Uma adquirente de unidade residencial na planta no empreendimento denominado Condomínio Maui Unique Life Residences, localizado na Rua Servidão de Passagem, no bairro Pontal Oceânico, região do Recreio, na Cidade do Rio de Janeiro, perante a incorporadora Calçada (o nome da SPE era: SPE George Savalla Empreendimento Imobiliário Ltda.), obteve vitória perante o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, através da manutenção da sentença de primeira instância que havia decretado a rescisão da “Escritura Pública de Promessa de Compra e Venda de unidade autônoma” por ato do comprador que já não mais suportava arcar com o pagamento das parcelas, determinando à incorporadora a devolução à vista de 90% sobre os valores pagos em Contrato, acrescidos de correção monetária desde a data do pagamento de cada parcela e juros legais de 1% (um por cento) a.m. a partir da data da citação até o momento da efetiva restituição dos valores.
A aquisição do projeto de imóvel na planta ocorreu em maio de 2014, quando então a compradora assinou o contrato perante a incorporadora.
Passados cerca de 2 anos da data da compra, a adquirente se viu impossibilitada de continuar a arcar com o pagamento das parcelas e procurou pela incorporadora, a fim de obter o distrato amigável do negócio. Para sua surpresa, foi informada pelo depto. financeiro da incorporadora de que o distrato não seria possível, uma vez que o negócio fora firmado com cláusula de irrevogabilidade e irretratabilidade, ao arrepio da lei do consumidor e do entendimento jurisprudencial contemporâneo.
Inconformada com a resposta da incorporadora, a compradora procurou o Poder Judiciário.
O escritório MERCADANTE ADVOCACIA ingressou com uma Ação de Rescisão Contratual perante o Foro Central de São Paulo, expondo a situação ao Juiz do caso e solicitando o desfazimento do negócio por ato da compradora, bem como a condenação da incorporadora na restituição de grande parte dos valores pagos.
O Juiz de Direito da 10ª Vara Cível, Dr. Rogério Aguiar Munhoz Soares, em decisão datada de 11 de novembro de 2016, afirmou que, de fato, a compradora tinha direito à rescisão do negócio por insuportabilidade financeira e a incorporadora deveria restituir boa parte das importâncias pagas, condenando-a em primeira instância na restituição à vista do equivalente a 90% (noventa por cento) dos valores pagos em contrato, acrescido de correção monetária desde a data de cada pagamento (correção monetária retroativa) e juros legais de 1% a.m. até o momento da efetiva devolução.
Inconformada com a sentença proferida na primeira instância, a incorporadora decidiu seguir com o processo mediante recurso de apelação interposto perante o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Recurso processado e devidamente distribuído perante a 1ª Câmara de Direito Privado, tendo como Relator o Desembargador Francisco Loureiro, acompanhado dos Desembargadores Christine Santini e Claudio Godoy, para analisar se o Juiz de Direito na primeira instância agiu corretamente ou não ao condenar a incorporadora na restituição de grande parte dos valores pagos em contrato.
Por votação unânime datada de 27 de julho de 2017, os Desembargadores entenderam por bem manter integralmente a sentença de primeira instância, para o fim de permitir que a incorporadora retivesse o equivalente a 10% (dez por cento) dos valores pagos em contrato, devendo restituir o correspondente a 90% (noventa por cento).
Para o Desembargador Relator, com a rescisão do negócio motivada por ato do comprador, as partes devem retornar ao estado anterior à compra, observando que no caso em análise a incorporadora deve devolver parte considerável dos valores pagos pelo comprador, uma vez que sequer tomou posse do imóvel, o que não gera grandes despesas para a incorporadora.
Nas palavras do Desembargador:
- “No caso concreto, abusiva é a cláusula de perdimento escalonado com exclusão do sinal.
- No que se refere às arras, estas nada mais são que a quantia em dinheiro ou bem móvel fungível entregue por um contratante a outro para firmar a presunção de acordo final e assegurar o pontual cumprimento da obrigação.
- E é entendimento corrente do Superior Tribunal de Justiça que “compreendem-se no percentual a ser devolvido ao promitente comprador todos valores pagos à construtora, inclusive as arras” (REsp 355818/MG, Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, REsp 23118/MG, Ministra NANCY ANDRIGHI; REsp 257582/PR, Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR).
- Entender o contrário seria por via oblíqua consagrar o enriquecimento sem causa do promitente vendedor, em frontal vulneração ao princípio cogente do equilíbrio contratual. Além disso, as arras em questão são confirmatórias, integram o preço e prestam para reforço do vínculo e não direito de arrependimento.
- Logo, não há como excluir do montante a ser restituído à autora a significativa quantia paga a título de arras.
- Já em relação ao perdimento escalonado, não vejo, a princípio, abusividade na previsão da cláusula 2.14.2.1 de que a retenção seria tanto maior quanto mais próxima a rescisão da data do registro da incorporação (fls. 40), até porque o percentual máximo de retenção pela vendedora previsto foi de 25%.
- No caso em tela, não há prova nos autos de quando a incorporação foi efetivamente registrada. Considerando, porém, que a autora pagou 26 prestações pelo imóvel (cf. fls. 48/49), e que certamente a incorporação já se encontrava registrada por ocasião da celebração do contrato entre as partes, razoável concluir que a situação da demandante se enquadra na hipótese da alínea d) da cláusula 2.14.2.1 (fls. 40), segundo a qual a vendedora faria jus à retenção de apenas 10% das parcelas pagas pelo comprador (mas sem perda das arras, pelas razões já expostas).
- Agiu com acerto, portanto, o MM. Juiz de primeiro grau ao condenar a ré à devolução de 90% dos valores pagos pela autora.
- O percentual que se tem aceito como suficiente, para não haver prejuízo ao alienante que não deu causa à rescisão, embora com variações, gira em torno de 10 a 20% do total pago (Apelação Cível nº 60.144-0 - São Paulo - 2ª Câmara de Direito Privado do TJSP - Rel.. Des. Cezar Peluso - J. 09.02.99; Apelação Cível n. 85.010-4, São Paulo, 7ª Câmara de Direito Privado do TJSP, Rel. Des. Oswaldo Breviglieri, em 28.07.99, Unânime; Apelação Cível. nº 52.562-4 - São Paulo - 8ª Câmara de Direito Privado do TJSP- Rel. Cesar Lacerda - J. 24.08.98 Unânime).
- No caso concreto, a retenção do percentual de 10% das parcelas pagas se mostra adequada, pois cobre suficientemente as despesas administrativas do contrato, não prejudica sobremaneira a adquirente nem implica enriquecimento sem causa de qualquer das partes contratantes.
- Lembre-se, ainda, que a ré poderá alienar novamente o imóvel, e por isso não se cogita de maiores prejuízos, a ensejar o aumento do percentual de retenção fixado.
- A propósito, tampouco merece prosperar a insurgência da ré quanto à inclusão dos valores pagos a título de seguro na base de cálculo da restituição.
- Se a contratação de seguro foi imposta pela alienante à compradora como condição essencial à celebração do negócio (cf. fls. 31), natural que tal parcela também seja restituída à demandante, até porque paga diretamente à requerida (cf. fls. 48/49).
- Como visto, é pacífico o posicionamento do C. STJ no sentido de que todos ao valores pagos à alienante pelo comprador devem ser incluídos no percentual de devolução.
- Como se vê, por qualquer ângulo que se analise a insurgência da ré, inviável seu acolhimento. A sentença deu correta solução à lide e não comporta reparo.”
Ao final, por votação unânime, os Desembargadores da 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo negaram provimento ao recurso de apelação interposto pela incorporadora para o fim de manter a condenação em primeira instância na devolução à vista de 90% (noventa por cento) dos valores pagos, acrescido de correção monetária retroativa desde cada desembolso e com juros de 1% a.m. a partir da citação até o momento da efetiva devolução.
Processo nº 1056668-09.2016.8.26.0100
Fonte: Tribunal de Justiça de São Paulo e Mercadante Advocacia (especialista em Direito Imobiliário e Rescisão de Contratos de Promessa de Venda e Compra de imóvel na planta)
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* O texto apresentado tem caráter meramente didático, informativo e ilustrativo, não representando consultoria ou parecer de qualquer espécie ou natureza do escritório Mercadante Advocacia. O tema comentado é público e os atos processuais praticados foram publicados na imprensa oficial.