Processo nº 1118XXX-XX.2014.8.26.0100
Uma adquirente de imóvel na planta perante a incorporadora GAFISA no empreendimento Colours, localizado na Cidade de Santos, no Estado de São Paulo, viu-se obrigada a ingressar com uma ação de rescisão contratual na Justiça, após tentativa sem sucesso em obter o distrato amigável perante a incorporadora, que simplesmente argumentava que seu contrato estipulava uma devolução de apenas parte dos valores pagos a título de parcelas contratuais, recusando-se cabalmente na restituição dos valores pagos no início da compra e que foram destinados à comissão de corretagem e taxa SATI.
Mote da situação: No momento da aquisição do imóvel na planta, nas dependências de um estande de vendas com a marca GAFISA, estipulou-se no contrato que a incorporadora concluiria e entregaria o empreendimento até julho de 2014, já inclusa a cláusula de tolerância de mais 180 dias. Contudo, em novembro de 2014 as obras sequer estavam concluídas e uma vez esgotada a via amigável com a incorporadora para o distrato do negócio, a compradores decidiu então procurar o Poder Judiciário para obter a devolução integral dos valores pagos.
A sentença de primeira instância, emitida pela Juíza de Direito, Dra. Glaucia Lacerda Mansutti, da 15ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo, mesmo tendo ponderado que a incorporadora era a única culpada pelo atraso na conclusão do empreendimento, julgou a ação de rescisão apenas parcialmente procedente, condenando a incorporadora na restituição de 90% sobre os valores exclusivamente pagos em contrato, afastando o pleito de devolução dos valores pagos pela compradora a título de comissões de corretagem e taxa SATI.
O resultado em primeira instância não agradou à compradora e, inconformada com a errônea e injusta sentença, optou por recorrer.
Nas razões de apelação, a compradora afirmou o óbvio: se a culpa pelo atraso era da incorporadora, necessário sua condenação na devolução total dos valores pagos, sendo incorreta a permissão da magistrada de primeira instância que a Gafisa retivesse parte dos valores pagos, motivo pelo qual as partes deveriam ser repostas ao chamado status quo ante, como se aquela compra nunca tivesse acontecido.
Recurso processado e distribuído à 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, tendo como Relatora a Desembargadora Márcia Dalla Déa Barone, cumprindo-lhe a missão de corrigir a sentença de primeira instância, em julgamento datado de 15 de dezembro de 2015.
Para os Desembargadores envolvidos no julgamento do recurso da compradora, de fato, a sentença merecia parcial reforma, a fim de se impor a condenação da incorporadora na restituição integral dos valores pagos.
Sobre a ocorrência de atraso na conclusão do empreendimento, assim se posicionou a Desembargadora Relatora:
- “A inadimplência restou caracterizada, não tendo sido demonstrada a efetiva ocorrência de fortuito externo ou força maior que justificasse o não cumprimento da data de entrega das unidades, de modo que a mora deve ser reconhecida, permitindo a rescisão do contrato por culpa da ré e a consequente obrigação de restituição de todos os valores pagos.
- Ocorrendo a rescisão do contrato, surge o dever da ré restituir os valores pagos.
- Na hipótese dos autos, a rescisão de seu por culpa da ré, de modo que surge o dever da empresa ré restituir os valores pagos em sua integralidade. Em consonância com o disposto no artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor, como consequência do decreto de rescisão do contrato, as partes devem retornar ao estado anterior, como forma de evitar o repudiado enriquecimento sem causa, e para isto caberá à ré restituir à autora os valores pagos. Não se aplica a dedução prevista em contrato para a hipótese de rescisão por culpa do adquirente, na medida em que a culpa do adquirente não restou configurada.”
Sobre a necessidade de devolução dos valores destinados ao pagamento de supostas comissões de corretagem e taxa denominada SATI:
- “A requerida afirma que não haveria que se falar em sua condenação ao pagamento da verba referente à comissão de corretagem e a taxa SATI à autora, na medida em que o pagamento de tal verba teria sido realizado diretamente a terceiros, razão pela qual não seria possível imputar à construtora requerida o pagamento ou a devolução dos valores exigidos a este título.
- Não obstante, é inegável a legitimidade de todas as empresas integrantes da cadeia de consumo para responder, perante o consumidor, por eventual cobrança de valores indevidos, bem como pelos danos causados em decorrência do atraso na entrega da obra.
- Dessa forma, não há dúvida de que a ré se responsabiliza solidariamente perante o consumidor pelos serviços prestados pelas empresas encarregadas por construir e comercializar suas unidades autônomas, afastando-se a ilegitimidade passiva arguida.
- Quanto à restituição dos valores pagos pelos serviços de intermediação de venda de unidade (taxa SATI), mostra-se possível a devolução dos valores exigidos.
- Com efeito, os serviços de assessoria seriam de interesse das empresas vendedoras do imóvel e não da adquirente, já que o objetivo da requerida é verificar as condições financeiras dos compradores, analisando a viabilidade ou não da contratação, de modo a garantir que seus direitos fossem preservados.
- Ademais, não houve qualquer demonstração de que a contratação fosse facultativa. Ao contrário, extrai-se que houve indução ao pagamento de tal verba, o que se enquadra na prática abusiva presente no artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor, sendo a restituição dos valores de rigor, com a efetiva inclusão de sua cobrança no contrato firmado pelas partes.
- Quanto à devolução dos valores pagos pelos serviços de comissão de corretagem, tem-se que o pleito merece acolhimento.”
Sobre a necessidade de devolução integral de todos os valores pagos pela compradora:
- “Configurada a abusividade, a devolução dos valores cobrados indevidamente (comissão corretagem e taxa SATI) estando a ré obrigada à devolução simples para o consumidor, corrigido monetariamente a contar do desembolso e acrescido de juros de mora a contar da citação, já que enquanto não declarada a irregularidade da verba não é possível reconhecer que as requeridas sabiam que se tratava de verba não devida ou já paga.
- Dessa forma, tem-se que o pedido da autora comporá acolhimento, devendo ser reconhecida a necessidade de restituição integral dos valores pagos pela autora, uma vez que a rescisão de seu por culpa da ré, bem como devem ser restituídas as quantias exigidas a título de comissão de corretagem e taxa SATI, de forma simples e corrigidos a partir do desembolso, acrescidos de juros de mora a contar da citação.”
Ao final, a 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por votação unânime, deu provimento ao recurso da compradora para modificar a sentença e condenar a incorporadora GAFISA na restituição à vista de todos os valores pagos, seja a título de parcelas do Contrato, seja a título de comissão de corretagem e taxa SATI, tudo acrescido de correção monetária desde cada um dos pagamentos (correção retroativa) e juros de 1% a.m. até a efetiva devolução.
Fonte: Tribunal de Justiça de São Paulo e Mercadante Advocacia (especialista em Direito Imobiliário e Rescisão de Contratos de Promessa de Venda e Compra de imóvel na planta)
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* O texto apresentado tem caráter meramente didático, informativo e ilustrativo, não representando consultoria ou parecer de qualquer espécie ou natureza do escritório Mercadante Advocacia. O tema comentado é público e os atos processuais praticados foram publicados na imprensa oficial.