Um casal de compradores de imóvel residencial na planta no empreendimento denominado Condomínio Marco Zero Prime, em São Bernardo do Campo, perante a incorporadora M.Bigucci (o nome da SPE era: Big Top 2 Incorporadora Ltda.), obteve vitória perante o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, com a manutenção da decisão de primeira instância que havia declarado a rescisão do “Instrumento Particular de Promessa de Venda e Compra de imóvel”, obtendo a devolução à vista do equivalente a 80% (oitenta por cento) sobre os valores pagos em Contrato, acrescido de correção monetária + juros de 1% ao mês.
A ação de rescisão contratual fora ajuizada em novembro de 2013, sendo certo que o Juiz de Direito da 05ª Vara Cível da Comarca de São Bernardo do Campo, Dr. Carlo Mazza Britto Melfi, em sentença datada de 30 de novembro de 2015, havia então julgado parcialmente procedente a ação para rescindir o Contrato por ato dos compradores e condenou a incorporadora na restituição à vista de 80% (oitenta por cento) dos valores pagos em Contrato, acrescidos de correção monetária sobre cada um dos pagamentos e juros de 1% ao mês.
Inconformada com a condenação na primeira instância, a incorporadora interpôs recurso de apelação, a fim de fazer valer a aplicação da retenção conforme estabelecido no contrato, além de negar a restituição de parte dos valores que entendia devido sem correção monetária e sem a incidência de juros legais.
O recurso foi julgado pela 10ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, através de acórdão datado de 24 de março de 2015, tendo como relator o Desembargador Elcio Trujillo.
Sobre a restituição de grande parte dos valores pagos a título de parcelas contratuais, à vista, acrescido de correção monetária desde cada pagamento e com juros de 1% a.m., assim se posicionou o Desembargador Relator:
- “A possibilidade de rescisão contratual por iniciativa dos compradores está pacificada.
- Esta Câmara, seguindo posição pacífica da jurisprudência, tem admitido a rescisão de compromissos de venda e compra de bem imóvel, inclusive nas hipóteses de mora pelos compradores e, dependendo do caso, também de determinar a restituição dos valores pagos devidamente corrigidos.
- Com efeito, há de se considerar que os compradores não podem ficar submissos a um posicionamento da vendedora, tendo que aguardar a sua vontade em rescindir o contrato, sofrendo os efeitos de um ato jurídico que não irá prosperar.
- Contudo, a culpa pela rescisão, no caso, é dos próprios autores, que interromperam o pagamento das prestações a que estavam obrigados, ausente comprovação de qualquer descumprimento por parte da ré; assim, patente a possibilidade de rescisão por caracterização de arrependimento do negócio pelos autores.
- De outro lado, embora a comissão de corretagem seja, na maioria das vezes, integrante do preço total do imóvel, não restou comprovado pelos autores o desembolso de valores pagos a esse título, mas sim, de pagamento de sinal (fls. 51) que, com muito mais razão, deve compor o montante a ser restituído, pois integrante do preço total da venda.
- Ao ser rescindido o contrato, as partes devem retornar à situação em que se encontravam antes, reduzidas eventuais despesas que realizaram.
- Rescindido o contrato, não é nada razoável que mantenha a ré retidas as parcelas de modo a efetuar a devolução dos valores desembolsados em parcelas a perder de vista, restando absurda e manifestamente abusiva esta proposição, tendo colocado os réus em extrema desvantagem.
- Dessa forma, ainda que previsto em contrato, a cláusula do parcelamento não guarda relação com a efetiva obrigação existente e sabido é que na relação de consumo, não pode o consumidor ficar ao alvedrio da fornecedora no tocante às disposições contratuais no que, inclusive, se enquadra a matéria analisada.
- Assim, a devolução das quantias pagas deve ser feita em parcela única, e não como consta na cláusula XVI (fls. 41), onde é estipulada a devolução de forma parcelada, pois “(...) Operada a rescisão contratual, o imóvel retorna de imediato ao patrimônio da apelante, que poderá renegociá-lo de pronto, não se justificando, em consequência, que a devolução seja feita de forma parcelada. Nítido o desequilíbrio” (TJ/SP, Apelação Cível n. 238.463.4/8-00, 3ª Câmara de Direito Privado, Des. Rel. Donegá Morandini, j. em 13.12.2005).
- No tocante a dedução de eventuais despesas, em casos como o presente, o que se admite e esta Câmara tem sustentado, por maioria, essa posição é o abatimento entre 10% e 30% sobre o montante pago para compensar as despesas administrativas com a venda.
- No caso, diante circunstâncias apuradas, de adimplemento de poucas parcelas do total de parcelas previstas, em casos como o presente, razoável a fixação em 20% (vinte por cento) de desconto sobre o total dos valores pagos a abranger despesas com publicidade, venda, formalização da documentação, pagamentos de tributos (PIS, Cofins, etc.) e outros gastos administrativos, sendo suficientes para cobertura de tais encargos, não havendo como prestigiar o enriquecimento sem causa, seja de quem for, cumprindo, portanto, a restituição da quantia equivalente a 80% (oitenta por cento) devidamente corrigida a contar de cada desembolso, pelos índices fixados pela tabela prática do Tribunal de Justiça e, também, com incidência de juros legais.
- Não obstante a possibilidade de restituição das quantias pagas, por ser matéria de ordem pública, não há como se afastar o cômputo da correção monetária.
- Mesmo porque restaria indevida a estipulação de não se corrigir o valor, pois este deve ser recomposto, no tempo, para se manter o poder aquisitivo da moeda, corroído pela inflação, não se qualificando como uma majoração no valor da obrigação.
- Portanto, é necessária a atualização dos valores pagos para que mantenham, sempre, o mesmo poder aquisitivo que tinham quando foram recebidos.
- Quanto aos juros moratórios, estes também são devidos.
- Ao enfrentar o tema, entendeu o Superior Tribunal de Justiça que: “Os juros de mora incluem-se na liquidação ainda que a sentença exequenda tenha restado omissa quanto ao particular” (REsp 253.671-RJ, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo, j. 5.9.00, deram provimento parcial, v.u., DJU 9.10.00, p. 254).
- A matéria, inclusive, encontra-se sumulada pelo Supremo Tribunal Federal: “Incluem-se os juros moratórios na liquidação, embora omisso o pedido inicial ou a condenação” (Súmula nº 254).
- E também, “tratando-se de responsabilidade contratual, a mora constitui-se a partir da citação, e os juros respectivos devem ser regulados, até a data da entrada em vigor do novo Código, pelo artigo 1.062 do diploma de 1916, e, depois dessa data, pelo artigo 406 do atual Código Civil” (STJ, 3ª Turma, REsp 594486/MG, Rel. Min. Castro Filho, j. 19.05.2005, v.u.).
- Assim, a incidência de correção monetária sobre as parcelas pagas deve ocorrer a partir de cada desembolso, segundo a Tabela Prática do Tribunal de Justiça, e os juros legais a contar da citação, por serem matérias de ordem pública.
- Assim, cumpre a integral manutenção da r. sentença, inclusive por seus próprios e jurídicos fundamentos.”
A decisão emitida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo não é definitiva e a incorporadora tentou um último recurso a tribunal superior, em Brasília.
Processo nº 4011126-82.2013.8.26.0564
Fonte: Tribunal de Justiça de São Paulo
* O texto apresentado tem caráter meramente didático, informativo e ilustrativo, não representando consultoria ou parecer de qualquer espécie ou natureza do escritório Mercadante Advocacia. O tema comentado é público e os atos processuais praticados foram publicados na imprensa oficial.