O advogado e a mídia: entre distorções e ignorâncias

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Jornalista critica conduta de advogado que nega-se a informar o paradeiro de seu cliente, para que seja preso, em estrito cumprimento ao que prevê seu Código de Ética. Saiba mais.

1 - INTRODUÇÃO

            O mundo da mídia é por demais fértil em criar falsos “especialistas” e expor publicamente informações e opiniões acerca de temas, cujas pessoas que se manifestam não detém conhecimentos sequer rudimentares.

            E parece que a área do Direito é uma das mais atraentes para esse tipo de intervenção descomprometida e irresponsável.

            Apenas a título de ilustração, será analisada a postura da imprensa quando um jornalista da Rede Globo de Televisão defendeu a prisão de um advogado, tendo em vista que este, no exercício de suas prerrogativas e deveres deontológicos, não indicava o paradeiro de um cliente para que este fosse preso.

Houve, como não poderia deixar de ser, uma nota de repúdio da Ordem dos Advogados do Brasil contra esse tipo de comentário apartado da legalidade e até mesmo do mais mínimo bom senso, e aproximado do populismo pueril e irresponsável.[1]

            No seguimento, será a questão esmiuçada quanto ao absoluto descabimento do comentário do jornalista, à semelhança de muitos outros episódios similares encontráveis. O arroubo do jornalista será cotejado com a legislação que rege a matéria no âmbito deontológico, criminal, constitucional e administrativo, seja com relação às prerrogativas e deveres do advogado, seja do próprio jornalista.

            Ao final, as questões abordadas serão retomadas sumariamente, apresentando-se um desenlace conclusivo sobre o tema.


2-ADVOCACIA PRERROGATIVAS E DEVERES: FUNÇÃO ESSENCIAL À JUSTIÇA E NECESSIDADE DE RESPEITO

            O sigilo profissional é uma garantia constitucional que se pode constatar no artigo 5º., incisos XIII e XIV, CF, com a seguinte redação:

  1. “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”.
  2. “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional” (grifo nosso).

Conforme lecionam Cesca e Orzari:

“Algumas profissões, como a de advogado, contadores, psicólogos, médicos, dentistas, profissionais da área de saúde de modo geral e jornalistas, e determinadas funções, ofícios e ministérios, como os religiosos, envolvem o tratamento de questões sobre a intimidade do cliente ou paciente. O bom desempenhar da profissão e o cumprimento de suas finalidades dentro da sociedade exigem, necessariamente, a discussão sobre fatos e informações que se inserem na esfera mais reservada do indivíduo, que até pessoas mais próximas a ele podem desconhecer”. [2]

A legislação ordinária não deixa de conferir proteção, inclusive penal, ao sigilo profissional. Assim dispõe o artigo 154, CP:

“Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão da função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem”.

Na seara Processual Penal, o artigo 207, CPP estabelece proibições de depor:

“São proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho”.

Não é diverso o regramento no artigo388, II, do Código de Processo Civil:

“A parte não é obrigada a depor sobre fatos: II – a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo”.

O mesmo Codex, estabelece ainda em seu artigo 404, IV a dispensa de exibição de documentos e coisas sobre as quais o profissional deva guardar segredo.

Igualmente dispõe o artigo 229, I do Código Civil:

“Ninguém pode ser obrigado a depor sobre fato:

I – a cujo respeito por estado ou profissão deva guardar segredo”.

Tratando especificamente do Advogado em cumprimento de suas funções, garante o artigo 7º., II do Estatuto da OAB (Lei 8.906/94), “a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia”.

Finalmente é preciso lembrar que o artigo 25 do Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil estabelece:

“O sigilo profissional é inerente à profissão, impondo-se o seu respeito, salvo grave ameaça ao direito à vida, à honra, ou quando o advogado se veja afrontado pelo próprio cliente e, em defesa própria, tenha que revelar segredo, porém sempre restrito ao interesse da causa”.

            Este último dispositivo demonstra, nitidamente, as exceções em que o sigilo pode ser quebrado, sem que o advogado recaia em violação deontológica, civil e até mesmo penal. A violação do sigilo pelo advogado somente pode dar-se em casos extremos, tais como se costuma exemplificar na doutrina: notícia sobre um ataque terrorista que mataria milhares de pessoas; informação de um psicopata de que matou várias pessoas e seguirá sua senda.

Em suma, casos extremados em que haja “justa causa” para a revelação do sigilo. [3] Isso afasta a tipicidade penal do artigo 154, CP e desconfigura a infração às regras deontológicas, conforme já exposto.

            Frise-se, ainda, o que dispõe o artigo 26 do Código de Ética da Advocacia:

“O advogado deve guardar sigilo, mesmo em depoimento judicial, sobre o que saiba em razãode  seu  ofício,  cabendo-lhe  recusar-se  a  depor  como  testemunha  em processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa dequem   seja   ou   tenha   sido   advogado,   mesmo   que   autorizado   ou   solicitado   peloconstituinte”.

            Nada mais óbvio do que o fato de que o episódio jornalístico utilizado como exemplo não justificaria, de modo algum, a violação do dever e direito de sigilo do advogado e sim, lhe impunha, obrigatoriamente, a preservação de seu cliente com relação às informações que lhe confidenciara no exercício profissional.

            Em obra especializada, Baroni indaga se, mesmo diante de intimação feita por autoridade pública, estaria o advogado obrigado a informar o endereço ou paradeiro de alguém que tenha atendido. Note-se que Baroni faz referência não estritamente a um “cliente” que constitui o advogado, mas, meramente a alguém que foi atendido pelo profissional. Mesmo assim sua resposta é negativa:

“Ainda que oriunda de autoridade policial, não está o advogado obrigado a fornecer qualquer tipo de informação que adveio por força de seu múnus, estando garantida e protegida pelo pálio incontornável do ‘sigilo profissional’, sendo-lhe defeso, pelo estatuto, revelá-la a outrem, sob qualquer fundamento”. [4]

            Percebe-se que toda a legislação compõe uma rede sistemática para a preservação do sigilo profissional. Estão em plena consonância as normas constitucionais, processuais (penais e civis), penais, profissionais e deontológicas. E isso não se dá gratuitamente ou em prol de um garantismo injustificado.

            Em várias atividades profissionais, ofícios etc., como já visto, o sigilo é imprescindível, sob pena de tornar tais atividades impossíveis ou extremamente débeis. No caso do advogado, o sigilo profissional é uma ferramenta, uma garantia constitucional de proteção para o profissional, para o cliente, para toda a sociedade e também para toda a fase processual, garantindo-lhes o contraditório e a ampla defesa, independentemente do polo em que estejam figurando, seja vítima ou acusado, pois o que deve ser assegurado às partes é a completa igualdade material. 

            Um dos aspectos mais importantes da garantia do sigilo do advogado está na necessária relação de confiança, relação de confidente necessário, entre o profissional e o cliente. Sem isso, os dois aspectos da ampla defesa ficam bastante prejudicados, quais sejam, a “defesa técnica” e a “autodefesa”. [5]

Como poderia um cliente revelar todos os informes necessários à sua defesa ao seu advogado sem a garantia do absoluto sigilo daquilo que seja confidenciado? Sem isso, o cliente ficaria inibido quanto à revelação de vários detalhes, inclusive questões não criminais, mas constrangedoras. Sua autodefesa estaria coartada.

Consequentemente, a defesa técnica ficaria também prejudicada por um conhecimento parcial da versão do cliente, não dispondo o profissional de todas as informações que poderiam ser interessantes para a devida construção de sua tese.

E, trazendo para o caso concreto, a própria comunicação entre cliente e advogado é objeto do mesmo sigilo, pois é ela que possibilita essa troca de informações confidenciais. Obviamente não cabe ao advogado, antes seria uma infração ética, entregar seu cliente à Polícia, salvo a pedido ou com a concordância deste e em estratégia defensiva.

São as instituições para isso vocacionadas (investigar e cumprir mandados de prisão) que têm a incumbência de localizar foragidos pelos meios legalmente postos, jamais o advogado. Reale Júnior expõe que “o sigilo profissional do advogado, externo ou interno, tal qual o do médico, é ponto central das normas deontológicas e legais que regulam a profissão”. [6]

            Há dois principais motivos para a proteção conferida ao sigilo profissional:

“Quanto ao sigilo profissional, pode-se distinguir duas principais frentes de proteção: uma individual, relativa ao profissional, e outra coletiva ou social.

O sigilo profissional previne que a pessoa que desenvolve a atividade se torne um delator em potencial. Imagine-se o quão irracional seria se tudo que dissesse respeito à intimidade do paciente ou cliente fosse perquirido ao profissional, seja em uma demanda judicial cível, criminal ou qualquer outra situação. Agreguem-se, assim, ao impedimento ético inerente à atividade, do qual o profissional é ciente e treinado para cumprir, as normas jurídicas disciplinadora do sigilo. No plano fático, se não houvesse sigilo, o profissional não conseguiria desenvolver seu mister e se tornaria uma fonte de informações sobre a vida alheia.

Ademais, o sigilo profissional tutela a confiança que a sociedade deposita no regular exercício das profissões. Neste ponto, soma-se à proteção individual do profissional um viés coletivo no alcance protetivo do sigilo. A sociedade necessita de certas profissões e o indivíduo tem a liberdade de escolher o profissional a quem recorrer e, assim, deve estar seguro de que encontrará resguardo da sua intimidade naquele ramo de atividade em que precise de assistência”. [7]

            O questionamento do jornalista: “será que o advogado não deveria ser preso também”? Soa totalmente estranho e deslocado da legalidade e do bom senso. Até mesmo a atuação ética no jornalismo é questionável numa situação como esta. Será que esse tipo de manifestação foi uma correta postura no serviço de jornalista? Um exercício regular da liberdade de imprensa e informação?

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            Em primeiro lugar é preciso pontuar que o que o jornalista fez foi uma pergunta. Ele não veiculou informação alguma de interesse público. Fez uma indagação de caráter pessoal e extremamente equivocada sob o prisma da legalidade, a qual poderia ter sido por ele pesquisada com antecedência para que então pudesse realmente se manifestar com conhecimento de causa e colaborando para a devida informação do público, e não somente espalhando insinuações e questionamentos sem sentido.

Ao invés de exercer o direito à informação, o jornalista, por falta de uma mínima pesquisa sobre o assunto, simplesmente veiculou uma insinuação em forma de pergunta, repleta de distorções e imputações insustentáveis. Ou seja, o público foi, na realidade, prejudicado, em seu direito à informação.

            O exercício escorreito do jornalismo não admite irresponsabilidades, principalmente aquelas de caráter populista e demagógico, que conduzem as massas em sua ignorância sobre os mais diversos temas. Como adverte Le Bom:

“As massas jamais tiveram sede de verdade. (...). Não é a necessidade de liberdade, e sim de servidão, sempre predominante na alma das multidões. Elas são tão inclinadas à obediência que, de maneira instintiva, submetem-se a quem quer que se declare seu mestre”. [8]

            Essa responsabilidade da imprensa se intensifica na exata medida em que se toma consciência de seu poder quanto à formação de opinião. Como evidencia Drapkin, “não sem razão” é ela “considerada o ‘Quarto Poder do Estado’”. [9] A verdade é que “devido a uma informação distorcida”, muitas vezes de forma “intencional”, boa parte do público é induzida a crer na “inocência de condenados” justamente e “na culpabilidade dos inocentes”. [10]

            A mídia é volúvel e com ela são volúveis as massas teleguiadas. Não é possível enganar-se e confundir o poder irracional das massas com democracia. Para satisfazer os desejos das massas e adular o povo “não é necessário ser democrata”. Ao reverso, é possível ser até mesmo “autocrata”.

Eles, os autocratas de todos os tempos, “sempre tiveram a obsessão do ‘controle direto’ sobre o povo, da elástica aderência ao espírito popular”. [11]Não há falar em democracia nessas circunstâncias, a não ser que se refira à democracia “na pior de suas versões degenerativas: o regime da multidão emotiva e sem forma, da plebe inconsciente e irresponsável”. [12]

            Não se pode olvidar a crítica cada vez mais atual de Ortega Y Gasset (ele mesmo um jornalista):

“Em tal situação, a vida pública entregou-se à única força espiritual que por ofício se ocupa da atualidade: a Imprensa.

Desejaria incomodar o menos possível os jornalistas. Entre outros motivos, porque talvez eu mesmo não seja outra coisa senão um jornalista. Mas é ilusório esquivar-se à evidência com que se apresenta a hierarquia das realidades espirituais. Nela ocupa o jornalismo a escala inferior. E acontece que a consciência pública não recebe hoje outra pressão nem outra ordem além das que lhe chegam dessa espiritualidade ínfima destilada pelas colunas do jornal. Tão ínfima é amiúde, que quase não chega a ser espiritualidade; que é de certo modo anti – espiritualidade. Por desleixo de outros poderes, ficou encarregado de alimentar e dirigir a alma pública o jornalista, que é não só uma das classes menos cultas da sociedade presente, mas que, por causas, espero, transitórias, admite no seu grêmio pseudointelectuais abatidos, cheios de ressentimento e de ódio para com o verdadeiro espírito. A sua profissão leva-os a entender por realidade do tempo o que momentaneamente produz ruído, seja o que for, sem perspectiva nem arquitetura. A vida real é, sem dúvida, pura atualidade; mas a visão jornalística deforma essa verdade, reduzindo o atual ao instantâneo e o instantâneo ao retumbante. Daí que na consciência pública apareça hoje o mundo sob uma imagem rigorosamente invertida. Quanto mais importância substantiva e perdurante tenha uma coisa ou pessoa, menos falarão dela os jornais, e, em contrapartida, destacarão nas suas páginas o que esgota a sua essência em ser um ‘sucesso’ e dar lugar a uma notícia”. [13]

            A liberdade de imprensa e de informação são direitos individuais e do jornalista. Entretanto, todo direito é relativo e limitado. E, obviamente, veicular informações falsas e atribuir crime indevidamente a uma pessoa de maneira dolosa, não se configura como correto exercício da liberdade de imprensa e de informação.

Na verdade, trata-se de um desserviço prestado a tais liberdades e de uma violação de direitos do advogado, sob o ângulo individual e profissional. A ofensa inclusive transcende a pessoa do advogado envolvido em episódios que tais para atingir toda a categoria profissional e, mais que isso, interesses sociais inalienáveis relacionados à garantia do sigilo profissional, conforme acima demonstrado.

            Da mesma forma que todo profissional exerce, ou ao menos deveria exercer, sua profissão com ética, os jornalistas, repórteres, apresentadores e congêneres, também, até mesmo porque existe um Código de Ética respectivo, deveriam se pautar por estritas regras deontológicas.

            Afinal, como bem pontua Bonjardim, “a liberdade de imprensa não é um direito superior a todos os demais e nem pode se impor de forma ilimitada, subjugando outros direitos que também sustentam a democracia”. [14]

            Na mesma esteira, pode-se citar Cruet:

“Sem dúvida, a liberdade não é a ausência de regras, e não há sociedade possível sem um mínimo de prescrições obrigatórias e com sanção, determinando as condições da vida comum, ou, para me exprimir como Kant, da coexistênciadas liberdades, reconhecer em dada um, uma liberdade sem fronteiras, seria mui simplesmente organizar o conflito incessante e universal das forças individuais. Definir a liberdade é seguramente limitá-la, mas é também dar a uma faculdade incerta e precária a estabilidade de um direito incontestável e permanente”. [15]

            Nas chamadas “sociedades democráticas pluralistas” há uma marcante “coexistência de valores” nas respectivas Constituições. Isso confere a essas ordens constitucionais, aquilo que Zagrebelsky chama de um “direito dúctil”, a possibilitar a livre coexistência de valores e princípios, por vezes colidentes.

Essa ductilidade exige exatamente que os valores e princípios não sejam encarados de forma absoluta. Uma necessária flexibilidade e adaptabilidade deve imperar sob o pálio da proporcionalidade e razoabilidade. O autor em destaque chama a atenção para um imperativo de “não contradição”, de forma a proporcionar uma “concordância prática”[16] que tem por missão cumular e combinar princípios constitucionais, com o fim de aplicá-los em harmonia.[17]Nas palavras do estudioso:

“Se cada principio y cada valor se entendiesen como conceptos absolutos seríaimposible admitir otros junto aellos. Es el tema del conflito de valores, que queríamos resolver dando lavictoria a todos, auncuando no ignoremos su tendencial inconciabilidade. Eneltiempo presente parece dominar laaspiratción a algo que es conceptualmente imposible, pero altamente deseableenlapráctica: no lasalvaguardia de un solo valor y de un solo princípio, sino lasalvaguardia de vários simultáneamente. El imperativo teórico de no contradición  - válido para lascientia juris – no  debería obstaculizar la labor, própria de lajurisprudentia, de intentar realizar positivamente la ‘concordanciapráctica’ de las diversidades e incluso de lascontradicciones que, aunsiendo tales en teoria, no por ellodejan de ser desejablesenlapráctica”. [18]

            Com essa abertura dos textos constitucionais hodiernos à pluralidade ocorre, com frequência, o que Canotilho chama de “fenômeno de tensão”, ou seja, a possibilidade de colisão entre valores e princípios fundamentais de uma mesma ordem jurídico – constitucional.[19]Um exemplo típico está efetivamente na liberdade de imprensa, de informação, de expressão e na proteção da imagem e honra das pessoas.

            Qualquer princípio ou valor constitucional deve ser considerado como uma norma que é configurada com um “mandamento de otimização”, ou seja, normas que “ordenanque algo sea realizado  enlamayor medida posible, de acuerdoconlas possibilidades jurídicas y fácticas”. [20] Isso pode variar em graus de otimização, a depender das circunstâncias de fato e de direito. Os “princípios opostos” produzem uma necessária ponderação mútua. Essa, a ponderação, é a “forma característica de aplicação dos princípios”. [21]

            Quanto ao exercício do jornalismo, seu Código de Ética, dispõe em seu artigo 6º., VIII que “é dever do jornalista respeitar o direito à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem do cidadão”.

            Pois em casos como o exemplificado o profissional jornalista faz exatamente o contrário do preconizado por seu diploma deontológico. Ao afirmar, por meio de uma insinuação eloquente, que o advogado deveria ser preso, ele desrespeitou a honra e a imagem do causídico. É plenamente possível aventar a prática, em tese, do crime de “Calúnia” (artigo 138, CP), pois que caluniou alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime.

Aparentemente, o jornalista teria imputado ao advogado a prática de “Favorecimento Pessoal” (artigo 348, CP) ou até mesmo alguma espécie insustentável de participação do causídico no crime do cliente. De qualquer forma, houve, com certeza, a prática de uma imputação falsa, sem base legal alguma, no mínimo com dolo eventual, senão direto, acaso o jornalista tivesse plena ciência sobre a absoluta improcedência do que dizia e tivesse agido apenas com vistas aos efeitos populistas de sua manifestação. O

dolo eventual ocorre se, como é mais plausível, o jornalista não se interessa minimamente por informar-se antes de imputar a alguém uma prática criminosa, e mais, sugerir sua prisão. Observe-se que o caso concreto enfocado é apenas um dos muitos e muitos exemplos encontráveis no dia a dia, servindo esses comentários como uma análise genérica de condutas similares.

    Anote-se, por oportuno, que é atualmente inviável atribuir ao jornalista que assim se comporta o Crime de Imprensa de Calúnia (Lei 5.250/67 – artigo 20), eis que a Lei de Imprensa foi considerada não recepcionada pela nova ordem constitucional de 1988, por meio da ADPF 130, julgada pelo STF.

Assim sendo, responderia mesmo pelo crime de Calúnia previsto no Código Penal Brasileiro (artigo 138, CP), ainda com causa especial de aumento de pena da ordem de um terço, tendo em vista a utilização de meio que facilitou a divulgação da calúnia, qual seja, um jornal televisivo em canal de grande audiência (inteligência do artigo 141, III, CP). Isso afora a responsabilidade administrativa e civil.

            Como bem aduz Rushdoony:

“A verdadeira liberdade política estabelece a restrição mediante a lei, insiste na responsabilidade e não pode tolerar outro credo que atue para solapar esses elementos, de maneira que não se confunde liberdade de imprensa, por exemplo, com liberdade de calúnia e difamação; antes, impõe restrições a fim de garantir a liberdade com responsabilidade”. [22]

            Mas, a grande realidade é que, no fundo, o maior problema não é criminal, civil, administrativo, nem mesmo versa sobre o sigilo profissional na defesa de acusados e/ou investigados, ou a liberdade de imprensa e informação. A questão fulcral, ainda que vista nas entrelinhas, é a falta de uma devida postura ética, não somente sob o ângulo profissional, mas social e individual.

A conduta adotada muitas vezes pela imprensa em casos de repercussão midiática traduz exatamente uma falta absoluta de compostura, fomentada pela preocupação, praticamente isolada, com o sensacionalismo e não com o respeito ao próximo ou ao interesse social, ao bem comum.

O que se faz é forjar um sentimento de interesse pelo bem comum, mas apenas de forma hipócrita, quando, na verdade, o único interesse em jogo é o da audiência e da repercussão populista. Essa, infelizmente, é uma característica marcante da chamada “crônica vermelha” ou “crônica policial” queconverte a base de certos veículos jornalísticos, especialmente de caráter mais popularesco, em notícias de crimes e criminosos. [23]

            Mas, será que a indagação do jornalista não poderia ser encarada como uma crítica ao “status quo” jurídico brasileiro, que se diferenciaria no mundo civilizado, abrindo muitas “brechas” por onde se infiltrar a impunidade? Pode ser que em alguns casos isso seja verdadeiro, mas não no que se refere ao necessário sigilo profissional do advogado.

O modelo brasileiro não difere em geral daquele adotado em vários países, mesmo porque se trata de uma condição necessária para o exercício da atividade profissional e a própria consecução da justiça, ao menos num Estado de Direito. Cesca e Orzari, apresentam os exemplos da Itália, Portugal, Espanha, Chile e Argentina. [24] Esse rol é meramente exemplificativo, não significando, obviamente, que encerre em si todos os países que preservam o sigilo do advogado.

            Quando um jornalista atenta diretamente contra o sigilo profissional de um advogado, sem perceber, atenta contra um direito que também, “mutatis mutandis”, lhe compete em sua atividade. O jornalista, por norma constitucional, tem o direito ao “sigilo da fonte” (artigo 5º., XIV, CF).

            Coincidentemente, Marcelo Galli noticia no periódico Consultor jurídico, em data de 04.08.2017, que o Ministro Luiz Fux, do STF, reconheceu a proteção conferida aos jornalistas para que não sejam obrigados a revelar as fontes de suas informações, a fim de possibilitar seu devido exercício profissional. Com base nisso foi arquivada investigação instaurada contra o Deputado Federal Miro Teixeira (Inquérito 4.377). Eis como se manifestou o Pretório Excelso no caos em testilha:

“A norma constitucional inserta no artigo 5º., XIV, que resguarda o sigilo da fonte quando necessário ao exercício profissional, inviabiliza a continuidade da investigação em relação a Miro Teixeira, uma vez que o parlamentar, investido na atividade de jornalista, resguardou-se ao direito de não revelar como obteve acesso às informações e documentos da operação”. [25]

            Os mesmos dispositivos constitucionais que asseguram o sigilo necessário para a atividade jornalística, resguardam a prática da advocacia, de modo que é, no mínimo, um “tiro no pé”, que um jornalista venha a tecer críticas tão acerbas contra o advogado que simplesmente exerce sua função social e profissional, reservando o sigilo necessário ao respeito do contrato com seu cliente, em prol da viabilização de sua atividade profissional e, em última análise, do cumprimento de sua obrigação ética, bem como da consecução de sua função “indispensável à administração da justiça” (artigo 133, CF).

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Sobre os autores
Eduardo Luiz Santos Cabette

Delegado de Polícia Aposentado. Mestre em Direito Ambiental e Social. Pós-graduado em Direito Penal e Criminologia. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Medicina Legal, Criminologia e Legislação Penal e Processual Penal Especial em graduação, pós - graduação e cursos preparatórios. Membro de corpo editorial da Revista CEJ (Brasília). Membro de corpo editorial da Editora Fabris. Membro de corpo editorial da Justiça & Polícia.

Zeima da Costa Satim Mori

Advogada, Mestre em Direito Social, Difuso e Coletivo, Professora de Ética Profissional, Práticas Forense e Trabalhista e Direito Tributário na graduação do Unisal e Membro do Grupo de Pesquisa de Ética e Direitos Fundamentais do Programa de Mestrado do Unisal

Bianca Cristine Pires dos Santos Cabette

Advogada, Pós – graduada em Direito Público, Direito Civil e Direito Processual Civil e Bacharelanda em Psicanálise.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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