Processo nº 1026XXX-77.2014.8.26.0562
Um casal que adquiriu um apartamento na planta da incorporadora GAFISA, no Município de Santos viu-se obrigado a ingressar com uma ação de rescisão contratual na Justiça de São Paulo, após tentativa sem sucesso em obter o distrato amigável perante a incorporadora.
Mote da situação: a obra atrasou além do prazo de tolerância dos 180 dias previstos em Contrato. Indignados com o atraso, os compradores procuraram a vendedora para solicitar o distrato. No entanto, de forma pouco crível, a incorporadora não só afirmou que não era a culpada pelo atraso, mas também informou que dos valores pagos em Contrato nada seria restituído, recusando ainda a devolução dos valores pagos no início da aquisição a título de supostas comissões de corretagem e taxa denominada SATI.
Como não poderiam sofrer um confisco de valores, especialmente porque o atraso era caracterizado por ato exclusivo da incorporadora, os compradores decidiram ingressar com uma ação de rescisão no Poder Judiciário.
Em primeira instância, a ação foi julgada PARCIALMENTE PROCEDENTE para declarar a quebra do negócio por culpa da incorporadora, com a consequente condenação na restituição à vista de todos os valores pagos em Contrato, além das comissões de corretagem e taxa SATI, acrescidos de correção monetária desde cada pagamento (correção monetária retroativa) e juros de 1% ao mês. A parcialidade do julgamento em primeira instância ocorreu porque os autores haviam solicitado a condenação da incorporadora no pagamento de indenização por danos morais, sendo certo afirmarmos que há tempos a Justiça de São Paulo deixou de acolher esse tipo de pedido.
Inconformada, a incorporadora recorreu, forte no argumento de que não era a culpada pelo atraso e que aos autores deveriam ser aplicadas as cláusulas de retenção, sendo-lhes devida a devolução de apenas 60% dos valores pagos. A Gafisa ainda argumentou ser parte ilegítima para suportar a restituição das comissões de corretagem e taxa SATI e que os supostos serviços seriam válidos.
Os compradores também recorreram para tentar vingar a alegada indenização por danos morais, mas, sem qualquer chance de sucesso nesse aspecto.
Analisando o recurso de apelação interposto pela incorporadora, a 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, através do Relator Desembargador Vito Guglielmi, em acórdão datado de 11 de junho de 2015, por votação unânime, negou provimento a ambos os recursos e manteve a decisão de primeira instância por seus próprios fundamentos.
Sobre a suposta ilegitimidade da incorporadora para responder pela devolução das comissões de corretagem e taxa SATI:
Declarou o Relator: “De início, e ao contrário do alegado, a questão relativa à ilegitimidade passiva da corré Gafisa S/A foi bem apanhada pela r. sentença, de sorte que a pretendida reiteração da sua discussão não está a merecer qualquer consideração. Aliás, e ao que tudo indica, certamente foi o expediente utilizado pela defesa à falta de argumento melhor.”
Sobre a ocorrência de inequívoco atraso na entrega do empreendimento:
- “Em primeiro lugar, o descumprimento do prazo contratualmente firmado para a entrega do imóvel restou incontroverso. A requerida admitiu o atraso, limitando-se a alegar, de forma genérica, que ele se deveu à escassez de mão de obra, materiais e equipamentos disponíveis no mercado, o que teria impactado o cronograma de obras do empreendimento e, consequentemente, a sua tempestiva ultimação (fls. 251).
- Essa narrativa, todavia, é irrelevante, não possuindo o condão de afastar a responsabilidade das rés pelo atraso, porque a carência de mão-de-obra, materiais e equipamentos encerra o chamado “fortuito interno” que, inerente ao risco da atividade, não permite o afastamento do nexo de causalidade, revelando apenas má estratégia de venda ou administração.
- Com efeito, no contrato firmado entre as partes, restou acordado que as obras para a edificação do imóvel seriam concluídas até janeiro de 2014, com prazo de tolerância de 180 dias (fls. 26 e 39). Mas, encerrado o prazo suplementar em julho daquele ano, as obras ainda se encontravam inacabadas tanto assim que o habite-se somente foi expedido em dezembro de 2014 (fls. 185).
- O argumento trazido pela ré, em resumo, não possui o condão de afastar sua responsabilidade pelo incontroverso atraso. Em segundo lugar, tendo havido descumprimento contratual, era mesmo de ser deferida a restituição, aos autores, da totalidade dos valores pagos pelo imóvel, tendo em vista que o restabelecimento do status quo ante deve ser observado como corolário da resolução do negócio.
- Não há como considerar, pois, tenha havido mora dos autores. Daí porque a restituição deve mesmo ser integral sem que qualquer quantia se reserve às apelantes.”
Sobre a necessária rescisão do contrato por culpa da vendedora:
Ponderando sobre pedido de rescisão, declarou o Desembargador:
- “Assim, desfeito o negócio por circunstâncias alheias aos demandantes, é de rigor a devolução integral do valor adimplido por ocasião da negociação, não sendo mesmo o caso de se aplicar a dedução pretendida a título de corretagem e assessoria.
- Nesse sentido, considerando que a rescisão do que fora anteriormente pactuado diga-se, por culpa da vendedora importa na restituição total dos autores ao estado anterior, é, igualmente, irrelevante o fato de a comissão ter sido paga diretamente por eles ao responsável pela intermediação da venda. Lembre-se que o valor percebido pelos corretores a título de comissão e assessoria se deu em razão da concretização inicial do negócio.
- Assim, não tendo sido efetivado o negócio, por circunstâncias alheias aos demandantes, é de rigor que a comissão paga a título de intermediação e assessoria seja devolvida integralmente aos autores.
- Portanto, e na hipótese, sendo efetuado o distrato do negócio não há como se concluir que o trabalho desenvolvido tenha alcançado resultado útil.
- Assim, não só as despesas de corretagem, mas também as de assessoria devem ser ressarcidas pela ré e as partes repostas ao estado anterior ao que experimentaram antes do pagamento.”
Condenação final:
Assim, sob a preponderância dos argumentos lançados no acórdão, a 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu pelo seguinte:
- Quebra do contrato por ato exclusivo da incorporadora GAFISA;
- Restituição à vista e de 100% dos valores pagos pelos compradores em Contrato;
- Restituição à vista e de 100% das quantias indevidamente pagas a título de suposta comissão de corretagem e taxa SATI; e
- Tudo com acrescido de correção monetária desde cada pagamento (correção monetária retroativa) e juros de 1% ao mês nos termos da decisão.
Fonte: Tribunal de Justiça de São Paulo e Mercadante Advocacia (Especialista em Direito Imobiliário e Rescisão de Contratos de Promessa de Venda e Compra de imóvel na planta)
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