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O Supremo Tribunal Federal e o ativismo judicial em matéria previdenciária:

análise de casos

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13/04/2014 às 13:40
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Conclusão

O estudo que aqui se finaliza utiliza, em diversas oportunidades, lições e posicionamentos do constitucionalista Luís Roberto Barroso, hoje, curiosamente, ministro do STF, instituição que constitui objeto direto da pesquisa realizada.

E dentre os variados ensinamentos do referido estudioso, trazidos à lume no decorrer do presente estudo, chama a atenção a passagem que assevera a verdadeira convivência entre o ativismo judicial e a autocontenção, à luz do grau de prestígio usufruído pelos demais poderes estatais.

Com efeito, para Barroso, quanto mais deficiente for a atuação dos Poderes Executivo e Legislativo, maior será a possibilidade de um Poder Judiciário ativista, que avance sobre questões que, originariamente, deveriam ser objeto de atuação daquelas outras instâncias. De outra banda, em atuando regularmente os poderes constituídos pelo voto popular, se esmaece a possibilidade de intervenção judicial, que ficará resguardada para as hipóteses de equívoco normativo, inconstitucionalidade ou, ainda, de necessária atuação contramajoritária.

Haveria, portanto, um movimento pendular. Em alguns momentos, a depender do contexto, o Judiciário seria ativista. Em outros, se conteria, fazendo valer o que se convencionou chamar de autocontenção judicial, já que não se trata de uma medida (ou postura) heterônoma.

No seio das questões previdenciárias, todavia, aventa-se a existência de um outro fator não tão destacado nas lições do referido estudioso. Quando diante de direitos sociais, como os são os direitos previdenciários em geral, não raramente há uma tendência do órgão jurisdicional de conferir à norma a interpretação que empreste maior proveito ao seu beneficiário. Trata-se, inclusive, de uma diretriz interpretativa por muitos defendida como técnica hermenêutica válida e regular.

Tal postura, normalmente evidenciada nas primeiras instâncias de julgamento, por vezes se perpetua por longos períodos, se espraiando no âmbito do vasto organograma do Judiciário brasileiro, até que chegue a uma solução definitiva, no âmbito dos órgãos recursais competentes para a natural e esperada uniformização da jurisrpudência.

Assim o foi, por exemplo, com o referido caso das “cotas de pensão”, no qual INSS amargou derrotas em diversos âmbitos jurisdicionais, por longo período, até ver a questão decidida a favor de sua tese pelo STF.

Daí a relevância da postura adotada pelo STF, órgão máximo do Poder Judiciário brasileiro, em questões afetas à matéria previdenciária. Afinal, além de ter a autoridade para adotar decisões vinculantes no âmbito do controle de constitucionalidade concentrado, a corte constitucional é inevitável fonte de norteamento para a atuação dos juízos e tribunais que estão abaixo de si, por intermédio da jurisprudência que ali se realiza.

Como dito, a escolha dos precedentes aqui analisados não observou nenhum critério temporal ou mesmo de natureza das demandas. A escolha se deu pela eleição, à luz da experiência profissional do pesquisador, de temas caros ao contencioso previdenciário cotidiano, ou seja, de questões que costumam ou costumavam ensejar o ajuizamento de ações em face do INSS.

E dos casos eleitos, vê-se claramente que o STF optou por uma postura mais contida em duas situações, a saber: quando declarou regular a regra que instituiu o fator previdenciário e quando ressaltou a importância do princípio do tempus regit actum para o cálculo do benefício de pensão por morte, deixando de permitir a retroatividade da novel legislação.

De outra banda, percebe-se que o STF atuou de forma marcadamente ativista em dois outros casos: quando chancelou o posicionamento das instâncias inferiores acerca do reconhecimento, para fins previdenciários, do trabalho rurícula entre os 12 e os 14 anos (a despeito da literalidade normativa em sentido contrário) e quando equiparou à união estável, constitucionalmente prevista, as uniões afetivas entre pessoas do mesmo sexo.

Por fim, visualizou-se um caso emblemático, no qual o STF logrou atuar, e de início, com inegável autocontenção, para quinze anos depois mudar radicalmente seu entendimento, à luz de uma nova realidade sócio-econômica e de uma nova composição da própria corte, que é o caso do critério de renda per capita para a concessão de benefício assistencial, narrado no tópico 2.5.

E este último caso parece demonstrar claramente a conclusão que pode ser alcançada a partir do estudo aqui realizado. A corte constitucional brasileira, em suas últimas composições, não tem receio de atuar de forma ativista quando é instada a fazê-lo. Tanto que o fez por diversas vezes, e chegou mesmo a mudar um posicionamento já consolidado, em matéria que envolvia diretamente o INSS, reconhecendo a superveniência de um processo de inconstitucionalização de norma jurídica tida por hígida em momento anterior.

De outro lado, e aqui o raciocínio volta a recair mais especificamente sobre o direito previdenciário, o STF também se mostrou muito atento a um princípio constitucional muitas vezes não tão valorizado na atuação pulverizada, processo a processo, do 1º grau de jurisdição, que é o princípio do equilíbrio econômico-financeiro do sistema previdenciário, aliado à necessária pré-existência da fonte de custeio dos benefícios pagos pelo ente estatal.

A postura do STF, no âmbito das questões previdenciárias, costuma se revestir de maior cautela estrutural, pois é cônscio aquele pretório dos efeitos que uma decisão de sua titularidade pode trazer para o funcionamento do sistema previdenciário brasileiro.

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Isso ficou bastante nítido no julgamento da constitucionalidade do “fator previdenciário” e, em grande monta, também se fez presente na análise da mudança legislativa relativamente às cotas de pensão.

Logo, é possível asseverarque a postura ativista do STF alcança inevitavelmente a matéria previdenciária, pelas mesmas razões que se espraia na ordem jurídica como um todo, em temos de neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito.

Nada obstante, a análise consequencialista é também presente nas manifestações daquela corte, sempre atenta aos efeitos das decisões que adota sobre o sistema previdenciário, notadamente no que diz respeito à higidez do sistema, em sede de equilíbrio financeiro e atuarial.

Aguarde-se, destarte, para uma continuação da presente pesquisa, o julgamento de outras importantes questões previdenciárias ainda pendentes de análise definitiva no âmbito da corte constitucional brasileira. Eis alguns exemplos: os efeitos do uso de equipamento de proteção individual (EPI) eficaz sobre o reconhecimento de atividade especial (com contagem de tempo de contribuição diferenciada) será analisado no bojo do Agravo Regimental nº 664.335; a desaposentação, decerto um dos temas mais caros ao sistema previdenciário brasileiro atualmente, pelos efeitos econômicos que lhe revestem, deverá ser decidida nos Recursos Extraordinários de nº 661.256 e 381.367; a distinção entre homens e mulheres no âmbito dos regimes complementares de previdência será objeto de análise no Recurso Extraordinário nº 639.138; a necessidade ou não de prévio requerimento administrativo para a postulação judicial de benefício previdenciário será julgada no Recurso Extraordinário nº 360.501. E estes são apenas alguns exemplos. Vem muita coisa por aí.


Referências

BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 851, [2005]. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/7547>. Acesso em: 19 jan 2014.

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ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil: ley, derechos, justicia. Madrid: Trotta, 2003.


Nota

[1] Súmula nº 5 – A prestação de serviço rural por menor de 12 a 14 anos, até o advento da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, devidamente comprovada, por ser reconhecida para fins previdenciários.

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Sobre o autor
Pedro Henrique Peixoto Leal

Possui graduação em Direito pela Universidade de Fortaleza (2005), especialização em Direito Público pela Universidade de Brasília (2013) e mestrado em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (2011). Atualmente é Procurador Federal - membro da Advocacia-Geral da União. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Constitucional e Teoria do Estado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEAL, Pedro Henrique Peixoto. O Supremo Tribunal Federal e o ativismo judicial em matéria previdenciária:: análise de casos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3938, 13 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27305. Acesso em: 28 mar. 2024.

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