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Princípios implícitos e explícitos do direito penal na Constituição Federal

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4 PRINCÍPIOS EXPLÍCITOS

                   Todos os princípios explícitos do direito penal na Constituição Federal abordados no presente trabalho são provenientes da Constituição Federal de 1988: a) princípio da dignidade da pessoa humana, artigo 1º, III, 5º, III, CF/88; b) princípio do devido processo legal, artigo 5º, LIV, CF/88; c) princípio da proibição da prova ilícita, artigo 5º, LVI, CF/88; d) princípio do Juiz e Promotor Natural, artigo 5º, LXXVII, LIII, CF/88; e) princípio do contraditório e da ampla defesa, artigo 5º, LV, CF/88; f) princípio da presunção de inocência ou não-culpabilidade, artigo 5º, LVII, CF/88; g) princípio da celeridade e razoável duração do processo, artigo 5º, LXXVIII, CF/88.       

                   Vários são os princípios explícitos do direito penal na Constituição Federal, entretanto, trataremos apenas dos princípios supracitados. Além do mais, é pacífico na doutrina e jurisprudência pátria que todos os direitos e garantias individuais são cláusulas pétreas no atual ordenamento jurídico brasileiro, inclusive os princípios mencionados, não podendo ser objeto de proposta de emenda constitucional tendente a abolir tais direitos, conforme artigo 60, § 4º, IV, da Carta Magna.

4.1 Dignidade da Pessoa Humana

                   A noção de dignidade da pessoa humana ganhou nova dimensão racional e passou a irradiar efeitos jurídicos, por influência de Immanuel Kant[4]. O homem, deixou de se fundar da ideia do direito divino e da moral religiosa, e lança-se no racionalismo, ele passa a ser compreendido por sua natureza racional, adquire capacidade de autodeterminação. O princípio em tela aspira reconhecimento universal, a partir de sua inclusão no artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos do Homem[5], da ONU, de 1948. (CARVALHO, 2009, p. 25 e 26).  

                   A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito tem como fundamento a dignidade da pessoa humana. Sendo todos iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, pois ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante, de acordo com os artigos 1º, III, 5º, caput, III, da Carta Magna.

                   A forma do Estado brasileiro é nitidamente Democrático de Direito, e possui como fundamento o princípio da dignidade da pessoa humana. Além disso, mencionado princípio é também um direito fundamental, seu próprio sentido restringe tratamento desumano ou degradante. Entretanto, existem duas correntes doutrinárias sobre a restrição da dignidade da pessoa humana: a primeira sustenta a tese da impossibilidade de imposição de limites à dignidade da pessoa humana por princípios constitucionais; a segunda admite sua restrição pela ponderação, no caso em concreto. Compartilho entendimento da segunda corrente, pois nenhum direito é absoluto no direito processual penal, é necessário impor restrições à dignidade da pessoa humana, por exemplo, quando o juiz elabora autorização judicial para mandado de busca e apreensão domiciliar ou até mesmo mandado de prisão.

                        A essência do próprio Estado é assegurar a dignidade das pessoas. Para Ingo Wolfgang Sarlet, o princípio da dignidade da pessoa humana possui a maior hierarquia valorativa de todos os princípios reconhecidos constitucionalmente e, assim, os direitos fundamentais constituem explicitações da dignidade da pessoa humana. Para Daniel Sarmento, a dignidade humana é o epicentro da ordem constitucional e critério para integração dela, prestando-se para conhecimento de direitos fundamentais atípicos. (CARVALHO, 2009, p. 26).  

                        Portanto, a República Federativa do Brasil assegura a dignidade da pessoa humana, um Direito Processual que confere ao acusado o direito a ser acusado de forma legal e justa, um direito de provar, contra provar, alegar e defender-se de forma ampla, em processo público, com paridade de condições às partes.          

4.2 Devido Processo Legal

                        O Devido Processo Legal, como princípio constitucional, significa o conjunto de garantias de ordem constitucional, que de um lado asseguram às partes o exercício de suas faculdades e poderes de natureza processual e, de outro, legitimam a própria função jurisdicional (CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO, 2006, p. 88).

                   O princípio constitucional do Devido Processo Legal é utilizado como forma de proteção das garantias individuais, em especial as expressamente previstas no artigo 5º, LIV, da Constituição Federal de 1988, a vida, a liberdade e a propriedade. Conforme (MORAES, 2006, p.93):

O Devido Processo Legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção do direito de liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado e plenitude de defesa (direito à defesa técnica, à publicidade do processo, à citação, de produção ampla de provas, de ser julgado pelo juiz competente, aos recursos, à decisão imutável, à revisão criminal).

                   A classificação doutrinária do princípio constitucional do Devido Processo Legal é proposta em formal ou processual e em material ou substancial. O aspecto procedimental é mais restrito do que o substancial e sua característica principal é o respeito aos dispositivos legais. Ao passo que o substancial possui um alcance mais amplo que o lado procedimental, pois se manifesta em todos os ramos do Direito, tutelando o direito material do cidadão em processos judiciais, civis, criminais, tributários, procedimentos administrativos, militares e até nos procedimentos do Estatuto da Criança e do Adolescente.

                   São manifestações da cláusula do Devido Processo Legal, em sentido processual, garantir-se aos litigantes: acesso à justiça (direito de ação e de defesa), igualdade de tratamento, publicidade dos atos processuais, regularidade do procedimento, contraditório e ampla defesa, realização de provas, julgamento por um juiz imparcial (natural e competente), julgamento de acordo com provas obtidas licitamente e fundamentação das decisões judiciais (NERY JÚNIOR2, 2006, p. 134).

                   O Devido Processo Legal, processualmente, proporciona forma e matéria ao Estado Democrático de Direito brasileiro, agregando noções de justiça, igualdade jurídica, respeito aos direitos fundamentais e à possibilidade efetiva das partes em obter o acesso à justiça, da forma mais ampla possível. O objetivo é tornar o processo judicial (civil, penal, tributário ou administrativo) pleno de direitos às partes em juízo, garantindo um processo justo, com direito aos seus corolários. O tipo de processo é que determina a forma e o conteúdo da incidência do princípio.

                   O aspecto material ou substantivo do Devido Processo Legal corresponde aos elementos materiais necessários para a caracterização de um Estado Democrático de Direito brasileiro. É responsabilidade do Poder Legislativo compreender o princípio constitucional do Devido Processo Legal, para que possa respeitá-lo e editar atos razoáveis, pois é incoerente admitir a produção de lei arbitrária. Através do controle de constitucionalidade dos Atos do Poder Legislativo[6], o Poder Judiciário aplicará o Devido Processo Legal, controlando as demais normas da Constituição Federal.

                   O Devido Processo Legal substancial se manifesta no direito administrativo (princípio da legalidade), no direito civil (liberdade de contratar e direito adquirido), no direito penal (proibição de retroatividade de lei penal), no direito tributário (princípios da anualidade e incidência única), no próprio direito constitucional (garantias dos direitos fundamentais) (NERY JÚNIOR2, 2006, p. 134).     

                   O Devido Processo Legal substancial está previsto no próprio direito de ação (art.5º, XXXV, da CF/88/88) e na obrigatória fundamentação de todas as decisões judiciais e administrativas (art.93, IX e X, da CF/88/88). Ele é aplicável a todos os ramos do direito.

                   A existência do Devido Processo Legal substancialmente é reforçada pela Constituição Federal, e, como decorrência, exige zelo à razoabilidade e à proporcionalidade das leis. Para (FERREIRA, 2009, p.02): “a razoabilidade e a proporcionalidade das leis e os atos do Poder Público são inafastáveis, considerando-se que o Direito tem conteúdo justo”.

                   O conteúdo do Devido Processo Legal é indispensável a um processo com garantias mínimas de meios e de resultados. Processualmente, pela observância dos princípios e garantias estabelecidas pela Constituição Federal e legislações infraconstitucionais, e materialmente por um julgamento justo.     

4.3 Proibição da Prova Ilícita

                   Decorrência direta do Devido Processo Legal (art.5º, LIV, da CF/88⁄88), a regra da proibição da prova ilícita reflete no cenário constitucional como proteção, no âmbito do processo, dos direitos à inviolabilidade da intimidade e da privacidade, bem como o sigilo da correspondência e das comunicações (art. 5º, X e XII, da CF/88⁄88). Aplica-se a vedação das provas ilícitas a todos os ramos processuais do direito brasileiro.                

                   As provas obtidas por meios ilícitos[7] são consideradas inadmissíveis e, portanto, inutilizáveis no processo administrativo ou judicial, nos termos do artigo 5º, LVI, da Constituição Federal de 1988. A regra geral é a admissibilidade das provas lícitas, nos termos do artigo 332 do Código de Processo Civil: “todos os meio legais, bem como os moralmente legítimos, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa”.

                   A prova é proibida quando caracteriza violação de normas legais ou de princípios do ordenamento no âmbito processual ou material. A doutrina divide as provas em ilícitas, as que são vedadas pelo ordenamento jurídico, tendo em vista o interesse Público na condução do processo, e ilegítimas, as que ferem normas de Direito Processual no momento da produção da prova, podendo ser declarada a nulidade absoluta a qualquer tempo pelo juiz.

                   É pacífico que caso a prova seja derivada, direta ou indiretamente, de prova obtida ilicitamente, terá sido contaminada e, portanto, igualmente ilícita, não podendo produzir efeitos no processo penal. Assim, é vedado no ordenamento jurídico brasileiro a teoria americana dos frutos da árvore envenenada. Ninguém pode ser investigado, denunciado ou condenado com base, unicamente, em provas ilícitas.  

4.4 Juiz e Promotor Natural

                   A doutrina aponta um tríplice aspecto do juiz natural: 1) Não haverá juízo ou tribunal ad hoc, isto é, tribunal de exceção; 2) Todos têm o direito de se submeter a julgamento (civil ou penal) por juiz competente, pré-constituído nas normas constitucionais; 3) O juiz competente tem de ser imparcial (NERY JÚNIOR1, 2009, p.126).

                   O juiz deve ser alguém estranho às partes, sob pena de desobediência do princípio do juiz natural, que exige não só um órgão com competência constitucional preestabelecida, mas também um juiz imparcial, sob pena de violar a garantia do processo justo (CÂMARA, 2007, p.48). 

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                   O princípio do juiz natural visa garantir a atuação de um juiz competente indicado nas normas constitucionais do Estado Democrático de Direito. Reza o texto constitucional que “não haverá juízo ou tribunal de exceção” (art. 5º, XXXVII, da CF/88/88) e que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente” (art.5º, LIII, da CF/88/88), comandos que, em conjunto, consubstanciam o princípio do juiz natural. Somente pode ser reputado como órgão jurisdicional aquele que esteja investido de jurisdição.

                   O artigo 129, I, da Carta Magna conferiu ao Ministério Público a titularidade exclusiva da ação penal pública. Dessa forma, o acusado tem o direito não apenas de ser julgado por um órgão independente do Estado, mas, até mesmo antes disso, o de receber a acusação por um Promotor de Justiça independente do Ministério Público, escolhido previamente segundo critérios e atribuições legais, abolidos não só o procedimento de ofício e a acusação privada, como também o acusador público de encomenda, escolhido pelo Procurador-Geral de Justiça. (NERY JÚNIOR1, 2009, p.167).

                   O Supremo Tribunal Federal entende que o princípio do promotor natural[8] consagra uma garantia de ordem jurídica, destinada a proteger tanto o membro do Ministério Público, na medida em que lhe assegura o exercício pleno e independente de seu ofício, através das cláusulas da independência funcional e da inamovibilidade dos membros da instituição, bem como, quanto a tutelar a própria coletividade.

                   Para que seja respeitado o princípio do promotor natural é necessário observar quatro requisitos: a) investidura no cargo de Promotor de Justiça; b) a existência de órgão de execução; c) a lotação por titularidade e inamovibilidade do Promotor de Justiça no órgão de execução, exceto nas hipóteses legais de substituição e remoção; d) a definição em lei das atribuições do órgão. (CARNEIRO apud NERY JÚNIOR1, 2009, p.167).

                   Portanto, a pré-constituição de um juiz e promotor natural, investido das atribuições constitucionais antes do fato a ser perseguido, atende ao comando do princípio em análise.

4.5 Contraditório e Ampla Defesa

                   A combinação do princípio do Devido Processo Legal (art. 5º, LIV da CF/88∕88) com os princípios da inafastabilidade de jurisdição (art. 5º, XXXV da CF/88∕88)[9], da plenitude do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV, da CF/88∕88), afirmam as garantias processuais do indivíduo no Estado Democrático de Direito (PAULO e ALEXANDRINO, 2008, p.71).

                        O princípio do contraditório e da ampla defesa são corolários do Devido Processo Legal, nos termos do artigo 5º, LV, da Constituição Federal de 1988: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Conforme (CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO, 2006, p. 63):

Tratando-se de direitos disponíveis, não deixa de haver o pleno funcionamento do contraditório ainda que a contrariedade não se efetive. É o caso do réu em processo cível que, citado em pessoa, fica revel (CPC, art. 319). Sendo indisponível o direito, o contraditório precisa ser efetivo e equilibrado: mesmo revel o réu em processo crime, o juiz dar-lhe-á Defensor (CPP, arts. 261 e 263) e entende-se que, feita uma defesa abaixo do padrão mínimo tolerável, o réu será dado por indefeso e o processo anulado (Súmula 523 do Supremo Tribunal Federal).

                   O contraditório[10] corresponde ao binômio informação e possibilidade de manifestação ou reação (ciência bilateral dos atos e termos do processo com a possibilidade de impugná-los). É o direito que tem o requerido de contraditar tudo o que é levado pelo requerente ao processo. Ambos têm o direito de tomar conhecimento de todos os atos processuais da questão deduzida em juízo, mediante os atos de comunicação processual representados pela citação[11], intimação[12] e pela notificação[13]. O contraditório imediato ocorre quando a prova é produzida em audiência, por exemplo, produção de oitiva de testemunhas; ao passo que o contraditório mediato é o adiamento da produção de determinada prova, por exemplo, prova pericial.

                   A ampla defesa assegura às partes o direito de trazer ao processo, administrativo ou judicial, todos os elementos das provas licitamente obtidas para provar a verdade, possibilitando iguais oportunidades no plano processual, de contraditar as provas produzidas, contra provar, contra alegar e recorrer em face dos provimentos jurisdicionais (para fazer valer as razões perante as instâncias superiores), objetivando a persuasão racional do magistrado.

                   Da ampla defesa decorre o interesse Público, ela é direito essencial no Estado de Direito brasileiro e é aplicável a qualquer processo que envolva o poder sancionador do Estado sobre as pessoas físicas e jurídicas. Ambas as partes possuem o direito de igualdade de armas, mediante o equilíbrio no processo civil, e da acusação e defesa no processo penal. Objetiva-se o direito ao procedimento adequado, não apenas conduzido pelo contraditório e pela ampla defesa, mas também é imprescindível a análise da relação de direito material das pessoas que provocam o Poder Judiciário (CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO, 2006, p.89). (Grifos Nossos).

                   O Supremo Tribunal Federal firmou entendimento de que o postulado da ampla defesa e do contraditório incluem: a) direito de as partes obterem informação de todos os atos praticados no processo; b) direito de manifestação, oral ou escrita, das partes acerca dos elementos fáticos e jurídicos constantes do processo; c) direito das partes de ver seus argumentos considerados (PAULO e ALEXANDRINO, 2008, p.73). 

                   Decorre da ampla defesa o princípio da auto-incriminação, segundo o qual o acusado não pode se incriminar, sendo ineficaz qualquer ato que importe auto-incriminação no processo penal e nula a sentença que tiver sido proferida com fundamento apenas no ato de auto-incriminação, pois ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo[14].                      

4.6 Presunção da inocência ou não-culpabilidade

                   A Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU acolheu-o em 1948. A partir daí, o princípio foi sendo introduzido em diversas legislações. Pela primeira vez, o Brasil, através da Constituição Federal de 1988 reconheceu o princípio da não-culpabilidade: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, nos termos do artigo 5º, LVII, da Carta Maga”. Outro ponto digno é que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos o consagra no artigo 8º, nº. 2, estende a inocência enquanto não se comprove a culpabilidade do réu.    

                   Existe uma corrente doutrinária que diferencia presunção de inocência de não-culpabilidade. A tese argumenta que não é possível presumir a inocência do réu, se contra ele já estiver sido instaurada ação penal, pois há suporte probatório mínimo. O que é possível presumir é a não-culpabilidade, até que sobrevenha trânsito em julgado da sentença penal condenatória.   

                   Para Girolamo Bellavista, a presunção de inocência é uma presunção legal de natureza política, mais próxima das funções judiciais do que das presunções judiciais, que é um procedimento lógico pelo qual o juiz deduz fato desconhecido daquele que é conhecido. Assim, para supracitado autor, não há qualquer diferença entre presunção de inocência e presunção de não-culpabilidade: “quando não é presumível a culpa, é presumível a inocência”, esse princípio fundamenta o in dúbio pro reo, agasalhado no artigo 386, VI do Código de Processo Penal. Ferrajoli vislumbra no vínculo jurisdicional em sentido lato, que não haja culpa sem juízo, e em sentido estrito, que não haja juízo sem que a acusação se sujeite à prova e à refutação, sendo a presunção de inocência do imputado até prova contrária pela sentença definitiva de condenação. (CARVALHO, 2009, p. 162).       

                   Entendo que não existem diferenças entre o princípio da presunção de inocência e não-culpabilidade. Entretanto, outro ponto digno de nota é que a doutrina majoritária entende a presunção de inocência como princípio político que conecta o processo penal com as escolhas político-constitucionais que o hospedam e governam, concretizando a ponderação dos bens da segurança social e do direito à liberdade. A presunção de inocência evita a ideia de reformatio in pejus, reforçando a ampla defesa.

                   Em virtude do princípio da presunção da inocência, no sistema processual brasileiro admitem-se duas modalidades de prisão: definitiva, em razão de condenação; e cautelar, em virtude de uma cognição provisória para resguardar o fim do processo e da pena. Dessa forma, é admitida constitucionalmente a prisão em flagrante, conforme artigo 5º, LXI, da Carta Magna, bem como, infraconstitucionalmente, através das prisões preventiva e temporária, conforme artigo 312 do Código de Processo Penal.

                   Antigamente o Supremo Tribunal Federal tinha posição entendendo legítima a expedição de mandado de prisão, mesmo havendo sido interposto recurso especial e extraordinário. Atualmente, porém, a Suprema Corte tem entendido que somente o trânsito em julgado autoriza a expedição do mandando de prisão, vejamos:

EMENTA: INCONSTITUCIONALIDADE DA CHAMADA “EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA”. ART. 5º, LXVII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL.

O artigo 637 do CPP estabelece que “o recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do translado, os originais baixarão à primeira instância para a execução da sentença”. A Lei de Execução Penal condicionou a execução da pena privativa de liberdade ao trânsito em julgado da sentença condenatória. A Constituição do Brasil de 1988 definiu, em seu artigo 5º, LVII, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Daí a conclusão de que os preceitos veiculados pela Lei n. 7.210/84, além de adequadas a ordem constitucional vigente, sobrepõem-se, temporal e materialmente, ao disposto no artigo 637 do CPP. Disso resulta que a prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada a título cautelar. STF. RHC 89.550-SP, 2º Turma, DJU 27/04/2007, Min. Eros Grau.                           

                   Por fim, tanto o Supremo Tribunal Federal como o Superior Tribunal de Justiça têm entendido que se o réu respondeu solto ao processo, pode apelar solto, mas se respondeu preso, deve apelar preso. E qualquer dispositivo infraconstitucional que ordene prisão deve ser interpretado conforme a Constituição, devidamente em conformidade com o princípio constitucional da presunção da inocência e o direito de permanecer em silêncio, artigo 5º, LVII e LXIII.                     

4.7 Celeridade e Razoável Duração do Processo

                   A Emenda Constitucional número 45, promulgada em 02.12.2004, acrescentou ao rol dos direitos fundamentais do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, o inciso LXXVIII, estabelecendo o princípio constitucional da celeridade e razoável duração do processo: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. O princípio da celeridade razoável duração do processo é corolário do Devido Processo Legal e desdobra-se no direito de ação (CF/88 5º. XXXV), pois visa a garantir o direito de se obter a tutela jurisdicional.  Conforme (NERY JÚNIOR1, 2009, p. 315), a celeridade e a razoável duração do processo devem ser aferidas mediante critérios objetivos:

a) A natureza do processo e complexidade da causa; b) o comportamento das partes e de seus procuradores; c) a atividade e do comportamento das autoridades judiciárias e administrativas competentes; d) a fixação legal de prazos para a prática de atos processuais que assegure efetivamente o direito ao contraditório e ampla defesa. 

                   A efetivação da ação não depende apenas de técnicas processuais (tutela antecipatória contra o receio de dano e tutela cautelar) capazes de impedir que o dano interino ao processo possa causar prejuízo de direito material. O direito de ação exige que o tempo para a concessão da tutela jurisdicional seja razoável, mesmo que não exista qualquer perigo de dano (MARINONI, 2008, p. 224).

                   O princípio da duração razoável do processo considera a duração que o processo tem desde seu início até o final do trânsito em julgado, e auxilia com adoção de meios alternativos de solução de conflitos, aliviando a carga dos órgãos jurisdicionais e abreviando a duração média do processo. O objetivo é tornar mais amplo o acesso à justiça e mais célere a prestação jurisdicional.

           

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Sobre o autor
Eduardo Bello Leal Lopes da Silva

Bacharel em Direito, advogado. Pós graduado em direito constitucional pelo CEUT.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Eduardo Bello Leal Lopes. Princípios implícitos e explícitos do direito penal na Constituição Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6351, 20 nov. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55700. Acesso em: 4 mai. 2024.

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