Processo nº 0120XXX-00.2012.8.26.0100
Em caso raro de se ver, especialmente quando se trata de empreendimento de altíssimo padrão, o Tribunal de Justiça de São Paulo deu provimento ao recurso de casal de compradores no empreendimento The View, no Guarujá, impondo para a incorporadora a devolução de mais de um milhão de reais, à vista, pela inexecução das obras.
A aquisição do projeto de imóvel ainda na planta ocorreu em abril de 2010, nas dependências do estande de vendas da incorporadora DELFOS, pertencente ao grupo econômico conhecido no mercado imobiliário de São Paulo como SABGROUP. Maravilhados com o que viria a ser o empreendimento de alto padrão, decidiram assinar um contrato de promessa de venda e compra, sendo certo que as obras deveriam ser iniciadas no mês de outubro de 2010 com conclusão prevista para o mês de janeiro de 2013, sujeito ainda à tolerância de mais 180 dias, o que é usual nesse tipo de negócio.
Ocorre, todavia, que em março de 2012, data do ajuizamento da ação de rescisão contratual pela via judicial, absolutamente nada fora construído no local e as fotos apresentadas ao Juiz do caso bem mostravam que o estande de vendas erguido pela incorporadora estava caindo aos pedaços, bem como o terreno apresentava vegetação em crescimento e nenhum tijolo fora colocado no que deveria ser um empreendimento de alto padrão, levando os compradores ao desespero, especialmente pela enorme soma de dinheiro investida na promessa da incorporadora.
Para piorar um pouco a situação, antes de decidirem ingressar com a ação de rescisão, os compradores tentaram um acordo amigável com a incorporadora, porém, esta somente admitia uma devolução irrisória dos valores pagos e de forma parcelada.
Acordo encerrado, ingressaram os compradores com uma ação de rescisão. Em primeira instância o Juiz de Direito do Foro Central de São Paulo julgou a ação parcialmente procedente para condenar a vendedora na restituição à vista do equivalente a 90% dos valores pagos em Contrato, acrescidos de correção monetária e juros de 1% a.m.
Inconformados com o resultado, os compradores decidiram recorrer para vingar a tese de restituição integral de tudo o que foi pago, notadamente porque a culpa pela rescisão era da incorporadora.
No recurso, afirmaram que, passados mais de dois anos da aquisição do imóvel na planta, a ser construído pela incorporadora, nada foi feito no terreno reservado ao empreendimento, sendo tal área de preservação permanente, o que inviabiliza a construção, tendo a vendedora sofrido uma ação civil pública para impedir o levantamento do empreendimento, que, até a interposição do apelo, ainda não havia sido construído, resultando claramente em descumprimento do prazo contratual para início das obras, havendo o risco de sequer se poder construí-la, razão pela qual deveria ser declarada culpada pela rescisão, devendo as partes ser recompostas ao estado anterior à celebração do contrato, com total devolução das quantias pagas, sem retenção alguma.
O recurso foi distribuído perante a 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, tendo como Relator o Desembargador Rui Cascaldi. Por votação unânime, a Câmara deu provimento ao recurso dos compradores para fazer constar que a culpa pela quebra do negócio era mesmo exclusiva da incorporadora. Nas palavras do Desembargador:
- “Os autores ajuizaram a ação de rescisão contratual em 13.03.2012, antes mesmo de estar a ré formalmente constituída em mora, alegando que sequer havia construção do local onde deveria estar sendo erguido o empreendimento.
- A ré justifica tal atraso, no entanto, pelo fato de o Ministério Público Estadual ter ajuizado a ação civil pública nº 0004734-58.2010.8.26.0223, na qual se discutia o fato do seu empreendimento estar localizado em área de proteção ambiental, onde proferida medida liminar que a impedia de efetuar qualquer obra no local. A ação civil pública em questão, em 07.04.2011, foi julgada improcedente, interpondo o Parquet, por conta disso, recurso de apelação, ao qual, em 02.10.2014, se negou provimento, sequer tendo sido admitidos os recursos especial e extraordinário contra vergastado acórdão que negou provimento ao apelo da referida ação.
- Ora, por mais que a autora tenha ajuizado a ação antes mesmo do término do prazo contratual para a entrega da construção, o contrato também estabelecia data de início do empreendimento outubro de 2010 -, o qual, 2 (dois) anos depois, sequer havia sido iniciado, o que, por si só, já implicaria hipótese de rescisão contratual, já que os autores estavam adimplentes até a rescisão, da qual não se recorre, discutindo-se apenas de quem seria a culpa e, consectariamente, quais os valores que deveriam ser ressarcidos aos autores.
- É bem de se ver que, a despeito do exposto na cláusula 5.3, que dispõe que, ocorrendo, dentre outras coisas, embargos judiciais ou administrativos, prorrogar-se-ia o prazo de entrega das unidades por tantos dias quantos forem os de retardamento causado por tais eventos, no caso em testilha tal responsabilidade é imputável apenas e tão somente à própria ré, DELFOS EMPREENDIMENTOS SPE LTDA., e isto por que tal fato constitui fortuito interno, decorrente do desempenho da própria atividade da ré, não podendo ser imputado aos compradores apelantes.
- Assim, não há como se afastar a culpa da ré pela rescisão contratual, sendo, bem por isso, de rigor o retorno das partes ao status quo ante, com a devolução de todas as quantias já adimplidas pelos autores, nos termos da Súmula nº 3 deste E. TJSP.
- A questão que se põe é sobre o quanto a ser ressarcido (valor integral de ressarcimento): os autores, nesse sentido, aduzem ter pagado a importância de R$1.083.504,83 (um milhão, oitenta e três mil, quinhentos e quatro reais e oitenta e três centavos), ao passo que a ré alega ter recebido R$986.986,34 (novecentos e oitenta e seis mil, novecentos e novecentos e oitenta e seis reais e trinta e quatro centavos). Ocorre, entretanto, que os recibos juntados pelos autores comprovam um pagamento menor que o apontado como recebido pela ré, pelo que deve prevalecer o valor indicado, por esta, como devido.
- O valor a ser restituído aos autores deverá ser atualizado desde a data do efetivo desembolso de cada parcela, pela Tabela Prática deste Tribunal de Justiça e, desde a citação, acrescido de juros legais.”.
Condenação final:
Assim, sob a preponderância dos argumentos lançados no acórdão, a 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu pelo seguinte:
- Quebra do contrato por ato exclusivo da incorporadora DELFOS;
- Restituição à vista e de 100% dos valores pagos pelos compradores em Contrato, resultando numa devolução de mais de R$ 1.000.000,00; e
- Tudo com acrescido de correção monetária desde cada pagamento (correção monetária retroativa) e juros de 1% ao mês nos termos da decisão.
E o mais curioso desse caso é que, pelo menos até o mês de outubro de 2015, o empreendimento The View era normalmente comercializado no site da incorporadora (SabGroup), sendo que a atualização do cronograma de obras apresentava notáveis 100% de movimentação de terra concluído.
Fonte: Tribunal de Justiça de São Paulo e Mercadante Advocacia (Especialista em Direito Imobiliário)