3 Responsabilidade pela Omissão dos Tribunais
Aprofundando sobre o tema da segurança dos servidores, uma questão deve ficar muito clara: a responsabilidade para garantir a integridade dos servidores é dos Tribunais. Não há qualquer dúvida, seja no plano legislativo, jurisprudencial ou doutrinário, de que o empregador deve adotar todas as providências para mitigar os riscos das atividades perigosas, sob pena de responsabilidade objetiva.
O amplo conhecimento sobre os riscos da atividade não exime o empregador na adoção de medidas de segurança. Muito pelo contrário. Neste caso, as providências se tornam ainda mais necessárias e de natureza cogente. A Lei nº 8.112/90, em seu art. 69, estabelece que haverá permanente controle das atividades de risco, o que não é cumprido hoje em relação aos Oficiais de Justiça. Não temos notícia sequer de levantamento de estatísticas dos Tribunais a esse respeito.
Então, na medida em que os Tribunais não adotaram providências suficientes para mitigar os riscos a que expõem os seus Oficiais de Justiça, devem indenizar por danos, materiais e morais, as vítimas de delito no exercício da atividade. Portanto, as entidades devem propor ações coletivas que visem à reparação dos colegas.
Para além disso, a medida judicial deve ainda requerer obrigação de fazer, no sentido de que os Tribunais passem a adotar medidas efetivas que garantam a segurança dos seus servidores, sob pena de multa. O direito dos servidores se mostra absolutamente cristalino e os Tribunais não podem continuar atuando como se nada estivesse ocorrendo.
4 Aposentadoria Especial
Também já divulgamos diversas vezes o trabalho que realizamos pela aprovação do projeto de lei que cuida da aposentadoria especial dos Oficiais de Justiça (PLP 330/2006). Trata-se de medida justa e necessária para uma categoria que corre tanto risco quanto aquelas já beneficiadas com o tempo reduzido de contribuição.
O desgaste físico e mental decorrente da atividade de risco impõe a compensação para o servidor. O benefício para a sociedade do exercício da atividade do Oficial de Justiça enseja uma medida compensatória para aqueles que se submetem a condições insalubres e perigosas.
Ressalte-se que a sujeição a essas condições de trabalho prejudiciais à saúde deve ter um tempo reduzido, sob pena de dar azo à incapacitação do servidor. Cuida, outrossim, de medida atrelada ao postulado da isonomia, uma vez que balanceia as condições de trabalho para a aposentadoria (seria injusto que um servidor submetido a condições mais desgastantes para a sua saúde se aposentasse com o mesmo tempo de contribuição do que aquele que exerce atividades em um ambiente normal).
Digno de registro, a esse respeito, que sentimos falta da atuação institucional dos Tribunais para que a categoria logre êxito nesse intento, absolutamente justo. A valorização dos servidores também beneficia o Poder Judiciário. Não é à toa que o projeto de lei de remuneração dos servidores do Judiciário é de iniciativa exclusiva do Presidente do Supremo Tribunal Federal, dos Tribunais Superiores e dos Tribunais de Justiça (art. 96, II, “b”, da Constituição Federal). Assim, importante que os diversos órgãos do Poder Judiciário ajudem na aprovação do projeto de lei que concede a aposentadoria especial aos Oficiais de Justiça.
5 Adicional de Periculosidade ou Insalubridade
Outro corolário do reconhecimento do cargo de Oficial de Justiça como atividade de risco alude ao pagamento do adicional de periculosidade ou de insalubridade. Atualmente, os Oficiais Federais não recebem qualquer desses adicionais sob a alegação de que a Gratificação de Atividade Externa já compensaria esses fatores. No entanto, essa afirmação não encontra respaldo na legislação, senão vejamos
A Gratificação por Execução de Mandados (GEM) foi instituída pela Lei nº 10.417/2002 sob o fundamento da dedicação integral e exclusiva ao cargo, bem como dos riscos inerentes. Todavia, com o advento da Lei nº 11.416/2006, a Gratificação por Execução de Mandados foi substituída pela Gratificação de Atividade Externa (GAE; art. 16), sem qualquer menção aos pressupostos da lei anterior. Essa lacuna precisa ser preenchida pelo intérprete, pelo que atribuimos para a GAE a compensação pelos inconvenientes da atividade externa (sol excessivo, chuva, poeira da estrada, mosquitos de zonas rurais, doenças associadas aos riscos ergonômicos por passar diversas horas dentro do veículo, diligências em locais com esgoto a céu aberto, horas sem um banheiro com um mínimo de higiene, falta da estrutura protetora do ambiente forense, com colegas, seguranças e policiais à disposição etc).
Trata-se de valor atinente às próprias dificuldades do cargo. A distinção dos adicionais de periculosidade e de insalubridade em relação à GAE é tão evidente, sob o ponto de vista jurídico, que esta gratificação possui natureza permanente, ao passo que os adicionais cessam com a eliminação das condições ou riscos que os ensejaram, conforme a dicção do § 2º do art. 68 da Lei nº 8.112/90.
Assim, o adicional de periculosidade ou de insalubridade deve ser pago imediatamente aos Oficiais de Justiça. Nos termos do art. 68 da Lei nº 8.112/90, os servidores que laboram com habitualidade em locais insalubres ou exercem atividade perigosa, fazem jus ao pagamento de um adicional sobre o vencimento.
A seu turno, a Lei nº 8.270/91, em seu art. 12, fixa os percentuais dos adicionais de insalubridade e de periculosidade. Por essa razão, os Oficiais também devem ser beneficiados com esse diferencial na remuneração.
6 Adicional de Fronteira
Outra questão decorrente dos riscos da atividade do Oficial remete ao pagamento do adicional de penosidade para aqueles lotados em região de fronteira, conforme previsto no art. 70 da Lei nº 8.112/90. Naturalmente, esse benefício deve ser estendido para todos os servidores que laboram nesses locais, contudo os Oficiais sofrem especialmente com essas lotações porque trabalham na rua, expondo-se mais aos riscos.
Esse tema já foi objeto de debate na Fenajufe e vem recebendo a atuação de sindicatos combativos. No entanto, faz-se mister a união de várias entidades para que esse projeto saia do papel. É inadmissível que a omissão do governo em regulamentar um direito por mais de vinte anos seja utilizado como desculpa para a negativa aos servidores.
No âmbito do Ministério Público Federal, o adicional de atividade penosa já foi regulamentado pela Portaria nº 633/2010. Assim, para os servidores daquele órgão que trabalham em faixa de fronteira (150 km da fronteira), em regiões da Amazônia Legal e com população inferior a 200.000 habitantes e nos Estados do Acre, Amapá, Roraima e Rondônia, é pago o adicional na razão de 20% do vencimento básico.
Desse modo, de grande relevância a regulamentação desse direito pelo Poder Judiciário. Isso irá beneficiar os Oficiais de Justiça e os demais servidores que se sujeitam a condições de vida mais difíceis para oferecer justiça a toda a população.
7 Afastamento das Oficialas gestantes/lactantes das atividades perigosas
O último consectário do reconhecimento do risco dos Oficiais se refere ao direito das Oficialas de Justiça gestantes ou lactantes a se afastarem das atividades perigosas ou insalubres durante esse período. Conforme a previsão do parágrafo único do art. 69 da Lei nº 8.112/90, as Oficialas nessas condições possuem a prerrogativa de, durante a gestação e a lactação, exercerem suas atividades em locais não perigosos e salubres.
Portanto, também esse direito deve ser cobrado dos Tribunais. Não se pode admitir que uma Oficiala de Justiça gestante passe, com toda a sensibilidade que esse especial estado envolve, pelos riscos inerentes a uma reintegração de posse de imóvel. O próprio sistema jurídico veda essa situação.
8 Considerações Finais
A segurança dos Oficiais de Justiça tem sido negligenciada há muitos anos. Assim, as entidades representativas devem atuar de forma unida e articulada para consolidar o reconhecimento do cargo de Oficial de Justiça como atividade de risco, bem como lutar pelas suas conseqüências jurídicas.
A atuação deve englobar medidas judiciais (ação de indenização contra a União ou os Estados, por danos materiais e morais, além da obrigação de fazer, adotando providências de segurança sob pena de multa), medidas políticas (com utilização da recente Frente Parlamentar em Defesa dos Servidores do Judiciário da União e do Ministério Público da União), medidas institucionais internas (dialogando e propondo medidas para os Tribunais), medidas institucionais externas (com apoio da OAB, do Ministério Público, da Defensoria Pública e das Procuradorias Federais, Estaduais, Distrital e Municipais; providências relevantes para reduzir a carga de trabalho dos Oficiais), e diálogo com a imprensa e com a população (com matérias tratando do tema, palestras, congressos e realização de audiências públicas).
Ademais, além de todas as providências referidas ao longo do texto, torna-se de grande relevância o levantamento estatístico dos crimes contra Oficiais, com um diagnóstico das situações mais arriscadas para atuarmos estrategicamente na mitigação dos riscos. Para qualquer caso de violência, imprescindível a devida divulgação, de maneira a chamar a atenção dos Tribunais e exigir providências.
Mas a grande preocupação é que esse tema esteja sempre na pauta. Não existe uma fórmula mágica para garantir a segurança dos servidores. Medidas precisam ser adotadas e, frequentemente, avaliadas para verificar se estão atingindo os seus objetivos.
Nesse sentido, por todas as razões acima expostas, entendemos que a segurança dos Oficiais de Justiça deve ser sempre um tema prioritário da Fenajufe, da Fenassojaf, dos Sindicatos de base e das diversas Associações de Oficiais. Temos uma fé inabalável de que juntos conseguiremos construir um novo modelo que resguarde a vida e a integridade dos dedicados Oficiais.