Autor: Eduardo Luiz Santos Cabette, Delegado de Polícia, Mestre em Direito Social, Pós - graduado em Direito Penal e Criminologia, Professor de Direito Penal, Processo Penal, Criminologia e Legislação Penal e Processual Penal Especial na graduação e na pós - graduação do Unisal e Membro do Grupo de Pesquisa de Ética e Direitos Fundamentais do Unisal.
Uma resolução do Tribunal de Justiça Militar (TJM) de São Paulo determina que a Polícia Militar (PM) deverá apreender todos os objetos que tenham relação com a apuração de crimes militares, quando dolosos e contra a vida de civis. A resolução, publicada no último dia 18, é assinada pelo presidente do STM, Silvio Hiroshi Oyama. A medida é criticada por entidades representativas de policiais civis (fonte: Jornal do Brasil).
Trata-se de uma interpretação tresloucada porque os crimes dolosos contra a vida são, por lei, julgados pela justiça comum. Não são "crimes militares". A celeuma se dá em torno de um claro e evidente lapso legislativo que deixou um artigo no CPM, falando sobre a remessa dos autos de IPM para a Justiça.
É claro que isso se refere a eventual crime militar a ser apurado paralelamente, não se tratando de um salvo conduto para que os militares encampem investigações que cabem à Polícia Judiciária Civil. Se a competência é da Justiça Comum, a Polícia Judiciária que atua é a Civil ou Federal, conforme o caso. Assim como quando a competência é a da Justiça Militar, a Polícia Judiciária Militar é que terá atribuição.
Mais uma vergonha neste país. Em recente artigo publicado no Boletim IBCCrim 297 (agosto, 2017, p. 4), Flávia Piovesan trata da atividade da Comissão Interamericana de Direitos Humanos ("Comissão Interamericana de Direitos Humanos: legado, impacto e propostas"). Apresenta, a respeitada autora, como um "legado" dessa comissão as denúncias de impunidade de crimes praticados por policiais militares, as quais geraram culminaram, exatamente, na Lei 9.299/96 "que determinou a transferência da Justiça Militar para a Justiça Comum do julgamento de crimes dolosos contra a vida cometidos por policiais militares" contra civis.
Não bastasse isso, essa Resolução infame viola o Princípio da Legalidade e da Separação de Poderes. Matéria processual penal e de atribuição de polícia judiciária, bem como, pior ainda, de competência judicial, não pode ser regulada por Resolução! Temos agora "legisladores de caserna". Era só o que estava faltando neste "circo completo" em que vivemos. A aberração é tão grande que as associações e sindicatos de Delegados de Polícia estão se manifestando, inclusive por meios legais para obstar qualquer espécie de efeito espúrio dessa Resolução.
Há protestos na seara militar, afirmando que se trata de luta de poder por parte dos Delegados de Polícia, mas esquecem que quem está alterando a aplicação normal da lei é o Tribunal Militar. Além disso, a reação não é exclusividade dos Delegados. Defendem a legalidade também, como era de se esperar, o Judiciário em geral (tirante, obviamente, os membros da Justiça Militar - certamente não são todos, não se pode generalizar), o Ministério Público, (inclusive por manifestação do Procurador Geral de Justiça do Estado de São Paulo), a Defensoria Pública, a OAB etc. É preciso por um freio naqueles que pretendem se colocar acima das leis e da constituição e isso tem de ser feito rapidamente.