Um casal de adquirentes de duas salas comerciais perante a incorporadora Barbará Engenharia e Construtora (o nome da SPE é: Luba 4 Empreendimentos Imobiliários Ltda.), no empreendimento Condomínio Edifício Evidence Offices, viu-se refém em uma situação bastante comum para aqueles compradores que não conseguem arcar com o pagamento da última parcela do contrato, também conhecida como parcela do financiamento, na medida em que ao procurar a vendedora para obter um distrato amigável dos negócio, a incorporadora simplesmente insistia na aplicação de cláusula leonina, através da qual pretendia praticar uma retenção de pesados 40% (quarenta por cento) de todos os valores pagos em contrato, em nítida afronta à Lei e ao entendimento jurisprudencial dominante sobre a matéria.
Após meses de reuniões e contatos por ambas as partes, a incorporadora teve a infeliz ideia de ingressar com uma ação de rescisão contratual na Justiça, tentando emplacar a retenção por ela própria estabelecida em contrato, deixando os compradores à míngua no que pertine à correta e justa restituição dos valores.
Os adquirentes decidiram então comprar a briga inaugurada pela incorporadora e fizeram valer seu direito à restituição de grande parte dos valores pagos, rechaçando a ingrata tentativa da incorporadora em praticar um confisco substancial das importâncias pagas em contrato.
O escritório MERCADANTE ADVOCACIA apresentou contestação nos autos da Ação de Rescisão Contratual perante o Foro Regional de Pinheiros de São Paulo, expondo a situação à Juíza do caso, concordando categoricamente com a intenção da incorporadora em desfazer os negócios por ato dos adquirentes, bem como obter a condenação da incorporadora na restituição de 90% (noventa por cento) dos valores pagos em Contrato, devidamente corrigido e acrescido de juros legais de 1% (um por cento) ao mês.
A Juíza de Direito da 02ª Vara Cível do Foro Regional de Pinheiros de São Paulo, Dra. Andrea Ferraz Musa, em sentença datada de 19 de novembro de 2015, JULGOU PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação mas apenas para consolidar a rescisão dos Contratos por ato dos compradores, que já estavam há meses em situação de inadimplência, além de condenar a incorporadora na restituição à vista de 90% (noventa por cento) sobre TODOS os valores pagos em Contrato, acrescido de correção monetária sobre cada um dos pagamentos (ou seja, correção retroativa!) e juros de 1% ao mês.
A Juíza fundamentou sua decisão no sentido de que o comprador de imóvel na planta não pode sofrer com o confisco substancial pretendido pela incorporadora, ainda que consta no contrato cláusula de irretratabilidade e irrevogabilidade, sendo certo que a incorporadora deve restituir parte considerável dos valores pagos.
Nas palavras da magistrada:
- “Necessário frisar que entre as partes há verdadeira relação de consumo. Isso porque a autora é fornecedora de produtos, que tem os réus como seu destinatário final.
- Assim, se os réus encaixam-se no conceito de consumidor dado pelo art. 2º da Lei 8.078/90, também é certo que a autora igualmente encaixam-se na definição de fornecedor, dada pelo art. 3º, daquela mesma lei, uma vez que é pessoa jurídica que desenvolve atividade de comercialização de produtos.
- Dessa forma, é aplicado o Código de Defesa do Consumidor ao caso em tela. Portanto, o contrato deve ser analisado sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor, tendo os réus como partes hipossuficientes, sendo o contrato evidentemente de adesão.
- A rescisão do contrato em face da impossibilidade dos réus quitarem a parcela final é incontroversa. Ora, a rescisão se opera como consequência do não pagamento das parcelas previstas no contrato. Assim, necessário reconhecer que a rescisão contratual já se operou.
- A controvérsia cinge-se, porém, quanto às consequências da rescisão.
- A autora pretende fazer valer a cláusula VIII do contrato, que prevê a retenção de 10% do valor pago, além de valores que deverão ser apurados, tais como contribuição ao PIS à taxa vigente sobre os valores até então recebidos, atualizados monetariamente; contribuição ao CONFINS à taxa vigente sobre os valores até então recebidos, atualizados monetariamente; outros impostos, tributos, contribuições, etc.
- Obviamente, a cláusula estipulou cláusula cujo cálculo é de difícil acesso e entendimento ao consumidor, que não detém os dados capazes de estimar o valor do desconto.
- Segundo os réus, no momento da rescisão contratual, com base em tal cláusula, a autora passou a exigir a retenção de 40% dos valores pagos.
- Ora, a perda de 40% dos valores pagos parece excessiva e abusiva, especialmente considerando que sua exigência decorre da redação de cláusula de difícil entendimento ao consumidor. Em contratos como o objeto da presente ação, firmado entre consumidor e construtora é nula a cláusula penal compensatória que estabelece a perda integral (ou quase integral) das parcelas pagas pelo inadimplente, consoante o art. 53 do Código de Defesa do Consumidor.
- O próprio Código Civil permite ao juiz que, nos casos de rescisão, reduza a cláusula penal proporcionalmente, com o objetivo de evitar o enriquecimento ilícito de qualquer das partes, aplicando o art. 413 do Código Civil.
- Assim, entendo que justo será que a ré seja autorizada a reter 10% do valor pago.
- Esse valor representa as perdas e danos da autora.
- Ante ao exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a demanda, e julgo extinto o feito, com fulcro no art. 269, inciso I, do Código de Processo Civil, para declarar rescindido o contrato objeto da demanda, bem como para determinar que a autora a devolva aos réus o valor pago (excluído o valor pago a título de comissão), podendo reter apenas 10% do mesmo. O valor deverá ser devidamente corrigido desde o efetivo pagamento, com juros de mora de 1% ao mês desde a citação e será apurado em fase de liquidação de sentença.”
Processo nº 1005946-78.2015.8.26.0011
Fonte: Tribunal de Justiça de São Paulo e Mercadante Advocacia (especialista em Direito Imobiliário e Rescisão de Contratos de Promessa de Venda e Compra de imóvel na planta)
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