Conclusão
À guisa de conclusão, pode-se afirmar que a discussão acerca da proteção judicial de direitos sociais tem caminhado e amadurecido, seja na doutrina, seja na jurisprudência. Porém, ainda há um longo caminho a percorrer.
Os limites apresentados na decisão da STA 175-AgR/CE podem ser considerados razoáveis, com resposta positiva por parte da doutrina, ainda que existam pontos em que não há consenso (e nem se acredita que seja possível): como a natureza de direito subjetivo que (não) reveste os direitos sociais; ou a possibilidade de formulação de políticas públicos pelo Judiciário quando houver injustificada omissão por parte do Legislativo e Executivo; ou ainda a injustiça que a judicialização excessiva e sem limites do direito à saúde pode causar.
Sem sombra de dúvidas a construção do raciocínio de que os direitos sociais são justiciáveis dentro de determinados limites somente foi possível graças à crítica e a apresentação de argumentos favoráveis e contrários. As decisões mais recentes do STF confirmam que o assunto ainda é sujeito a muitas dúvidas e dificuldades. Com efeito, espera-se ter contribuído para o debate por meio da análise dos votos e da doutrina, e permitir que se construam respostas e novas perguntas para trilhar o caminho de materializar os direitos sociais.
Um dos caminhos, que se entende que pode auxiliar no debate, é a questão da titularidade dos direitos sociais, apontada por Sarlet (2011, p. 127-160), para quem não se justifica a dicotomia entre direitos individuais e sociais, ou mesmo a divisão em dimensões de direitos, em que alguns têm cunho negativo e outros têm cunho positivo, pois os direitos sociais possuem forte relação com a igualdade material. Existe na verdade, uma dimensão individual e coletiva inerente a todos os direitos fundamentais, resultando na titularidade individual e transindividual dos direitos sociais. No caso do direito à saúde se deve harmonizar o direito individual (de efetivar o direito à saúde individualmente por meio do Judiciário) com a preservação da supremacia normativa constitucional outorgada ao legislador e administrador (que deve elaborar políticas públicas).
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Nota
[1] Adota-se o conceito de políticas públicas consoante Massa-Arzabe (2006, p. 67), para quem: “políticas públicas são conjuntos de ações e programas de ação governamental que se valem precipuamente de normas jurídicas para moldar e impulsionar a consecução dos objetivos estabelecidos”.