção, amor e respeito entre pais e filhos, não havendo previsão legal para obrigar o pai visitar o filho ou manter laços de afetividade com o mesmo. Também não há ilicitude na conduta do genitor, mesmo desprovida de amparo moral, que enseje dever de indenizar. APELAÇÃO DESPROVIDA.

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul -  Apelação Cível AC 70041619511 RS[54],publicada em05/04/2012:

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. FAMÍLIA. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ABANDONO AFETIVO NÃO DEMONSTRADO. DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA. A reparação de danos que tem por fundamento a omissão afetiva, no âmbito do direito de família, é sabidamente de interpretação restritiva, pois que, visando a traduzir o afeto humano em valor monetário, é marcada por enorme subjetividade, e não se configura pelo simples fato de os pais não terem reconhecido, de pronto, o filho. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70041619511, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,...

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul -  Apelação Cível AC 70045481207 RS (TJRS)[55],publicada em  02/04/2012:

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR ABANDONO MATERIAL, MORAL E AFETIVO. ABALO EMOCIONAL PELA AUSÊNCIA DO PAI. O pedido de reparação por dano moral no Direito de Família exige a apuração criteriosa dos fatos e o mero distanciamento afetivo entre pais e filhos não constitui situação capaz de gerar dano moral, nem implica ofensa ao (já vulgarizado) princípio da dignidade da pessoa humana, sendo mero fato da vida. Embora se viva num mundo materialista, nem tudo pode ser resolvido pela solução simplista da indenização, pois afeto não tem preço, e valor econômico nenhum poderá...

Tribunal de Justiça de Santa Catarina -  Apelação Cível AC 233442 SC[56], publicada em 10/06/2010:

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ALEGADO ABANDONO AFETIVO DO FILHO PELO PAI. QUADRO NÃO CARACTERIZADO. INDENIZAÇÃO INCABÍVEL. RECLAMO CONHECIDO E DESPROVIDO. É imprescindível ter cautela e reflexão ao analisar um pedido de indenização por danos morais por abandono afetivo de pai ao filho, pois constitui dever do Poder Judiciário tentar, de todas as formas, preservar a relação familiar entre pai e filho e, em caso de estar ela abalada, evitar o agravamento ou o fosso que separa genitor e gerado. Assim, uma eventual condenação à indenização por danos morais poderia afastar definitivamente o pai do filho, acarretando prejuízo de relevante monta para o convívio futuro das partes ¿ ou pela falta deste. Ademais, não se pode incentivar o nexo direto entre as relações afetivas e a sua patrimonialização, pelo simples fato de que as primeiras são muito mais valiosas e não merecem ser reduzidas a um valor meramente pecuniário, principalmente quando se vislumbram traços de ânimo de caráter vingativo, ou de represália.

Tribunal de Justiça do Distrito Federal -  APELACAO CIVEL APC 20050610110755 DF[57],publicada em 07/04/2008:

Ementa: DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ABANDONO AFETIVO POR PARTE DO GENITOR. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. IMPOSSIBILIDADE.1. "A INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL PRESSUPÕE A PRÁTICA DE ATO ILÍCITO, NÃO RENDENDO ENSEJO À APLICABILIDADE DA NORMA DO ART. 159 DO CÓDIGO CIVIL DE 1916 O ABANDONO AFETIVO, INCAPAZ DE REPARAÇÃO PECUNIÁRIA... (RESP 757411 / MG, 4ª TURMA, RELATOR MINISTRO FERNANDO GONÇALVES, DJ 27.03.2006 P. 299)".159CÓDIGO CIVIL DE 19162. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.

Tribunal de Justiça de São Paulo - Apelação Cível: AC 5995064900 SP[58], publicada em 18/12/2008:

Indenização. Dano moral. Abandono afetivo do genitor. Ausência de ato ilícito. Ao relacionamento desprovido de vínculo afetivo entre pai e filho não se atribui dolo ou culpa aptos a ensejar reparação civil. Inexistência de ato ilícito no âmbito do direito obrigacional. Indenização indevida. Recurso provido. .

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul - Apelação Cível AC 70024047284 RS[59], publicada em 26/06/2008:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE CUMULADA COM AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS DECORRENTES DE ABANDONO AFETIVO. INOCORRÊNCIA. Sendo subjetiva a responsabilidade civil no Direito de Família, o dever de indenizar pressupõe o ato ilícito. Não se pode reputar como ato ilícito o abandono afetivo de quem desconhecia a qualidade de pai, porquanto não há nos autos qualquer prova de que o pai haja sido comunicado de tal possibilidade antes da citação na ação ajuizada pelo investigante quando já contava com mais de 25 (vinte e cinco) anos, devendo ser valorado o comportamento processual do pai, enquanto investigado, pois colaborativo com a elucidação da paternidade.APELO NÃO PROVIDO. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº 70024047284, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Alzir Felippe Schmitz, Julgado em 20/06/2008)

Tribunal de Justiça do Estado de Rio Grande do Sul[60] – Apelação Cível 70044265460 RS, publicada em05/12/2011:

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE CUMULADA COM ALIMENTOS E INDENIZAÇÃO POR ABANDONO AFETIVO. PARCIAL PROCEDÊNCIA. Reconhecida a paternidade e considerando que houve oferta de alimentos em valor superior ao fixado, redimensiona-se os alimentos para o patamar de 40% do salário mínimo, considerando os fortes indícios de que o valor declarado na CTPS não representam a real remuneração do alimentante. Considerando a tenra idade da criança, e as circunstâncias todas que envolvem seu nascimento e reconhecimento da paternidade, não se cogita, ainda, de abandono afetivo,...

3.5.2 Entendimentos Favoráveis

O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº. 757.411/MG- 2005, como já abordado, reformou a decisão a decisão do extinto Tribunal de Alçado do Estado de Minas Gerais que concedeu indenização em face do abandono afetivo. Para ressaltar, segue abaixo segue ementa do julgamento que teve como Relator o Desembargador Unias Silva:

INDENIZAÇÃO DANOS MORAIS - RELAÇÃO PATERNO-FILIAL - PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE O dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno, que o privou do direito à convivência, ao amparo afetivo, moral e psíquico, deve ser indenizável, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana.[...] Assim, a família não deve mais ser entendida como uma relação de poder, ou de dominação, mas como uma relação afetiva, o que significa dar a devida atenção às necessidades manifestas pelos filhos em termos, justamente, de afeto e proteção. Os laços de afeto e de solidariedade derivam da convivência e não somente do sangue. No estágio em que se encontram as relações familiares e o desenvolvimento científico, tende-se a encontrar a harmonização entre o direito de personalidade ao conhecimento da origem genética, até como necessidade de concretização do direito à saúde e prevenção de doenças, e o direito à relação de parentesco, fundado no princípio jurídico da afetividade. (Apelação Cível 2.0000.00.408550-5/000(1), da Sétima Câmara Cível. TJ/MG. Relator Des. Unias Silva. DJ 29 abr. 2004)

Apesar do entendimento contrário do STJ, os tribunais continuaram a proferir decisões favoráveis à causa, conforme abaixo:

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro[61] – 2007, em decisão favorável:

Apelação Cível. Ação indenizatória. Dano moral causado pelo pai, por maus tratos e abandono afetivo à autora. Ação de improcedência. Improvimento do apelo. A Constituição Federal, de 05/10/88 (art. 227), e o Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei n. 8.069/90 (art. 4.), adotaram, no ordenamento pátrio, a Doutrina da Proteção Integral da Criança e do Adolescente, que assegura,com absoluta prioridade, a proteção dos direitos infanto-juvenis, os quais não se limitam à guarda, sustento e educação, inerentes ao exercício do poder familiar (antigo pátrio poder), na forma prevista no Código Civil. Assim,o dever-poder dos pais, de forma concorrente com o Estado e a sociedade, inclui, além daqueles, a garantia de direitos outros,dentre eles, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar, além de colocá-los "a salvo de toda a forma de negligência, discriminação,exploração,violência, crueldade e opressão". Não bastaria a Constituição e a lei prevê a garantia de tais direitos, impondo a proteção integral também aos pais,sem que autorizasse, em consequência, a devida punição dos mesmos pela infringência de tais normas. A evolução social e cientifíca, ao reconhecer que as necessidades do homem vão além das materiais e físicas, incluindo as emocionais e psíquicas, refletiu no ordenamento jurídico pátrio, que passou a contemplar normas que protegem os direitos expatrimoniais e, consequentemente, as que punem a infringência dos mesmos. Assim, não se pode limitar a aplicação do art. 159 do Código Civil/16, que tem no art. 186, correspondente no novo Código Civil/02, a inclusão do dano moral no rol dos atos ilícitos, passíveis de indenização. Com fulcro em tais fundamentos, este Colegiado se filia à corrente que entende possível a condenação dos genitores por danos morais causados a filho (os), quando devidamente comprovados em cada caso concreto, trazido ao exame do Judiciário.(grifo nosso)

Tribunal de Justiça do estado do São Paulo[62] - 2008, em decisão favorável:

Responsabilidade Civil - Dano moral - Autor abandonado pelo pai desde a gravidez da sua genitora e reconhecido como filho somente após propositura de ação judicial. Discriminação em face dos irmãos. Abandono moral e material caracterizados. Abalo psíquico. Indenização devida. Sentença reformada. Recurso provido para este fim.

Tribunal de Justiça do estado do Rio Grande do Sul-2008, em decisão favorável:

Responsabilidade civil - abandono moral - indenização devida "Apelação cível. Indenização. Danos materiais e morais. Abandono do filho. Falta de amparo afetivo e material por parte do pai. Honorários advocatícios. Redimencionamento. A responsabilidade civil, no direito de família, é subjetiva. O dever de indenizar decorre do agir doloso ou culposo do agente. No caso, restando caracterizada a conduta ilícita do pai em relação ao filho, bem como o nexo de causalidade e o dano, cabe indenização por danos materiais e morais. Nas demandas condenatórias, a verba honorária deve incidir sobre o valor da condenação. Inteligência do art. 20, § 3º, do CPC. Recurso do autor parcialmente provido. Apelação do requerido improvida." (TJRS - AC 70021427695 - 8ª C.Cív. - Rel. Des. Claudir Fidelis Faccenda - J. 29.11.200711.29.2007) - (Ementário de jurisprudência, 2008, p.33).

Tribunal de Justiça do Espírito Santo[63] - 2010,em decisão favorável:

APELAÇÃO CÍVEL Nº 015096006794APELANTE: CARLA DOS SANTOS FERNANDES APELADO: PAULO CEZAR FRANÇA CABRALRELATOR: DES. SUBST. FERNANDO ESTEVAM BRAVIN RUY          A C Ó R D Ã OEMENTA: PROCESSO CIVIL - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - GENITOR - ABANDONO MORAL E FALTA DE AFETO - PEDIDO JURIDICAMENTE POSSÍVEL -  SENTENÇA ANULADA - PROSSEGUIMENTO REGULAR DO FEITO - RECURSO PROVIDO.1. O pedido de reparação por danos morais sofridos é um pedido juridicamente possível e reconhecido pelo nosso ordenamento jurídico.2. No caso de pedido de indenização por danos moral em decorrência de abandono moral e falta de afeto por parte do genitor, é necessária a caracterização dos elementos ensejadores da responsabilidade civil, quais sejam, o dano experimento pela filho, o ato ilícito praticado pelo pai, e liame causal que conecta os referidos elementos.3. Impõe-se a remessa dos autos à instância de origem, a fim de propiciar a angularização do processo, citando-se o réu/apelado para exercer o contraditório e a ampla defesa, bem como proceder a dilação probatória necessária ao deslinde da quaestio.4. Recurso conhecido e provido.VISTOS, relatados e discutidos, estes autos em que estão as partes acima indicadas. ACORDA a Egrégia Segunda Câmara Cível, na conformidade da ata e notas taquigráficas que integram este julgado, à unanimidade de votos, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, anulando a sentença objurgada e determinando o retorno dos autos à instância de origem, para o seu regular processamento.Vitória(ES), de 2010. DES. PRESIDENTE DES. RELATORPROCURADOR DE JUSTIÇA(TJES, Classe: Apelação Cível, 15096006794, Relator: ÁLVARO MANOEL ROSINDO BOURGUIGNON - Relator Substituto : FERNANDO ESTEVAM BRAVIN RUY, Órgão julgador: SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, Data de Julgamento: 21/09/2010, Data da Publicação no Diário: 11/11/2010)

 Tribunal de Justiça do Estado do São Paulo[64] - 2011, em decisão favorável:

Ementa:Indenização por danos morais. Alegado abandonoafetivo imputado ao requerido,genitor da autora, reconhecida como filha após ação de investigação de paternidade.Sentença de improcedência. Peculiaridade da indenização pleiteada que torna imprescindível a prova pericial. Necessidade de se perquirir acerca da extensão e repercussão do dano psicológico. Sentença anulada para prosseguimento da instrução. Recurso provido.

Tribunal de Justiça do Estadodo Paraná[65]- 2012, em decisão favorável:

I ­ APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS DECORRENTE DE ABANDONO AFETIVO. SENTENÇA QUE JULGA IMPROCEDENTE O PEDIDO INICIAL SOB O FUNDAMENTO DE AUSÊNCIA DE ATO ILÍCITO.II ­ CERTIDÃO NO DISTRIBUIDOR ONDE CONSTA DIVERSAS AÇÕES DE ALIMENTOS AJUIZADAS PELA AUTORA.III ­ ATO ILÍCITO CARACTERIZADO. DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE À CONVIVÊNCIA FAMILIAR. ART. 227 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.227, CONSTITUIÇÃO FEDERAL. IV ­ DANO MORAL. DEVER DE INDENIZAR. PRECEDENTES DESTE TRIBUNAL.V ­ VALOR DA INDENIZAÇÃO FIXADO EM R$5.000,00.VI - RECURSO PROVIDO.

3.5.3 Entendimento STF

O Supremo Tribunal Federal ainda não analisou o mérito de ação por indenização em face de abandono afetivo, o tema já esteve presente duas vezes na Corte suprema, entretanto ao recursos foi negado o seguimento, conforme abaixo.

3.5.3.1 STF – Recurso improvido sem análise De mérito

O Recurso Extraordinário foi arquivado pela ministra Ellen Gracie, do Supremo Tribunal Federal, sem análise do mérito do pedido de reparação pecuniária por abandono moral, pois isto demandaria a análise dos fatos e das provas contidas nos autos, bem como da legislação infraconstitucional que disciplina a matéria (Código Civil e Estatuto da Criança e do Adolescente), o que é permitido por meio de recurso extraordinário. Conforme Súmula nº 279[66]: “Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário.”

STF - RECURSO EXTRAORDINÁRIO[67]RE 567164 ED / MG - MINAS GERAIS:

Ementa : CONSTITUCIONAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONVERSÃO EM AGRAVO REGIMENTAL. ABANDONO AFETIVO. ART. 229 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DANOS EXTRAPATRIMONIAIS. ART. 5º, V E X, CF/88. INDENIZAÇÃO. LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL E SÚMULA STF 279. 1. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, consoante iterativa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. 2. A análise da indenização por danos morais por responsabilidade prevista no Código Civil, no caso, reside no âmbito da legislação infraconstitucional. Alegada ofensa à Constituição Federal, se existente, seria de forma indireta, reflexa. Precedentes. 3. A ponderação do dever familiar firmado no art. 229 da Constituição Federal com a garantia constitucional da reparação por danos morais pressupõe o reexame do conjunto fático-probatório, já debatido pelas instâncias ordinárias e exaurido pelo Superior Tribunal de Justiça. 4. Incidência da Súmula STF 279 para aferir alegada ofensa ao artigo 5º, V e X, da Constituição Federal. 5. Agravo regimental improvido.

3.5.3.2 STF – Recurso extraordinário[68]com agravo (ARE 674638 SP), com seguimento negado

Conforme o ilustre Ministro Gilmar Mendes para ultrapassar as premissas fixadas nas instâncias originárias, faz-se imprescindível o revolvimento do acerto fático-probatório dos autos e a interpretação da legislação infraconstitucional aplicável (Código Civil), donde se conclui que eventual ofensa à Constituição Federal, acaso existente, dar-se-ia de maneira indireta ou reflexa. Incide, portanto, a Súmula 279 do STF. O Ministro também cita o julgado precedente pela Ministra Ellen Gracie, acima citado, e conclui pela negativa de prosseguimento do recurso em análise.

Trata-se de recurso extraordinário com agravo que impugna acórdão assim do: "Responsabilidade civil. Cerceamento de defesa. Inocorrência. Recurso tempestivo. Afastada preliminar de intempestividade. Ação de reparação por danos morais. Alegação de abandono afetivo. Teoria de responsabilidade civil que não se consubstancia em ato ilícito -elemento indispensável para caracterização do dever de indenizar. Impossibilidade obrigacional. Afeto é sentimento incondicional. Precedente do Colendo Tribunal de Justiça. Decisão mantida por seus próprios fundamentos, nos termos do art. 252 do novo Regimento Interno deste Tribunal. Recurso improvido" (fl. 341). No recurso extraordinário, interposto com fundamento no artigo 102, III, "a", da Constituição Federal, aponta-se violação ao princípio da dignidade da pessoa humana, insculpido no artigo 1º, III, do texto constitucional. Decido. O recurso não merece prosperar. A sentença de 1º grau, confirmada por seus próprios fundamentos, decidiu pela não caracterização das atitudes do recorrido como ato ilícito ensejador do dever de indenizar, afastando a condenação em danos morais pelo abandono afetivo. Para ultrapassar as premissas fixadas nas instâncias originárias, faz-se imprescindível o revolvimento do acerto fático-probatório dos autos e a interpretação da legislação infraconstitucional aplicável (Código Civil), donde se conclui que eventual ofensa à Constituição Federal, acaso existente, dar-se-ia de maneira indireta ou reflexa. Incide, portanto, a Súmula 279 do STF. Confira-se, a propósito, o RE-ED 567.164, Rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, DJe 11.9.2009, com acórdão assim ementado: "CONSTITUCIONAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONVERSÃO EM AGRAVO REGIMENTAL. ABANDONO AFETIVO. ART. 229 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DANOS EXTRAPATRIMONIAIS. ART. 5º, V E X, CF/88. INDENIZAÇÃO. LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL E SÚMULA STF 279. 1. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, consoante iterativa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. 2. A análise da indenização por danos morais por responsabilidade prevista no Código Civil, no caso, reside no âmbito da legislação infraconstitucional. Alegada ofensa à Constituição Federal, se existente, seria de forma indireta, reflexa. Precedentes. 3. A ponderação do dever familiar firmado no art. 229 da Constituição Federal com a garantia constitucional da reparação por danos morais pressupõe o reexame do conjunto fático-probatório, já debatido pelas instâncias ordinárias e exaurido pelo Superior Tribunal de Justiça. 4. Incidência da Súmula STF 279 para aferir alegada ofensa ao artigo 5º, V e X, da Constituição Federal. 5. Agravo regimental improvido". Ante o exposto, nego seguimento ao recurso (arts. 21, § 1º, do RISTF e 544, § 4º, II, "b", do CPC). Publique-se. Brasília, 5 de março de 2012.Ministro GILMAR MENDES Relator.

3.5.4 Entendimento atual do STJ

Em 24 de abril de 2012 a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 1.159.242-SP (2009/0193701-9)[69], que teve como relatora a Ministra Nancy Andrighi, concordou com o julgamento do Tribunal de Justiça de São Paulo, e reconheceu a indenização por abandono afetivo ou moral à filha que sofreu abandono material e afetivo durante sua infância e juventude.

O julgamento do STJ gerou grandes discussões sobre o tema, pois esse novo julgado diverge do entendimento do STJ para a matéria, até então, consolidado pelo Julgamento do Resp nº 757411/MG[70], em 2004.

A construção desse capítulo será baseada no Relatório da Eminente Ministra Nancy Andrighi.

No recentejulgamento do dia 24 de abril de 2012,é tratado o caso de uma filha que foi reconhecida por sentença proferida em ação de investigação da paternidade, onde fixado o valor de dois salários-mínimos a título de pensão alimentícia até a maioridade. Ocorre que a filha promoveu ação de indenização contra seu pai pelos danos sofridos pelo abandono material e afetivo durante sua infância e juventude.

Em primeira instância, a filha abandonada teve o pedido foi negado, sob o fundamento de que o afastamento ocorreu em virtude da atitude agressiva da mãe, ou seja, teria ocorrido uma suposta alienação parental[71].

Já em Segunda Instância, em 2008, no Tribunal de Justiça de São Paulo, a decisão de primeiro grau foi reformada pelo julgamento da Sétima Câmara de Direito Privado “B”, em acórdão relatado pela Desembargadora Daise Fajardo Nogueira Jacot, onde foi reconhecida a procedência do abandono moral e material[72]:

Ementa: AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS E MATERIAIS. FILHA HAVIDA DE RELAÇÃO AMOROSA ANTERIOR. ABANDONO MORAL E MATERIAL. PATERNIDADE RECONHECIDA JUDICIALMENTE. PAGAMENTO DE PENSÃO ARBITRADA EM DOIS SALÁRIOS MÍNIMOS ATÉ A MAIORIDADE. ALIMENTANTE ABASTADO E PRÓSPERO. IMPROCEDÊNCIA. APELAÇÃO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

Em instância superior (STJ), o pai alegou no Recurso Especial que não havia abandonado a filha e que, mesmo que houvesse, a pena aplicável deveria ser a de perda do poder familiar, não a de indenização.

A Ministra Nancy Andrighi inicia seu relatório tratando sobre a incidência do dano moral nas relações familiares, onde conclui que: “não existem restrições legais à aplicação das regras relativas à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar, no Direito de Família.”

Segundo a Ministra a legislação que regula a matéria (art. 5,º V e X da CF e arts. 186 e 927 do CC-02) tratam do tema de maneira ampla e irrestrita, sendo assim é possível se concluir que regulam também as relações familiares, em suas diversas formas.

O pai sustenta como defesa que não abandonou a filha e que se assim tivesse procedido, esse fato não é considerado ato ilícito e a única punição possível seria a perda do poder familiar por ter descumprido obrigações relativas ao poder familiar.

A ministra esclarece que a perda do poder familiar não afasta, nem absorve a possibilidade de indenização, pois tem como objetivo primário resguardar a integridade do menor, ofertando-lhe, por outros meios, a criação e educação negada pelos genitores. Entretanto, a perda do poder familiar não pretende nunca compensar os prejuízos advindos do malcuidado recebido pelos filhos.

No caso de abandono afetivo a aplicação da perda do poder familiar ao genitor que abandonou comprovadamente o filho por vontade própria e consciente não seria uma punição e sim um prêmio, pois se o genitor abandonou é porque não tem nenhum interesse ou vínculo com o filho que pretende preservar. Sendo assim, o Direito não pode cair nessa armadilha que revela um imenso paradoxo: não há como punir com a perda do poder familiar quem nunca quis exercer os direitos quiçá as obrigações que dele demandadas.

Em seguida, no relatório, a Ministra trata da configuração do dano moral em relação ao abandono afetivo praticado pelo pai.

Na responsabilidade civil subjetiva é premissa básica a configuração de três elementos, quais sejam o dano, a culpa do autor e o nexo causal. Entretanto, esses elementos tornam-se extremamente complexos quando se referem às relações familiares, pois estas são compostas por fatores subjetivos como afetividade, amor, mágoa, dentre outros, assegura a Min. Nancy Andrighi.

Todavia, nas relações que envolvem pais e filhos é possível identificar elementos objetivos baseados no vínculo biológico, para os quais existe “preconização constitucional e legal de obrigações mínimas”, ressalta a Ministra.

Nesse contexto, o elo é fruto do ato de vontade que nasce a responsabilidade decorrente justamente das ações e escolhas para as pessoas que concorrem para o nascimento ou adoção. No entendimento da Ministra essa obrigação é a criação da prole.

Sendo assim, o vínculo que une pais e filhos não é apenas afetivo, mas também legal. Inclusive, é pacífico o entendimento na doutrina que entre os deveres pertencentes ao poder familiar estão o dever de convivência, de cuidado, de criação e educação dos filhos, que implicam, obviamente, no dispêndio de atenção e acompanhamento do desenvolvimento social e psicológico da criança e do adolescente.

A Ministra Nancy, bem explica que:

E é esse vínculo que deve ser buscado e mensurado para garantir a proteção do filho quando o sentimento for tão tênue a ponto de não sustentarem, por si só, a manutenção física e psíquicado filho, por seus pais. (grifo nosso)

A principal questão a ser examinada no julgamento em análise, segundo a Ministra, é sobre a viabilidade técnica responsabilização civil àqueles que descumprem a incumbência dos pais de prestar assistência psicológica aos filhos, pois essa incumbência já é uma obrigação inescapável (grifo da autora).

Em seguida, o acórdão em comento, aborda os aspectos da ilicitude e da culpa, para fins de configuração da responsabilidade civil.

A relatora do acórdão traz à tona a crescente percepção do cuidado como valor jurídico apreciável e sua repercussão no âmbito da responsabilidade civil, pois, uma vez que o cuidado constitui-se em fator crucial à formação da personalidade do infante ele deve ser elevado a um patamar de relevância.

Conclui a Ministra que os pais assumem obrigações jurídicas em relação aos filhos que extrapolam das obrigações básicas necessárias a sobrevivência.  Nesse sentido, é cunhado o argumento que o ser humano precisa, além de alimento, abrigo e saúde, também de outros elementos, geralmente imateriais, como educação, lazer, regras de conduta, etc., igualmente necessários para um saudável desenvolvimento humano.

Sendo assim, nas palavras da Ministra “o desvelo a atenção à prole não podem mais ser tratadas como acessórios no processo de criação”, constituem fatores essenciais para a criação e formação de um adulto com integridade física e psicológica com capacidade de conviver em sociedade.

Inclusive, é destacado no acórdão o cuidado já assumiu no ordenamento jurídico brasileiro a posição de valor jurídico e sua concepção está implícita na no conteúdo do art. 227 da Constituição Federal, conforme abaixo:

(...) cuidado como tendo valor jurídico já foi, inclusive, incorporada em nosso ordenamento jurídico, não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88. (grifo nosso)

Assim, com a acepção do cuidado como valor jurídico, a possibilidade de indenização por abandono afetivo ou moral ganha contornos mais técnicos, “pois não se discute mais a mensuração do intangível – o amor – mas, sim, a verificação do cumprimento, descumprimento, ou parcial cumprimento, de uma obrigação legal: cuidar.”(grifo do autor)

Negar ao cuidado o status de obrigação legal importa na vulneração da membrana constitucional de proteção ao menor e adolescente, cristalizada, na parte final do dispositivo citado: “(...) além de colocá-los a salvo de toda a forma de negligência (...)”.

Com esse entendimento, supera-se o principal empecilho existente na discussão da possibilidade de indenização em face do abandono afetivo: a impossibilidade do judiciário obrigar a amar.

Conforme a Eminente Ministra:“Aqui não se fala ou se discute o amar e, sim, a imposição biológica e legal de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerarem ou adotarem filhos”.(grifo da autora).

Pode-se perceber que esse entendimento vai construindo o caminho para admissão da reparação civil indenizatória para os casos de abandono afetivo, pois quando um pai ou mãe abandona o filho, privando-o de sua companhia, da convivência familiar plena (com ambos os pais), deixando de proporcionar sua assistência moral, que se consolida com o acompanhamento efetivo da vida dos filhos.

A Min. Nancy traça as diferenças entre amor e cuidado. Enquanto o amor se remota à motivação, questão que extrapola os limites legais, situando-se no universo meta-jurídico da filosofia, da psicologia ou da religião, em decorrência da sua subjetividade e impossibilidade materialização.O cuidado, ao contrário, é construído por elementos objetivos, distinguindo-se do amar pela possibilidade de verificação e comprovação de seu cumprimento.

O cuidado pode ser verificado através de ações concretas como a presença; contatos, mesmo que não presenciais; ações voluntárias em favor da prole; comparações entre o tratamento dado aos demais filhos (quando existirem), entre outras fórmulas possíveis que serão trazidas à apreciação do julgador, pelas partes.

Sabiamente a Min. Nancy sintetiza a diferença de amor e cuidado com a frase:“Em suma, amar é faculdade, cuidar é dever.”

Assim, a comprovação que houve o descumprimento da imposição legal de cuidar implica na ocorrência de ilicitude civil. Entretanto, para a caracterização da ilicitude é necessário, ainda, a presença do dolo e da culpa do agente.

Sendo assim, o julgador deve considerar que não importa em lesão ao dever de cuidado a impossibilidade de sua prestação, como ocorre nos casos de alienação parental, limitações financeiras, distâncias geográficas, dentre outras, conforme assegura a Min. Nancy Andrighi. Assim, deve-se observar essas hipóteses que possam justificar a ausência de pleno cuidado de um dos genitores em relação à prole, assim como um núcleo mínimo de cuidados com os filhos que possa garantir, “ao menos, quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social.”

Por fim, no acórdão é examinado o dano e nexo causal. Ao estabelecer a assertiva de que a negligência em relação ao objetivo dever de cuidado é ilícito civil, para a caracterização do dever de indenizar resta comprovar a existência de dano e do necessário nexo causal.

A Ministra apresenta como forma simples de verificar a ocorrência desses elementos a existência de laudo formulado por especialista, que conclua por determinada patologia psicológica e a vincule, no todo ou em parte, ao descuidado por parte de um dos pais. Além disso, existem inúmeras outras circunstancias que poderão indicar o dano e nexo causal.

No caso em tela, não obstante o desmazelo do pai em relação a sua filha, esta conseguiu superar essas vicissitudes e crescer com razoável aprumo, a ponto de conseguir inserção profissional, constituir família, ter filhos, enfim, conduzir sua vida apesar da negligência paterna.

Entretanto, não se pode negar que tenha havido sofrimento, mágoa e tristeza, e que esses sentimentos ainda persistam, “por ser considerada filha de segunda classe”.

A Ministra Nancy Andrighi conclui que esse sentimento íntimo que filha levará por toda a vida surge, inexoravelmente, das omissões do pai no exercício de seu dever de cuidado em relação à filha, bem como de suas ações, que privilegiaram parte de sua prole em detrimento dela, caracterizando o dano in re ipsa, e, portanto, constituindo causa eficiente à compensação indenizatória.

Assuntos relacionados
Sobre a autora
Hilma da Silva Costa Venez

Acadêmica de Direito do Instituto de Ensino e Pesquisa Objetivo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VENEZ, Hilma Silva Costa. Possibilidade de indenização em face do abandono afetivo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3480, 10 jan. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23326. Acesso em: 22 dez. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos