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A ascensão do Poder Judiciário no Brasil democrático.

Algumas considerações sobre a judicialização da política

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Conclusões

No Brasil, as intervenções judiciais têm crescido paulatinamente tanto em número, como também no grau de importância das questões enfrentadas pelo Supremo Tribunal Federal nos últimos anos. Nesse sentido, se tem notado com certa frequência, a participação de políticos e de um conjunto de atores da vida pública no ambiente daquele Alto Tribunal, contribuindo intensamente para o estímulo de um fenômeno que tem sido denominado de judicialização da política, onde o corpo judicial assume o papel de verdadeiro protagonista no que se refere ao cumprimento das promessas do modelo de democracia constitucional.

A presença do Poder Judiciário, como via de acesso ou instrumento de transmissão das reivindicações coletivas e individuais, consiste em um fator de grande transformação social no Estado brasileiro. Entretanto, é necessário flexibilizar ou relativizar essa atuação inovadora, posto que pode levar à conversão do processo e dos tribunais, em uma arma na mão de partidos políticos para alcançar seus objetivos institucionais e, com isso, se manterem no poder. Tal hipótese compromete a legitimidade e independência daquele poder, necessárias para a manutenção da democracia e a proteção dos direitos fundamentais.

Enfim, a judicialização da política não pode trazer consigo a idéia de substituição das instâncias majoritárias pelos órgãos judiciais, posto que eles não devem se apoderar dos espaços deliberativos institucionalmente atribuídos aos poderes públicos, segundo a lógica democrática. Sob essa diretriz, o Poder Judiciário não deve se transformar no único canal apto para processar os pedidos e reivindicações da sociedade brasileira; porém, lhe compete promover o acesso dos cidadãos às instâncias de poder no sentido de fomentar um debate público sobre temas relevantes e conciliar os interesses divergentes no espaço político.


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Notas

[1] A expansão da atuação do Poder Judiciário no mundo está intimamente ligada à terceira onda de democratização que produziu um conhecimento acerca do controle judicial das leis. Mais de três quartos dos países do mundo consagram alguma forma de controle judicial de constitucionalidade ou de revisão judicial. Sobre isso, veja o artigo do norte-americano HOROWITZ, Donald. L. On Constitucional Court. Journal of Democracy, vol. 17, n° 4, october 2006, p. 125.

[2] O mecanismo de controle de constitucionalidade das leis teve uma grande influência sobre os sistemas de justiça de vários países ocidentais, constituindo um importante elemento político que outorga preponderância ao Poder Judiciário, como órgão central nas democracias modernas. Sua instituição e aplicação não só confere aquele poder à faculdade de invalidar os atos legislativos e executivos, como lhe cede uma margem de discricionariedade para atuar tanto no controle do processo legislativo como na execução de políticas públicas. Sobre o instituto do controle de constitucionalidade, veja LINARES, Sebastián. La (i) Legitimidad Democrática del Control Judicial de las Leyes. 1ª ed., Barcelona: Marcial Pons, 2008.

[3] HABERMAS, Jürgen. Sobre el Derecho y el Estado Democrático de Derecho en término de Teoría del Discurso: Facticidad y Validez. 3ª ed., Madrid: Trotta, 1996. Com respeito à distinção entre a atuação política e jurídica tem lugar a contribuição de Habermas. O sociólogo alemão parte de duas concepções inspiradas no sistema político norte-americano (liberal e republicana) para construir uma concepção normativa fundada no discurso racional denominada de procedimental de política deliberativa (peça nuclear do processo democrático e da noção de democracia). Tal modelo normativo, fundado na argumentação racional, envolve o equilíbrio entre esses dois interesses e fornece condições para que a judicialização da política alcance legitimidade. Para J. Habermas, a deliberação democrática e racional funciona como requisito essencial à legitimidade do Direito, onde a jurisdição constitucional aceita um papel procedimental de preservação dos direitos fundamentais com o propósito de cumprir com o processo democrático. Em função de tudo isso, o Poder Judiciário possui a prerrogativa de restringir a vontade da maioria com a finalidade de salvaguardar os valores e princípios democráticos, sem que essa intervenção na esfera dos demais poderes possa atentar contra a organização e manutenção do próprio Estado.  

[4] Neste ponto, faz-se necessário estabelecer uma distinção entre o que se denomina por ativismo judicial e a judicialização da política. Embora ocorram, com bastante frequência, algumas confusões em quanto ao uso dessas duas expressões, elas não só possuem origens distintas como também os seus fatores determinantes procedem de causas diversas. Primeiramente, a judicialização da política se refere à expansão da competência dos tribunais para controlar ou invalidar leis os atos normativos das instâncias representativas, a qual se materializa em função de um dado modelo constitucional adotado. Já a doutrina do ativismo judicial sugere aos juízes uma interpretação livre de todo vínculo com o texto da lei, ou seja, favorece a livre criação do direito constitucional por parte daqueles agentes da justiça com o fim de adaptar os valores constitucionais às necessidades da vida real, que só os juízes podem identificar mediante os seus sentimentos de justiça.

[5] É imprescindível advertir que a exposição das causas e condições necessárias ao surgimento da judicialização da política tem como referência a obra The Global Expansion of Judicial Power (1995) de C. Neal Tate y Torbjörn Vallinder. Os citados autores se preocuparam basicamente com a realidade dos países desenvolvidos, especialmente os Estados Unidos da América. No entanto, o fenômeno possui características diversificadas de acordo com as peculiaridades vividas em cada país. Dito isto, se faz do todo necessário examinar cada caso individual para que se possa discriminar, com mais propriedade, os fatores preponderantes que concorrem ao surgimento da judicialização da política em cada um deles.

[6] Informações extraídas do Banco Nacional de Dados da página web do Supremo Tribunal Federal (www.stf.gov.br).

[7] Matthew M. Taylor analisa uma das condições de manifestação da judicialização da política, qual seja a da utilização das cortes de justiça pelos partidos políticos no Brasil, a partir da experiência do Partido dos Trabalhadores (PT), considerado como principal força de oposição ao governo e importante ator na condução do processo governamental. O autor defende a tese de que o uso frequente das cortes de justiça pelos partidos políticos é resultado de três ordens de fatores distintos: (a) as relações travadas entre os partidos e os administradores públicos estatais (Poder Executivo); (b) a arquitetura institucional do Poder Judiciário; e (c) a importância dos diversos instrumentos judiciais previstos no ordenamento jurídico que dinamizam o exercício da jurisdição constitucional (como a ação direta de inconstitucionalidade). Para concluir, M.M Taylor assegura que o uso político dos tribunais de justiça no Brasil tem representado significativos avanços sobre o sistema democrático em virtude da sua enorme contribuição para o desenvolvimento político do país. Para mais detalhes, consultar o artigo de TAYLOR, Matthew M. El Partido de los Trabajadores y el Uso Político del Poder Judicial. Revista América Latina Hoy, agosto, año / vol.37. Salamanca: Universidad de Salamanca (Espanha), 2004, pp. 139/140.

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[8] Entre os casos que ilustram uma intervenção do Poder Judiciário na política exterior se pode citar: a decisão da Corte Constitucional Alemã sobre a constitucionalidade do Tratado de Lisboa cuja finalidade era a de comprovar União Européia estava violando ou não os mecanismos de revisão democrática (2008). Além do anteriormente mencionado, se encontra a sentença no caso Hamdan v. Rumsfeld (2006), quando a Suprema Corte de Justiça dos Estados Unidos determinou que o Poder Executivo respeitasse as normas da Convenção de Genebra a fim de conferir aos prisioneiros de Guantánamo (capturados no exterior), a mesma proteção conferida aos prisioneiros de guerra. Por outra parte, com relação à interferência das cortes internacionais na jurisdição nacional se destacam os exemplos que retratam uma atuação da Corte Interamericana de Direitos Humanos (como o caso da censura judicial do filme A última tentação de Cristo no Chile) e as experiências apresentadas pelo Tribunal Internacional de Direitos Humanos e também pelo Tribunal Penal Internacional.

[9] Sobre o conceito, evolução e trajetória histórica dos direitos humanos, veja PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e Justiça Internacional: um estudo comparativo dos sistemas regionais europeu, interamericano e africano. São Paulo: Saraiva, 2007. Para outra obra sobre o tema dos direitos humanos, NIKKEN, Pedro. La Protección Internacional de los Derechos Humanos: su desarrollo progresivo. 1ª ed., Madrid: Civitas, 1987.

[10] Ronald Dworkin defende o redimensionamento do direito em direção à construção de uma sociedade democrática apta para consagrar e solidificar o respeito pelos direitos individuais através do exercício da função judicial. O autor tem uma opinião bastante positiva a favor da revisão judicial dos atos deliberados na arena política no sentido de que, dessa maneira, se possa fortalecer a democracia e reduzir a ingerência dos chamados grupos de interesses no campo das políticas públicas. Tudo o que foi dito, está em DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. 2ª ed., São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 19.

[11]Para uma obra de referência, veja MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional. 5ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007.

[12]Gunther Teubner reconhece a existência de uma comunicação entre o direito e as relações sociais e admite, inclusive, a incorporação de instrumentos (políticos, econômicos, entre outros) ao subsistema jurídico através do processo de judicialização. TEUBNER, Günther. Juridification. Concepts, Aspects, Limits, Solutions. In: Günther Teubner (ed.). Juridification of Social Spheres. A Comparative Analysis in the Areas of Labor, Corporate, Antitrust and Social Welfare Law. Berlin/New York: Walter de Gruyter, 1987, p. 7.  

[13] O autor publicou um artigo muito esclarecedor acerca do papel do Ministério Público na defesa dos direitos da sociedade civil. Para outros detalhes, é importante consultar Rogério Bastos Arantes. Direito e política: o Ministério Público e a defesa dos direitos coletivos. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 14, n° 39, fevereiro de 1999, pp. 83–102.

[14] As sentenças aqui analisadas foram extraídas da base informática de dados da jurisprudência do STF (www.stf.gov.br).

[15] As ADC´s 29 e 30 foram julgadas procedentes. Em que pese a ADIn n° 4.578 que questionava o art. 1° (alínea m), o qual torna inelegível por oito anos quem for excluído do exercício da profissão, por decisão do órgão profissional competente, em decorrência de infração ético-profissional –, foi julgada improcedente, também por maioria de votos (seis contra cinco).

[16] A ADIn n° 4277 tinha como objetivo o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar e pedia que os mesmos direitos dos companheiros na união estável fossem estendidos aos companheiros nas uniões entre pessoas do mesmo sexo. Na ADPF n° 132, o governo do Rio de Janeiro alegou que o não reconhecimento da união dos homossexuais entra em colisão com os preceitos fundamentais (igualdade, liberdade e a dignidade da pessoa humana) chancelados pela Constituição Federal da República do Brasil. Partindo desse argumento, se requereu a aplicação do regime jurídico contido no art. 1.723 do Código Civil às uniões homoafetivas de funcionários públicos do Rio de Janeiro.

[17] O caso trata, basicamente, sobre a aplicação de princípios de direito penal internacional e o da nacionalidade ativa.

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Sobre o autor
João Marcelo Negreiros Fernandes

Bacharel em Direito pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR), Mestre em Direito Público pela Universidade de Salamanca (Espanha) e doutorando pela mesma Universidade.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERNANDES, João Marcelo Negreiros. A ascensão do Poder Judiciário no Brasil democrático.: Algumas considerações sobre a judicialização da política. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3364, 16 set. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22620. Acesso em: 4 nov. 2024.

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