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O Supremo Tribunal Federal e o ativismo judicial em matéria previdenciária:

análise de casos

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Agenda 13/04/2014 às 13:40

2. O ativismo judicial em matéria previdenciária

Como é cediço, interessa à presente pesquisa, mais especificamente, a constitucionalização do direito previdenciário, e os efeitos da jurisdição constitucional sobre tal ramo jurídico.

A Constituição Federal de 1988, alcunhada de constituição cidadã, traz em seu bojo um texto costumeiramente classificado como “analítico”. Cogita-se, no entanto, que para além disso, o constituinte de 1988 tenha sido prolixo ao construir um diploma com tantos artigos. Há quem diga, ainda nessa linha de argumentação, que o texto constitucional produzido há mais de duas décadas chega mesmo a ser “corporativo”, eis que buscou tratar de diversos temas que não se subsumem com exatidão ao conceito de matéria constitucional.

E um dos inegáveis efeitos decorrentes de tal caráter – analítico, prolixo, corporativo – é justamente a expansão da jurisdição constitucional, fenômeno analisasdo no capítulo antecedente. Com efeito, tendo o constituinte se ocupado de matérias diversas e variadas, não raramente as discussões jurídicas desembocam no STF, mesmo após terem sido analisadas por diversos órgãos jurisdicionais de 1º e 2º graus.

Afinal, o STF é a instituição máxima do Poder Judiciário brasileiro, e tem por competência maior a própria guarda e proteção da Constituição Federal, o que pode se dar no âmbito do controle de constitucionalidade difuso ou concentrado.

Justamente por isso tem se percebido uma repercussão cada vez maior das decisões proferidas por aquela corte constitucional, dentro de um fenômeno que tem sido denominado ativismo judicial.

Como já referido alhures, o STF, em diversas oportunidades com a clara intenção de salvaguardar direitos constitucionalmente previstos, é levado a atuar de forma contramajoritária, indo até mesmo de encontro à vontade externada pelos representantes regularmente eleitos pela sociedade, pertencentes aos Poderes Executivo e Legislativo.

É justamente nessa atuação que reside uma das mais relevantes discussões doutrinárias no âmbito do Direito Constitucional contemporâneo, que perpassa pelos já analisados neoconstitucionalismo e pós-positivismo jurídico. Em toda discussão sobre este tema, são trazidos à tona importantes questionamentos, relacionados à legitimidade democrática da corte constitucional e à tensão que se estabelece entre ela e os poderes políticos quando aquela corte adota decisão que vai além da simples interpretação da norma legislada.

Há quem avente, por exemplo, que se vivencia hoje uma verdadeira americanização do Direito Constitucional brasileiro, tamanho é o domínio que vem sendo atribuído ao intérprete (julgador) na construção do Direito.

Tal situação, observada facilmente nos mais relevantes julgamentos da Suprema Corte brasileira, inexoravelmente repercute no âmbito do Direito Previdenciário. Com efeito, diante do expresso e relativamente detalhado tratamento constitucional conferido à Previdência Social (vide artigos 201 e seguintes da Constituição de 1988), em diversas oportunidades o STF teve diante de si demandas relacionadas a este específico ramo do conhecimento jurídico, tanto em sede de controle difuso como no controle concentrado da constitucionalidade das leis e atos normativos.

Apenas para citar um exemplo preambular, estão pendentes de julgamento, atualmente, os relevantes Recursos Extraordinários nº 381.367 e 381.367, que analisam a possibilidade, ou não, da chamada “desaposentação” no cenário jurídico brasileiro, consistente na renúncia a uma aposentadoria já recebida para o percebimento de uma aposentadoria de maior valor, em razão da continuidade laborativa do segurado. Trata-se, como é cediço, de demanda com imensa repercussão social e econômica, cujo resultado trará importantes reflexos para a política previdenciária do país.

Diante disso, é mister averiguar, à luz das mais recentes decisões do STF na matéria previdenciária, se é possível vislumbrar um “perfil” daquela corte relativamente às questões afetas a este ramo jurídico.

Tal perfil deve ser concebido entre as duas modalidades possíveis, já abordadas no capítulo antecedente, consistentes no ativismo e na autocontenção judicial.

Na realidade institucional brasileira, há exemplos variados de inegável ativismo judicial. O já diversas vezes citado Luís Roberto Barroso aponta, por exemplo, casos recentes em que o STF interviu claramente em questões bastante específicas do funcionamento e estruturação do Poder Legislativo, aplicando diretamente a Constituição (independentemente de regulamentação normativa) ou invalidando atos normativos editados pelo Congresso Nacional.

Há casos ilustrativos por ele utilizados, por exemplo, que dizem respeito ao reconhecimento, pelo tribunal constitucional, da necessária fidelidade partidária de mandatários eleitos (o mandato pertence ao partido, e não ao parlamentar) e ao impedimento, por inconstitucionalidade residente na inobservância de princípio de anterioridade previsto na carta política, da aplicação imediata das regras de verticalização nas coligações partidárias.

São casos bem emblemáticos, e que certamente foram eleitos pelo citado estudioso porquanto demonstrativos claros do considerável grau intervenção jurisdicional em questões com tamanha relevância para um outro poder político, no caso, o Legislativo.

O que aqui se estudará doravante, todavia, são situações nas quais o grau de intervencionismo jurisdicional, a justificar uma possível classificação de “ativismo”, demandará uma análise um pouco mais cuidadosa.

Afinal, é corolário lógico da própria sistemática democrático-institucional prevista pela Constituição de 1988 que as questões abordadas pelo legislador constituinte sejam potencialmente levadas ao conhecimento do STF, guardião da carta política, por intermédio variados caminhos previstos para tanto, seja no controle difuso, seja no controle concentrado.

Não se questiona, portanto, em nenhum momento, o fato de que as leis e atos normativos editados pelo Poder Legislativo brasileiro, bem como os atos normativos e administrativos produzidos pelo Poder Executivo na seara previdenciária, devem guardar necessária observância e congruência com os princípios e mandamentos estabelecidos no texto constitucional vigente.

Cabe, induvidosamente, ao Poder Judiciário – e particularmente à Suprema Corte brasileira – assegurar que tal observância ocorra, mediante exercício claro e imperturbável da jurisdição.

Não obstante, analisando alguns casos concretos devidamente selecionados à luz da atuação profissional deste estudioso, se buscará, como já dito, verificar se é possível vislumbrar um “perfil” mais um menos estabelecido pelo STF em questões afetas à Previdência e à Assistência Social.

Dito isto, passa-se a justificar desde logo a escolha dos casos e precedentes que serão mais detidamente analisados nas linhas que se seguem.

Com efeito, este estudioso ingressou na Procuradoria-Geral Federal – PGF em novembro de 2007, à época na Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS em Chapecó/SC, onde passou a atuar concretamente no contencioso previdenciário, representando judicialmente o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, instituição responsável pelo gerenciamento do sistema previdenciário brasileiro.

De lá para cá, embora com breves incursões em outras áreas de atuação da PGF, este acadêmico sempre se manteve em contato com a atuação contenciosa previdenciária, o que perdura até os dias de hoje, lotado que está na Procuradoria Seccional Federal em Duque de Caxias/RJ, unidade responsável pela representação judicial do INSS na importante região geoeconômica da Baixada Fluminense.

À guisa de contextualização, e para que se tenha dimensão do que representa a atuação contenciosa previdenciária nos arredores do Rio de Janeiro, mencione-se que a Baixada Fluminense, embora economicamente muito forte, possui cinturões de pobreza de tamanho e população bastante consideráveis, o que tende a tornar ainda maior o afluxo de pessoas à procura do acobertamento “social” oferecido pela autarquia previdenciária.

Tanto é assim que, em termos quantitativos, e conforme informações colhidas junto à Seção de Atendimento da Gerência Executiva do INSS em Duque de Caxias/RJ, esta região realiza, atualmente, o segundo maior número de perícias médicas mensais em todo o Brasil, o que naturalmente se dá em sede de requerimentos de benefícios por incapacidade (auxílio-doença, aposentadoria por invalidez, benefício assistencial aos incapazes para a vida independente etc.), realizados no seu total de dezessete agências de atendimento ao público.

Logo, quanto mais relações jurídicas mantidas pela entidade representada (INSS), seja pelo implemento de condições para percebimento de benefícios ou mesmo pelo simples indeferimento de pretensões deduzidas administrativamente, maior se torna a busca dos interessados pelo Poder Judiciário, algo intrínseco à consolidação da cidadania e ao princípio constitucional do “acesso à justiça” (art. 5º, XXXV da Constituição Federal).

Tanto é assim que o INSS encabeça, há alguns anos, a lista dos maiores litigantes judiciais do país, organizada e mantida pelo Conselho Nacional da Justiça – CNJ, sempre com um volume bem maior de ações do que a instituição que costuma ocupar o segundo lugar, a Caixa Econômica Federal.

E na Baixada Fluminense, área de atuação profissional deste estudioso, não poderia ser diferente. São, ao todo, nove Varas Federais, oito Juizados Especiais Federais e doze Comarcas da Justiça Estadual, com um grande número de juízes atuando na matéria previdenciária, alguns quase que exclusivamente, como costuma ocorrer no âmbito dos Juizados Especiais Federais.

E é neste ambiente que este estudioso pôde verificar, não raras vezes, uma clara superação do positivismo jurídico clássico, eis que os julgadores costumam ir muito além da mera subsunção normativa, aplicando em casos concretos novas formas de interpretação jurídica, algumas rasamente classificadas como “assistencialistas”, dada a natureza da demanda previdenciária em caráter ordinário.

E não ocorre diferente no âmbito do STF. Com feito, à luz da experiência profissional acima relatada, foram eleitas algumas matérias analisadas pela corte constitucional no decorrer dos últimos anos, envolvendo interesses da autarquia previdenciária (INSS), com o fito de bem compreender a postura assumida pela referida corte nos casos que foram levados à sua análise.

Convém esclarecer, todavia, que a presente pesquisa não se valeu de um recorte temporal ou tampouco limitou os precedentes analisados a uma das modalidades possíveis de controle de constitucionalidade (difuso ou concentrado). Optou-se, singelamente, por temas que, em virtude da decisão do STF, causaram impacto direto no cotidiano do contencioso previdenciário ordinário, exercido nos primeiro e segundo grau de jurisdição.

 Ou seja, foram escolhidas questões que já vinham sendo sobejamente discutidas nos graus inferiores de jurisdição, e que foram finalmente analisadas pelo STF, conforme relatos e análise que se seguem.

2.1. Fator previdenciário

O fator previdenciário, previsto que está no art. 29 da Lei nº 8.213/91, com a redação que lhe foi conferida pela Lei nº 9.876/99 e por outras alterações legislativas subsequentes, é definido com razoável precisão na página eletrônica do próprio Ministério da Previdência Social, de onde se extrai que referido o fator constitui fórmula a ser aplicada

[...] para cálculo das aposentadorias por tempo de contribuição e por idade, sendo opcional no segundo caso. Criado com o objetivo de equiparar a contribuição do segurado ao valor do benefício, baseia-se em quatro elementos: alíquota de contribuição, idade do trabalhador, tempo de contribuição à Previdência Social e expectativa de sobrevida do segurado (conforme tabela do IBGE). (Disponível em: http://www.previdencia.gov.br/informaes-2/fator-previdencirio-2/. Acesso em 18/01/2014)

Note-se, portanto, que o instituto em questão tem o nítido condão de conferir equilíbrio financeiro-atuarial ao sistema previdenciário brasileiro, compatibilizando o cálculo do benefício de aposentadoria com as contribuições vertidas pelo segurado à Previdência Social e com a sua perspectiva de sobrevida (que representa o período provável de manutenção da aposentadoria a ser usufruída).

Evidentemente, e considerando-se a própria natureza do instituto em questão, é certo que quanto mais precocemente o segurado pretender se aposentar (com menor número de contribuições e maior expectativa de sobrevida), menor será o valor mensal do seu benefício. A rigor, o fator previdenciário faz surgir para o participante do regime securitário uma decisão econômica bastante importante: aposentar-se mais cedo, percebendo mensalmente um valor menor a título de benefício, ou aposentar-se mais tarde, com uma renda mensal mais elevada.

Diante disso, há quem avente a inconstitucionalidade da norma jurídica que instituiu o fator previdenciário, ou seja, da Lei nº 9.876/99, na parte em que alterou o art. 29 da Lei nº 8.213/91.

Foram manejadas, no âmbito do controle concentrado (e abstrato) de constitucionalidade das leis, duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI’s) perante o STF, recebidas sob o nº 2.111 e 2.110, ambas ainda em andamento.

Nas referidas ações, para além de uma possível inconstitucionalidade formal inicialmente concebida (decorrente de um possível vício no processo legislativo já rechaçado pelo STF), o argumento principal das entidades que postularam a declaração abstrata da inconstitucionalidade da norma (Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúgicos – CNTM e alguns partidos políticos com representação no Congresso Nacional) foi no sentido de que a alteração legislativa em questão teria instituído, sub-repticiamente, um requisito de aposentadoria não previsto no texto constitucional em vigor.

Reproduza-se, por oportuno, um pequeno trecho da petição inicial da ADI 2.111:

O art. 2º da Lei 9.876, ao alterar o disposto na Lei 8.213, em seu artigo 29, criando nova fórmula de cálculo para a determinação do valor de aposentadorias e pensões, violação direta e frontalmente o disposto no artigo 201, § 7º da Carta Magna brasileira. A Constituição estabelece que É DIREITO DO CIDADÃO BRASILEIRO A APOSENTADORIA POR UM DOS DOIS CRITÉRIOS ESTABELECIDOS: TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO (30 anos para a mulher e 35 para o homem) OU TEMPO DE VIDA (60 anos para as mulheres e 65 para os homens). O que a lei fez ao introduzir o chamado Fator Previdenciário como MAIS UM ELEMENTO para calcular o valor dos benefícios, foi, na verdade, adicionar mais um REQUISITO AOS ESTABELECIDOS NO DIPLOMA CONSTITUCIONAL.

Agora, para que o trabalhador brasileiro faça jus ao benefício integral, não basta que ele tenha contribuído 30 ou 35 anos, ou tenha 60 ou 65 anos de idade, ele terá ainda que se submeter ainda a um cálculo que se baseia em um índice econômico social, a expectativa de vida média dos brasileiros. Mesmo tendo cumprido todos os requisitos constitucionais, ainda assim o trabalhador não receberá a totalidade de seus benefícios. ASSIM COMO JUSTIÇA TARDIA NÃO É JUSTIÇA, PARTE DO PAGAMENTO NÃO É PAGAMENTO. A Constituição lhe garanta a aposentadoria, e uma Lei Complementar, e portanto inferior à esse diploma, lhe restringe esse benefício através de um cálculo ou fórmula variável, utilizando-se de índice questionável (Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.111. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=347438. Acesso em 18/01/2014)

Note-se, que a natureza da argumentação jurídica é justamente a perfilhada alhures. O legislador ordinário, ao regular o direito constitucionalmente consagrado (aposentar-se), teria instituído critério ou requisito não previsto pelo legislador constituinte, o que demandaria a atuação da corte constitucional no sentido de salvaguardar a higidez do regime previdenciário previsto pelo texto da carta política de 1988.

Entretanto, a tese dos autores das ADI’s em questão não foi acolhida pelo STF, em sede de análise de medida cautelar, como bem se vê na ementa de julgamento preambular já realizado no bojo da ADI 2.111, a seguir reproduzida:

EMENTA: - DIREITO CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO. PREVIDÊNCIA SOCIAL: CÁLCULO DO BENEFÍCIO. FATOR PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI Nº 9.876, DE 26.11.1999, OU, AO MENOS, DO RESPECTIVO ART. 2º (NA PARTE EM QUE ALTEROU A REDAÇÃO DO ART. 29, "CAPUT", INCISOS E PARÁGRAFOS DA LEI Nº 8.213/91, BEM COMO DE SEU ART. 3º. ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DA LEI, POR VIOLAÇÃO AO ART. 65, PARÁGRAFO ÚNICO, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E DE QUE SEUS ARTIGOS 2º (NA PARTE REFERIDA) E 3º IMPLICAM INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL, POR AFRONTA AOS ARTIGOS 5º, XXXVI, E 201, §§ 1º E 7º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E AO ART. 3º DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20, DE 15.12.1998. MEDIDA CAUTELAR. 1. Na inicial, ao sustentar a inconstitucionalidade formal da Lei nº 9.876, de 26.11.1999, por inobservância do parágrafo único do art. 65 da Constituição Federal, segundo o qual "sendo o projeto emendado, voltará à Casa iniciadora", não chegou a autora a explicitar em que consistiram as alterações efetuadas pelo Senado Federal, sem retorno à Câmara dos Deputados. Deixou de cumprir, pois, o inciso I do art. 3o da Lei nº 9.868, de 10.11.1999, segundo o qual a petição inicial da A.D.I. deve indicar "os fundamentos jurídicos do pedido em relação a cada uma das impugnações". Enfim, não satisfeito esse requisito, no que concerne à alegação de inconstitucionalidade formal de toda a Lei nº 9.868, de 10.11.1999, a Ação Direta de Inconstitucionalidade não é conhecida, nesse ponto, ficando, a esse respeito, prejudicada a medida cautelar. 2. Quanto à alegação de inconstitucionalidade material do art. 2o da Lei nº 9.876/99, na parte em que deu nova redação ao art. 29, "caput", incisos e parágrafos, da Lei nº 8.213/91, a um primeiro exame, parecem corretas as objeções da Presidência da República e do Congresso Nacional. É que o art. 201, §§ 1o e 7o, da C.F., com a redação dada pela E.C. nº 20, de 15.12.1998, cuidaram apenas, no que aqui interessa, dos requisitos para a obtenção do benefício da aposentadoria. No que tange ao montante do benefício, ou seja, quanto aos proventos da aposentadoria, propriamente ditos, a Constituição Federal de 5.10.1988, em seu texto originário, dele cuidava no art. 202. O texto atual da Constituição, porém, com o advento da E.C. nº 20/98, já não trata dessa matéria, que, assim, fica remetida "aos termos da lei", a que se referem o "caput" e o § 7o do novo art. 201. Ora, se a Constituição, em seu texto em vigor, já não trata do cálculo do montante do benefício da aposentadoria, ou melhor, dos respectivos proventos, não pode ter sido violada pelo art. 2o da Lei nº 9.876, de 26.11.1999, que, dando nova redação ao art. 29 da Lei nº 8.213/91, cuidou exatamente disso. E em cumprimento, aliás, ao "caput" e ao parágrafo 7o do novo art. 201. 3. Aliás, com essa nova redação, não deixaram de ser adotados, na Lei, critérios destinados a preservar o equilíbrio financeiro e atuarial, como determinado no "caput" do novo art. 201. O equilíbrio financeiro é o previsto no orçamento geral da União. E o equilíbrio atuarial foi buscado, pela Lei, com critérios relacionados com a expectativa de sobrevida no momento da aposentadoria, com o tempo de contribuição e com a idade, até esse momento, e, ainda, com a alíquota de contribuição correspondente a 0,31. 4. Fica, pois, indeferida a medida cautelar de suspensão do art. 2o da Lei nº 9.876/99, na parte em que deu nova redação ao art. 29, "caput", incisos e parágrafos, da Lei nº 8.213/91. 5. Também não parece caracterizada violação do inciso XXXVI do art. 5o da C.F., pelo art. 3o da Lei impugnada. É que se trata, aí, de norma de transição, para os que, filiados à Previdência Social até o dia anterior ao da publicação da Lei, só depois vieram ou vierem a cumprir as condições exigidas para a concessão dos benefícios do Regime Geral da Previdência Social. 6. Enfim, a Ação Direta de Inconstitucionalidade não é conhecida, no ponto em que impugna toda a Lei nº 9.876/99, ao argumento de inconstitucionalidade formal (art. 65, parágrafo único, da Constituição Federal). É conhecida, porém, quanto à impugnação dos artigos 2o (na parte em que deu nova redação ao art. 29, seus incisos e parágrafos da Lei nº 8.213/91) e 3o daquele diploma. Mas, nessa parte, resta indeferida a medida cautelar. (Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.111. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=347438. Acesso em 18/01/2014) (Grifou-se)

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Tanto a ADI 2.111 como a ADI 2.110 ainda pendem de julgamento definitivo. Ambas se encontram conclusas ao relator, Ministro Celso de Mello, aguardando prolação de voto e inserção em pauta. Os movimentos processuais desde a decisão acima reproduzida – que coincidiu com decisão de idêntico efeito na ADI 2.110 – são meramente procedimentais ou, no máximo, decidem acerca de pedidos de intervenção a título de amicus curiae. Não obstante, é perfeitamente possível vislumbrar um posicionamento estabelecido pela corte constitucional ao indeferir a medida cautelar pretendida, tendo o feito por maioria de votos, eis que vencido o Ministro Marco Aurelio, que em seu voto deferia a cautelar.

Nota-se, na hipótese em tela, uma visível contenção da corte constitucional na análise da constitucionalidade normativa, prestigiando o resultado do processo legislativo regular.

Com efeito, o STF concluiu que, ao contrário do que pretendia o autor da ação, a Constituição não se ocupou, desde a redação que lhe foi conferida pela Emenda Constitucional nº 20/98, de regular o valor mensal dos benefícios de aposentadoria do regime securitário brasileiro. Tão somente previu a existência do direito à aposentadoria por intermédio de dois critérios “tempo de contribuição” e “idade”. O valor do benefício, todavia, deveria ser decidido pelo legislador ordinário, em regulamentação própria.

Tendo o Congresso Nacional atuado higidamente, observando as balizas do processo legislativo constitucionalmente previsto, o STF compreendeu que a hipótese não contemplava a necessidade de sua intervenção, e manteve incólume a aplicação da norma jurídica editada pelo Poder Legislativo.

Reproduza-se também aqui, para uma melhor compreensão da postura ostentada pelo STF no caso em exame, um pequeno excerto do voto prolatado pelo então relator do processo, Ministro Sidney Sanches:

Ora, se a Constituição, em seu texto em vigor, já não trata do cálculo do montante do benefício da aposentadoria, ou melhor, dos respectivos proventos, não pode ter sido violada pelo art. 2º da Lei nº 9.876, de 26.11.1999, que, dando nova redação ao art. 29 da Lei nº 8.213/91, cuidou exatamente disso. E em cumprimento, aliás, ao “caput” e ao parágrafo 7º do novo art. 201.

Aliás, com essa nova redação, não deixaram de ser adotados, na Lei, critérios destinados a preservar o equilíbrio financeiro e atuarial, como determinado no “caput” do novo art. 201.

O equilíbrio financeiro é o previsto no orçamento geral da União.

E o equilíbrio financeiro foi buscado, pela Lei, com critérios relacionados com a expectativa de sobrevida no momento da aposentadoria, com o tempo de contribuição e com a idade, até esse momento, e, ainda com a alíquota de contribuição correspondente a 0,31, tudo como se vê de fls. 15 e 16.

Vê-se, portanto, que o STF, no voto do Ministro relator, não apenas deixou de enxergar a inconstitucionalidade cogitada pelo autor, como compreendeu que a atuação legiferante na hipótese houvera realizado plenamente um relevante princípio constitucional aplicado ao regime previdenciário, que é o do equilíbrio financeiro e atuarial.

O fator previdenciário, portanto, continuou sendo aplicado no cálculo dos benefícios de aposentadoria, situação que persiste até os dias atuais.

Compreende-se, desta feita, que no caso em tela não se corporificou na atuação jurisdicional do STF ativismo judicial tendente a debelar a decisão política adotada pelos órgãos representativos da sociedade (Poderes Legislativo e Executivo).

Com efeito, a despeito da severa discussão que sempre permeou o tema em questão, posicionou-se a corte constitucional no sentido de manter incólume a decisão adotada pelo sistema democrático-representativo e majoritário, eis que não vislumbrou em tal decisão política nenhuma ofensa ao texto constitucional vigente.

2.2. Reconhecimento previdenciário do período laborativo rural anterior aos 14 anos de idade

Outro tema bastante interessante levado ao STF, só que por intermédio do controle difuso de constitucionalidade – ou seja, pela via recursal – diz respeito à possibilidade ou não de ser reconhecido, para fins de benefício de aposentadoria, o período laborativo rural anterior aos 14 anos de idade, relativamente ao segurado que pretenda se aposentar por tempo de contribuição.

Com efeito, é muito corriqueira a postulação perante o INSS, administrativamente ou no âmbito judicial, do reconhecimento de períodos de labor rural desde a mais tenra infância. Não raramente, os segurados asseveram que começaram a laborar “na roça” ainda aos 07 ou 08 anos.

Entretanto, é forçoso destacar que o exercício de trabalho rural, no regime de economia familiar, por filhos do produtor, parceiro, meeiro, arrendatário rural, garimpeiro, pescador artesanal ou assemelhado (art. 11, VII da Lei 8.213/91), somente passou a ser reconhecido como trabalho após o advento da Lei 8.213/91.

Antes da Lei 8.213/91, os filhos dos segurados especiais não eram considerados segurados, mesmo que eventualmente ajudassem no trabalho, a não ser que tivessem contribuído como autônomos.

Demais disso, é forçoso reconhecer a existência de importante norma constitucional, hoje estampada no art. art. 7º, inciso XXXIII, da carta política, claramente proibitiva do trabalho infantil.

No texto hodiernamente vigente, a Constituição é bastante precisa ao proibir qualquer trabalho ao menor de 16 anos. O texto constitucional de 1946, por seu turno, previa, em seu artigo 157, IX, a proibição do trabalho aos menores de 14 anos. A Constituição de 1967, por sua vez, no que foi mantida pela Emenda Constitucional nº 01, de 1969, preconizava a proibição de qualquer trabalho ao menor de 12 anos, como bem se vê do seu art. 158, X.

Ademais, convém também registrar no regime previdenciário pretérito ao que vigora desde a Lei nº 8.213/91, os únicos benefícios de aposentadoria previstos para o trabalhador rural não assalariado eram por invalidez ou por idade, desde que o requerente detivesse a condição de chefe ou arrimo de família (Decreto n.º 83.080/79, art. 292).

Diante deste cenário normativo-constitutucional – aqui descrito de forma rasa e incipiente – sempre compreendeu o INSS que, na hipótese do filho que trabalha na lavoura com os pais, em regime de economia familiar, antes dos 14 anos de idade, não há que se considerar a configuração de rurícola com vínculo empregatício e nem tampouco de segurado especial.

Assim, reitere-se, a postura da autarquia previdenciária, administrativa ou judicialmente, sempre foi no sentido de que se à época em que trabalhou com menos de 14 anos em regime rural de economia familiar, o indivíduo não era considerado segurado, não pode agora simplesmente ter direito a contar este período laborativo para fins de aposentadoria por tempo de contribuição, pois não contribuiu como segurado e sequer era, à época, partícipe do sistema previdenciário.

Fica claro, destarte, que somente com a Constituição de 1988, regulamentada pelo art. 11, VII, da Lei 8.213/91, é que o filho do chefe da unidade familiar passou a ter também direito à aposentadoria, e mesmo assim, o período laborativo só deveria ser computado após completados 14 anos.

Inconformados com a postura adotada pela autarquia previdenciária, diversos segurados buscaram o caminho jurisdicional para ver reconhecidos os períodos laborativos na condição rurícula anteriormente aos 14 anos. Há variadas decisões sobre o tema, nos diversos graus de jurisdição, algumas mantendo incólume o posicionamento do INSS e outras tantas reconhecendo o direito dos segurados que deduziram a pretensão aqui referida.

E, como dito, essa questão chegou ao STF por intermédio controle difuso das leis e atos normativos, através do Agravo de Instrumento nº 529.694, relatado pelo Ministro Gilmar Mendes. Reproduz-se abaixo a ementa do referido julgado:

Ementa: Agravo de Instrumento. 2. Trabalhador rural ou rurícola menor de quatorze anos. Contagem de tempo de serviço. Art. 11, VII da Lei nº 8213. Possibilidade. Precedentes. 3. Alegação de impossibilidade de declaração de efeitos retroativos para o caso de declaração de nulidade de contratos trabalhistas. Tratamento similar na doutrina do direito comparado: México, Alemanha, França e Itália. Norma de garantia do trabalhador que não se interpreta em seu detrimento. Acórdão do STJ em conformidade com a jurisprudência desta Corte. 4. Precedentes citados: AgRAI 105.794, 2ª T., Rel. Aldir Passarinho, DJ 02.05.86; e RE 104.654, 2ª T., Rel. Francisco Rezek, DJ 25.04.86 5. Agravo de instrumento a que se nega provimento. (Agravo de Instrumento nº 529.694. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=22264. Acesso em 18/01/2014)

O julgamento em questão, proferido no âmbito da 2ª Turma do STF, ilustra bem o posicionamento firmado naquela corte – ou ao menos naquela turma – relativamente ao tema em tablado.

Segundo se infere da própria ementa, compreendeu a corte constitucional que a norma protetiva do menor – a quem é vedado trabalho, hodiernamente, antes dos 16 anos, e em ordens jurídicas pretéritas antes dos 14 e dos 12 anos, respectivamente – jamais poderia ser interpretada em desfavor do seu beneficiário.

Logo, está errado o INSS – nos dizeres do STF – ao impedir o cômputo do período laborativo rural anteriormente aos 14 anos, relativamente aos segurados que pretendam se aposentar por tempo de contribuição.

Ao assim decidir, o STF manteve posicionamento já consolidado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, o qual, segundo o INSS, claramente nega vigência à redação expressa do art. 11, VII, da Lei nº 8.213/91. Além disso, tal entendimento aplicou a exegese de tal dispositivo, em caráter ainda mais danoso à Previdência Social (porquanto considerando o labor rural desde os 12 anos), a um período pretérito, sem respeitar o famoso brocardo do tempus regit actum, eis que antes da Lei nº 8.213/91, como já dito, não havia previsão legal que outorgasse ao filho do agricultor, em regime de economia familiar, a condição de segurado.

Cinge destacar que a decisão do STF no caso em análise, como bem se depreende do voto do relator do processo, não se aprofundou em todos os meandros da argumentação jurídica delineada pela autarquia na tese recursal. Limitou-se, ao contrário, a reproduzir precedentes da própria corte, da década de 80, produzidos sob a égide da Constituição Federal de 1967 e à luz de um outro papel institucional do próprio Tribunal, os quais, segundo o Ministro Gilmar Mendes, embora produzidos sob a égide de regime jurídico anterior, continuam atuais.

Tem-se, destarte, que o caso ora em foco apresenta um considerável grau de ativismo judicial. Afinal, a atuação jurisdicional está atuando de forma a invalidar um parâmetro normativo muito claro, consistente no limite de idade para o reconhecimento da atividade laborativa. Ao fazê-lo, deixa de dar aplicação a um dispositivo de lei regularmente produzido, o art. 11, VII, da Lei nº 8.213/91.

Mas o ativismo em questão não se dá exatamente no âmbito do STF. Ao contrário, aquela corte apenas deixou de acolher a pretensão recursal da autarquia previdenciária, corporificada em Agravo de Instrumento (controle difuso de constitucionalidade).

Logo, é possível concluir que na hipótese em questão a postura ativista se espraiou no âmbito dos demais órgãos jurisdicionais – inclusive, a postura do STJ é marcante neste sentido, bem como da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais – TNU, que editou súmula[1] a respeito do tema – e o STF se limitou a acolher o ativismo das instâncias inferiores, mantendo as decisões que se valeram da interpretação constitucional de que a norma protetiva não poderia servir para prejudicar a situação jurídica de seu beneficiário.

Registre-se, ainda sobre o tema, que diante do cenário jurisprudencial em questão, o próprio Ministério da Previdência Social, por intermédio da sua instância administrativa de atuação recursal (Processo Administrativo Previdenciário, com recursos para órgãos colegiados de composição mista, com representação da sociedade) tem acolhido o reconhecimento do labor rural desde os 12 anos, nos termos dos pronunciamentos jurisdicionais atinentes ao tema.

2.3. Cotas de Pensão e tempus regit actum

Se no caso referido alhures o STF optou por acolher e manter a postura ativista nos graus inferiores de jurisdição, diferentemente ocorreu nas hipóteses versadas nos Recursos Extraordinários nº 415.454 e 416.827, também  decorrentes da atuação do STF no controle difuso de constitucionalidade.

Para uma boa compreensão deste exemplo, convém realizar uma breve rememoração histórica do tratamento legislativo conferido ao benefício de pensão por morte.

Em sua redação original, o art. 75 da Lei nº 8.213/91 assim dispunha acerca do cálculo do valor mensal do benefício de pensão por morte:

Art. 75. O valor mensal da pensão por morte será:a) constituído de uma parcela, relativa à família, de 80% (oitenta por cento) do valor da aposentadoria que o segurado recebia ou a que teria direito, se estivesse aposentado na data do seu falecimento, mais tantas parcelas de 10% (dez por cento) do valor da mesma aposentadoria quantos forem os seus dependentes, até o máximo de 2 (duas).

b) 100% (cem por cento) do salário-de-benefício ou do salário-de-contribuição vigente no dia do acidente, o que for mais vantajoso, caso o falecimento seja conseqüência de acidente do trabalho.

Com a superveniência da Lei nº 9.032/95, eis que se modificou a definição da renda mensal do benefício em questão, que passou a receber o seguinte tratamento:

Art. 75. O valor mensal da pensão por morte, inclusive a decorrente de acidente do trabalho, consistirá numa renda mensal correspondente a 100% (cem por cento) do salário-de-benefício, observado o disposto na Seção III, especialmente no art. 33 desta lei. 

Deu-se nova alteração do dispositivo em questão, no ano de 1997, por intermédio da Lei nº 9.528. Mas tal fato não é de todo relevante. Basta perceber que, com a modificação havida em 1995, eis que o valor do benefício de pensão por morte passou a ser, em alguns casos, mais elevado, dado o novo tratamento legislativo que lhe foi conferido.

Diante disso, diversos beneficiários, já usufruindo de pensões por morte concedidas anteriormente, buscaram o Poder Judiciário com o intento de ver revistos os valores dos seus benefícios, à luz da novel legislação.

Portanto, os recursos aqui utilizados como exemplo recaíram justamente sobre decisões que determinaram a aplicação retroativa da Lei nº 9.032/95, na parte em que alterou a redação do art. 75 da Lei 8213/91, majorando a renda mensal do benefício pensão por morte.

Reproduza-se, para uma boa compreensão do tema, a ementa do acórdão proferido pelo STF no Recurso Extraordinário nº 415.454, bastante elucidativo:

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INTERPOSTO PELO INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS), COM FUNDAMENTO NO ART. 102, III, "A", DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, EM FACE DE ACÓRDÃO DE TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO: PENSÃO POR MORTE (LEI Nº 9.032, DE 28 DE ABRIL DE 1995). 1. No caso concreto, a recorrida é pensionista do INSS desde 04/10/1994, recebendo através do benefício nº 055.419.615-8, aproximadamente o valor de R$ 948,68. Acórdão recorrido que determinou a revisão do benefício de pensão por morte, com efeitos financeiros correspondentes à integralidade do salário de benefícios da previdência geral, a partir da vigência da Lei no 9.032/1995. 2. Concessão do referido benefício ocorrida em momento anterior à edição da Lei no 9.032/1995. No caso concreto, ao momento da concessão, incidia a Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991. 3. Pedido de intervenção anômala formulado pela União Federal nos termos do art. 5º, caput e parágrafo único da Lei nº 9.469/1997. Pleito deferido monocraticamente por ocorrência, na espécie, de potencial efeito econômico para a peticionária (DJ 2.9.2005). 4. O recorrente (INSS) alegou: i) suposta violação ao art. 5o, XXXVI, da CF (ofensa ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido); e ii) desrespeito ao disposto no art. 195, § 5o, da CF (impossibilidade de majoração de benefício da seguridade social sem a correspondente indicação legislativa da fonte de custeio total). 5. Análise do prequestionamento do recurso: os dispositivos tidos por violados foram objeto de adequado prequestionamento. Recurso Extraordinário conhecido. 6. Referência a acórdãos e decisões monocráticas proferidos quanto ao tema perante o STF: RE (AgR) no 414.735/SC, 1ª Turma, unânime, Rel. Min. Eros Grau, DJ 29.4.2005; RE no 418.634/SC, Rel. Min. Cezar Peluso, decisão monocrática, DJ 15.4.2005; e RE no 451.244/SC, Rel. Min. Marco Aurélio, decisão monocrática, DJ 8.4.2005. 7. Evolução do tratamento legislativo do benefício da pensão por morte desde a promulgação da CF/1988: arts. 201 e 202 na redação original da Constituição, edição da Lei no 8.213/1991 (art. 75), alteração da redação do art. 75 pela Lei no 9.032/1995, alteração redacional realizada pela Emenda Constitucional no 20, de 15 de dezembro de 1998. 8. Levantamento da jurisprudência do STF quanto à aplicação da lei previdenciária no tempo. Consagração da aplicação do princípio tempus regit actum quanto ao momento de referência para a concessão de benefícios nas relações previdenciárias. Precedentes citados: RE no 258.570/RS, 1ª Turma, unânime, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 19.4.2002; RE (AgR) no 269.407/RS, 2ª Turma, unânime, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 2.8.2002; RE (AgR) no 310.159/RS, 2ª Turma, unânime, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 6.8.2004; e MS no 24.958/DF, Pleno, unânime, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 1o.4.2005. 9. Na espécie, ao reconhecer a configuração de direito adquirido, o acórdão recorrido violou frontalmente a Constituição, fazendo má aplicação dessa garantia (CF, art. 5o, XXXVI), conforme consolidado por esta Corte em diversos julgados: RE no 226.855/RS, Plenário, maioria, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 13.10.2000; RE no 206.048/RS, Plenário, maioria, Rel. Min. Marco Aurélio, Red. p/ acórdão Min. Nelson Jobim, DJ 19.10.2001; RE no 298.695/SP, Plenário, maioria, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 24.10.2003; AI (AgR) no 450.268/MG, 1ª Turma, unânime, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 27.5.2005; RE (AgR) no 287.261/MG, 2ª Turma, unânime, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 26.8.2005; e RE no 141.190/SP, Plenário, unânime, Rel. Ilmar Galvão, DJ 26.5.2006. 10. De igual modo, ao estender a aplicação dos novos critérios de cálculo a todos os beneficiários sob o regime das leis anteriores, o acórdão recorrido negligenciou a imposição constitucional de que lei que majora benefício previdenciário deve, necessariamente e de modo expresso, indicar a fonte de custeio total (CF, art. 195, § 5o). Precedente citado: RE no 92.312/SP, 2ª Turma, unânime, Rel. Min. Moreira Alves, julgado em 11.4.1980. 11. Na espécie, o benefício da pensão por morte configura-se como direito previdenciário de perfil institucional cuja garantia corresponde à manutenção do valor real do benefício, conforme os critérios definidos em lei (CF, art. 201, § 4o). 12. Ausência de violação ao princípio da isonomia (CF, art. 5o, caput) porque, na espécie, a exigência constitucional de prévia estipulação da fonte de custeio total consiste em exigência operacional do sistema previdenciário que, dada a realidade atuarial disponível, não pode ser simplesmente ignorada. 13. O cumprimento das políticas públicas previdenciárias, exatamente por estar calcado no princípio da solidariedade (CF, art. 3o, I), deve ter como fundamento o fato de que não é possível dissociar as bases contributivas de arrecadação da prévia indicação legislativa da dotação orçamentária exigida (CF, art. 195, § 5o). Precedente citado: julgamento conjunto das ADI´s no 3.105/DF e 3.128/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, Red. p/ o acórdão, Min. Cezar Peluso, Plenário, maioria, DJ 18.2.2005. 14. Considerada a atuação da autarquia recorrente, aplica-se também o princípio da preservação do equilíbrio financeiro e atuarial (CF, art. 201, caput), o qual se demonstra em consonância com os princípios norteadores da Administração Pública (CF, art. 37). 15. Salvo disposição legislativa expressa e que atenda à prévia indicação da fonte de custeio total, o benefício previdenciário deve ser calculado na forma prevista na legislação vigente à data da sua concessão. A Lei no 9.032/1995 somente pode ser aplicada às concessões ocorridas a partir de sua entrada em vigor. 16. No caso em apreço, aplica-se o teor do art 75 da Lei 8.213/1991 em sua redação ao momento da concessão do benefício à recorrida. 17. Recurso conhecido e provido para reformar o acórdão recorrido. (Recurso Extraordinário nº 415.454. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=491862. Acesso em 19/01/2014)

Vê-se, assim, que prosperou perante o STF o entendimento já consolidado no âmbito da autarquia previdenciária, segundo o qual majorar o coeficiente da pensão por morte com base em lei posterior ao seu fato gerador representava verdadeira afronta os princípios constitucionais de irretroatividade das leis e do ato jurídico perfeito.

Com efeito, a melhor exegese do tema sempre indicou que a lei nova teria aplicação imediata no tocante aos benefícios a serem concedidos ou pendentes de concessão. Porém, não era possível aplicá-la retroativamente, a fim de atingir pensões já concedidas, as quais se encontravam sob o manto do ato jurídico perfeito e acabado  (art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal).

E facilmente se percebe que, no caso em análise, ao contrário do que se deu no exemplo antecedente, o STF refreeou uma atuação ativista dos graus inferiores de jurisdição, por entender que a decisão que determinava a revisão de um benefício de pensão por morte concedido antes da alteração legislativa promovida pela Lei nº 9.032/95, descumpria precedentes daquela própria corte acerca do princípio do tempus regit actum, desconsiderando, outrossim, importantes preceitos constitucionais atinentes ao tema, já que malversava a ideia de direito adquirido e olvidava por completo da pré-existência do custeio previdenciário, mecanismo impositivo para o equilíbrio financeiro-atuarial do sistema securitário.

Logo, é forçoso reconhecer que ao assim atuar, o STF deu claros sinais de autocontenção jurisdicional, impedindo a consolidação de um entendimento que grassava nas instâncias inferiores, ao arrepio do texto constitucional vigente, e que representava sério perigo para o equilíbrio atuarial do sistema previdenciário brasileiro.

2.4. União homoafetiva

Mas casos há em que a autocontenção referida no exemplo antecedente realmente não deve ter espaço. Tema bastante relevante para a sociedade em geral, e com repercussão inevitável no seio do Direito Previdênciário, diz repeito ao tratamento jurídico que deve ser conferido às pessoas que vivenciam uniões homoafetivas, ou seja, relações afetivas e estáveis, comparáveis ao casamento ou à união estável, entre indivíduos do mesmo sexo.

Embora o INSS já há bastante tempo reconheça uniões desta natureza, no âmbito do regime previdenciário que lhe compete gerir, a questão ainda comportava discussões em variadas esferas.

Como efeito, o tratamento legislativo do tema em tablado sempre foi questionável. Afinal, a própria Constituição Federal pouco se ocupou dessa questão, não contemplando norma expressa acerca da liberdade de orientação sexual. Para além disso, ao versar sobre a entidade familiar, o constituinte conferiu uma redação aparentemente excludente no art. 226, § 3º da carta política, senão veja-se:

Art. 226. [...]

§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. (Grifou-se)

Outra não foi a postura do legislador ordinário, que também ao tratar da união estável no bojo do Código Civil, parece ter olvidado por completo da existência de relações afetivas entre pessoas do mesmo sexo, senão veja-se:

Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

Pois bem. Diante deste cenário normativo, variados foram os casos em que o STF foi instado a atuar de maneira concreta, em situações de controle difuso de constitucionalidade, notadamente para o reconhecimento de direitos previdenciários em virtude de uniões estáveis homoafetivas. Cite-se, a título de exemplo, os Recursos Extraordinários de nº 477.554 e 607.562, que embora não versem sobre o Regime Geral de Previdência Social (RGPS), e sim sobre regimes próprios, de alcance estadual, trazem como pano de fundo justamente a matéria aqui tratada.

Em ambos os casos o STF apontou para a necessidade de reconhecimento da união homoafetiva como verdadeira união estável, com todos os direitos previdenciários outorgados a esta.

Mas, sem dúvida, o grande passo dado pelo STF no tratamento desta matéria, em decisão marcadamente ativista, se deu com o julgamento conjunto da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 132 e da ADI nº 4.277, ambas relatadas pelo Ministro Carlos Ayres Britto.

No julgamento destas ações, ambas pertencentes à sistemática de controle abstrato de constitucionalidade de leis e atos normativos, o STF foi levado a realizar algumas importantes reflexões, de modo a concluir se a ordem jurídica vigente, dentro de seu caráter positivado, estava conferindo um tratamento adequado às uniões afetivas aqui referidas.

Com efeito, buscou o STF vislumbrar se a Constituição Federal de 1988 consideraria legítima uma discriminação de pessoas em função de sua orientação sexual, tentando compreender se a referência feita à união estável entre homem e mulher significaria, como defendem alguns, uma proibição da extensão de tal regime jurídico às uniões homoafetivas.

Para além disso, era mister definir, em não existindo vedação constitucional à união afetiva entre pessoas do mesmo sexo, que regime jurídico mereceria ser aplicado a tal fenômeno. Tratar-se-iam de sociedades de fato, ou poderiam ser equiparadas a uniões estáveis de caráter heteroafetivas?

Definitivamente, o tratamento legislativo da matéria não ajudava. Se não havia – como não há – proibição para tais relacionamentos, tampouco havia regulação normativa acerca de tal possibilidade.

Diante disso, o STF compreendeu que lhe cabia, enquanto corte constitucional brasileira, sanear o vácuo legislativo relacionado ao tema, e proferiu uma importante decisão que muito repercutiu no seio jurídico. Reproduza-se, para melhor compreensão, a ementa do julgamento da ADPF 132 (convertida em ADI):

Ementa: 1. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF). PERDA PARCIAL DE OBJETO. RECEBIMENTO, NA PARTE REMANESCENTE, COMO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. UNIÃO HOMOAFETIVA E SEU RECONHECIMENTO COMO INSTITUTO JURÍDICO. CONVERGÊNCIA DE OBJETOS ENTRE AÇÕES DE NATUREZA ABSTRATA. JULGAMENTO CONJUNTO. Encampação dos fundamentos da ADPF nº 132-RJ pela ADI nº 4.277-DF, com a finalidade de conferir “interpretação conforme à Constituição” ao art. 1.723 do Código Civil. Atendimento das condições da ação. 2. PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO DAS PESSOAS EM RAZÃO DO SEXO, SEJA NO PLANO DA DICOTOMIA HOMEM/MULHER (GÊNERO), SEJA NO PLANO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL DE CADA QUAL DELES. A PROIBIÇÃO DO PRECONCEITO COMO CAPÍTULO DO CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. HOMENAGEM AO PLURALISMO COMO VALOR SÓCIO-POLÍTICO-CULTURAL. LIBERDADE PARA DISPOR DA PRÓPRIA SEXUALIDADE, INSERIDA NA CATEGORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO INDIVÍDUO, EXPRESSÃO QUE É DA AUTONOMIA DE VONTADE. DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA. CLÁUSULA PÉTREA. O sexo das pessoas, salvo disposição constitucional expressa ou implícita em sentido contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica. Proibição de preconceito, à luz do inciso IV do art. 3º da Constituição Federal, por colidir frontalmente com o objetivo constitucional de “promover o bem de todos”. Silêncio normativo da Carta Magna a respeito do concreto uso do sexo dos indivíduos como saque da kelseniana “norma geral negativa”, segundo a qual “o que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido”. Reconhecimento do direito à preferência sexual como direta emanação do princípio da “dignidade da pessoa humana”: direito a auto-estima no mais elevado ponto da consciência do indivíduo. Direito à busca da felicidade. Salto normativo da proibição do preconceito para a proclamação do direito à liberdade sexual. O concreto uso da sexualidade faz parte da autonomia da vontade das pessoas naturais. Empírico uso da sexualidade nos planos da intimidade e da privacidade constitucionalmente tuteladas. Autonomia da vontade. Cláusula pétrea. 3. TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA INSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE QUE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO EMPRESTA AO SUBSTANTIVO “FAMÍLIA” NENHUM SIGNIFICADO ORTODOXO OU DA PRÓPRIA TÉCNICA JURÍDICA. A FAMÍLIA COMO CATEGORIA SÓCIO-CULTURAL E PRINCÍPIO ESPIRITUAL. DIREITO SUBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA. INTERPRETAÇÃO NÃO-REDUCIONISTA. O caput do art. 226 confere à família, base da sociedade, especial proteção do Estado. Ênfase constitucional à instituição da família. Família em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão “família”, não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Família como instituição privada que, voluntariamente constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade civil uma necessária relação tricotômica. Núcleo familiar que é o principal lócus institucional de concreção dos direitos fundamentais que a própria Constituição designa por “intimidade e vida privada” (inciso X do art. 5º). Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família. Família como figura central ou continente, de que tudo o mais é conteúdo. Imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil. Avanço da Constituição Federal de 1988 no plano dos costumes. Caminhada na direção do pluralismo como categoria sócio-político-cultural. Competência do Supremo Tribunal Federal para manter, interpretativamente, o Texto Magno na posse do seu fundamental atributo da coerência, o que passa pela eliminação de preconceito quanto à orientação sexual das pessoas. 4. UNIÃO ESTÁVEL. NORMAÇÃO CONSTITUCIONAL REFERIDA A HOMEM E MULHER, MAS APENAS PARA ESPECIAL PROTEÇÃO DESTA ÚLTIMA. FOCADO PROPÓSITO CONSTITUCIONAL DE ESTABELECER RELAÇÕES JURÍDICAS HORIZONTAIS OU SEM HIERARQUIA ENTRE AS DUAS TIPOLOGIAS DO GÊNERO HUMANO. IDENTIDADE CONSTITUCIONAL DOS CONCEITOS DE “ENTIDADE FAMILIAR” E “FAMÍLIA”. A referência constitucional à dualidade básica homem/mulher, no §3º do seu art. 226, deve-se ao centrado intuito de não se perder a menor oportunidade para favorecer relações jurídicas horizontais ou sem hierarquia no âmbito das sociedades domésticas. Reforço normativo a um mais eficiente combate à renitência patriarcal dos costumes brasileiros. Impossibilidade de uso da letra da Constituição para ressuscitar o art. 175 da Carta de 1967/1969. Não há como fazer rolar a cabeça do art. 226 no patíbulo do seu parágrafo terceiro. Dispositivo que, ao utilizar da terminologia “entidade familiar”, não pretendeu diferenciá-la da “família”. Inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico. Emprego do fraseado “entidade familiar” como sinônimo perfeito de família. A Constituição não interdita a formação de família por pessoas do mesmo sexo. Consagração do juízo de que não se proíbe nada a ninguém senão em face de um direito ou de proteção de um legítimo interesse de outrem, ou de toda a sociedade, o que não se dá na hipótese sub judice. Inexistência do direito dos indivíduos heteroafetivos à sua não-equiparação jurídica com os indivíduos homoafetivos. Aplicabilidade do §2º do art. 5º da Constituição Federal, a evidenciar que outros direitos e garantias, não expressamente listados na Constituição, emergem “do regime e dos princípios por ela adotados”, verbis: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. 5. DIVERGÊNCIAS LATERAIS QUANTO À FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO. Anotação de que os Ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cezar Peluso convergiram no particular entendimento da impossibilidade de ortodoxo enquadramento da união homoafetiva nas espécies de família constitucionalmente estabelecidas. Sem embargo, reconheceram a união entre parceiros do mesmo sexo como uma nova forma de entidade familiar. Matéria aberta à conformação legislativa, sem prejuízo do reconhecimento da imediata auto-aplicabilidade da Constituição. 6. INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL EM CONFORMIDADE COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (TÉCNICA DA “INTERPRETAÇÃO CONFORME”). RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO FAMÍLIA. PROCEDÊNCIA DAS AÇÕES. Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de “interpretação conforme à Constituição”. Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva. (ADP 132. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628633. Acesso em 19/01/2014).

O ativismo judicial salta aos olhos no caso em análise. Ao determinar, por unanimidade, a “interpretação conforme” do art. 1.723 do Código Civil, para que em sua exegese sejam também incluídas as uniões afetivas entre pessoas do mesmo sexo, excluindo da sua análise qualquer significado que impeça o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, o STF assumiu um papel que ordinariamente deveria ter sido exercido pelo legislador, mediante processo legislativo regular.

E é importante registrar que o fez de forma potencialmente contramajoritária, eis que há severa dúvida sobre se tal compreensão jurídica prosperaria caso submetida ao crivo do sistema democrático-representativo majoritário, ante o posicionamento mais tendente ao conservadorismo que costuma imperar na sociedade e, naturalmente, no seu corpo representativo que se faz presente no Poder Legislativo.

Trata-se, portanto, de uma decisão inovadora e ativista, cujo claro intento é salvaguardar direitos de uma minoria que vinha sendo desprestigiada pela ordem jurídica legislada.

E como decisão adotada em controle concentrado e abstrato de constitucionalidade, na forma da regulamentação vigente, possui efeitos vinculantes para a Administração Pública, de tal sorte que não é possível a nenhum órgão previdenciário – inclusive o INSS, que desde muito antes desta decisão, proferida em 2011, já reconhecia administrativamente uniões desta natureza para fins previdenciários – deixar de observar o conteúdo dela constante.

2.5. Critério legal de renda per capita para concessão de benefício assistencial

Os casos até aqui referidos são emblemáticos, e demonstram hipóteses em que o STF optou por um caminho ativista ou, alternativamente, buscou a autocontenção no exercício de seu mister jurisdicional.

Esta última hipótese escolhida, todavia, carrega consigo a peculiaridade de corporificar verdadeira transmudação na compreensão da corte constitucional brasileira, como bem se verá nas linhas que se seguem.

A assistência social, que ao lado da saúde e da previdência social compõe o conceito amplo de seguridade, representando um conjunto de ações do Poder Público voltadas para a proteção e amparo de pessoas efetivamente necessitadas, em especial da criança e adolescentes carentes, da família, da maternidade, da velhice e dos portadores de deficiência.

Dentre os objetivos da assistência social, vê-se no art. 203, V da Constituição da República, a obrigatoriedade de Poder Público assegurar a percepção de benefício de um salário mínimo aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.

Pois bem. Para cumprir o mandamento constitucional em questão, o constituinte remeteu ao legislador ordinário o encargo de disciplinar a concessão do benefício assistencial aqui referido, estabelecendo a forma, os critérios, os requisitos e condições para sua percepção.

O legislador cumpriu este intento, por intermédio da edição da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, intitulada Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), cujo art. 20 cuidou da matéria.

Com efeito, dispõe o art. 20 da Lei nº 8.742/93, em sua redação atual:

Art. 20.  O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.

§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.

§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.

§ 4º O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória.

§ 5º A condição de acolhimento em instituições de longa permanência não prejudica o direito do idoso ou da pessoa com deficiência ao benefício de prestação continuada.

§ 6º  A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o § 2o, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS.

§ 7º Na hipótese de não existirem serviços no município de residência do beneficiário, fica assegurado, na forma prevista em regulamento, o seu encaminhamento ao município mais próximo que contar com tal estrutura.

§ 8º A renda familiar mensal a que se refere o § 3o deverá ser declarada pelo requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do pedido.

§ 9º  A remuneração da pessoa com deficiência na condição de aprendiz não será considerada para fins do cálculo a que se refere o § 3o deste artigo. 

§ 10.  Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2o deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos. 

Note-se, portanto, que o legislador determinou, em dispositivo inalterado desde o advento da lei em questão, que é o § 3º do dispositivo supra transcrito, uma clara definição de critério de miserabilidade, com caráter objetivo e quantitativo, a fim de permitir a concessão do benefício assistencial ali previsto.

Com efeito, segundo o dispositivo em questão, considera-se hipossuficiente para prover o próprio sustento aquele que, beneficiário potencial da prestação em análise (portador de deficiência ou idoso), pertença a família cuja renda per capita seja inferior a ¼ de salário mínimo.

Este critério, todavia, foi objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade, recebida no STF sob o nº 1232 e julgada em 1998. Com efeito, alegou-se àquela época que seria inconstitucional a restrição estabelecida pelo legislador ordinário, porquanto excludente de outras hipóteses de miserabilidade ou hipossuficiência não contempladas na regra objetiva estabelecida.

Tal tese, todavia, não restou acolhida pela corte constitucional. Transcreva-se, também para este caso, a ementa do julgamento proferido pelo STF, no já longíquo ano de 1998:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. IMPUGNA DISPOSITIVO DE LEI FEDERAL QUE ESTABELECE O CRITÉRIO PARA RECEBER O BENEFÍCIO DO INCISO V DO ART. 203, DA CF. INEXISTE A RESTRIÇÃO ALEGADA EM FACE AO PRÓPRIO DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL QUE REPORTA À LEI PARA FIXAR OS CRITÉRIOS DE GARANTIA DO BENEFÍCIO DE SALÁRIO MÍNIMO À PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA FÍSICA E AO IDOSO. ESTA LEI TRAZ HIPÓTESE OBJETIVA DE PRESTAÇÃO ASSISTENCIAL DO ESTADO. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. (ADI 1.232. Disponível em http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=385451. Acesso em 19/01/2014)

Vê-se, portanto, que o STF, ao julgar a ação em questão, compreendeu que a Constituição outorgou justamente ao legislador ordinário a fixação dos critérios para a concessão do benefício assistencial. Logo, se o legislador o fez de forma hígida, observando o processo legislativo regular, não poderia o STF se imiscuir em seara que não lhe compete, invalidando um critério legitimamente estabelecido pelo Poder Legislativo.

Ressalte-se, por fim, que o julgamento em referência se deu por maioria, e que o ministro relator, Ilmar Galvão, até buscou em seu voto construir uma alternativa de “interpretação conforme”, que mantivesse inalterado o dispositivo em questão (Art. 20, § 3º da Lei nº 8.742/93) mas, ao mesmo tempo, permitisse outras formas de aferição de hipossuficiência ou miserabilidade, no que não foi seguido pelos seus pares, sendo sua tese acolhida apenas pelo ministro Néri da Silveira.

Poder-se-ia cogitar, destarte, que o exemplo trazido à colação consistiria hipótese pronta e acabada de autocontenção judicial. Afinal, instando a declarar a inconstitucionalidade de uma norma, o STF compreendeu pela sua regularidade democrática, a despeito do claro posicionamento de alguns ministros, no sentido de que o critério legal não atenderia, nem de longe, a todas as situações de efetiva miserabilidade aparentemente pretendidas pelo espírito do instituto em questão (benefício assistencial).

O STF, no julgamento de 1988, simplesmente asseverou: o constituinte determinou que o legislador definiria o critério. O legislador o fez. Ao tribunal constitucional não cabe desconsiderar o critério do legislador, substituindo-o por outro. Maior contenção, portanto, impossível.

Não obstante, o que se viu tempos depois do referido julgamento, a despeito do caráter erga omnes, ex tunc e vinculante que acompanhava a decisão prolatada pela corte constitucional – efeitos próprios de qualquer decisão adotada pelo STF em sede de controle concentrado de constitucionalidade – foi a permanente desconsideração do critério legislativo de concessão do benefício assistencial, por variados juízos e tribunais brasileiros, mesmo diante do reconhecimento de sua constitucionalidade, nos termos acima deduzidos.

Com efeito, sempre diante de circunstâncias concretas a demonstrar a condição de hipossuficiência, não raramente os órgãos jurisdicionais condenaram o INSS à concessão do benefício assistencial em questão, mesmo diante de claro descumprimento do requisito legal acima referido (renda familiar per capita).

Via-se, em tal postura, um ativismo judicial ainda mais severo, porquanto atentatório contra decisão proferida pelo tribunal constitucional brasileiro, a qual, repise-se, carrega consigo efeitos vinculantes.

Sobre este aspecto, é interessante trazer a lume feliz narrativa levada a efeito pelo Ministro Gilmar Mendes, quando atuou como relator do Recurso Extraordinário nº 580.963, in verbis:

Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS.

[...]

A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.

Como a Lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes.

Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. (Recurso Extraordinário nº 580.963. Disponível em:  http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=4864062. Acesso em 19/01/2014).

Mas é certo que a ordem jurídica contempla um claro instrumento para a salvaguarda da autoridade da decisão do STF, e naturalmente dos efeitos vinculantes que lhe são próprios. Com efeito, é conhecimento comezinho o de que, em não sendo observada, no 1º ou 2º grau de jurisdição, decisão do STF proferida em sede de controle concentrado de constitucionalidade, contra a decisão que assim fizer poderá ser ajuizada a competente Reclamação Constitucional, prevista no art. 102, l da Carta Magna.

Ocorre que, especificamente no que concerne à ADI 1.232, tais reclamações vinham se mostrando infrutíferas. Outra não é a conclusão que se extrai dos debates levados a efeito no plenário do STF quando do julgamento do já referido Recurso Extraordinário nº 580.963, que tratou especificamente da interpretação extensiva que vários juízes vêm conferindo ao Estatuto do Idoso, no dispositivo que repercute sobre o critério aqui referido (Art. 34). No ensejo, o ministro Gilmar Mendes alertou para a existência de diversas decisões que

[...] foram impugnadas por meio de vários recursos e reclamações, ao fundamento principal de violação à autoridade da decisão proferida por esta Corte no julgamento da ADI 1.232, Rel. Min. Ilmar Galvão, Red. para acórdão Min. Nelson Jobim, Tribunal Pleno, DJ 1.6.2001.

Ao julgar diversas reclamações sobre o tema, este Supremo Tribunal Federal permitiu a manutenção de decisões que concederam interpretação extensiva ao art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, ao fundamento de ausência de similitude entre o conteúdo das decisões impugnadas e a decisão proferida no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.232.

Nesse sentido, a Reclamação 4.154, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 31.3.2006; a Reclamação 4.270, Rel. Min. Eros Grau, DJ 25.4.2006; a Reclamação 4.016, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 10.5.2006; e a Reclamação 4.195, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe 14.9.2011.

Ocorre que a Corte também já teve a oportunidade de enfrentar a questão em sede de recurso extraordinário e sempre assentou que a interpretação extensiva dada ao art. 34 do Estatuto do Idoso não contraria o art. 203, V, da Constituição nem viola a autoridade da decisão proferida no julgamento da ADI 1.232.

Esses precedentes revelam, no mínimo, uma condescendência da Corte com a postura adotada pelo diversos Juízos brasileiros que dão interpretação extensiva ao art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, por entenderem ser inconstitucional, por omissão parcial, o critério adotado pelo legislador para excluir do cálculo da renda familiar unicamente o benefício assistencial recebido pelo idoso.

Registre-se, também, que a opção legislativa permite muitas distorções para concessão do benefício analisado, o que põe em dúvida a constitucionalidade do dispositivo apreciado. (Recurso Extraordinário nº 580.963. Disponível em:  http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=4864062. Acesso em 19/01/2014)

Depreende-se, a partir do voto do referido ministro, uma tendência clara de mudança de interpretação por parte do STF em relação à constitucionalidade declarada em 1998, quando do julgamento da ADI 1.232.

O próprio Ministro Gilmar Mendes, também nos debates do Recurso Extraordinário nº 580.963, é muito claro ao defender tal possibilidade, como a seguir se vê:

Chamo a atenção para a possibilidade de uma inconstitucionalização. Nós já tivemos até aqui o caso da progressão de regime, em que nós declaramos a constitucionalidade da lei e, depois, nós viemos a declarar a sua inconstitucionalidade, seja por mudança nas circunstâncias fáticas, seja por mudanças nas circunstâncias jurídicas, seja por mudança no plexo de relação entre circunstâncias fáticas e jurídicas. Portanto, eu digo que isso é possível e acontece no sistema. E aí, então, repasso todas essas questões, e chamo a atenção que o debate sobre a omissão já ficara presente lá quando do julgamento da ADI n. 1.232, o ministro Sepúlveda Pertence já apontava déficit no modelo adotado.

 Eu ressalto, então, todos esses aspectos e digo mesmo: o fato é que hoje o Supremo, muito provavelmente, não tomaria a mesma decisão que foi proferida em 1998 na ADI n. 1.232, a partir desses robustos indícios que estão aí. A jurisprudência atual supera, em diversos aspectos, os entendimentos naquela época adotados pelo Tribunal quanto ao tratamento da omissão inconstitucional, inclusive quanto à possibilidade de, por exemplo, em caso de omissão parcial, nos valermos da modulação de efeitos, por exemplo, de aplicarmos o artigo 27, deixarmos a lei em vigor, mas não declararmos sua nulidade, que é um ponto importante para o qual chama a atenção o ministro Marco Aurélio, declarar a nulidade aqui é agravar o estado de inconstitucionalidade, distanciar-se ainda mais. Mas, hoje, já dispomos, então, dessa alternativa.

Depois, eu repasso todas as decisões legislativas, normativas que foram tomadas, adotando critérios outros que não o de um quarto do salário mínimo, para essas bolsas que já foram citadas.

[...]

Por isso, Presidente, fazendo um rápido resumo, eu chego à conclusão também consistente do voto do ministro Marco Aurélio, mas eu estou afirmando que houve um processo de inconstitucionalização que se deflagrou, um processo de inconstitucionalização do parágrafo 3º e cito, então, todas essas bolsas com base num quarto do salário mínimo: A criação do Bolsa Família, outros programas de ações de transferência da renda do Governo foram unificados, Programa Nacional de Renda Mínima vinculado à educação, Bolsa Escola, Programa Nacional de Acesso à Alimentação, Programa Nacional de Renda Mínima, todos esses agora com o critério de meio salário mínimo Porque, também eu entendo, louvo a solução do ministro Marco Aurélio, mas eu gostaria de opor um reparo: é que a solução de Sua Excelência devolve ao juiz a adoção de critérios e, obviamente, retira aquilo que da tribuna se aponta, retira a possibilidade de que o legislador fixe um critério, quer dizer, estabelecendo um mínimo de segurança jurídica.

E eis que tal tendência se corporificou no julgamento da Reclamação nº 4.374, que representou completa modificação do entendimento outrora mantido pelo STF acerca do tema, conforme se extrai da sua ementa, in verbis:

Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição.

A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo fosse concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovassem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.

2. Art. 20, § 3º da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232.

Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que “considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo”.

O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente.

Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS.

3. Reclamação como instrumento de (re)interpretação da decisão proferida em controle de constitucionalidade abstrato.

Preliminarmente, arguido o prejuízo da reclamação, em virtude do prévio julgamento dos recursos extraordinários 580.963 e 567.985, o Tribunal, por maioria de votos, conheceu da reclamação.

O STF, no exercício da competência geral de fiscalizar a compatibilidade formal e material de qualquer ato normativo com a Constituição, pode declarar a inconstitucionalidade, incidentalmente, de normas tidas como fundamento da decisão ou do ato que é impugnado na reclamação. Isso decorre da própria competência atribuída ao STF para exercer o denominado controle difuso da constitucionalidade das leis e dos atos normativos.

A oportunidade de reapreciação das decisões tomadas em sede de controle abstrato de normas tende a surgir com mais naturalidade e de forma mais recorrente no âmbito das reclamações. É no juízo hermenêutico típico da reclamação – no “balançar de olhos” entre objeto e parâmetro da reclamação – que surgirá com maior nitidez a oportunidade para evolução interpretativa no controle de constitucionalidade.

Com base na alegação de afronta a determinada decisão do STF, o Tribunal poderá reapreciar e redefinir o conteúdo e o alcance de sua própria decisão. E, inclusive, poderá ir além, superando total ou parcialmente a decisão-parâmetro da reclamação, se entender que, em virtude de evolução hermenêutica, tal decisão não se coaduna mais com a interpretação atual da Constituição.

4. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.

A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.

Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes.

Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas.

O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do critérios objetivos.

Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).

5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993.

6. Reclamação constitucional julgada improcedente. (Reclamação nº 4.374. Disponível em http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=4439489. Acesso em 19/01/2014).

Logo, tem-se no tema em exame um exemplo bastante peculiar, de inicial autocontenção do Poder Judiciário (quando do julgamento da ADI 1.232), ao qual se seguiu ampla formação de jurisprudência ativista nos demais graus de jurisdição e que culminou, ao fim e ao cabo, quando do julgamento da Reclamação nº 4.374, na mudança absoluta de entendimento por parte daquela corte, conferindo novel interpretação jurídica à hipótese, cerca de quinze anos depois do primeiro julgamento, desta vez com um viés marcadamente ativista.

Sobre o autor
Pedro Henrique Peixoto Leal

Possui graduação em Direito pela Universidade de Fortaleza (2005), especialização em Direito Público pela Universidade de Brasília (2013) e mestrado em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (2011). Atualmente é Procurador Federal - membro da Advocacia-Geral da União. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Constitucional e Teoria do Estado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEAL, Pedro Henrique Peixoto. O Supremo Tribunal Federal e o ativismo judicial em matéria previdenciária:: análise de casos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3938, 13 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27305. Acesso em: 22 nov. 2024.

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