1. INTRODUÇÃO
Os acidentes, as doenças e as mortes no trabalho têm sido motivo constante de muita discussão, devido a estarem entre as maiores problemáticas relacionadas à saúde do trabalhador no Brasil. Através dos índices, recentemente publicados, é possível verificar-se que os quantitativos são bastante significativos.
Neste momento econômico em que o país encontra-se é imprescindível que a atenção de todos os intervenientes do processo produtivo volte-se para necessidade de melhorias nas condições de trabalho. Todos os envolvidos nesse processo deveriam ter o interesse de tornar o ambiente laborativo um lugar mais seguro, pois todos, de alguma forma, acabariam se beneficiando com isso. Esta questão, muitas vezes, fica relegada a um segundo plano quando da definição de estratégias, bem como da realização das tarefas, o que pode trazer prejuízo a todos. Constata-se que, nas últimas décadas, as empresas têm objetivado, primordialmente, alcançar o desenvolvimento tecnológico, mas que, nem sempre existe uma preocupação paralela e eficaz relacionada aos aspectos ligados às condições de trabalho.
(...) a evolução do trabalho sempre esteve alicerçada na busca do homem por métodos e processos mais simples, que permitissem uma melhor produção de bens e serviços necessários à sua satisfação. Com o objetivo de aumentar a produtividade, este acaba por enfatizar o aproveitamento da tecnologia existente como um dos principais fatores para o crescimento e desenvolvimento industrial, subestimando o seu desgaste físico e mental, desencadeado, entre outros fatores, pela própria utilização desta tecnologia e representado, também, pelos acidentes de trabalho. (ARAÚJO, 1989; MOURA, 1993; POSSAMAI, 1997, apud DALCUL, 2001, p. 3)
Segundo a Organização Internacional do Trabalho - OIT, os acidentes de trabalho resultam atualmente num elevado ônus para toda a sociedade, sendo a sua redução um anseio de todos: governo, empresários e trabalhadores. Além da crescente importância econômica, existe a questão social gerada pela morte e mutilação anual de milhares de trabalhadores, o que resulta ainda a redução das forças produtivas do país.
De acordo com Todeschini (2007, apud, SOARES, 2008, p. 24 ),
(...) de cada 100 acidentes de trabalho, 25 trabalhadores se tornam inválidos, situação similar a de uma guerra: Na data de hoje, em todo o país, 45 trabalhadores diariamente saíram de casa e não voltarão mais ao trabalho, tanto por causa de acidentes quanto por motivos de morte.
Apesar dos quantitativos alarmantes e das normas de segurança em vigor, estes não estão sendo suficientes para a criação e manutenção de um ambiente laborativo isentos de riscos. Existe dificuldade na implementação, e isso decorre, principalmente, da falta de conscientização e da mudança de cultura que essa questão impõe, tanto dos empregadores, quanto dos empregados.
A grande dificuldade para o cumprimento dessas normas é o convencimento de que a prevenção de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais é um investimento que interfere diretamente na produtividade e qualidade do produto produzido ou serviço prestado. (MOURA, 1999, apud STADIKOWSKI, 2010, p.20)
Por outro lado, todo trabalhador segurado tem, por força de lei, o amparo legal quando suas condições físicas e mentais o impedem de exercer suas atividades, garantindo o recebimento de vencimento mínimo estipulado conforme a contribuição previdenciária. Ante aos números de ocorrências oficiais, expostos mais detalhadamente no desenvolvimento desse trabalho, estima-se que anualmente no Brasil, os valores gastos pelo governo em decorrência dos sinistros, em sua totalidade, ultrapassem a cifra dos R$ 100 bilhões, considerando-se os trabalhadores formais e informais.
Neste sentido, e, sob a ótica de que, com a redução dos acidentes todos saem ganhando, pretende-se contribuir para a melhoria da segurança no trabalho, através do convencimento de que, dentro do planejamento estratégico a organização deve dedicar atenção especial à prevenção de acidentes do trabalho como forma de redução de gastos.
Em suma,
(...) os estudiosos não se cansam de afirmar: é preciso reduzir os gastos; é hora de cortar os custos. Nesse cenário, o planejamento estratégico das empresas torna-se a "alma" do negócio. Proteger o caixa torna-se elemento essencial. Neste sentido, dentro do planejamento estratégico deve a organização dedicar especial atenção à prevenção aos acidentes oriundos do ambiente de trabalho. (ALBUQUERK, 2009, p.)
Portanto, definiu-se como tema desse artigo O planejamento estratégico na prevenção de acidentes no trabalho: Todos saem ganhando, e identificou-se o seguinte questionamento:
- Porquê e como a redução de acidentes pode reverter-se como benefício a todos (empregados, empregadores, governo e sociedade)?
A fim de delinear o caminho que leva à resposta desse questionamento este artigo apresentou o assunto estruturado da seguinte maneira:
- Introdução
- Acidente de trabalho: Conceitos e classificações
- Indicadores e quantitativos, relativos aos acidentes do trabalho no Brasil
- Fatores geradores e as principais causas dos acidentes do trabalho
- A gestão estratégica e a prevenção dos acidentes no trabalho
- Ganhos obtidos através do planejamento estratégico eficaz na prevenção dos acidentes no trabalho
- Conclusão
- Referências
2. ACIDENTE DE TRABALHO: CONCEITOS E CLASSIFICAÇÕES
Para melhor entendimento dos quantitativos expostos mais adiante, é recomendável o conhecimento de alguns conceitos relativos a acidente do trabalho.
Segundo a NBR 14.280 da ABNT, acidente do trabalho é a “ocorrência imprevista e indesejável, instantânea ou não, relacionada ao exercício do trabalho, que provoca lesão pessoal ou que decorre de risco próximo ou remoto dessa lesão”.
A lei de benefícios da previdência social (Lei nº 8.213/1991) reconhece como acidente de trabalho, in verbis:
Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão e corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.
Segundo o artigo seguinte dessa Lei, as doenças profissionais e as doenças do trabalho também são consideradas como acidente do trabalho. O artigo 20 diz:
Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas:
I - doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;
II - doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.
§ 1º Não são consideradas como doença do trabalho:
a) a doença degenerativa;
b) a inerente a grupo etário;
c) a que não produza incapacidade laborativa;
d) a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho.
§ 2º Em caso excepcional, constatando-se que a doença não incluída na relação prevista nos incisos I e II deste artigo resultou das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, a Previdência Social deve considerá-la acidente do trabalho.
A mesma lei faz ainda algumas equiparações relacionadas aos acidentes de trabalho, que estabelece o seguinte, em seu artigo 21:
Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta Lei:
I - o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação;
II - o acidente sofrido pelo segurado no local e no horário do trabalho, em consequência de:
a) ato de agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por terceiro ou companheiro de trabalho;
b) ofensa física intencional, inclusive de terceiro, por motivo de disputa relacionada ao trabalho;
c) ato de imprudência, de negligência ou de imperícia de terceiro ou de companheiro de trabalho;
d) ato de pessoa privada do uso da razão;
e) desabamento, inundação, incêndio e outros casos fortuitos ou decorrentes de força maior;
III - a doença proveniente de contaminação acidental do empregado no exercício de sua atividade;
IV - o acidente sofrido pelo segurado ainda que fora do local e horário de trabalho:
a) na execução de ordem ou na realização de serviço sob a autoridade da empresa;
b) na prestação espontânea de qualquer serviço à empresa para lhe evitar prejuízo ou proporcionar proveito;
c) em viagem a serviço da empresa, inclusive para estudo quando financiada por esta dentro de seus planos para melhor capacitação da mão-de-obra, independentemente do meio de locomoção utilizado, inclusive veículo de propriedade do segurado;
d) no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado.
§ 1º Nos períodos destinados a refeição ou descanso, ou por ocasião da satisfação de outras necessidades fisiológicas, no local do trabalho ou durante este, o empregado é considerado no exercício do trabalho.
§ 2º Não é considerada agravação ou complicação de acidente do trabalho a lesão que, resultante de acidente de outra origem, se associe ou se superponha às consequências do anterior.
Os acidentes de trabalho podem ser classificados em três tipos: Acidente típico, de trajeto e devidos à doença do trabalho. Segundo a Previdência Social possuem as seguintes definições:
Acidentes Típicos – são os acidentes decorrentes da característica da atividade profissional desempenhada pelo acidentado.
Acidentes de Trajeto – são os acidentes ocorridos no trajeto entre a residência e o local de trabalho do segurado e vice-versa.
Acidentes Devidos à Doença do Trabalho – são os acidentes ocasionados por qualquer tipo de doença profissional peculiar a determinado ramo de atividade constante na tabela da Previdência Social.
A legislação reconhece ainda como acidente de trabalho, os eventos que atuam como concausa no agravamento de doença pré-existente.
Já conhecendo-se os conceitos básicos relacionados ao acidente do trabalho, pode-se entender com mais facilidade a respeito dos quantitativos relativos aos acidentes do trabalho no Brasil.
3. INDICADORES E QUANTITATIVOS RELATIVOS AOS ACIDENTES DO TRABALHO NO BRASIL
Dados da 19ª edição do Anuário Estatístico da Previdência Social (AEPS), divulgados em 25 de outubro de 2011, registraram para o ano de 2010, 701.496 acidentes de trabalho, com 2.712 mortes e 14.605 casos de invalidez permanente. Tais dados referem-se apenas aos trabalhadores do setor privado e celetistas. Estão fora dessas estatísticas os servidores públicos estatutários e trabalhadores da economia informal.
Segundo cálculo do sociólogo José Pastore, professor de Relações do Trabalho da Universidade de São Paulo (USP), o custo dos acidentes e doenças do trabalho formal para o Brasil chega a R$ 71 bilhões por ano, o equivalente à quase 9% da folha salarial do País, da ordem de R$ 800 bilhões. Este valor é resultado da soma dos seguintes custos:
- Para as Empresas: Totalizam em R$ 41 bilhões e estão divididos basicamente em: Custos segurados, decorrentes do valor gasto para se fazer seguro de acidentes de trabalho e custos não segurados, que decorrem do próprio acidente, que causam muitos estragos na vida.
- Para a Previdência Social: Gastos da Previdência Social com o pagamento de benefícios acidentários e aposentadorias especiais. São calculados em cerca de R$ 14 bilhões.
- Para a sociedade: Custos e danos aos trabalhadores e às respectivas famílias, e que são estimados em R$ 16 bilhões.
É importante salientar que, pelo Sistema Único de Saúde (SUS), que é universal, o Brasil atende um grande número de pessoas que se acidentam e adoecem no mercado informal, cujas despesas correm por conta do Ministério da Saúde, e não da Previdência Social.
A edição da revista Isto é dinheiro, datada de 21/01/2012, publicou uma pesquisa feita anualmente pela Marsh, corretora de seguros e que faz gerenciamento de risco, mostrando que o número de dias perdidos por causa de acidentes de trabalho cresceu 23% em 2010. Entre as 62 empresas industriais e comerciais pesquisadas, esse número subiu de 31,8 mil, em 2009, para 32,9 mil, em 2010. Como consequência, a média de dias perdidos por ocorrência também se elevou, de 14,41 para 17,68. O resultado de 2010 foi o pior desde 2005.
A pesquisa traz ainda outro indicador preocupante: O índice de severidade dos acidentes aumentou de 16,97% para 21,78%. Isso significa que foram ocorrências mais graves, pois a severidade está ligada diretamente ao período de afastamento. Em 2010, cada trabalhador acidentado ficou 17 dias de afastamento, ante a uma média de 14 dias no ano anterior.
Os acidentes tiveram também impacto maior no caixa das empresas: O custo por acidente cresceu 42%, de R$ 4 mil para R$ 5,7 mil.
As causas das ocorrências foram as mais diversas, envolvendo desde riscos ergonômicos, acidentes de trajeto, travamento de máquinas e equipamentos, até quedas, entre outros.
Como diz Soares (2008, p.19),
Apesar de algumas entidades que tratam de acidentes do trabalho elaborarem estatísticas anuais referentes ao número de acidentes por região e estado, e, sendo o Brasil considerado um dos países com altos indicadores de acidentes do trabalho, muito pouco vem sendo feito para a eliminação desse problema. Ainda não foram enfrentados, de modo geral, com a seriedade e importância que o assunto requer.
Boa parte da assistência é prestada pelo Sistema Único de Saúde (SUS); já os benefícios por incapacidade temporária ou permanente, bem como as pensões por morte dos beneficiários, são arcados com os recursos públicos do sistema de proteção à saúde.
Como pode-se perceber, anualmente no Brasil são gastos muitos bilhões em recursos públicos por motivo dos acidentes de trabalho, que estão deixando de ser canalizados para outras políticas sociais necessárias para o país.
A indústria de transformação de produtos alimentícios e a da construção civil são os setores com maior número de vítimas de acidente do trabalho, segundo o Anuário Estatístico da Previdência Social. Em 2010, foram 54.664 acidentes em obras dos 701 mil registrados no país.
Em discurso durante o ato pelo Trabalho Seguro ocorrido em agosto deste ano, no canteiro de obras da Arena Fonte Nova, o ministro João Oreste Dalazen, presidente do TST, admitiu que a Justiça trabalhista está preocupada com o aumento dos números de acidentes de trabalho porque o índice dobrou entre 2001 e 2010. “No ano passado, a média foi de sete trabalhadores mortos por dia. Todos perdem com o acidente de trabalho. Não há condenação da Justiça que devolva a vida ou a saúde para os que sofrem acidentes”, disse ele.