5 - Vida pregressa
Atendendo ao citado inciso IX, do art. 6º, do CPP, a chamada “vida pregressa” ou “pregressamento” nada mais é do que a coleta de informações acerca do passado do indiciado, sobretudo quanto aos seus eventuais antecedentes criminais e também sob o ponto de vista individual, social e familiar, bem como no tocante à sua condição econômica e seu estado de ânimo antes, durante e depois da prática delitiva, e dos demais elementos que auxiliem na apreciação de seu temperamento e caráter.
Trata-se de formalidade que objetiva auxiliar a instrução extrajudicial num primeiro momento, direcionando eventuais diligências a serem realizadas, e que também corrobora para definir os parâmetros da instrução em juízo do processo penal, tanto para a primeira parte do interrogatório judicial (CPP, art.187, § 1º) quanto no momento da consideração das circunstâncias para a dosimetria da pena a ser imposta (CP, art.59).[17]
Como já anunciado, a vida pregressa também pode ser formalizada em peça autônoma ou conjuntamente com a qualificação, ou ainda com o interrogatório do indiciado. Podem ser três documentos distintos ou uma única peça com todas as informações nela incluídas.
6 - Identificação
A identificação, ainda que esteja diretamente atrelada aos dados que integram a qualificação do indiciado, com eles não se confundem. Consiste, na verdade, na confirmação ou no reconhecimento desses dados qualificativos (nome, filiação, nascimento e naturalidade) e da identidade ofertada, para regular individualização do sujeito.
No Brasil, normalmente a identificação se opera com a obtenção de elementos individualizadores como fotografias pessoais e impressões datiloscópicas, utilizadas pelos institutos de identificação dos Estados da Federação para o cadastro das carteiras (também chamadas “cédulas”) de identidade, com registro em ordem numérica, popularmente conhecido como “R.G” (“Registro Geral”). Essa é a identidade civil, que todos os cidadãos devem possuir para o regular exercício de seus direitos e deveres, cuja formalização em regra é baseada na certidão de nascimento do indivíduo, gerando também outros documentos pessoais que permitem a identificação civil de cada ser humano.
6.1 - Identificação civil e identificação criminal
Há comando constitucional que baliza a identificação: “o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei” (CF, art.5º, inciso LVIII).
Tem-se que a regra é a identificação civil, comprovada por meio de documentos pessoais, sendo a identificação criminal admitida somente nos casos regulados em lei.
O diploma que disciplina a matéria é a Lei Federal nº 12.037/2009, a qual prevê que a identificação civil pode ser atestada por qualquer dos documentos pessoais elencados em seu artigo 2º: carteira de identidade (como dito, conhecido como “R.G”), carteira de trabalho, carteira profissional, passaporte, carteira de identificação funcional e qualquer outro documento público que permita a identificação do indiciado, em geral, incluindo-se nesta última hipótese documentos oficiais contendo foto identificatória, como a carteira nacional de habilitação (CNH). O diploma ainda equipara aos documentos de identificação civil os de identificação militar, os quais, portanto, também podem ser empregados para o mesmo fim (Lei Federal nº 12.037/2009, art. 2º, p.u.).
Destarte, quando o indivíduo a ser indiciado não portar documentos pessoais, ou quando aqueles que apresentar forem insuficientes para sua regular identificação civil, ele será submetido à identificação criminal, compreendida pelos processos datiloscópico (coleta das impressões digitais dos dedos das mãos) e fotográfico (captura da imagem do rosto do indivíduo), nos moldes dos artigos 3º e 5º, da mencionada Lei Federal nº 12.037/2009.
Na realidade, o ideal seria que os documentos de identificação civil fossem unificados pelo Poder Público, em âmbito nacional, com um número único de registro de identidade civil, porém referido cadastro ainda não foi implementado, conquanto exista previsão legal para tal desiderato (Lei Federal nº 9.454/1997).
Há, entretanto, tendência nos documentos de identificação civil de que os registros dos dados pessoais sejam acompanhados do armazenamento tanto da identificação biométrica das papilas dérmicas dos dedos das mãos (coleta das impressões digitais) quanto da fotografação de cada indivíduo, o que já ocorre ou ao menos já se iniciou com documentos como o passaporte, a carteira nacional de habilitação (CNH), o título de eleitor e as próprias carteiras de identidade (“R.G.”), estas últimas por ora registradas de modo restrito ao âmbito de cada Estado da Federação, com numeração distinta e específica em cada um deles.
Nos termos do artigo 3º, da Lei Federal nº 12.037/2009, será admitida a identificação criminal (cadastro da fotografia e das impressões datiloscópicas), ainda que apresentado um documento de identidade quando este apresentar rasura ou indício de falsificação, quando forem exibidos documentos distintos com informações conflitantes entre si, quando houver registros policiais de uso de outros nomes ou de qualificações diferentes pelo sujeito, quando o estado de conservação ou a distância temporal ou da localidade da expedição do documento apresentado impossibilite a completa identificação dos caracteres essenciais ou quando, de qualquer modo, o documento apresentado for insuficiente para identificar cabalmente o indiciado, como, por exemplo, se ele possuir apenas a certidão de nascimento ou outro documento sem foto.
O dispositivo em comento também autoriza, ainda que apresentado documento de identidade civil, mediante deliberação judicial de ofício ou via representação do Delegado de Polícia, do Ministério Público ou mesmo da defesa, que se proceda à identificação criminal, quando esta for essencial às investigações, se assim exigirem as circunstâncias do caso concreto. Nessa hipótese, pode-se incluir a coleta de material biológico para a obtenção do perfil genético do sujeito identificado (Lei Federal nº 12.037/2009, art. 5º, p.u.), melhor tratada em subtópico adiante.
Impende assinalar que a permissão de identificação criminal quando houver distância temporal que inviabilize a completa identificação dos caracteres essenciais do sujeito se faz necessária porque o indivíduo pode apresentar documento com foto muito antiga, na qual sua fisionomia já tenha sofrido intensa alteração. Do mesmo modo, a distância da localidade de expedição do documento, mormente das cédulas de identidade, também é hipótese que se faz precisa, na medida em que, conforme já citado, o Poder Público Brasileiro ainda carece de uma integração e unificação de âmbito nacional dos registros civis e, por ora, cada Estado da Federação possui seu cadastro público próprio de identificação, e não são raros os casos em que um mesmo indivíduo obtém carteiras de identidade civil em Estados diversos, por vezes com qualificações diferentes, sobretudo quando imbuído de intenções espúrias para prática de delitos e de fraudes de um modo geral.
A identificação afeta ao indiciamento do sujeito normalmente se formaliza com um documento específico no qual são inseridos os dados relativos à pessoa do indiciado (dados qualificativos) e à infração penal a ele atribuída (dispositivo legal no qual incide o sujeito), bem como informações sobre a numeração do respectivo inquérito policial.
No Estado de São Paulo esse documento se denomina atualmente “Boletim Eletrônico de Identificação Criminal”, editado por meio digital, também chamado de “Boletim de Identificação Criminal” (“B.I.C.”), ou simplesmente “boletim de identificação”, e conterá também a fotografia e as impressões datiloscópicas, caso o indiciado não apresente documento atestador da identidade civil apto. Exibido o documento civil, cópia deste deverá ser juntada aos autos do inquérito policial (Lei Federal nº 12.037/2009, art. 3º, p.u.).
Devidamente preenchido, cópia desse “boletim de identificação”, ou documento a ele equivalente, é encaminhada ao Instituto de Identificação respectivo ou repartição congênere da entidade federativa, e alimentará o banco de dados criminais, em homenagem ao artigo 23 do Código de Processo Penal, para eventuais consultas pelos órgãos policiais ou judiciários.[18]
6.2 - Identificação criminal pelo perfil genético
A Lei Federal nº 12.654, de 28 de maio de 2012, acrescentou alguns dispositivos da lei de identificação criminal, dentre eles o parágrafo único do artigo 5º, da citada Lei Federal nº 12.037/2009, e passou a autorizar a coleta de material biológico para obtenção do perfil genético do indivíduo identificado, mediante autorização judicial.
Da mesma forma foi incluído o artigo 5º-A na referida lei de identificação criminal:
Art. 5º-A. Os dados relacionados à coleta do perfil genético deverão ser armazenados em banco de dados de perfis genéticos, gerenciado por unidade oficial de perícia criminal.
§ 1º As informações genéticas contidas nos bancos de dados de perfis genéticos não poderão revelar traços somáticos ou comportamentais das pessoas, exceto determinação genética de gênero, consoante as normas constitucionais e internacionais sobre direitos humanos, genoma humano e dados genéticos.
§ 2º Os dados constantes dos bancos de dados de perfis genéticos terão caráter sigiloso, respondendo civil, penal e administrativamente aquele que permitir ou promover sua utilização para fins diversos dos previstos nesta Lei ou em decisão judicial.
§ 3º As informações obtidas a partir da coincidência de perfis genéticos deverão ser consignadas em laudo pericial firmado por perito oficial devidamente habilitado.
Pela leitura do texto legal, percebe-se que a exigência de determinação judicial decorrente de solicitação do Delegado de Polícia, do Ministério Público ou da defesa (Lei nº 12.037/2009, art.3º, IV) deve demonstrar que a identificação criminal pelo perfil genético é essencial para a investigação dos fatos apurados, e será analisada sempre de acordo com as peculiaridades do caso concreto.
No mesmo diapasão, a destacada Lei Federal nº 12.654/2012, também acresceu o artigo 9º-A na Lei Federal nº 7.210/1984 (Lei de Execução Penal):
Art. 9º-A. Os condenados por crime praticado, dolosamente, com violência de natureza grave contra pessoa, ou por qualquer dos crimes previstos no art.1º, da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, serão submetidos, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA - ácido desoxirribonucleico, por técnica adequada e indolor.
§ 1º A identificação do perfil genético será armazenada em banco de dados sigiloso, conforme regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo.
§ 2º A autoridade policial, federal ou estadual, poderá requerer ao juiz competente, no caso de inquérito instaurado, o acesso ao banco de dados de identificação de perfil genético.
Nesta hipótese, observa-se que há expresso comando legal de que os sujeitos condenados por delitos violentos contra a pessoa ou por qualquer crime hediondo (Lei Federal nº 8.072/1990), deverão ser submetidos à identificação pelo perfil genético, via coleta do “DNA” (ácido desoxirribonucleico)[19] do indivíduo, facultando aos Delegados de Polícia o acesso mediante ordem judicial ao respectivo banco de dados, justamente para eventuais confrontos com materiais obtidos em sede de investigação criminal.
Não obstante possível argumentação de suposta incompatibilidade com o princípio da não autoincriminação, a ponto de inviabilizar a identificação pelo perfil genético sem o consentimento do agente, visto que o sujeito não poderia ser compelido a contribuir ativamente com a investigação criminal, por ora prevalece o entendimento de que a disposição legal é válida e o procedimento é lícito, desde que a coleta do material seja realizada de modo não invasivo, vale dizer, sem a penetração no organismo humano para a extração.[20]
Outrossim, assinala-se que a análise por meio do confronto de material biológico com o composto orgânico do “DNA” que individualiza cada sujeito, além de viabilizar a identificação de criminosos, também propicia a exclusão de pessoas investigadas.[21] A genética forense permite a obtenção de provas que inocentem pessoas consideradas suspeitas, consentânea à busca da verdade e às premissas constitucionais que informam o processo penal, diminuindo a probabilidade de equívocos e injustiças desde a etapa extrajudicial da persecução criminal.