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O Supremo Tribunal Federal e o ativismo judicial em matéria previdenciária:

análise de casos

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13/04/2014 às 13:40
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Trata-se de estudo acerca do ativismo judicial no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF), com ênfase para a atuação daquela corte constitucional em processos que envolvam o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS)

Introdução

O presente estudo perpassa por um dos temas que mais tem se destacado no cenário jurídico hodierno: o ativismo judicial.

Todavia, as análises acadêmicas sobre esta matéria nem sempre se valem de recortes específicos como o aqui concebido, cujo objeto direto é um ramo particular do conhecimento jurídico: o direito previdenciário.

Trata-se, como bem se sabe, de ramo jurídico permeado por nuances e peculiaridades que marcam todo e qualquer direito social. Não raramente, discute-se se o posicionamento do Poder Judiciário, indo além dos estreitos limites apregoados pelo legislador, não teria abandonado totalmente a técnica jurídica, em favor de uma manifestação de cunho meramente social ou assistencialista.

Além disso, as questões processuais e procedimentais envolvidas merecem debruçamento e reflexão. É forçoso se verificar se decisões de caráter ativista, que desconsideram a letra da norma jurídica em situações concretas, marcadamente em sede de controle difuso de constitucionalidade, se compatibilizam com o modelo vigente de jurisdição constitucional exercido na realidade institucional brasileira.

Em sede de delimitação dos interesses acadêmicos, é preciso registrar a afinidade pessoal do pesquisador com o objeto de estudo, em face da atividade docente por longo período desenvolvida no âmbito da Universidade Comunitária da Região de Chapecó – UNOCHAPECÓ, onde ministrava disciplinas de Direito Constitucional e de Direito Processual Constitucional.

Por fim, mas não com menor importância, é mister ressaltar que o estudo aqui realizado terá também importante aplicação prática no cotidiano profissional do pesquisador, na condição de Procurador Federal atuante na representação judicial e assessoramento jurídico do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, autarquia federal que administra e gerencia os benefícios previstos pela legislação previdenciária brasileira.

E é a luz destas perspectivas que foi construída a pesquisa. Em uma primeira parte, buscar-se-á elucidar os principais elementos e conceitos atinentes ao ativismo judicial, com uma breve incursão analítica acerca dos seus marcos históricos e teóricos, com o necessário contraponto ao seu extremo oposto, que é a autocontenção pelo próprio Poder Judiciário.

Em seguida, na segunda parte, o estudo se debruçará sobre a postura do Supremo Tribunal Federal em processos que tinham o INSS como parte ou que versavam sobre matérias afetas ao Direito Previdenciário. Com efeito, foram escolhidos cinco casos, a partir do cotidiano profissional e acadêmico do estudioso, com o viso de analisar a postura evidenciada pela corte constitucional em cada um deles, se ativista ou decorrente de autocontenção.

Espera-se, com isso, vislumbrar um “perfil” da corte constitucional relativamente às questões afetas ao direito previdenciário. Tal perfil deve ser concebido, como é cediço, entre as duas modalidades possíveis, referidas alhures, consistentes no ativismo e na autocontenção judicial.


1. A Jurisdição Constitucional e o Ativismo Judicial

A jurisdição costuma ser definida, em linhas gerais, como “[...] uma das funções do Estado, mediante a qual este se substitui aos titulares dos interesses em conflito para, imparcialmente, buscar a pacificação do conflito que os envolve [...]”. (CINTRA, p. 12)

Vê-se, portanto, que a jurisdição representa uma forma heterônoma de resolução de conflitos (litígios) e tem sede natural na figura do Estado, porquanto classificada como uma de suas principais funções.

É forçoso reconhecer, todavia, que o conceito de jurisdição sofreu importantes modificações ao longo do tempo. Afinal, com as transformações pelas quais passou a compreensão do próprio Estado, não seria viável a sobrevivência de tão singela concepção, a classificar a jurisdição como mecanismo de mera aplicação do Direito, pautado tão somente na neutralidade do juiz e na objetividade da norma jurídica.

Esta era, como é cediço, a concepção clássica, de viés normativista kelseniano, através da qual se compreendia que submeter o indivíduo, ainda que mediante solução heterônoma, à vontade da norma jurídica, seria submetê-lo à sua própria vontade.

Com efeito, a norma jurídica aplicada pelo julgador, mediante um exercício de simples subsunção (ou no máximo de interpretação), foi produzida pelo Poder Legislativo, sendo, portanto, fruto da atuação de um representante eleito pelo próprio jurisdicionado.

Fredie Didier Jr., ao abordar esta evolução do conceito de jurisdição, o faz de maneira bastante completa, anunciando uma série de fatos que evidenciam o cenário jurídico hodiernamente vigente, cujo impacto é tão relevante a compreensão da função jurisdicional, senão veja-se:

Não é mais possível utilizar a noção de jurisdição criada para um modelo de Estado que não mais existe, notadamente em razão de diversos fatores, tais como: i) a redistribuição das funções do Estado, com a criação de agências reguladores (entes administrativos, com funções executiva, legislativa e judicante) e executivas; ii) a valorização e o reconhecimento da força normativa da Constituição, principalmente das normas princípio, que exigem do órgão jurisdicional uma postura mais ativa e criativa na solução de problemas; iii) o desenvolvimento da teoria dos direitos fundamentais, que impõe a aplicação direta das normas que os consagram, independentemente de intermediação legislativa; iv) a criação de instrumentos processuais como o mandado de injunção, que atribui ao Poder Judiciário a função de suprir, para o caso concreto, a omissão legislativa; v) a alteração da técnica legislativa: o legislador contemporâneo tem-se valido da técnica das cláusulas gerais, deixando o sistema normativo mais aberto e transferindo expressamente ao órgão jurisdicional a tarefa de completar a criação da norma jurídica do caso concreto; vi) a evolução do controle de constitucionalidade difuso, que, dentre outras consequências, produziu entre nós a possibilidade de enunciado vinculante da súmula do STF em matéria constitucional, texto normativo de caráter geral, a despeito de produzido pelo Poder Judiciário. (DIDIER JR., 2009, p. 67/68)

Note-se, portanto, que é possível extrair do excerto doutrinário acima uma série de elementos que evidenciam a modificação, ao longo do tempo, do conceito de jurisdição.

E uma das características que mais chamam a atenção na vigente compreensão da jurisdição reside na notável ampliação dos poderes exercidos pelo órgão judicante.

Com o declínio do positivismo jurídico kelseniano, que cede espaço ao que se convencionou nominar “pós-positivismo jurídico”, eis que o aplicador por excelência da norma jurídica, órgão jurisdicional estatal, deixou de funcionar como mero intérprete da lei, passando a ostentar a condição de verdadeiro co-partícipe na criação do Direito.

Outra não é a conclusão que se extrai dos ensinamentos de Luís Roberto Barroso, em relevante escorço histórico sobre o constitucionalismo contemporâneo:

Antes de 1945, vigorava na maior parte da Europa um modelo de supremacia do Poder Legislativo, na linha da doutrina inglesa de soberania do Parlamento e da concepção francesa da lei como expressão da vontade geral. A partir do final da década de 40, todavia, a onda constitucional trouxe não apenas novas constituições, mas também um novo modelo, inspirado na experiência americana: o da supremacia da Constituição. A fórmula envolvia a constitucionalização dos direitos fundamentais, que ficavam imunizados contra a ação eventualmente danosa do processo político majoritário: sua proteção passava a caber ao Judiciário. (BARROSO, 2011, p. 263).

Na passagem acima, e em outras tantas que serão também aqui referidas, Barroso explora o chamado “neoconstitucionalismo”, uma tendência da ciência jurídica, que conferiu ao Direito Constitucional uma posição de absoluta centralidade, outrora ocupada pelo direito civil, e que tem como marco filosófico o que se convencionou chamar de pós-positivismo jurídico.

Com efeito, após o declínio do jusnaturalismo, que se afiava na existência de um direito natural e, portanto, passou a ser considerado metafísico e anti-científico, ganhou total destaque o chamado positivismo jurídico, cujo principal teórico foi Hans Kelsen, com sua clássica obra sobre a “Teoria Pura do Direito”.

No universo positivista se conferia exacerbado apego à norma jurídica e à função legiferante. O Judiciário, em sua função jurisdicional, deveria tão somente aplicar a lei aos casos concretos, não lhe cabendo se imiscuir no papel de “construção” do Direito, este ocupado claramente pelo legislador.

Não obstante, e sem demérito da maior cientificidade carregada pela compreensão positivista, tornou-se evidente em determinados momentos históricos que a prevalência de tal lógica, no afã de equiparar o direito à lei, terminava por subtrair do Direito, em não poucos casos, o conteúdo justo que lhe deveria ser inerente.

Foi o que aconteceu, por exemplo, no desenrolar dos regimes nazi-fascistas na realidade europeia, como bem menciona o próprio Barroso:

Em busca de objetividade científica, o positivismo equiparou o Direito à lei, afastou-o da filosofia e de discussões como legitimidade e justiça e dominou o pensamento jurídico da primeira metade do século XX. Sua decadência é emblematicamente associada à derrota do fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha, regimes que promoveram a barbárie sob a proteção da legalidade. Ao fim da 2a. Guerra, a ética e os valores começam a retornar ao Direito. (BARROSO, 2005).

É este, portanto, o cenário que faz surgir o “novo direito constitucional” propugnado pelo autor aqui estudado.

Em tempos contemporâneos, cabe ao Direito Constitucional funcionar como verdadeira “lente”, através da qual se enxerga todo e qualquer outro ramo jurídico. Foge-se, destarte, da concepção tradicional de constitucionalismo, como instrumento de mera limitação do poder político do Estado, e passa-se a conceber o texto constitucional como um valor em si próprio, dotado de máxima eficácia, eis que ali estão representadas as opções políticas da sociedade.

E é justamente o pós-positivismo jurídico que se marca, profundamente, pela reaproximação do conceito de direito com a “moral” e com a “ética” (volta a importar o chamado “conteúdo justo do direito”). Não se despreza, como é cediço, a importância da lei escrita. Mas se ressalta, de outra banda, a normatividade dos princípios e o papel do intérprete como verdadeiro partícipe na construção da norma em si.

E alguns relevantes marcos teóricos são hoje observados no neoconstitucionalismo. Um dos mais importantes deles é, sem dúvidas, o fortalecimento da jurisdição – e particularmente da jurisdição constitucional – aliado à emergência de novas categorias de interpretação jurídica, que conduzem a uma verdadeira revisão do papel exercido pelo julgador na construção e concepção do Direito.

Afasta-se, ademais, a centralidade da lei e do Poder Legislativo, com a criação de tribunais constitucionais (judicial review), de tal sorte que a última palavra em interpretação jurídica passa a caber, sempre e inevitavelmente, ao Poder Judiciário.

Os direitos fundamentais são constitucionalizados, o que lhes garante uma proteção e efetivação mais severa, muitas vezes em detrimento do sistema majoritário.

Ademais, tornam-se insuficientes os métodos clássicos de interpretação jurídica desenvolvidos por Savigny – métodos gramatical, histórico, sistemático e teleológico –, emergindo novas categorias para tal finalidade, tais como: cláusulas gerais e conceitos indeterminados; interpretação de princípios; colisão natural de normas constitucionais; ponderação (solução para a colisão de direitos); argumentação (hard cases).

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E tudo isso leva a uma nova definição da própria jurisdição, e marcadamente da jurisdição constitucional, a qual perpassa pela verdadeira “constitucionalização” de todos os ramos do sistema jurídico. Em virtude do caráter expansivo e irradiante das normas constitucionais, o direito passa a ser analisado sempre à luz da do texto constitucional, em fenômeno comumente chamado de filtragem constitucional.

Sobre este tema, veja-se interessante abordagem realizada pelo já referido constitucionalista Luís Roberto Barroso:

A interpretação jurídica tradicional desenvolveu-se sobre duas grandes premissas: (i) quanto ao papel da norma, cabe a ela oferecer, no seu relato abstrato, a solução para os problemas jurídicos; (ii) quanto ao papel do juiz, cabe a ele identificar, no ordenamento jurídico, a norma aplicável ao problema a ser resolvido, revelando a solução nela contida. Vale dizer: a resposta para os problemas está integralmente no sistema jurídico e o intérprete desempenha uma função técnica de conhecimento, de formulação de juízos de fato. No modelo convencional, as normas são percebidas como regras, enunciados descritivos de condutas a serem seguidas, aplicáveis mediante subsunção.

Com o avanço do direito constitucional, as premissas ideológicas sobre as quais se erigiu o sistema de interpretação tradicional deixaram de ser integralmente satisfatórias. Assim: (i) quanto ao papel da norma, verificou-se que a solução dos problemas jurídicos nem sempre se encontra no relato abstrato do texto normativo. Muitas vezes só é possível produzir a resposta constitucionalmente adequada à luz do problema, dos fatos relevantes, analisados topicamente; (ii) quanto ao papel do juiz, já não lhe caberá apenas uma função de conhecimento técnico, voltado para revelar a solução contida no enunciado normativo. O intérprete torna-se co-participante do processo de criação do Direito, completando o trabalho do legislador, ao fazer valorações de sentido para as cláusulas abertas e ao realizar escolhas entre soluções possíveis (BARROSO, 2005).

A revisão do papel do julgador fica bastante evidente quando considerada a interpretação jurídica tradicional e a que decorre das inovações sofridas pelo Direito Constitucional. Hodiernamente, confere-se ao Poder Judiciário, órgão estatal responsável pelo exercício da função jurisdicional, um poder muito mais relevante do que o exercido outrora.

A judicialização é, sem desassombro, um fenômeno que claramente demonstra o que aqui se deduz.

Diversas questões de natureza política ou social têm sido decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não por instâncias representativas da população (órgãos legiferantes e executivos). Vê-se, neste fenômeno, verdadeira transferência para juízes e tribunais de um papel decisório outrora exercido por representantes eleitos pela sociedade.

Mas para além da “judicialização da vida”, que perpassa pelo neoconstitucionalismo e até mesmo pela consolidação do próprio Poder Judiciário e de outras relevantes instituições, como o Ministério Público e a Defensoria Pública, eis que ganha corpo outro conceito relevante, e que constitui o objeto direto da presente pesquisa, que é o “ativismo judicial”.

Ao tratar deste tema, assim se manifesta Luís Roberto Barroso:

A judicialização e o ativismo judicial são primos. Vêm, portanto, da mesma família, freqüentam os mesmos lugares, mas não têm as mesmas origens. Não são gerados, a rigor, pelas mesmas causas imediatas. A judicialização, no contexto brasileiro, é um fato, uma circunstância que decorre do modelo constitucional que se adotou, e não um exercício deliberado de vontade política. Em todos os casos referidos acima, o Judiciário decidiu porque era o que lhe cabia fazer, sem alternativa. Se uma norma constitucional permite que dela se deduza uma pretensão, subjetiva ou objetiva, ao juiz cabe dela conhecer, decidindo a matéria. Já o ativismo judicial é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance. Normalmente ele se instala em situações de retração do Poder Legislativo, de um certo descolamento entre a classe política e a sociedade civil, impedindo que as demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva. (BARROSO, 2012)

Debruçando-se sobre a realidade brasileira, é possível cogitar que o cenário hodiernamente vigente é de verdadeiro ativismo por parte do Poder Judiciário, em suas variadas instâncias de atuação.

O Poder Judiciário, e mais particularmente o Supremo Tribunal Federal - STF, muitas vezes tem sido instado a atuar de forma bastante incisiva, sanando omissões dos Poderes Legislativo e Executivo ou corrigindo distorções geradas pelo processo democrático regular.

Não é demasiado asseverar que o STF, no mais das vezes, com o intento de preservar a incolumidade do texto constitucional e dos direitos fundamentais ali garantidos, chega a atuar de forma contramajoritária, indo de encontro ao posicionamento estabelecido por representantes eleitos pelo povo.

É o que ocorreu, por exemplo, quando o STF foi instado a se pronunciar sobre o tratamento legislativo conferido à união afetiva entre pessoas do mesmo sexo, decidindo por equivalê-la à união estável prevista no Código Civil vigente. Sem desassombro, trata-se de um caso emblemático de ativismo judicial contramajoritário, no qual o STF claramente substituiu o Poder Legislativo no tratamento de uma relevante questão, com o claro e único intento de garantir a fruição de direitos fundamentais por determinada categoria de indivíduos.

Todavia, é forçoso reconhecer que o ativismo judicial não é imune a críticas. A busca pela efetividade jurisdicional e pela realização de direitos fundamentais não pode e nem deve descuidar das garantias processuais dos litigantes, e tampouco é crível que, em todas as situações, possa o Poder Judiciário substituir a vontade dos mandatários da população (representantes eleitos).

Com efeito, um dos principais fundamentos do ativismo judicial está justamente na insuficiência de atuação do parlamento, cuja função legiferante, segundo alguns, não é desenvolvida a contento.

Tal fenômeno estaria inserto em algo maior, consistente na própria crise do sistema democrático representativo, fato que, não obstante alardeado por diversos autores, encontra discordância na opinião de outros tantos.

Com efeito, em artigo que analisa justamente o ativismo do Poder Judiciário brasileiro, Lenio Luiz Streck e Martônio Mont’Alverne Barreto Lima apontam para a existência de

[...] uma multidão de juristas a discursar a respeito de uma eventual má qualidade da representação política que chega a cada legislatura em Brasília e nas assembléias estaduais; todos recebem aplausos e são “apoiados” de todas as formas [...].(STRECK e LIMA, 2011)

Tal visão, todavia, não é compartilhada pelos referidos estudiosos. Ao contrário, em uma compreensão bem mais otimista da realidade observada, eles defendem que

[...] o legislativo brasileiro tem sido um dos mais atuantes do mundo – acumula as funções de legislar de fiscalizar e de julgar – sendo ele o responsável por uma consolidada democracia, que construiu uma das assembléias constituintes mais abertas do mundo, enfrentou o impeachment de um Presidente no escorreito limite da legalidade, tendo passado por escândalos de toda ordem sob todos os governos, corresponde a ignorar com preconceito o que o voto dos pobres, dos incultos também ajudou a produzir. (STRECK e LIMA, 2011).

Em tal análise, Streck e Lima concluem que a “aparente confusão” que impera nos Parlamentos em geral, e no Congresso Nacional brasileiro em particular, constitui um fenômeno intrínseco à vida política. Afinal, segundo os referidos autores, a política democrática é naturalmente conflituosa, já que o órgão legislativo evidencia nada mais que as tensões sociais decorrentes da heterogeneidade da sociedade que lhe constituiu.

E no ensejo, os autores supra referidos rechaçam justamente uma perspectiva bastante ativista, levada a efeito pelo então Presidente do STF, Ministro Cezar Peluso, que recomendava a criação de um sistema de controle de constitucionalidade preventivo na ordem jurídica brasileira, mediante o qual o Poder Executivo poderia, antes de sancionar um projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional, consultar o Poder Judiciário, através da sua corte suprema, no caso, o próprio STF.

A proposta acima referida (controle preventivo de constitucionalidade) denota claramente a postura ativista comumente assumida pelo Poder Judiciário. Mas para além disso, é preciso também reconhecer que, ao lado do ativismo, há episódios de efetiva autocontenção.

Com efeito, é bastante precisa a distinção atual de duas posturas jurisdicionais possíveis. Em oposição ao ativismo judicial, figura a autocontenção, definida com propriedade por Luis Roberto Barroso, como bem se vê do seguinte excerto doutrinário:

O oposto do ativismo é a auto-contenção judicial, conduta pela qual o Judiciário procura reduzir sua interferência nas ações dos outros Poderes. Por essa linha, juízes e tribunais (i) evitam aplicar diretamente a Constituição a situações que não estejam no seu âmbito de incidência expressa, aguardando o pronunciamento do legislador ordinário; (ii) utilizam critérios rígidos e conservadores para a declaração de inconstitucionalidade de leis e atos normativos; e (iii) abstêm-se de interferir na definição das políticas públicas. Até o advento da Constituição de 1988, essa era a inequívoca linha de atuação do Judiciário no Brasil. A principal diferença metodológica entre as duas posições está em que, em princípio, o ativismo judicial procura extrair o máximo das potencialidades do texto constitucional, sem contudo invadir o campo da criação livre do Direito. A auto-contenção, por sua vez, restringe o espaço de incidência da Constituição em favor das instâncias tipicamente políticas.

[....]

O binômio ativismo-autocontenção judicial está presente na maior parte dos países que adotam o modelo de supremas cortes ou tribunais constitucionais com competência para exercer o controle de constitucionalidade de leis e atos do Poder Público. O movimento entre as duas posições costuma ser pendular e varia em função do grau de prestígio dos outros dois Poderes. No Brasil dos últimos anos, apesar de muitos vendavais, o Poder Executivo, titularizado pelo Presidente da República, desfruta de inegável popularidade. Salvo por questões ligadas ao uso excessivo de medidas provisórias e algumas poucas outras, é limitada a superposição entre Executivo e Judiciário. Não assim, porém, no que toca ao Congresso Nacional. Nos últimos anos, uma persistente crise de representatividade, legitimidade e funcionalidade no âmbito do Legislativo tem alimentado a expansão do Judiciário nessa direção, em nome da Constituição, com a prolação de decisões que suprem omissões e, por vezes, inovam na ordem jurídica, com caráter normativo geral. (BARROSO, 2012)

Note-se, portanto, que, segundo o referido autor, a depender da realidade institucional vivida pelo Estado, é perfeitamente possível a coexistência de posturas ativistas e de autocontenção por parte do Poder Judiciário.  Trata-se, como ele bem ressalta, de um movimento pendular, a depender do grau de prestígio e da forma de atuação das instâncias democrático-representativas, corporificadas no Poder Legislativo e no Poder Executivo.

O capítulo que se segue, destarte, buscará analisar o perfil da corte constitucional brasileira, à luz da distinção aqui realizada, especificamente no que concerne às matérias constitucionais com repercussão na seara previdenciária.

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Sobre o autor
Pedro Henrique Peixoto Leal

Possui graduação em Direito pela Universidade de Fortaleza (2005), especialização em Direito Público pela Universidade de Brasília (2013) e mestrado em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (2011). Atualmente é Procurador Federal - membro da Advocacia-Geral da União. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Constitucional e Teoria do Estado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEAL, Pedro Henrique Peixoto. O Supremo Tribunal Federal e o ativismo judicial em matéria previdenciária:: análise de casos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3938, 13 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27305. Acesso em: 22 dez. 2024.

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