A judicialização da saúde suplementar dos planos privados de assistência à saúde firmados antes da Lei n° 9.656/98

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29/05/2014 às 19:01
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DA ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO

Os juízes se baseiam na CRFB de 1988, que estabelece a saúde como um direito fundamental do ser humano, a ser prestada de forma imediata, para a autorização de procedimentos, por exemplo, não previstos no contrato firmado entre a operadora e o beneficiário, não obstante ser obrigação do Estado.

A Unimed de Belo Horizonte em pesquisa realizada assim concluiu no que se refere à judicialização da saúde suplementar:

A conclusão é que os planos não-regulamentados geram maior quantidade de ações judiciais. Apesar de ser menor a mensalidade dos planos não-regulamentados (celebrados anteriormente à Lei 9.656/98), por vezes, o objeto da ação judicial é cobertura ampla, tal como se regulamentado fosse o contrato.[26]

Observa-se que o maior número de ações judiciais, a respeito da saúde suplementar, versam sobre planos de saúde antigos, objeto de estudo desta pesquisa. As demandas judiciais visam a cobertura de procedimentos, fornecimento de materiais não previstos no contrato, entre outros pedidos, que na grande maioria são deferidos.

A Sexta Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (TJSC) assim já decidiu na Apelação Cível nº 2011.025745-2, de Lages, Relator Stanley da Silva Braga. Acórdão julgado em 30.08.2012, com a seguinte ementa:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA DE NULIDADE DE REAJUSTE CONTRATUAL C/C DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS E REPETIÇÃO DE INDÉBITO. PACTO COLETIVO DE PLANO DE SAÚDE. AUMENTO IMPOSTO NAS MENSALIDADES DO CONVÊNIO, POR FAIXA ETÁRIA (60 ANOS). CONTRATO FIRMADO ANTERIORMENTE À VIGÊNCIA DA LEI N. 9.656/1998. APLICABILIDADE AOS AJUSTES FIRMADOS ANTERIORMENTE À SUA VIGÊNCIA. ARTS. 10, § 2º E 35, DA CITADA LEX. DEVER DA OPERADORA DO PLANO DE SAÚDE DE DEMONSTRAR QUE POSSIBILITOU A MIGRAÇÃO DO CONTRATO. INOCORRÊNCIA NO CASO CONCRETO. ANÁLISE DA AVENÇA SOB A ÓTICA DO CÓDIGO CONSUMERISTA. AUMENTO IMPOSTO NAS MENSALIDADES DO CONVÊNIO, POR FAIXA ETÁRIA. CLÁUSULA DE REAJUSTE CONTRATUALMENTE PREVISTA. AFRONTA AO DIREITO DO CONSUMIDOR. PRÁTICA ABUSIVA. INTELIGÊNCIA DO ART. 51, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. RELATIVIZAÇÃO DA AUTONOMIA DA VONTADE DOS CONTRATANTES. CONTRATO SUBSCRITO ANTES DO ADVENTO DO ESTATUTO DO IDOSO - LEI N. 10.741/2003. PACTO DE TRATO SUCESSIVO E DE PRAZO INDETERMINADO. INTERESSE SOCIAL. NORMA COGENTE DE ORDEM PÚBLICA. APLICABILIDADE IMEDIATA À ESPÉCIE. INEXISTÊNCIA DE FERIMENTO AO PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE DAS LEIS. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.   Os Tribunais têm reiteradamente entendido pela aplicabilidade das disposições da Lei n. 9.656, de 3-6-1998, aos contratos firmados anteriormente à sua vigência, sem que se ofenda a irretroatividade da lei e o princípio do ato jurídico perfeito, pois, na forma dos arts. 10, § 2º, e 35 da citada lex, todas as contratações deveriam ser ajustadas aos comandos da mencionada legislação, cujo ônus da prova acerca do oferecimento da mudança de plano para adaptação à nova lei competia à empresa operadora do plano de saúde.    Em consonância com o Código de Defesa do Consumidor, é nula de pleno direito a cláusula contratual que estabelece o reajuste das mensalidades de plano de saúde em virtude do aumento da faixa etária do consumidor, conforme preceitua o art. 51, inciso IV, da Lei 8.078/90, merecendo frisar-se que essa revisão não viola o princípio do pacta sunt servanda.   Por ser o convênio de saúde firmado de trato sucessivo, prazo indeterminado e por envolver interesse social, torna-se imprescindível a análise da avença sob a ótica da aplicação da Lei n. 10.741/2003, mesmo que celebrado em momento anterior ao seu advento. Ademais, a novel legislação trata-se de preceito legal cogente, de ordem pública e de aplicação imediata.

Nesse acórdão, a Sexta Câmara manifestou-se no sentido de que aplicável a Lei nº 9.656/98 aos contratos antigos, sob o argumento de que todas as contratações deveriam ter sido ajustadas, o que não é verdade e viola o princípio da irretroatividade, bem como o ato jurídico perfeito.

Ressalta-se que alguns beneficiários não concordaram com a migração para o plano novo, permanecendo as regras da época e a cobertura prevista no contrato firmado. Não era obrigatório pelas operadoras a migração de todos os planos antigos para os planos novos, sim o oferecimento de mudança, que deve ser comprovado pela operadora, como entende a jurisprudência, sob pena de ser aplicada a legislação nova ao contrato antigo.

Sobre o assunto, Cechin leciona:

Para consumidores vinculados a contratos anteriores à Lei, o efeito dessas decisões judiciais é ainda mais significativo. A todos foi oferecida a possibilidade de adaptação; muitos a aceitaram e desde então pagam a respectiva diferença nas mensalidades dos planos, mas alguns não a fizeram. Tempos depois, estes usuários vão a justiça pleitear - e obtêm – direitos que, caso houvessem aceitado a adaptação (ou decidido migrar para um contrato novo), estariam cobertos por seus novos contratos. Decisões que permitem esse tipo de situação, além de ferir os direitos e onerar os consumidores que adaptaram seus contratos, fornecem um exemplo negativo à coletividade, desestimulando cada vez mais os consumidores que ainda remanescem com contratos antigos de adaptá-los à Lei.[27]

Ainda, a Primeira Câmara de Direito Civil do TJSC na Apelação Cível nº 2013.028560-8, de Tubarão, Relator Denise de Souza Luiz Francoski, acórdão julgado em 27.08.2013, entendeu:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL E PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA, AJUIZADA PELO CONSUMIDOR CONTRA PLANO DE SAÚDE E HOSPITAL    DEMANDANTE QUE EM PROCEDIMENTO CIRÚRGICO NECESSITOU UTILIZAR ÓRTESES ("STENT" E OUTRAS). DEMANDADA QUE NEGOU O REQUERIMENTO SOB A AFIRMAÇÃO DE QUE O CONTRATO ENTABULADO ENTRE AS PARTES EXCLUI O FORNECIMENTO DE ÓRTESES E PRÓTESES LIGADAS AO ATO CIRÚRGICO.   SENTENÇA QUE JULGOU IMPROCEDENTES OS PEDIDOS VESTIBULARES SOB O FUNDAMENTO DE LEGITIMIDADE DA EXCLUSÃO CONTRATUAL   INSURGÊNCIA DO CONSUMIDOR PEDIDO DE REFORMA DA SENTENÇA SOB O FUNDAMENTO DE QUE A NEGATIVA DA COBERTURA DA UTILIZAÇÃO DE ÓRTESE É ILÍCITA.    RELAÇÃO EXISTENTE ENTRE AS PARTES TIPICAMENTE DE CONSUMO, A TEOR DOS ARTS. 2º E 3º DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE QUE NÃO PODE INIBIR O TRATAMENTO NECESSÁRIO PARA A CURA DE PATOLOGIA ASSEGURADA E REQUERIDA PELO MÉDICO RESPONSÁVEL.    APLICAÇÃO DO ART. 10, DA LEI Nº 9.656/98, QUE GARANTE A NECESSIDADE DE FORNECIMENTO DE ÓRTESE QUANDO LIGADA AO ATO CIRÚRGICO. APLICABILIDADE DAS DISPOSIÇÕES DA LEI N. 9.656, DE 3-6-1998, AOS CONTRATOS FIRMADOS ANTERIORMENTE À SUA VIGÊNCIA E EM CONTRATO DE RENOVAÇÃO AUTOMÁTICA O AJUSTE, UMA VEZ RENOVADO, DEVE SEGUIR OS DITAMES DO ESTATUTO JURÍDICO EM VIGOR AO PERÍODO DA RENOVAÇÃO.   É ABUSIVA A CLÁUSULA CONTRATUAL QUE EXCLUI DE COBERTURA A COLOCAÇÃO DE "STENT", QUANDO ESTE É NECESSÁRIO AO BOM ÊXITO DO PROCEDIMENTO CIRÚRGICO COBERTO PELO PLANO DE SAÚDE." (STJ, RESP 735168/RJ, RELª MINª NANCY ANDRIGHI, J. EM 11.03.2008).   DECLARAÇÃO DE INEXIGIBILIDADE DO DÉBITO REFERENTE AO CUSTO DA COLOCAÇÃO DAS ÓRTESES DESCRITO EM CONTAS ANEXAS À INICIAL   DANOS MORAIS CONFIGURADOS.   SENTENÇA REFORMADA.   RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

Igualmente, a Primeira Câmara entendeu que aplicável a Lei nº 9.656/98 e o Código de Defesa do Consumidor (CDC) aos planos antigos, declarando abusiva cláusula que exclui cobertura do material “stent”. Ainda, determinou a Corte de Justiça de Santa Catarina que devida a cobertura do material porque o contrato de plano de saúde prevê cobertura ao procedimento cirúrgico.

No acórdão acima, a Câmara confirmou que no contrato de plano de saúde há cláusula contratual excluindo o fornecimento do material “stent”, porém entendeu que devido o material ao beneficiário. Verifica-se que não foi respeitado o princípio da pacta sunt servanda e o princípio da autonomia privada.

Não há que se falar em abusividade no caso, pois o beneficiário, quando da contratação, tinha conhecimento de que seu plano não cobriria todo e qualquer material. No que se refere à aplicabilidade da LPS ao contrato antigo, no caso não houve migração, de modo que não poderia ter-se concluído pela aplicação da referida Lei ao plano do beneficiário.

Quanto à atuação do Poder Judiciário, Cechin esclarece:

Verifica-se uma forte tendência de o Judiciário decidir em favor do paciente, quer por sua saúde e vida estarem em risco, quer por ser o elo mais fraco na relação contratual, seja para a suposta defesa da hipossuficiência do consumidor, consagrada no CDC, seja pela função social do contrato, que se tornou regra legal com o novo Código Civil, de 2002.

No entanto, ao conceder a ordem judicial, o juiz obriga a operadora a fornecer uma cobertura que não estava prevista no contrato – a decisão ignora força vinculante do contrato e impõe a uma das partes uma obrigação não estabelecida inicialmente. Mais ainda, a decisão judicial é contrária à própria Lei, que exclui da cobertura os procedimentos experimentais, e à regulamentação dos órgãos competentes, encarregados de definir o que é considerado tratamento experimental.[28]

Os Tribunais entendem pela retroatividade da LPS e, diante da aplicação do CDC aos contratos de planos de saúde e da previsão constitucional dos direitos fundamentais à vida e à saúde, julgam demasiadamente em favor dos beneficiários, sem analisar a situação da operadora, das regras previstas na LPS e nas normas expedidas pela ANS.

Quanto à posição dos demais Tribunais, importante analisar dados fornecidos pela Federação Nacional de Saúde Suplementar (FENASEG):

Segundo pesquisa realizada em novembro do ano passado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mais de 112 mil processos relacionados a demandas no setor de saúde tramitam nos tribunais brasileiros. A maioria refere-se a solicitações de medicamentos. Já o estudo Judicialização da Saúde Complementar — em que a Unimed Belo Horizonte analisou as decisões do Superior Tribunal de Justiça e dos tribunais de Justiça de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais entre 2005 e 2009 — aponta que 86% dos acórdãos são favoráveis aos pacientes.[29]

Ainda, a Unimed de Belo Horizonte apresenta as seguintes informações:

Contudo, no geral, os demais Tribunais de Justiça analisados (TJSP, TJRJ e TJRS), em grande parte de suas decisões acabam por aplicá-la a contratos celebrados antes de 1998. Do total de Acórdãos, de todos os Tribunais estudados, temos 69% aplicam retroativamente as disposições da Lei nº 9.656/98 para beneficiar o consumidor que possui contrato antigo.[30]

Pedro Benedito Maciel Neto assim escreve sobre a segurança jurídica e o Poder Judiciário: “É fundamental não perdermos de vista que o Poder Judiciário é um artefato humano e, em sendo assim, seus membros são pessoas como nós, por isso a segurança jurídica depende do quão democrática é sua estrutura e funcionamento”.[31]

Igualmente, Cechin prescreve que a decisão judicial acarreta insegurança jurídica:

A principal conseqüência da politização das decisões judiciais é a incerteza que ela acarreta. Ao deparar como questionamento judicial de seu direito, o agente econômico não sabe se o magistrado irá decidir com base na lei e no contrato ou se atuará buscando “produzir justiça social”. E, caso o juiz opte por esta alternativa, há ainda mais uma variável, que é o magistrado entende por justiça social.[32]

Segundo Silva, é necessário assegurar o valor da segurança jurídica, especialmente referente aos direitos subjetivos, ainda, afirma que uma lei é feita para vigorar e produzir efeitos para o futuro.[33]

Não é estranho Cechin concluir que:

[...] o Judiciário exerce, direta e indiretamente, significativa influência sobre a economia. Se esse Poder agir de forma previsível, isenta e ágil, a atuação dos agentes econômicos será, por sua vez, mais eficiente, permitindo melhor alocação dos recursos econômicos e maior crescimento econômico.[34]

Maciel Neto assim conclui no que se refere à necessária democratização do Poder Judiciário:

O fenômeno da judicialização, inerente à dinâmica social atual, na medida em que o “Estado tutor” não é capaz de atender a parcela da sociedade que foi marginalizada pela sua omissão.

[...]

Não me parece correto que o guardião da cidadania seja um Poder Judiciário no qual os princípios e valores da democracia não estejam e sejam estruturantes de sua existência e funcionamento.[35]

Em entrevista para a Revista Jurídica Consulex quanto à judicialização da saúde pública, o Desembargador do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, Carlos Olavo Pacheco de Medeiros, constata, podendo-se aproveitar a judicialização da saúde suplementar, apreciemos:

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O magistrado tem formação jurídica, mas não deve prescindir da vocação de compreender técnicas, alheias aos seus estudos ordinários, porém inseridas naquilo que será objeto de suas decisões. Nessas hipóteses, ele deve valer-se de laudos e argumentos técnicos, tanto os produzidos pela partes (paciente e Administração Pública), quando aqueles elaborados em instrução judicial por sua determinação. Como eu já disse, toda questão na área da saúde, principalmente em se tratando de medida urgentemente procurada pela parte, o julgador há de ter perfeito conhecimento da matéria, senso de contenção e indispensável sentimento do direito.[36]

Diante disso, Cechin afirma que o juiz decide com base no que as partes alegam, decidindo de forma divergente do que está no contrato, nas leis e nas próprias normas expedidas pela ANS, vejamos:

Quando se trata de planos privados de assistência à saúde, uma das causas da judicialização é a deficiência legal e regulamentar. O juiz, na falta de parâmetros normativos claros que balizem sua decisão, decide com base no caso que lhe é apresentado pelas partes. Ao longo do tempo, com o aumento do número de casos acerca daquele mesmo tema, forma-se uma jurisprudência que acaba por tomar o lugar da regulamentação.[37]

Diante do exposto, há divergência de direitos, em que terá que prevalecer um direito, de um lado, o direito à vida e à saúde, com o CDC ao lado do consumidor, ora beneficiário, do outro lado, as operadoras que estão complementando um sistema de saúde desestruturado fornecido pelo Estado, que é o obrigado a proporcionar a saúde aos cidadãos.

O juiz, dessa forma, tem que se valer do princípio da razoabilidade e proporcionalidade. Leciona Valeschka e Silva Braga a respeito do princípio da razoabilidade, vejamos:

Consiste, pois, essa cláusula material em: 1) identificação da razão de ser da medida; e 2) repressão do poder público, impedindo-lhe de interferir desarrazoadamente em direitos e liberdades públicas, tornando-se importante remédio contra a invasão arbitrária das autoridades administrativa, judiciária e legislativa na esfera individual dos cidadãos.[38] (grifo original).

Ainda, Suzana de Toledo Barros destaca que o princípio da razoabilidade remete à idéia de “adequação, idoneidade, aceitabilidade, logicidade, equidade, traduz tudo aquilo que não é absurdo, tão-somente o que é admissível. Razoabilidade tem, ainda, outros significados, como, por exemplo, bom senso, prudência, moderação”.[39]

Sobre a proporcionalidade, Braga comenta:

Ela esteve muito ligada à limitação do poder de polícia administrativo, mas converteu-se em verdadeiro balizador de toda a atuação estatal. Assim, por constituir um transbordamento dos limites dos direitos fundamentais, qualquer medida desproporcional - seja ela legislativa, jurisdicional ou administrativa-, deverá ser anulada. Atualmente, ela possui importante função interpretativa das normas constitucionais, inclusive para fins de controle de constitucionalidade e resolução de conflitos entre princípios.[40]  

Carvalho, a respeito, comenta:

A proporcionalidade em sentido estrito implica no sopesamento dos interesses em jogo, isto é, a ponderação das tensões entre os princípios em concorrência: pesa-se as desvantagens dos meios em relação às vantagens do fim. A providência adotada deve ser proporcional ao conjunto de interesses jurídicos em exame. O que se ganha com a medida deve ser mais lucrativo do que aquilo que se perde.[41]

Assim, interessante citar Braga que nos fala a respeito da colisão de direitos fundamentais:

Dentre estas cláusulas pétreas, encontram-se os direitos fundamentais, restando impossibilitados o constituinte derivado e o legislador ordinário de suprimi-los do ordenamento jurídico. Isso não quer dizer, no entanto, que eles não possam ser relativizados quando estiverem em conflito entre si ou quando se puder estabelecer uma restrição razoável.[42]

Judicael Sudário de Pinho ao tratar das possibilidades de solução da colisão de direitos, liberdades e garantias, adverte:

Pelo princípio da unidade da Constituição, todas as normas do texto constitucional apresentam o mesmo nível hierárquico, o que significa dizer que, uma vez inseridas na Constituição, as normas têm o mesmo valor, independentemente de seu conteúdo, é dizer, de ser uma norma constitucional formal ou material.[43]

Outrossim, Braga destaca quanto à ponderação de interesses:

O Direito busca conciliar a justiça (também considerada fim da regulação estatal) com a segurança (previsibilidade). Através da primeira pode-se prever a decisão judicial a ser proferida, e através da segunda se alcança o desejo da sociedade de “dar a cada um o que é seu”.[44]

Em um seminário ministrado pela ANS, foi debatido o tema: “Como evitar a judicialização da saúde?”. No seminário, o Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Dr. Cherubim Helcias Schmartz Júnior, informou:

[...] que acredita que o Estado deveria prestar um serviço de saúde mais adequado, aumentando a qualidade e quantidade de tratamentos, fato que levaria à diminuição da saúde suplementar. Conseqüentemente, menos pessoas iriam recorrer ao Judiciário já que conseguiriam o atendimento pela Saúde Pública. Realmente, a iniciativa privada, de acordo com o dispositivo constitucional, deveria atuar apenas de forma complementar, não sendo seu o dever de custeio da saúde pública. Aliás, é sempre válido mencionar que tal dever é do Estado, atuando a iniciativa privada apenas de forma complementar.

[...]

A conclusão a que se chega é que a desjudicialização da saúde é necessária, e para tanto, é importante uma integração do Governo, que deveria cumprir o seu papel constitucional de prestar a assistência à saúde; das operadoras de planos de saúde, que devem cumprir o estabelecido contratualmente e informando de forma clara e precisa os direitos do consumidor e evitando recorrer em matérias pacificadas pelos tribunais; dos beneficiários dos planos de saúde, que deveriam recorrer ao judiciário apenas quando não conseguirem resolver os problemas através de esferas administrativas disponibilizadas pelas operadoras ou pelos órgãos de defesa do consumidor e somente quando a cobertura desejada por ele for de direito.[45]

Igualmente, acrescentando a possibilidade dos Tribunais auxiliarem, Antonio Cesar de Siqueira, palestrante do V Congresso Brasileiro de Direito de Seguros e Previdência, evento realizado em Belo Horizonte, em Minas Gerais, pela Associação Internacional de Direito de Seguros (AIDA) entende que:

[...] as empresas precisam criar instâncias de soluções de conflitos para evitar o embate entre o Judiciário e as operadoras de saúde. “No Rio de Janeiro, o Tribunal de Justiça, em parceria com a Secretaria de Estado de Saúde e Defesa Civil, criou o Núcleo de Atendimento Técnico (NAT) para auxiliar os juízes com informações técnicas com o propósito de minimizar problemas recorrentes. O ideal seria que os tribunais criassem medidas alternativas para evitar problemas simples que às vezes ficam tramitando por até 10 anos no judiciário”, argumentou.[46]

Marcus Pestana, ex-presidente da ANS, conclui:

A idéia é promover reuniões técnicas, como simpósios e seminários, com membros do Poder Judiciário para expor as limitações orçamentárias do setor e buscar caminhos para que as demandas judiciais não inviabilizem o atendimento geral. Outra necessidade é aprimorar as leis e normas, torná-las mais claras no campo da saúde e criar instituições imparciais capazes de explicar as demandas para o poder judiciário. “A solução para o impasse jurídico passa por uma necessidade de regulação e regulamentação. Para solucionar o problema é preciso criar uma agência reguladora, que tenha profissionais capacitados para esclarecer o judiciário sobre a realidade das demandas”, esclareceu.[47]

Assim, ao decidir as reclamações dos beneficiários os juízes têm que em cada caso concreto decidir da melhor forma, considerando as cláusulas do contrato, a legislação específica e as normas da ANS, órgão regulamentador e fiscalizador competente, bem como o CDC, aplicando os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, no interesse da coletividade, com o conhecimento de que a LPS não retroage aos contratos antigos de planos de assistência à saúde.

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Sobre a autora
Aliny Felisbino

Advogada, ex-empregada da Unimed Grande Florianópolis – Cooperativa de Trabalho Médico, bacharel em Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), pós-graduada, no grau especialista, em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), através de Convênio com a Associação dos Magistrados do Trabalho da 12ª Região (AMATRA12), pós-graduanda, no grau especialista, em Direito Previdenciário no Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina (CESUSC).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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