Um casal de adquirentes de unidade residencial na planta no empreendimento denominado Condomínio B 103 Brooklin, na zona sul da cidade de São Paulo, perante a incorporadora Luni (o nome da SPE era: Luba 11 Empreendimentos Imobiliários Ltda.), obteve vitória perante o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, através da manutenção da sentença de primeira instância que havia decretado a rescisão do “Instrumento Particular de Promessa de Venda e Compra de unidade autônoma” por ato dos compradores que já não mais suportavam arcar com o pagamento das parcelas, determinando à incorporadora a devolução à vista de 80% sobre os valores pagos em Contrato, acrescidos de correção monetária desde a data do pagamento de cada parcela e juros legais de 1% (um por cento) a.m. a partir da data da citação até o momento da efetiva restituição dos valores.
A aquisição do projeto de imóvel na planta ocorreu em setembro de 2013, quando então os compradores assinaram o contrato perante a incorporadora.
Passados cerca de 3 anos da data da compra, os adquirentes se viram impossibilitados de continuar a arcar com o pagamento das parcelas e procuraram pela incorporadora, a fim de obter o distrato amigável do negócio. Para sua surpresa, foram informados pelo depto. financeiro da incorporadora de que até seria possível o cancelamento do negócio, porém, dos valores pagos em contrato, devolveria o equivalente a 50% (cinquenta por cento) dos valores pagos.
Inconformados com a resposta da incorporadora, os compradores procuraram o Poder Judiciário.
O escritório MERCADANTE ADVOCACIA ingressou com uma Ação de Rescisão Contratual perante o Foro Central de São Paulo, expondo a situação ao Juiz do caso e solicitando o desfazimento do negócio por ato dos compradores, bem como a condenação da incorporadora na restituição de grande parte dos valores pagos.
O Juiz de Direito da 27ª Vara Cível, Dr. Rogério Marrone de Castro Sampaio, em decisão datada de 07 de dezembro de 2016, afirmou textualmente que, de fato, os compradores tinham o direito à rescisão do negócio por insuportabilidade financeira e a incorporadora deveria restituir boa parte das importâncias pagas, condenando-a em primeira instância na restituição à vista do equivalente a 80% (oitenta por cento) sobre todos os valores pagos em contrato, acrescido de correção monetária desde a data de cada pagamento (correção monetária retroativa) e juros legais de 1% a.m. até o momento da efetiva devolução.
Inconformada com a sentença proferida na primeira instância, a incorporadora decidiu seguir com o processo mediante recurso de apelação interposto perante o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Recurso processado e devidamente distribuído perante a 5ª Câmara de Direito Privado, tendo como Relator o Desembargador Moreira Viegas, acompanhado dos Desembargadores Fábio Podestá e Fernanda Gomes Camacho, para analisar se o Juiz de Direito na primeira instância agiu corretamente ou não ao condenar a incorporadora na restituição de grande parte dos valores pagos em contrato.
Por votação unânime datada de 12 de abril de 2017, os Desembargadores entenderam por bem manter integralmente a sentença de primeira instância, para o fim de permitir que a incorporadora retivesse o equivalente a 20% (vinte por cento) dos valores pagos em contrato, devendo restituir o correspondente a 80% (oitenta por cento).
Para o Desembargador Relator, com a rescisão do negócio motivada por ato do comprador, as partes devem retornar ao estado anterior à compra, observando que no caso em análise a incorporadora deve devolver parte considerável dos valores pagos pelos compradores, uma vez que sequer tomaram posse do imóvel, o que não gera grandes despesas para a incorporadora.
Nas palavras do Desembargador:
- “A ação objetiva rescisão de compromisso de compra e venda cumulada com pedido devolução dos valores pagos, em decorrência da inviabilidade de a autora continuar adimplindo com o pagamento do contrato.
- É de se ressaltar, inicialmente, que se aplica à hipótese o Código de Defesa do Consumidor. Portanto, é de rigor a devolução das parcelas pagas, imediata e de uma só vez, corrigidas monetariamente, sob pena de se colocar o consumidor em situação de onerosidade excessiva, conforme dispõe o artigo 53 da citada norma e na esteira das Súmulas nº 1 e 2 deste Tribunal de Justiça.
- Assim, cristalino admitir-se a resolução até pelo simples inadimplemento do adquirente, por insuportabilidade do contrato, devendo o vendedor receber o imóvel objeto do contrato e o comprador os valores que pagou.
- Mas o percentual a ser restituído deve ser variável, e isso somente o caso concreto pode explicitar.
- Sem muita dificuldade, todavia e sobre esse tema quatro situações, genericamente consideradas, devem ser anotadas. Primeira, a mora exclusiva da devedora, que, por exemplo, não entrega a obra no prazo. A segunda, quando o comprador se coloca em mora, não efetuando o pagamento, mas de imediato pleiteia a rescisão. A terceira, quando o comprador se coloca em mora e somente depois de tempos é que toma a iniciativa. A quarta, quando a iniciativa é tomada pela própria alienante, diante da mora. A isso se acrescentem mais duas situações: o imóvel haver sido ou não ocupado, e bem a permanência nele, ainda, do comprador.
- Aliás, a referência nessa ordem não foi aleatória. Objetiva, claramente, demonstrar a gradação que a restituição deve ter em função desses elementos. A jurisprudência, por sinal, tem admitido a retenção de 10% a 30%, conforme as várias hipóteses.
- É obvio, não se desconhece, que essa prova demandaria debate amplo e específico, nem sempre possível ou de interesse das partes. Mas - e como é o caso não se verificando quer a onerosidade excessiva quer a teoria da imprevisão ao contrário, o inadimplemento singelo do autor por culpa sua, a retenção é devida.
- Aliás, alguma consequência para o descumprimento há de ser fixada, pena de incentivo ao inadimplemento, o que o direito não deve admitir.
- Ademais, sem ciência do intento de rescindir, não pode o credor repassar o bem a terceiro.
- No caso, a retenção de 40% sobre os valores pagos, conforme cláusula VIII, Capítulo 7º do instrumento (fls. 37) é excessivamente onerosa e configura enriquecimento indevido de uma parte em detrimento da outra, o que viola frontalmente o Código de Defesa do Consumidor.
- Assim, para que sejam reparados adequadamente os prejuízos sofridos, afigura-se razoável, na hipótese, que a retenção seja mantida no patamar de 20% (vinte por cento) dos valores pagos, haja vista que o imóvel sequer chegou a ser ocupado.
- Tal montante deverá ser atualizado pelos índices da Tabela Prática deste E. Tribunal de Justiça e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, a contar da citação (art. 405, do Código Civil).”
Ao final, por votação unânime, os Desembargadores da 5ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo negaram provimento ao recurso de apelação interposto pela incorporadora para o fim de manter a condenação em primeira instância na devolução à vista de 80% (oitenta por cento) dos valores pagos, acrescido de correção monetária retroativa desde cada desembolso e com juros de 1% a.m. a partir da citação até o momento da efetiva devolução.
Processo nº 1114230-73.2016.8.26.0100
Fonte: Tribunal de Justiça de São Paulo e Mercadante Advocacia (especialista em Direito Imobiliário e Rescisão de Contratos de Promessa de Venda e Compra de imóvel na planta)
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http://mercadanteadvocacia.com/decisao/rescisaodistrato-do-contrato-por-ato-do-comprador/
* O texto apresentado tem caráter meramente didático, informativo e ilustrativo, não representando consultoria ou parecer de qualquer espécie ou natureza do escritório Mercadante Advocacia. O tema comentado é público e os atos processuais praticados foram publicados na imprensa oficial.