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A vital apuração da receita corrente líquida.

O padrão que baliza os limites da despesa de pessoal e dívida pública e o pagamento de precatórios judiciais e parcelamentos previdenciários

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No tocante à receita corrente líquida, analisa-se a exclusão do Imposto de Renda Retido na Fonte, bem assim as transferências voluntárias de outros entes federados, os Royalties, o Salário-Educação, as contribuições ao fundo de saúde dos servidores, sem prejuízo de embutir, em alguns casos, valor menor do Fundo da Educação Básica – FUNDEB.

1-  Apresentação

Receita Corrente Líquida (RCL) é o denominador sobre o qual se calculam fundamentais restrições financeiras para todos os entes da Federação.

Quanto mais alentada essa receita, maior as possibilidades de gastos com pessoal, de assunção de dívidas e garantias, de pagar precatórios judiciais e parcelamentos de débitos previdenciários [1].

Sua composição explicita-se na Lei de Responsabilidade Fiscal (art. 2º, IV), sendo depois reproduzida nas disposições constitucionais que regulam a nova sistemática de quitação de precatórios (art. 97, § 3º do ADCT).

Tal indicador é sempre apurado de modo consolidado, ou seja, alcança todas as entidades públicas do mesmo nível de governo, exceto as empresas estatais autônomas, isto é, as que não dependem do Tesouro para operar suas atividades.

Por isso, não há de se falar em RCL somente da Administração direta ou apenas de certa autarquia, fundação ou empresa pública dependente, mas, sim, RCL de toda a entidade federada.

Todavia, essa agregação de receitas produz duplicidade contábil, inconveniente oriundo das transações entre pessoas jurídicas do mesmo ente estatal; é quando a Prefeitura paga conta de água para uma autarquia local, o que solicita contabilização de um mesmo dinheiro, quer na receita da Administração direta que o arrecadou, quer na receita da autarquia que forneceu o serviço de água à Prefeitura.

Tal qual adiante melhor se verá, essa distorção é remediada pela clara identificação contábil dessas operações, sob o título de “intraorçamentárias”[2].

Vai daí que as receitas intraorçamentárias não ingressam no balanço consolidado do ente federado; tampouco na receita corrente líquida.

Vital a correta apuração da receita em comento; disso podem advir decisões que penalizam servidores, agentes políticos e a população em geral; eis alguns exemplos:

- Corte de servidores segundo as etapas prescritas no art. 169, § 3º e 4º da Constituição: redução de cargos em comissão; exoneração de servidores não estáveis; exoneração dos estáveis.

- Impossibilidade de, salvo exceções, aumentar a despesa de pessoal, pois que ultrapassado 95% do teto determinado a cada Poder estatal; põe-se aqui o chamado “limite prudencial” daquele gasto (art. 22, parágrafo único, LRF).

- Aplicação de pesada multa no dirigente que, em dois quadrimestres, não ajusta o gasto laboral [3].

-  Reclusão, de um a quatro anos, a gestor público que, nos derradeiros 180 dias do mandato, ordena aumento do gasto laboral (art. 359-G do Código Penal).

- Impossibilidade de a população se beneficiar por convênios bancados pela União ou Estado, caso não ocorra o retorno, em oito meses, às barreiras da despesa de pessoal e dívida consolidada (art. 23, § 3º e art. 31, § 2º, ambos da LRF).

- Prejuízo à continuidade dos serviços públicos ante o corte nos Fundos de Participação de Estados e Municípios (FPE e FPM); isso, na hipótese de não se ter depositado, a título judicial, 1% a 2% do exato valor da receita corrente líquida (art. 97, § 10, V do ADCT).

Feitas essas considerações preliminares, apresentará este artigo várias particularidades da receita corrente líquida, com ênfase nas divergências de cálculo de alguns Estados frente ao padrão da Secretaria do Tesouro Nacional, do Ministério da Fazenda.

De fato, entendem os discordantes que, sob a responsabilidade fiscal, cabe afastar, do presente indicador, o Imposto de Renda Retido na Fonte, bem assim as transferências voluntárias de outros entes federados, os Royalties, o Salário-Educação, as contribuições aos fundos de saúde, sem prejuízo de embutir, naquele indicador, valor menor do Fundo da Educação Básica – FUNDEB.


2-  Período de Abrangência da Receita Corrente Líquida

Para a Lei Complementar nº 101, de 2000, receita corrente líquida é o somatório de doze meses de arrecadação: a do mês de apuração e a dos onze anteriores, excluídas as duplicidades já antes comentadas (art. 2º, § 3º).

Então, ao se referir àquele número, há de sempre vislumbrar um conjunto de 12 meses de receita executada. Nesse passo, não existe RCL de um mês, de três ou de seis meses, mas, tão-só, de 12 meses.

Essa amplitude de tempo não é para coincidir com o exercício financeiro (ano civil), mas, sim, para neutralizar a oscilação que se dá na execução da receita governamental.

De fato, no setor governo, os ingressos de caixa são mais intensos em início e fim de ano, quer dizer, a arrecadação não é linear ao longo do exercício financeiro e, sob a abrangência de 12 meses, não se pode alegar que a queda de receita no mês de apuração motivou a falta de cumprimento de certo limite fiscal, como, por exemplo, o da despesa de pessoal.

Nessa marcha, pode-se dizer que esse intervalo de 12 meses enseja uma média, vez que integra altos e baixos da receita governamental, neutralizando os efeitos da variação arrecadatória.


3-  O papel da Receita Corrente Líquida no Direito Financeiro

Tal parâmetro referencia limites e mínimos da Constituição, da Lei de Responsabilidade Fiscal e de Resoluções do Senado.

Sob a Lei de Responsabilidade Fiscal, a RCL baseia o nível de reserva para o atendimento de riscos fiscais, a chamada reserva de contingência; de igual modo, referencia o freio de maior impacto no dia a dia da Administração: o da despesa de pessoal, o qual se desdobra em 5 (cinco) vertentes:

Limite global (teto): União: 50% da RCL; Estados e Municípios: 60% da RCL.

- Limite por Poder estatal (subteto): sobredito teto é repartido entre os Poderes conforme o art. 20 da LRF (ex.: no Município, Poder Executivo; 54% da RCL; Poder Legislativo: 6% da RCL).

Limite prudencial, que, se atingido, impede, salvo exceções, a contratação de servidores, as alterações salariais, os planos de carreira e a concessão de vantagens funcionais; equivale tal freio a 95% dos subtetos atribuídos a cada Poder [4].

Limite de alerta, que, se alcançado, faz com que os Tribunais de Contas notifiquem o Poder sob risco de desvio fiscal: 90% dos sobreditos subtetos [5].

- Limite de último ano de mandato: nos derradeiros 180 dias da gestão, não se pode expedir ato aumentando a taxa da despesa de pessoal (art. 21, parágrafo único da LRF).

Por solicitação da Lei Fiscal e mediante duas Resoluções [6], impôs o Senado limitação à dívida líquida de longo prazo (consolidada) de Estados (200% da RCL) e Municípios (120% da RCL).

Diz-se que a dívida é líquida quando já se acha subtraída das disponibilidades financeiras do ente estatal.

Também, aqueles dois instrumentos senatoriais estabeleceram outros limites fiscais para Estados e Municípios:

- Contratação anual de operações de crédito: 16% da receita corrente líquida.

-  Pagamento anual do serviço da dívida (principal, juros e outros encargos): 11,5% da receita corrente líquida.

Oferta de Garantia a outros entes federados: 32% da receita corrente líquida.

- Celebração de operações de antecipação da receita orçamentária - ARO: 7% da receita corrente líquida.

Contudo, outras Resoluções facultam que o financiamento de ações estratégicas escape das fronteiras da dívida consolidada; eis a hipótese do programa de melhoria da administração das receitas e da gestão fiscal (PMAT), o programa nacional de iluminação pública (Reluz) e os projetos de infraestrutura para a Copa 2014 e os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016.

Não bastasse isso, a receita corrente líquida norteia uma das duas novas maneiras de pagar precatórios judiciais. De fato, a Emenda Constitucional nº 62/2009 veio dispor que, caso assim optem, Estados e Municípios depositem, todo mês, entre 1% e 2% da RCL nas contas bancárias administradas pelo Tribunal de Justiça (art. 97, ADCT).

Ainda, não é demais ilustrar: a lei federal que baliza os regimes próprios de previdência, a nº 9.717, de 1998, preceituava que o gasto líquido com inativos e pensionistas não superaria 12% da receita corrente líquida (art. 2º, § 1º). Contudo, tal limitação foi revogada pelo Supremo Tribunal Federal, posto que, a modo do art. 169 da Constituição, freios à despesa de pessoal devem estar objetivados em diploma complementar e, não, como no vertente caso, em lei ordinária.


4-  Por que a Receita Corrente Líquida?

Em primeiro lugar, tal indicador traduz a efetiva capacidade de arrecadação do ente governamental, conquanto a outra espécie de receita, a de capital, tem comportamento irregular na Fazenda Pública; não reflete, de modo seguro, a retaguarda financeira dos governos.

Em outras palavras, a receita de capital é formada por itens de comparecimento fortuito, ocasional, não-freqüente, como os empréstimos e financiamentos, a venda de bens públicos e o recebimento de transferências voluntárias de outras pessoas políticas [7].

De mais a mais, a receita corrente é absolutamente majoritária na arrecadação; no Governo do Estado de São Paulo, tal categoria respondeu, em 2011, por nada menos que 99% do total coletado no ano.

Em segundo lugar, a RCL foi escolhida porque afasta a dupla contagem que geram as transações entre entidades públicas do mesmo governo; daí o adjetivo “líquido” em sua denominação.

Um dos vários exemplos de duplicidade acontece nos fundos especiais que operam regimes próprios de previdência (RPPS). Neles, a contribuição patronal escora-se em receitas já antes contabilizadas (ex.: ICMS, IPVA, IPTU, ISS, FPM), mas, de outro lado, tal “despesa” não gera, no mais das vezes, imediato desembolso monetário, permanecendo o dinheiro no caixa da Administração direta, para, depois de capitalizado, suportar, no futuro, aposentadorias e pensões. Vai daí a necessidade de se criar, no campo da receita, uma entrada chamada “Contribuição Social” como forma de compensar a não-saída do dinheiro público.

Resta assim patente que a receita de Contribuição Social nada tem a ver com novo ingresso no caixa governamental; evidencia uma duplicidade face às receitas normais que financiaram a contribuição patronal ao RPPS.

Então, no balanço consolidado e na RCL há de se excluir a intraorçamentária Contribuição Patronal.

De fato, nas explicações sobre o Demonstrativo da Receita Corrente Líquida [8], assim informa a Secretaria do Tesouro Nacional – STN:

“Portanto, as receitas intraorçamentárias (contrapartida da modalidade 91) deverão ser excluídas do cálculo por caracterizarem duplicidades, uma vez que representam operações entre entidades integrantes do mesmo orçamento fiscal e da seguridade social. Ou seja, as receitas intraorçamentárias não poderão ser computadas nas linhas referentes às receitas correntes brutas e também não poderão ser deduzidas. Nesse contexto, a contribuição patronal para o Regime Próprio de Previdência dos Servidores – RPPS, por configurar uma duplicidade, não será computada na linha Receita de Contribuições e não será deduzida”.

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E, vale ainda enfatizar, malgrado se apresentar como dedução legal (art. 2º, IV, “c” da LRF), a contribuição dos servidores ao RPPS também configura uma duplicidade contábil, pois, da mesma forma que a contribuição patronal, solicita uma receita puramente contábil, posto que não gera novo ingresso no caixa governamental.

Em suma, optou-se pela receita corrente líquida, vez que esta dispõe de 3 (três) vantagens:

a)   Comparecimento amplamente majoritário na arrecadação pública;

b)   Apresenta-se, todo ano, de modo habitual, freqüente, regular;

c)  Afasta a dupla contagem que se dá na consolidação dos balanços das entidades do mesmo nível de governo (Administração direta, autarquias, fundações e empresas dependentes).


5-  O Conteúdo da Receita Corrente Líquida

A composição da receita corrente líquida apresenta-se no art. 2º, IV da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Tal parâmetro alcança todas as fontes que se perfilam na categoria corrente da receita pública: tributárias, de contribuições, patrimoniais, industriais, agropecuárias, de serviços, transferências correntes.

Nos Estados mais industrializados, a receita tributária é, de longe, a mais significativa. Compõe-se de impostos, taxas e contribuições de melhoria. Tal entrada, no Estado de São Paulo, significou 79% de todas as rubricas correntes [9].

Na imensa parte dos Municípios, as transferências correntes são bem mais significativas do que as tributárias; é bem o caso da quota-parte do ICMS nas comunas mais industrializadas e do FPM nas municipalidades com base econômica agrícola.

Tendo em mira o princípio do orçamento bruto [10], os impostos ligados ao Fundo da Educação Básica – FUNDEB são registrados pelo seu valor total, mesmo que o ente estatal sofra perda financeira junto àquele Fundo.

De outro lado, são as seguintes as deduções legais que reduzem a receita corrente líquida:

Valores que, apesar de arrecadados pela União ou pelo Estado, são entregues, por força constitucional, às outras esferas de governo. Exemplo: destinados aos Municípios, os 25% do ICMS e os 50% do IPVA não financiam qualquer atividade ou projeto dos arrecadadores governos estaduais.

Contribuição dos servidores ao regime próprio de previdência e a compensação entre o INSS e os sistemas locais de aposentadoria e pensão [11]. Esses dois abatimentos se escoram na simetria, na semelhança, uma vez que, a mando da própria LRF, ambos também reduzem a despesa de pessoal [12], o que faz prevalecer o conceito de gasto líquido de pessoal, quer dizer: a parcela suportada pela entidade estatal e, não, pelo servidor ou por outro sistema de previdência (INSS, por exemplo).

-   Recursos recebidos da União para o custeio de despesa de pessoal – somente para o Distrito Federal e os Estados do Amapá e de Roraima.

De mais a mais e assim como antes já se mencionou, a intraorçamentária contribuição patronal ao RPPS não se inclui, tampouco se abate da receita corrente líquida.


6-  O Padrão da Secretaria do Tesouro Nacional - STN

Determina a Constituição que o Poder Executivo publique, até 30 dias após o encerramento do bimestre, o relatório resumido da execução orçamentária (art. 165, § 3º).

Depois, a Lei de Responsabilidade Fiscal veio detalhar o conteúdo daquele relatório, nele inserindo, tal qual primeiro anexo, a demonstração bimestral da receita corrente líquida (art. 53, I).

A Secretaria do Tesouro Nacional - STN já editou quatro manuais, padronizando não apenas o mencionado relatório bimestral, mas, também, o quadrimestral relatório de gestão fiscal, aquele que demonstra, por Poder, o atendimento dos limites fiscais [13].

De se dizer que, sob tal normatização, dá-se, ainda hoje, razoável debate com os Tribunais Estaduais de Contas.

Iniciado já no ano de edição da Lei de Responsabilidade Fiscal, 2000, tal discussão logrou alguns consensos, porém, malgrado os 12 anos que se passaram, restam ainda algumas controvérsias.

No tocante aos acordos conquistados nessa dinâmica participativa, ressalte-se que, nos dias atuais, há unanimidade quanto ao abatimento da receita derivada da anulação de Restos a Pagar [14], posto que é isso fato puramente escritural, contábil, fictício; não representa, em nenhum momento, entrada de dinheiro, o que afronta o regime de caixa da receita pública [15].

Não obstante esses consensos remanescem pontos controversos na aferição da receita corrente líquida; são eles:

i.  Exclusão das transferências voluntárias;

ii.  Abatimento simultâneo do Imposto de Renda: da receita corrente líquida e, também, da despesa de pessoal;

iii.  Tamanho da inserção do Fundo da Educação Básica – FUNDEB;

iv.  Exclusão da receita do fundo de saúde dos servidores;

Nos próximos tópicos, serão comentadas, uma a uma, essas quatro polêmicas.


7- A polêmica relativa à exclusão das Transferências Voluntárias (convênios), dos Royalties e do Salário-Educação.

Os Tribunais de Contas que defendem tal exclusão escoram-se na rigorosa vinculação dos recursos das transferências voluntárias (convênios), dos Royalties e do Salário-Educação.

De modo igual, argumentam que a Constituição veda o uso de transferências voluntárias em despesas de pessoal (art. 167, X); também asseveram que, a termo das respectivas leis de regência, os Royalties e o Salário-Educação não podem financiar os gastos laborais.

De outra banda, há de se convir que as receitas de convênio, de Royalties e de Salário-Educação perfilam-se, todas elas, como transferência corrente, grupo expressamente incluído, pela LRF, na receita corrente líquida (art. 2º, IV); deve-se ainda ponderar que as pretendidas exclusões, em nenhum momento, apresentam-se na mencionada norma fiscal.

Então, recorre-se aqui a uma máxima de hermenêutica: “o que a lei não distingue, não cabe ao intérprete distinguir”.

De mais a mais, os limites fiscais constituem tetos, obstáculos máximos para o gasto público; nunca autorizam mais despesa; apenas o orçamento é que assim faz. Nesse passo, eventual folga em barreira fiscal não está a sancionar, de pronto, maior gasto de pessoal ou aumento da dívida pública. Sob a chancela do Legislativo, compete ao gestor agir sob responsabilidade fiscal e, por isso, receitas temporárias, ocasionais, como as de convênio, não podem dar margem a novas despesas continuadas, obrigatórias, geralmente incomprimíveis, como as de pessoal. Além disso, o art. 17 da LRF quer que se mostre segura e duradora fonte de financiamento para despesas que se reproduzem ao longo do tempo.

Assim, labora em acerto a Portaria nº 249, de 2010, da Secretaria do Tesouro Nacional - STN: “as receitas vinculadas como, por exemplo, as transferências relativas a convênios, as receitas comprometidas com o Sistema Único de Saúde, os royalties de compensações financeiras, o salário-educação, o Fundo de Combate à Pobreza, não deverão ser deduzidas para efeito da receita corrente líquida - RCL”.


8- A polêmica do abatimento simultâneo do Imposto de Renda: da receita corrente líquida e da despesa de pessoal

Por força constitucional, o Imposto de Renda sobre rendimentos pagos por Estados e Municípios a estes pertencem (art. 157, I e 158, I).

Nesse cenário, a Secretaria do Tesouro Nacional determina que esse tributo seja recepcionado tal qual receita própria (tributária); não mais transferência da União [16].

Os que postulam o abatimento simultâneo do Imposto de Renda dizem, acertadamente, que tal tributo não caracteriza novo ingresso de dinheiro público.

Explica-se melhor: à vista de a folha salarial ser escriturada pelo número bruto e uma de suas partes, a dedução do IR, não representar saída de caixa, por essas razões, a Fazenda Pública, em contrapartida, precisa constituir uma receita de compensação, de índole tributária: o Imposto de Renda Retido na Fonte.

Por isso, resta claro que o IR não é nova receita, mas apenas item que contrabalança o fato de o respectivo desconto salarial não ter sido recolhido para a Receita Federal, permanecendo no caixa pagador.

Supondo que determinado Estado arrecade $ 1.000 e os gastem apenas com despesa de pessoal. Considerando também que, daquele valor, $ 80 tenham a ver com retenção, na fonte, do IR, então não se pode afirmar que o Estado coletou $ 1.080 ($ 1.000 mais o IR de $ 80); em outras palavras, os $ 80 fazem parte dos $ 1.000; a eles, financeiramente, não se adicionam.

Por seu turno, não se pode afirmar que a despesa efetiva com pessoal cravou $ 1.000; isso porque o servidor não recebeu a parcela do IR ($ 80), que “retornou” ao erário pagador.

Então, a valer a literalidade desse raciocínio, haveria de se excluir o Imposto de Renda, quer do numerador (despesa de pessoal), quer do denominador (receita corrente líquida).

Neste ponto, afigura-se sempre uma indagação: qual a vantagem de retirar um mesmo valor; de cima e de baixo da equação?

Em resposta, deve-se dizer que, em virtude da lei de proporções matemáticas e à vista de denominador bem maior que o numerador, a dedução simultânea resulta percentual ligeiramente inferior, talvez o suficiente para o atendimento de limites da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Em que pese tal entendimento, a Lei de Responsabilidade Fiscal, em nenhum trecho, prescreve a exclusão do Imposto de Renda, seja do gasto de pessoal, seja da receita corrente líquida; isso, apesar de assim fazer quanto à contribuição dos servidores ao regime local de previdência.

Também, a tese do abatimento simultâneo contraria o princípio do orçamento bruto [17], conquanto receitas e despesas seriam contabilizadas pelo valor líquido.

A valer aquela corrente, o IR dos servidores da União não ingressaria na partilha da qual se beneficiam Estados e Municípios (FPE e FPM), em evidente prejuízo para essas esferas de governo.

Além do mais, a não-contabilização do IR como receita da União, Estados e Municípios reduziria o tamanho das vinculações que financiam a Educação e a Saúde.

Sendo assim, a retenção de Imposto de Renda não deve ser abatida da receita corrente líquida.

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Sobre o autor
Flavio Corrêa de Toledo Junior

Professor de orçamento público e responsabilidade fiscal. Autor de livros e artigos técnicos. Ex-Assessor Técnico do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TOLEDO JUNIOR, Flavio Corrêa. A vital apuração da receita corrente líquida.: O padrão que baliza os limites da despesa de pessoal e dívida pública e o pagamento de precatórios judiciais e parcelamentos previdenciários. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3467, 28 dez. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23335. Acesso em: 18 abr. 2024.

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