Uma adquirente de unidade residencial na planta no empreendimento denominado Condomínio Praça Braz Leme, localizado na Rua Jaguaretê, nº 202, no bairro da Casa Verde, zona norte de São Paulo, perante a incorporadora TIBÉRIO (o nome da SPE era: Jaguaretê Empreendimentos e Participações Ltda.), obteve vitória perante o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, através da manutenção da sentença de primeira instância que havia decretado a rescisão do “Instrumento Particular de Promessa de Venda e Compra de imóvel” por ato da compradora que já não mais suportava arcar com o pagamento das parcelas, determinando à incorporadora a devolução à vista de 80% sobre os valores pagos em Contrato, acrescidos de correção monetária desde o pagamento de cada parcela (correção monetária retroativa) e com juros legais de 1% (um por cento) a.m. até o momento da efetiva restituição dos valores.
A aquisição do projeto de imóvel na planta ocorreu em janeiro de 2015, quando então a compradora assinou o contrato perante a incorporadora.
Passados cerca de 2,5 anos da data da compra, a adquirente se viu impossibilitada de continuar a arcar com o pagamento das parcelas e procurou pela incorporadora, a fim de obter o distrato amigável do negócio. Porém, a incorporadora informou que devolveria o equivalente a R$ 500,00 (quinhentos reais) dos valores pagos em contrato.
Inconformada com a resposta obtida perante a vendedora, a compradora procurou o Poder Judiciário.
O escritório MERCADANTE ADVOCACIA ingressou com uma Ação de Rescisão Contratual perante o Foro Central de São Paulo, expondo a situação ao Juiz do caso e solicitando o desfazimento do negócio por ato da compradora, bem como a condenação da incorporadora na restituição de grande parte dos valores pagos.
A Juíza de Direito da 3ª Vara Cível, Dra. Andréa Galhardo Palma, em decisão datada de 23 de outubro de 2017, afirmou que tendo em vista que o imóvel ainda estava em construção e não houve sequer posse do comprador, de modo que a incorporadora poderia alienar a unidade a terceiros sem qualquer prejuízo, entendeu que o percentual de 10% de retenção mostrava-se razoável, sendo devida a restituição de 90% dos valores pagos.
Inconformada com a sentença proferida na primeira instância, a incorporadora decidiu seguir com o processo mediante recurso de apelação interposto perante o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Recurso processado e devidamente distribuído perante a 1ª Câmara de Direito Privado, tendo como Relator o Desembargador Francisco Loureiro, acompanhado dos Desembargadores Christine Santini e Augusto Rezende, para analisar se a Juíza de Direito na primeira instância agiu corretamente ou não ao condenar a incorporadora na restituição de grande parte dos valores pagos em contrato.
Por votação unânime datada de 08 de março de 2018, os Desembargadores entenderam por bem manter a sentença de primeira instância, para o fim de permitir que a incorporadora retivesse o equivalente a 20% (vinte por cento) dos valores pagos em contrato, devendo restituir o correspondente a 80% (oitenta por cento).
Para o Desembargador Relator, com a rescisão do negócio motivada por ato do comprador, as partes devem retornar ao estado anterior à compra, observando que no caso em análise a incorporadora deve devolver parte considerável dos valores pagos pelo comprador, uma vez que sequer tomou posse do imóvel, o que não gera grandes despesas para a incorporadora.
Nas palavras do Desembargador:
- “Em 28 de janeiro de 2015 as partes firmaram contrato de compromisso de compra e venda de imóvel com pagamento diferido no tempo (cf. fls. 22/47).
- No entanto, de acordo com a inicial, a demandante se viu em dificuldades financeiras de adimplir as parcelas do preço, e por isso entrou em contato com a ré, comunicando seu intento de rescindir o contrato.
- Diante da oferta de devolução de apenas R$ 500,00 dos mais de R$ 64.000,00 pagos, feita pela requerida para a extinção da avença e da qual discordou a autora (cf. fls. 49/54), não viu esta outra alternativa senão a propositura da presente ação judicial de resolução contratual.
- A sentença, como visto, acolheu referido pleito da autora e determinou não só a rescisão do pacto como condenou a ré a restituir 90% das quantias pagas.
- Por discordar de alguns aspectos da condenação, apelou a requerida, assistindo-lhe parcial razão em sua insurgência. Dúvida não resta, diante da posição absolutamente tranquila de nossos tribunais, da possibilidade dos promitentes compradores que se veem impossibilitados financeiramente de cumprir o contrato, tomar a iniciativa de sua extinção.
- O Superior Tribunal de Justiça, em dezenas de julgados, assentou que se “admite a possibilidade de resilição do compromisso de compra e venda por iniciativa do devedor, se este não mais reúne condições econômicas para suportar o pagamento das prestações avençadas com a empresa vendedora do imóvel” (REsp n.59.870/SP, Rel. Min. Barros Monteiro, DJU de 09.12.2002; Rec.Esp. 78.221/SP, Rel Min. Aldir Passarinho Júnior, em 26.08.2003, in DJ 29.09.2003 p.253, entre dezenas de outros).
- Natural a posição adotada pela jurisprudência, especialmente em razão da incidência do artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor e artigo 413 do novo Código Civil (art. 924 do CC de 1.916), que determinam, por norma cogente, a redução equitativa da cláusula penal de perdimento. Nasce para o promitente comprador inadimplente o interesse de ver resolvido o negócio, para ao menos obter a devolução de parte do preço pago.
- No caso em tela, parece claro que o propósito da autora é retirar-se do empreendimento porque não mais tem possibilidade de arcar com os pagamentos.
- Logo, a lide deve ser examinada pelo ângulo da impossibilidade superveniente da demandante de adimplir sua obrigação, e não em razão de mero arrependimento, ou inconveniência. No mais, sabido que a resolução tem efeito ex tunc, vale dizer, desfaz a relação obrigacional e retroage à data da celebração do contrato, exceto no tocante aos contratos de execução diferida e continuada.
- No caso em tela, para a hipótese de resolução motivada pelos adquirentes, o contrato previu expressamente em suas cláusulas 33 e 34 que a compradora faria jus à devolução de 75% dos valores pagos, e com anterior dedução de inúmeras verbas, tais como despesas com a venda estimadas em 12% do valor do contrato, juros compensatórios, juros e multa de mora, taxa mensal de ocupação, além de eventuais despesas de IPTU, luz, gás e condomínio, PIS, COFINS e outros tributos, seguro prestamista, custas judiciais e honorários advocatícios (cf. fls. 33/34).
- Nos termos em que foi redigida, aludida cláusula contratual afigura-se realmente abusiva, pois coloca a adquirente em desvantagem excessiva, de modo que não poderia subsistir, tendo sido corretamente afastada pela MMa. Juíza de primeiro grau.
- Quanto ao percentual de retenção fixado pelo Juízo a quo (de 10% dos valores pagos pelos adquirentes), mostra-se um pouco inferior ao admitido por este Relator.
- Usualmente, fixa-se em 20% dos valores pagos o percentual de retenção em hipóteses como a presente, pois tal montante é tido como suficiente para compensar as perdas sofridas pela alienante que não deu causa à rescisão (Apelação Cível nº 60.144-0 - São Paulo - 2ª Câmara de Direito Privado do TJSP - Rel. Des. Cezar Peluso - J. 09.02.99; Apelação Cível n. 85.010-4, São Paulo, 7ª Câmara de Direito Privado do TJSP, Rel. Des. Oswaldo Breviglieri, em 28.07.99, Unânime; Apelação Cível nº 52.562-4 - São Paulo - 8ª Câmara de Direito Privado do TJSP- Rel. Cesar Lacerda - J. 24.08.98 Unânime).
- Devida, pois, a elevação do percentual de retenção para 20% dos valores pagos pela adquirente. A importância ora fixada não destoa da jurisprudência deste Tribunal de Justiça acerca do tema, nem implica enriquecimento sem causa de qualquer das partes contratantes.
- Lembre-se, ainda, que a ré poderá alienar novamente o imóvel, e por isso não se cogita de maiores prejuízos, a ensejar o aumento do percentual de retenção fixado. Em relação ao termo inicial de fluência dos juros moratórios sobre o valor da restituição, o inconformismo da requerida merece prosperar.
- Referido posicionamento ao qual me curvo, a despeito de decisões anteriores em sentido contrário , justifica-se no fato de que a mora da promitente vendedora somente se caracteriza na data do trânsito em julgado da condenação.
- Em suma, o recurso deve ser parcialmente provido, para majorar para 20% o percentual de retenção dos valores pagos a que a ré faz jus em virtude do desfazimento do contrato, e para determinar que os juros de mora aplicáveis sobre a importância a ser restituída incidam depois do trânsito em jugado da condenação.”
Ao final, por votação unânime, os Desembargadores da 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo deram parcial provimento ao recurso de apelação interposto pela incorporadora para fixar a incidência dos juros a partir do trânsito em julgado, bem como para condená-la na devolução à vista de 80% (oitenta por cento) dos valores pagos, acrescido de correção monetária e com juros de 1% a.m. até o momento da efetiva devolução.
Processo nº 1090852-54.2017.8.26.0100
Fonte: Tribunal de Justiça de São Paulo e Mercadante Advocacia (especialista em Direito Imobiliário e Rescisão de Contratos de Promessa de Venda e Compra de imóvel na planta)
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* O texto apresentado tem caráter meramente didático, informativo e ilustrativo, não representando consultoria ou parecer de qualquer espécie ou natureza do escritório Mercadante Advocacia. O tema comentado é público e os atos processuais praticados foram publicados na imprensa oficial.