Capa da publicação Sistema proporcional de lista fechada (PEC 43/2011): constitucionalidade e conveniência
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A constitucionalidade e a conveniência da Proposta de Emenda Constitucional nº 43, de 2011, do Senado Federal, que dispõe sobre o sistema proporcional de lista fechada

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6. Reforma política e ativismo judicial

É fato que a crise da democracia representativa tem levado cada vez mais demandas ao Judiciário. Conforme afirmam Alexandre Bahia e Dierle Nunes, a existência de inúmeros partidos não tem significado a tomada de diferentes posições ideológicas,

Ao contrário, como não há grande vínculo ideológico, os programas dos partidos e suas siglas são em tudo muito semelhantes e, o que é pior, seus integrantes e lideranças têm se mostrado em geral refratários a tomar posições em assuntos polêmicos, seja para defendê-los, seja para explicitamente negá-los (v.g., aborto, eutanásia, união civil de pessoas do mesmo sexo etc).

Daniel Carvalho Oliveira Valente, em seu artigo intitulado “80 anos de Justiça Eleitoral: Perspectiva histórica e desafios democráticos futuros”, explica que, atualmente, “ é a Justiça Eleitoral responsável pela condução das eleições no Brasil, bem como a garantia da legitimidade do processo eleitoral e o livre exercício do direito de votar e ser votado, tudo isso com o fim maior de garantir e fortalecer o regime democrático”. Afirma o autor que

Apesar alta credibilidade gozada no âmbito da sociedade pátria e das instituições em geral pela Justiça Eleitoral, nas eleições haviam constantes atos ilícitos eleitorais, indo desde propaganda eleitoral antecipada, passando pela compra de votos e chegando até a utilização de caixa dois na contabilidade das campanhas eleitorais.

Assim, dentre os desafios da Justiça Eleitoral do novo milênio está o seu fortalecimento para fins de preservar a democracia e a credibilidade das eleições no Brasil, combatendo os ilícitos eleitorais e garantindo a soberania da vontade popular.

Na opinião de Valente, “nesse contexto surgem algumas alternativas de fortalecimento, sendo a primeira delas o ativismo judicial no âmbito da Justiça Eleitoral”. Segundo ele,

A jurisdição, quando exercida pelo Poder Judiciário e pelas suas características, possui um caráter transformador da ordem sócio-política garantindo direitos a pessoas e consolidando situações jurídicas de modo a fortalecer ou não a democracia.

A judicialização da política no Brasil tem como marco a promulgação da Constituição de 1988, que trouxe uma maior independência e um conjunto de prerrogativas ao Poder Judiciário e a seus membros.

Tivemos assim uma reconfiguração político institucional na relação entre os Poderes no Brasil, com o Judiciário como um todo (e a Justiça Eleitoral é parte desse conjunto) assumindo uma nova face, agora sob a égide de um regime democrático e sem a subordinação de fato ou de direito ao Poder Executivo.

Ocorre que, na concepção do autor, o fenômeno da judicialização da política é decorrente do necessário e importante processo de amadurecimento do regime democrático e do exercício da cidadania na sociedade como um todo. Importante ressaltar e corroborar a conclusão do autor, de que o ativismo judicial no âmbito da Justiça Eleitoral tem servido como um instrumento e mecanismo de fortalecimento da Justiça Eleitoral, da força normativa da Constituição Federal e da democracia brasileira como um todo.

Paulo Gustavo Gonet Branco, ao tratar do neoconstitucionalismo, afirma que é possível falar em um momento do constitucionalismo que se caracteriza pela superação da supremacia do Parlamento (MENDES; BRANCO; 2012, p. 59). Aduz que o instante seria marcado pela superioridade da Constituição, a que se subordinam todos os poderes por ela constituídos, garantida por mecanismos jurisdicionais de controle de constitucionalidade. Nas palavras do autor:

A Constituição, além disso, se caracteriza pela absorção de valores morais e políticos (fenômeno por vezes designado como materialização da Constituição), sobretudo em um sistema de direitos fundamentais autoaplicáveis. Tudo isso sem prejuízo de se continuar a afirmar a ideia de que o poder deriva do povo, que se manifesta ordinariamente por meio de seus representantes. A esse conjunto de fatores, vários autores, sobretudo na Espanha e na América Latina, dão o nome de neoconstitucionalismo.

O atual estádio do constitucionalismo se peculiariza também pela mais aguda tensão entre constitucionalismo e democracia. É intuitivo que o giro de materialização da Constituição limita o âmbito de deliberação política aberto às maiorias democráticas. Como cabe à jurisdição constitucional a última palavra na interpretação da Constituição, que se apresenta agora repleta de valores impositivos para todos os órgãos estatais, não surpreende que o juiz constitucional assuma parcela de mais considerável poder sobre as deliberações políticas de órgãos de cunho representativo. Com a materialização da Constituição, postulados éticos-morais da ganham vinculatividade jurídica e passam a ser objeto de definição pelos juízes constitucionais, que nem sempre dispõem, para essa tarefa, de critérios de fundamentação objetivos, preestabelecidos no próprio sistema jurídico.

Busca-se neutralizar a objeção democrática ao Estado constitucional com a observação de que a “rematerialização constitucional empresta dimensão substancial para a democracia”. De toda forma, caberia ao legislador ampla margem de apreciação e prioridade sobre o juiz constitucional, quando se trata de concretizar essas normas incorporadoras de valores morais e políticos. Ao juiz constitucional incumbiria atalhar abusos, cometidos por ação ou omissão do legislador. (MENDES; BRANCO, 2012, p. 60, grifos nossos).

O que se pretende sugerir é que, em que pese a constatação de que do ativismo judiciário possam surtir efeitos positivos, a PEC 43 procura, corretamente, trazer o debate acerca da reforma política para o âmbito parlamentar, pois o tema tem sido tratado, até agora, apenas na esfera judicial, especialmente pelo STF. É, pois, salutar que assim seja, pois o foro próprio para o debate das questões políticas e legislativas é o parlamento.


7. Propostas

7.1. Voto distrital e voto distrital misto

Já vimos a lição de Dalmo de Abreu Dallari, segundo a qual, pelo sistema de distritos eleitorais, o colégio eleitoral é dividido em distritos, devendo o eleitor votar apenas no candidato de seu respectivo distrito (DALLARI, 2005, p. 193).

Márcio Nuno Rabat explica que a palavra “distritão” é de uso recente, não tendo adquirido contornos precisos na linguagem técnica da teoria política, mas que designa um sistema eleitoral no qual as votações obtidas pelos partidos são muito menos relevantes do que no sistema proporcional (RABAT. 2011, p. 4). Segundo o autor,

A palavra tem designado um sistema eleitoral com as seguintes características: a) em cada distrito ou circunscrição há várias vagas em disputa (ou seja, os distritos são plurinominais); b) os partidos registram um número variável de candidatos; c) cada eleitor dispõe de um único voto, que concede a um dos candidatos registrados; d) os candidatos individualmente mais votados são eleitos, independentemente de qualquer ponderação partidária das votações. Assim, os votos nos candidatos individuais perdem o caráter formalmente secundário que têm no sistema proporcional para se tornarem o núcleo mesmo da eleição.

Essa descrição corresponde, em boa medida, ao que especialistas chamam de sistema de voto único intransferível, ou seja, aquele em que o eleitor dispõe de um único voto e esse voto não pode influenciar na eleição de ninguém além daquele específico candidato para quem ele foi dirigido.

Há, contudo, um elemento na versão dominante do que seria o “distritão” que se afasta da (escassíssima) experiência internacional com o sistema do voto único intransferível. Esse elemento é a grande magnitude das circunscrições. Não é um elemento irrelevante. Em uma circunscrição com poucas vagas, seria talvez menos provável que a regra do ‘distritão’ destruísse a correlação entre o número de vagas obtido por cada partido e a votação do conjunto de seus candidatos, até porque os partidos certamente lançariam poucos candidatos e os eventuais votos partidários se concentrariam neles.

As discussões sobre o tema têm sido dominadas, no entanto, por uma proposta de ‘distritão’ que remete para circunscrições com muitas vagas. Os limites territoriais das circunscrições coincidiriam – tal como, aliás, já acontece nas eleições de deputados federais, estaduais e do Distrito Federal – com os dos estados e do DF. E o número de deputados eleitos em cada estado e no DF tampouco variaria em relação ao número atual, a não ser pela eventual aplicação das regras, já vigentes, de atualização das representações estaduais. Assim, a circunscrição de menor magnitude elegeria oito deputados federais e várias circunscrições elegeriam mais de vinte, até um máximo de setenta.

Como em nosso sistema atual já existe a possibilidade de votação individualizada em candidatos (apesar de ela ser contada, prioritariamente, como sendo votação do partido), a permanência das circunscrições atualmente existentes e do número de lugares a serem preenchidos em cada uma delas passa a impressão de que pouco mudaria com a adoção do sistema eleitoral alternativo. Os partidos apresentariam suas listas de candidaturas e os eleitores votariam em seus candidatos preferidos, tal como já lhes é permitido fazer. Nada impediria, sequer, que fosse permitido aos partidos se coligarem para lançar conjuntamente as listas de candidaturas, embora a coligação deixasse de ter qualquer impacto material sobre o resultado das eleições (poderia haver, no máximo, algum efeito simbólico, se candidaturas se vissem reforçadas pelo fato de serem apresentadas por grupos políticos compostos de vários partidos).

Do ponto de vista dos procedimentos esperados dos eleitores, apenas a regra que admite os votos de legenda perderia totalmente o sentido, pois esses votos simplesmente não teriam efeito sobre os resultados eleitorais, seriam votos perdidos pelos próprios partidos que os recebessem. No entanto, essa pequena modificação, ao mostrar a irrelevância a que seriam remetidos os partidos, indica também o quão radicalmente a lógica de funcionamento do sistema proporcional e seus objetivos fundamentais se alterariam com o ‘distritão’. (RABAT, 2011, p. 4-6).

Segundo o Dr. Fernando Abrucio,

Embora não haja consenso completo entre os especialistas, sabe-se que nosso modelo eleitoral dá maior ênfase à representação personalista, não obstante conter também a possibilidade do “voto partidário”. A lista aberta adotada pelo Brasil favoreceria uma disputa entre os próprios membros do partido pelo voto do eleitor. Apesar de isso criar um clima pouco cooperativo entre os políticos, eles, paradoxalmente, preferem ter em suas legendas “puxadores de voto”. São normalmente figuras populares com pouca afeição a siglas partidárias, pois isso aumenta a votação geral do partido ou da coligação.

Sobre a proposta chamada “distritão”, afirma Abrucio que seu objetivo nobre é só eleger os mais votados pelos eleitores, sendo que,

Na verdade, essa proposta só reforça os piores vícios do sistema eleitoral. Primeiro e mais importante, porque vai aumentar gigantescamente a personalização da política brasileira. O partido contará cada vez menos e a busca pela democratização interna dos partidos será uma luta perdida. Ademais, o financiamento de despachantes de luxo tende a se consolidar.

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Afirma ainda que, se aprovado “esse exótico sistema eleitoral”, a representação ficará prejudicada e a governabilidade será mais custosa para os futuros presidentes.

O voto distrital misto, na explicação que consta no site do Senador Aécio Neves, é aquele em que o partido apresenta um candidato em cada distrito eleitoral (área de um estado demarcada como região eleitoral) e também uma lista de candidatos, de modo que metade das vagas é ocupada pelos candidatos distritais e a outra metade pelos candidatos apresentados na lista.

A Proposta de Emenda à Constituição n. 10, de 1995, cujo primeiro signatário é o ilustre Deputado ADHEMAR DE BARROS FILHO, tem por escopo modificar o sistema eleitoral brasileiro por meio da introdução do voto distrital misto, majoritário e proporcional, nas eleições para deputados federais, estaduais, distritais e territoriais.

Trata-se do já mencionado sistema de voto distrital misto do tipo alemão

De acordo com o Parecer da Comissão de Justiça e de Redação, “Ao justificar a iniciativa em exame, ressalta o nobre Autor que "esse sistema, já testado em países como a Alemanha, garante as eleições de parlamentares fortemente ligados às suas bases, podendo ter relacionamento mais próximo com seu eleitorado".

7.2. Voto de rejeição e recall

Fernando Rodrigues, em seu livro Políticos do Brasil, explica que, depois de cada crise política, é comum o surgimento de movimentos de protesto, sendo que um dos mais recorrentes prega o voto nulo. Não podemos deixar de concordar com o referido autor quando o mesmo afirma que nada pode ser mais deletério para a democracia do que acreditar que votar em ninguém ajudará a melhorar o sistema. (RODRIGUES, 2006, p. 185).

Conforme o autor,

Os protagonistas desses movimentos são em geral bem intencionados. Acreditam que deputados e senadores poderiam perceber o desinteresse do eleitorado por causa da alta taxa de votos nulos. Dessa forma, os congressistas passariam a ser mais responsáveis no seu dia a dia. Também na esteira de movimentos de voto nulo propagam-se mitos desconectados da realidade. Por exemplo, o de que, se mais de 50% dos votos forem anulados, uma segunda eleição seria realizada sem os candidatos rejeitados. Trata-se de uma falsa informação, possivelmente derivada de uma leitura equivocada da lei 4737 (de 15 de julho de 1965), também conhecida como Código Eleitoral. De fato, o Código Eleitoral estipula a realização de nova eleição quando a “nulidade atingir a mais de metade dos votos”. Ao contrário do que alguns podem imaginar, entretanto, essa “nulidade” não se refere a votos nulos dados pelos eleitores, mas sim a problemas de fraude eleitoral que anulam os votos. São duas situações completamente diferentes. (RODRIGUES, 2006, p. 185).

O autor destaca o fato de que, se a maioria das pessoas votar nulo numa eleição, nada acontece, a não ser que a minoria votante dos candidatos apresentados acabará elegendo o Presidente da República, os governadores e os legisladores. Importante ressaltar o pensamento de Rodrigues, para quem os optantes pelo voto nulo terão apenas se auto - excluído do processo por decisão própria, além do fato de que o voto nulo apenas ajudar a perpetuar no poder aqueles mais desprovidos de compromisso com o avanço do sistema democrático. Ademais, “os políticos que não dependem de voto ideológico têm meios de garantir seus apoios de uma parcela da população que tende a ficar imune aos apelos de campanhas que pregam o voto nulo”. (RODRIGUES, 2006, p. 186). De fato, conforme o autor, a melhor maneira de protestar contra algum político não é votando nulo, mas sim no seu adversário. A seguir, o autor apresenta as interessantes ideias do voto de rejeição e do recall, embora afirme que seja um projeto de difícil aceitação pelos legisladores. Segue a explicação do autor:

O sistema funciona de maneira simples. Além de escolher um deputado, o eleitor teria o direito de registrar um voto contra algum candidato que não desejasse ver eleito. Cada “voto de rejeição” cancelaria um voto positivo recebido pelo mesmo candidato. Com o “voto de rejeição”, congressistas que renunciam ao mandato para escapar de punição receberiam sua sentença verdadeira nas urnas, diretamente dos eleitores – um argumento ironicamente usado pelos próprios deputados e senadores que abandonam o cargo para tentar voltar numa eleição seguinte. Além dessa ferramenta a ser exercida no dia do pleito, outro mecanismo, este já presente em várias democracias, é o instrumento do recall. Serviria para que os eleitores, ao longo do mandato de um político, fizessem uma avaliação sobre se o desempenho é ou não satisfatório. Em caso de reprovação, o mandato seria encerrado antes do tempo, e nova eleição seria realizada. Procedimento complexo no período em que tudo era feito em papel, o recall passa a ser algo operacionalmente simples com o sistema de voto eletrônico. Sua adoção e o voto de rejeição dependem de decisão do Congresso. É irreal imaginar que tais medidas serão adotadas no curto prazo. São mecanismos que se adaptam apenas a sistemas democráticos mais avançados e completos que o brasileiro. (RODRIGUES, 2006, p. 18).

Vinicius Cordeiro explica:

O recall é o instituto de direito político, de caráter constitucional ou não, possibilitando que parte do corpo eleitoral de um ente político (País ou a União Federal, Estados, Províncias, Distritos ou Municípios) convoque uma consulta popular para revogar o mandato popular antes conferido. No comento de PAULO BONAVIDES, o recall "é a forma de revogação individual. Capacita o eleitorado a destituir funcionários, cujo comportamento, por qualquer motivo, não lhe esteja agradando". Outra conceituação colacionada, é a de que, o recall consiste em "forma de poder político exercido pelo povo para revogar a eleição de um Deputado ou Senador estadual, para destituir um funcionário eleito ou ainda para reformar uma decisão judicial sobre a constitucionalidade de uma lei".(CORDEIRO, 2005, p. 1)

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Sobre a autora
Anna Luiza de Araújo Ceroy Cesar

Advogada. Pós graduada em Direito do Trabalho pelo Pro Labore. Pós Graduada em Direito Público pela Faculdade de Direito Milton Campos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CESAR, Anna Luiza Araújo Ceroy. A constitucionalidade e a conveniência da Proposta de Emenda Constitucional nº 43, de 2011, do Senado Federal, que dispõe sobre o sistema proporcional de lista fechada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3852, 17 jan. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26431. Acesso em: 27 abr. 2024.

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