Uma adquirente de unidade residencial na planta no empreendimento denominado Condomínio Vidaméria Clube Residencial, no bairro Del Castilho, na Cidade do Rio de Janeiro, perante a incorporadora Living (o nome da SPE era: Living Provance Empreendimentos Imobiliários Ltda.), obteve vitória perante o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, através da manutenção da sentença de primeira instância que havia declarado a quebra do “Instrumento Particular de Promessa de Compra e Venda de unidade autônoma” por ato da própria compradora e que havia determinado à incorporadora a devolução à vista de 90% sobre os valores pagos em Contrato, acrescido de correção monetária retroativa e juros de 1% a.m.
A aquisição do projeto de imóvel na planta ocorreu em dezembro de 2014, quando então a pretensa compradora assinou o contrato perante a incorporadora. Impossibilitada de continuar a arcar com o pagamento das parcelas, solicitou o distrato amigável do negócio, o qual só não aconteceu porque a incorporadora argumentava sobre seu direito de retenção de aproximadamente 50% (cinquenta por cento) dos valores pagos, o que não foi admitido pela consumidora, optando então por buscar auxilio perante o Poder Judiciário.
O escritório MERCADANTE ADVOCACIA ingressou com uma Ação de Rescisão Contratual perante o Foro Central de São Paulo, expondo a situação ao Juiz do caso e solicitando o desfazimento do negócio por ato da adquirente, bem como a condenação da incorporadora na restituição de grande parte dos valores pagos.
O Juiz de Direito da 7ª Vara Cível, Dr. Marcelo Bonavolontá, em sentença datada de 20 de outubro de 2015, afirmou que a incorporadora poderia reter, no máximo, 10% dos valores pagos, condenando-a na devolução à vista de 90% das importâncias pagas, acrescido de correção monetária desde cada pagamento das parcelas e juros de 1% a.m. a partir da citação até o momento da efetiva restituição.
Inconformada com a sentença proferida na primeira instância, a incorporadora decidiu seguir com o processo mediante recurso de apelação interposto perante o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Recurso processado e devidamente distribuído perante a 6ª Câmara de Direito Privado, tendo como Relator o Desembargador Paulo Alcides, acompanhado dos Desembargadores Eduardo Sá Pinto Sandeville e Percival Nogueira, para analisar se o Juiz de Direito na primeira instância agiu corretamente ou não ao condenar a incorporadora na restituição de 90% dos valores pagos em contrato.
Por votação unânime, os Desembargadores entenderam por bem manter integralmente a sentença de primeira instância, afastando a fundamentação apresentada pela incorporadora, para o fim de manter a devolução do equivalente a 90% (noventa por cento) dos valores pagos em contrato, acrescido de correção monetária e juros de 1% (um por cento) a.m. até a data da efetiva devolução.
Para o Desembargador Relator, com a rescisão do negócio motivada por ato da compradora e considerando que o imóvel nunca foi ocupado, podendo a incorporadora revendê-lo no mercado imobiliário, as partes devem retornar ao estado anterior à compra, observando que no caso em análise a incorporadora deve devolver parte considerável dos valores pagos pela compradora.
Nas palavras do Desembargador:
- “Inicialmente, esclareça-se que as partes se enquadram nas definições dos artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor, cuja aplicação tem cunho protetivo, tendo mitigado a estrita aplicação do princípio da “pacta sunt servanda”.
- Em relação à rescisão dos contratos, jurisprudência tem reiteradamente decidido, ainda que o negócio seja desfeito por culpa do comprador, que as partes devem ser restituídas à situação em que se encontravam antes da sua celebração, autorizada a retenção de uma porcentagem pelo fornecedor, a título de cláusula penal, nos termos da Súmula nº 1, editada por este E. Tribunal de Justiça: “o compromissário comprador de imóvel, mesmo inadimplente, pode pedir a rescisão do contrato e reaver as quantias pagas, admitida a compensação com gastos próprios de administração e propaganda feitos pelo compromissário vendedor, assim como com o valor que se arbitrar pelo tempo de ocupação do bem”.
- Também é sabido que a resolução do contrato provoca efeitos ex tunc, tornando as partes ao status quo ante.
- Desta forma, é cristalino o direito de o comprador obter a devolução do que despendeu. Todavia, o vendedor tem a prerrogativa de reter parte desse numerário para ressarcimento das despesas administrativas.
- Assim, reconhecido o dever de restituir, a questão se restringe ao montante a ser devolvido ou o percentual a ser retido, o qual deve ser analisado de acordo com o caso concreto.
- Por certo, se o comprador não atrasou os pagamentos, tendo que desistir do negócio por conta da insuportabilidade do contrato, informando à vendedora sua intenção de não prosseguir com a aquisição do imóvel, não pode ser tratado como aquele que, simplesmente, deixa de pagar e, quando instado, toma alguma iniciativa.
- Na espécie, o negócio foi desfeito em razão da indisponibilidade financeira da compradora, não tendo a vendedora, por sua vez, demonstrado especificamente, quais prejuízos sofreu.
- Ademais, nitidamente abusiva a cláusula penal contratualmente prevista - a qual pretendem as rés a integral aplicação – ante a perda significativa do consumidor dos valores por ele pagos (Cláusula VII, “f” - fls. 264).
- Mencionada cláusula se afigura manifestamente excessiva, pois pretende a vendedora a retenção de 50% do preço pago, em virtude de desistência poucos meses após a celebração da avença.
- Deve-se considerar, também, que quando do pedido de rescisão, o imóvel não havia sido entregue à demandante (não havendo ensejo para a cobrança pela ocupação do bem, tampouco incidindo despesas como água, luz, condomínio, entre outros).
- Diante tais fatos, o montante correspondente a 50% do preço efetivamente pago, acrescido da comissão de intermediação já suportada pela autora, avulta excessivo, considerada a natureza e finalidade do negócio (art. 413, CC), à luz da jurisprudência.
- Destarte, a retenção de 10% sobre os valores pagos, conforme determinado pela r. sentença, mostra-se suficiente para fazer frente às despesas administrativas da requerida, e não se revela exagerada a ponto de se caracterizar como onerosa ao comprador.
- Ante o exposto, nega-se provimento ao apelo.”
Ao final, por votação unânime, os Desembargadores da 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo negaram total provimento ao recurso de apelação interposto pela incorporadora para o fim de manter a sentença de primeira instância e condenar a incorporadora na devolução à vista de 90% (noventa por cento) dos valores pagos, acrescido de correção monetária e juros de 1% a.m.
Processo nº 1042612-05.2015.8.26.0100
Fonte: Tribunal de Justiça de São Paulo e Mercadante Advocacia (especialista em Direito Imobiliário e Rescisão de Contratos de Promessa de Venda e Compra de imóvel na planta)
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http://mercadanteadvocacia.com/decisao/rescisaodistrato-do-contrato-por-ato-do-comprador/
* O texto apresentado tem caráter meramente didático, informativo e ilustrativo, não representando consultoria ou parecer de qualquer espécie ou natureza do escritório Mercadante Advocacia. O tema comentado é público e os atos processuais praticados foram publicados na imprensa oficial.