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Proteção Internacional dos Direitos do Homem nos sistemas regionais americano e europeu: uma introdução ao estudo comparado dos direitos protegidos

Proteção Internacional dos Direitos do Homem nos sistemas regionais americano e europeu: uma introdução ao estudo comparado dos direitos protegidos

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Para a melhor realização dos direitos humanos no Brasil, é necessário um diálogo da nossa Justiça com a jurisprudência da Corte Interamericana, de São José da Costa Rica.

Sumário: 1. Introdução. 1.1 O contexto. 1.2 Tema e justificativa. 2. Comparação quanto às condições de proteção. 2.1 A forma das convenções. 2.2 Universo de aplicação. 2.2.1 Universo de aplicação quanto aos destinatários. 2.2.2 Universo de aplicação quanto ao tempo. 2.2.3 Universo de aplicação quanto à matéria. 2.3 Mecanismos protetores. 3. Comparação quanto ao conteúdo protegido. 3.1 Questão metodológica. 3.2 Conteúdos regulados pela Convenção Americana e não regulados pela Convenção Europeia. 3.2.1 Proteção da honra e dignidade humana. 3.2.2 Direito ao nome. 3.2.3 Direito a uma nacionalidade. 3.2.4 Direito de igualdade em face da lei. 3.2.5 Direito ao reconhecimento da personalidade jurídica. 3.2.6 Direitos econômicos, sociais e culturais. 3.2.7 Outros direitos. 3.3 Conteúdos regulados pelas duas Convenções. 3.3.1 Proteção da vida e integridade pessoal. 3.3.1.1 Direito à vida. 3.3.1.2 Direito à integridade da pessoa. 3.3.1.3 Interdição de escravidão, servidão e trabalho forçado. 3.3.2 Proteção da liberdade e segurança individuais. 3.3.2.1 Princípio. 3.3.2.2 Garantias da pessoa privada da liberdade. 3.3.2.3 Direito a uma boa administração da justiça. 3.3.3 Proteção da intimidade. 3.3.3.1 Princípio. 3.3.3.2 Delimitação do conteúdo protegido. 3.3.4 Proteção da atividade intelectual. 3.3.4.1 Liberdade de manifestação e expressão. 3.3.5 Proteção da atividade social e política. 3.3.5.1 Direitos de reunião e de associação. 3.3.5.2 Direitos políticos propriamente ditos. 3.3.6 Proteção da propriedade privada. 3.3.7 Proteção da liberdade de locomoção e residência. 3.3.7.1 Princípio. 3.3.7.2 Expulsões. 4. Conclusão. 5. Referências bibliográficas.


1. Introdução

1.1 O contexto

Acordou-se, especialmente depois dos anos quarenta, para a necessidade de proteção dos direitos do homem no plano internacional.[1] A iniciativa coincidiu, no campo político, com a revalorização do Direito nas sociedades democráticas, funcionando os direitos humanos como barreira contra a ressurgência de regimes de força.  Foram determinantes, nesse sentido, a criação da ONU – Organização das Nações Unidas (cuja Carta cuida do tema) e a conclusão de diversos documentos internacionais voltados para a defesa e promoção dos direitos da pessoa humana.

O que poderia constituir apenas um movimento político teve como consequência, talvez a mais importante, a transformação do Direito, que passou a se caracterizar, a partir de então, também no plano internacional, como instrumento privilegiado de garantia das liberdades. Tal transformação foi traduzida por uma mudança em dois planos. No plano técnico-jurídico, no âmbito internacional, foram concluídos diversos acordos, desenhando para o direito internacional um novo espaço de ação, emergindo do processo o novo direito internacional dos direitos humanos. A nova área de saber alterou substancialmente o direito das gentes, antes voltado, fundamentalmente, para a disciplina das relações envolvendo Estados e organizações internacionais, não alcançando, pois, uma matéria praticamente monopolizada pelas disciplinas de direito público interno. Ainda no plano técnico-jurídico, mas agora na esfera do direito interno, implementaram-se novos procedimentos voltados à garantia das liberdades,[2] alterando-se profundamente o direito constitucional, por ser este o que, nos Estados dotados de Constituição rígida, mais eficazmente pode proteger os direitos fundamentais.[3]

Mas, a transformação do Direito operou-se igualmente num segundo plano, no campo do saber. A ciência do Direito reincorporou a esfera axiológica aos seus domínios,[4] para superar o cientificismo prisioneiro quer do formalismo neokantiano purificador,[5] quer ainda do sociologismo em débito com as fórmulas epistemológicas das ciências naturais.[6] O saber jurídico passou a ser entendido como um saber social. Sua fala, seu discurso, embora tenda ao distanciamento típico da atividade de conhecimento, não deixa de emanar de um lugar ideológico e político. A assunção dos valores é o ponto central do saber jurídico contemporâneo que, não se contentando em operacionalizar a defesa daqueles já proclamados, autoriza um processo contínuo de criação de novos direitos. Ora, os direitos integram o valor primeiro a partir do qual deve ser construído todo o arcabouço jurídico, bem como o respectivo saber.

O direito internacional público não ficou à margem desse processo. Não hesitou, assim, em relativizar o alcance próprio de alguns conceitos tradicionais (como o relativo à soberania), alcançando com isso alargar seu raio de influência para cuidar de uma matéria que, antes, era da exclusiva competência do direito interno de cada país.

1.2 Tema e justificativa

Se ao jurista-filósofo interessa ver, sob o prisma epistemológico, as modificações operadas na textura e nos pilares conceituais da ciência jurídica; se ao filósofo importa verificar os fundamentos dos direitos do homem, revelados quer pela pesquisa de sua essência demandante de justificação, quer por meio da análise de sua natureza enquanto matéria filosófica; se ao cientista político cumpre analisar as possibilidades, bem como os obstáculos políticos, conjunturais ou estruturais, à constituição de uma sociedade (nacional ou internacional) voltada para tais significados; ao jurista (enquanto tal) compete, além de tudo, verificar quais direitos são protegidos e de que maneira tal proteção se efetiva.[7] É nesta última perspectiva que o presente texto se inclui.

Propõe-se, portanto, uma releitura, sob a óptica do direito comparado, dos direitos protegidos pelas Convenções Americana e Europeia sobre Direitos do Homem. Por que comparar os instrumentos internacionais? A resposta da questão conduz à justificativa da escolha do tema.

Não há dúvida de que a solução para o problema da proteção dos direitos humanos no plano internacional seja o aperfeiçoamento dos mecanismos de caráter universal, especialmente aqueles promovidos pela ONU. Não bastasse a declaração de princípios contida na “Carta de São Francisco” e a própria Declaração Universal dos Direitos do Homem (Paris, dezembro de 1948),[8] a ONU vem se empenhando no sentido da aprovação de diversos tratados voltados à salvaguarda de categorias específicas de direitos e liberdades.[9] Ao lado destes, outros dois importantes Pactos foram concluídos, igualmente sob o patrocínio das Nações Unidas, em 1966, um deles relativo aos direitos econômicos e sociais e o outro aos direitos civis e políticos. Ao último, seguiu-se um Protocolo Adicional.[10]

Visando proporcionar uma eficiente garantia das liberdades, esses Pactos têm seguido a técnica convencional, mais eficaz do que as simples declarações. Não obstante a necessidade do prosseguimento da tendência, não se pode esquecer que ela se desenvolve vagarosamente em face da existência de não poucas dificuldades.

A primeira envolve os direitos a serem protegidos. Sendo a ONU um organismo de caráter universal, os Estados ali representados nem sempre ostentam a mesma cultura e concepção sobre os direitos. Isso dificulta a definição concertada daqueles que podem reclamar proteção.

A segunda dificuldade, pelos mesmos motivos, refere-se à forma pela qual os direitos serão definidos. Em termos globais e genéricos ou em termos precisos? Se o tratado é auto-aplicável, uma vez cumpridas as formalidades exigidas para tanto (ratificação ou adesão pelos Estados; lei de autorização para aplicação interna onde esta é necessária),[11] suas normas não o serão necessariamente. Tudo depende da maneira como os direitos serão afirmados. Esta variável definirá o grau de aplicabilidade de cada disposição. A eficácia plena,[12] caracterizada pela aplicabilidade direta e imediata das normas, será tanto mais difícil quanto mais universos culturais, ideológicos, econômicos, entre outros, estiverem envolvidos na realização do documento.

A terceira dificuldade, uma vez definido o conteúdo a ser protegido e a forma de tratamento desse conteúdo, diz respeito à interpretação de cada direito. Os direitos da mulher no mundo árabe, não obstante os apelos da compreensão universalista, certamente terão um sentido diferente dos mesmos situados no universo da cultura ocidental. Isso pode implicar a necessidade de outorga de certa margem de apreciação para autoridade nacional no cumprimento da normatividade convencionada.

Tendo em vista as dificuldades anunciadas, notadamente as duas anteriores, resta dificultada a adoção de garantias instrumentais assecuratórias fortes, especialmente por intermédio de órgãos com função jurisdicional.[13]

Diante dos obstáculos citados, ao lado de uma política universal dos direitos humanos, é importante incrementar uma segunda política (de caráter complementar à primeira), desta vez no âmbito regional. Isso tem ocorrido a partir dos anos cinquenta, concretizando-se tal política, especialmente através da criação de organismos e da conclusão de tratados internacionais de alcance regional, os quais, de uma maneira geral, acompanham o espírito da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Por outro lado, observando as coordenadas fixadas pela Carta das Nações Unidas, que reconhece a legitimidade desse processo, procuram compatibilizar suas atividades com os princípios da ONU e os tratados por ela aprovados.

A proteção dos direitos e liberdades fundamentais pelo direito internacional regional, embora exercendo uma função complementar, apresenta vantagens que merecem consideração. A análise da Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e da Convenção Americana sobre os Direitos do Homem, promovidas, respectivamente, pelo Conselho da Europa (CE) e pela Organização dos Estados Americanos (OEA),[14] ilustra a afirmação.

Essas duas convenções, por associarem Estados situados, em geral, num mesmo universo geográfico, porém com algumas diferenças culturais e econômicas,[15] puderam superar muitas daquelas dificuldades quase intransponíveis no contexto universal. Isso permitiu, quer na Europa, quer no continente americano, a criação de mecanismos mais eficazes de proteção dos direitos humanos. A proteção referida caracteriza-se pelo seguinte:

(i) Técnica convencional. Uma vez satisfeito o número mínimo de adesões e realizados os procedimentos exigidos pelo Direito interno dos Estados contratantes, as Convenções podem sofrer aplicação direta, no que for possível, tanto no plano interno como no externo das ordens jurídicas nacionais signatárias.[16] A aplicação direta não oferece, numa primeira observação, nenhuma inovação em face da atual política da ONU, seguindo, aliás, a mesma técnica jurídica (conclusão de convenções). A vantagem aparecerá quando somado esse elemento aos dois outros a seguir.

(ii) Número menor de direitos protegidos em relação aos afirmados pelos vários documentos das Nações Unidas. Entretanto, os direitos são referidos, em geral, de forma mais precisa. Por consequência, aparecem com os seus contornos mais transparentes, revestindo-se, com isso, do caráter de normas jurídicas com um grau significativo de eficácia.

(iii) Criação de organismos regionais de proteção dos direitos. Trata-se da instituição de Comissão e de Corte encarregadas da proteção dos direitos protegidos.[17]

Os elementos referidos podem ser sintetizados nos seguintes itens: a) aplicabilidade direta; b) definição dos direitos a proteger; c) maior grau de precisão de suas disposições; e d) mecanismos assecuratórios.

Com essas variáveis, o direito internacional regional assume, em certos aspectos, alcance análogo ao das normas de direito público e privado internos.

Embora outros acordos regionais tenham sido concluídos,[18] apenas as convenções europeia e americana, dispondo ambas de instrumentos jurídicos efetivos para a proteção dos direitos do homem, contam com uma experiência acumulada. Por essa razão, justifica-se a comparação neste estudo proposta.

Quais direitos são protegidos pelas citadas convenções? Antes de tratar do assunto, importa responder a outra questão. Trata-se de evidenciar as condições gerais de proteção oferecidas pelos dois Pactos internacionais.

 


2. Comparação quanto às condições de proteção

2.1 A forma das convenções

Com objetivos comuns, as duas convenções diferem quanto à extensão do conteúdo protegido, assim como quanto à forma de tratamento de análogos conteúdos.

Heraud[19] enumera seis pontos que, segundo sua óptica, conduziram à aprovação da Convenção Europeia: (i) nenhuma ou tímida inovação em relação à legislação dos Estados partes; (ii) limitação aos direitos e liberdades individuais; (iii) perspectiva evolutiva; (iv) distinção entre os direitos civis e políticos, de uma parte, e os econômicos, sociais e culturais, de outra; (v) objetivo de incluir, no futuro, o conjunto de direitos civis e políticos reconhecidos pelo Pacto de Direitos Civis e Políticos da Organização das Nações Unidas; e (vi) redação em estilo concreto, marcado pela vontade de precisão.[20]

Estas características também estão presentes no documento americano? Sim, apenas em parte. Embora o Tratado Americano tenha se inspirado na Convenção Europeia, anterior em pelo menos 15 anos, também incorporou a herança jurídica pan-americana desenvolvida desde a Conferência de Catapultec, em 1945, que efetivamente marcou seu estilo. Cumpre não esquecer, ainda, do Pacto de Direitos Civis e Políticos da ONU, anterior em apenas três anos, que também muito o influenciou. Frente a isso, embora também se coloque numa linha evolutiva, o Pacto Americano não procurou limitar-se a uma categoria específica de direitos. Preferiu manifestar uma vocação mais generosa, direcionada ao reconhecimento de um conjunto maior de direitos, não importa a natureza, essenciais ao desenvolvimento da personalidade humana.[21]

Tal preferência é a matriz de algumas diferenças entre os textos americano e europeu. O americano, englobando outros direitos além dos tradicionais, trata dos direitos civis e, embora de modo cauteloso, dos de natureza econômico-social. Distinção aparece, todavia, na forma mais ou menos precisa dos dispositivos que deles cuidam. Enquanto os direitos civis (e políticos) têm, de modo geral, suas fronteiras desde logo estabelecidas, os direitos econômicos, sociais e culturais são tratados num único artigo de natureza programática. Por isso, resta incompreensível sem a leitura da Carta da OEA (reestruturada pelo Protocolo de Buenos Aires de 1967). Ora, a diferença de redação implica diferenças substanciais no tocante ao regime de proteção dos direitos.

Enquanto o documento europeu é marcado por uma vontade de precisão técnica, o tratado americano se caracteriza pela maior extensão do conteúdo protegido. Esta orientação, diante da assimetria dos países americanos no que se refere às condições sociais e econômicas, pode trazer como consequência uma maior dificuldade para a eficácia da convenção.[22] A análise da aplicabilidade das normas dos tratados poderá confirmar a assertiva.

A doutrina do direito internacional público tem classificado as normas convencionais, segundo o critério da eficácia jurídica, em self-executing e not-self-executing.[23] Tal dicotomia corresponde, de uma maneira geral, à tipologia das normas constitucionais, fixada pela doutrina e jurisprudência constitucionais norte-americanas.[24] A riqueza e a complexidade das normas convencionais exigem tipologia mais completa. Diante disso, cumpre seguir o pensamento de José Afonso da Silva para classificar as normas contidas nos tratados europeu e americano sobre direitos do homem em: (i) normas convencionais de eficácia plena, (ii) normas convencionais de eficácia contida, (iii) normas convencionais de eficácia limitada ou reduzida. Embora no plano constitucional, em relação aos direitos fundamentais, a tipologia tenha sofrido um deslocamento de significação, como demonstra com absoluta pertinência Virgílio Afonso da Silva,[25] continua útil, entretanto, para a parte orgânica da Constituição, e sem embargo do manejo da distinção entre regras e princípios, também necessário no contexto convencional atinente aos direitos fundamentais,[26] particularmente para a resolução de questões envolvendo concorrência ou colisão de direitos, a velha tipologia criada por José Afonso da Silva, aperfeiçoando as classicamente admitidas, inclusive a desenhada por Vezio Crisafulli,[27] apresenta, quando adaptada, utilidade indiscutível para a adequada compreensão do modo de operação da normatividade dos tratados internacionais.

A classificação tripartite tenta dar conta de determinadas situações que a dicotomia anterior não ilumina. De acordo com José Afonso da Silva, na primeira categoria (normas de eficácia plena) incluem-se todas as normas que, desde a entrada em vigor do documento, “produzem todos os seus efeitos essenciais (ou têm a possibilidade de produzi-los) (...)”.[28] Tal efeito se opera porque os elaboradores do tratado estabeleceram, desde logo, “uma normatividade para isso suficiente, incidindo direta e imediatamente sobre a matéria que lhes constitui objeto”.[29]

Quanto à segunda categoria, “também se constitui de normas que incidem imediatamente, e produzem (ou podem produzir) todos os efeitos queridos, mas prevêem meios ou conceitos que permitem manter sua eficácia contida em certos limites, em certas circunstâncias. Ao contrário, as normas do terceiro grupo são todas as que não produzem, com a simples entrada em vigor, todos os seus efeitos essenciais (...)”.[30] Neste caso, tais efeitos não se produzem, porque o documento internacional não fixou uma “normatividade para isso bastante”.[31]

As normas internacionais de eficácia plena são de “aplicabilidade direta, imediata e integral”, as de eficácia contida também são de aplicabilidade direta, imediata, mas não integral, isto é, elas estão sujeitas a “restrições previstas ou dependentes de regulamentação que limita sua eficácia e aplicabilidade”.[32] Já as normas de eficácia limitada são de aplicabilidade indireta, mediata e reduzida, porque normalmente sua incidência é dependente de uma regulação ulterior, sem o que sua eficácia restará limitada.

Ora, os dispositivos de eficácia limitada, porque inaplicáveis por si mesmos, não conformam o melhor meio para a defesa e proteção dos direitos do homem.[33] Neste aspecto, a Convenção Europeia apresenta vantagem em relação à sua similar americana. Enquanto esta contém um bom número de dispositivos normativos de eficácia limitada, o Pacto Europeu apresenta escassos casos.[34] Todavia, na situação europeia cuida-se de normas de “princípio institutivo”, como o art. 13, que prevê a criação de um recurso efetivo no caso de violação de direitos, ou o art. 3º do Protocolo Adicional, prevendo eleições livres para a composição dos corpos legislativos. A característica dessas normas é sua dependência, para autorizar eficácia, de medidas jurídicas ou fáticas complementares a serem tomadas pelos Estados contratantes.[35] Neste caso, a inação dos Estados Partes pode ser sancionada pelos órgãos de garantia da Convenção, a Comissão ou a Corte.

O Tratado Americano também contempla alguns casos de normas de eficácia limitada declaratórias de princípio institutivo.[36] Mas, ao lado destas, outras do mesmo tipo geral (eficácia limitada) circunscrevem-se a declarar princípios programáticos. Cite-se como exemplo o art. 17 relativo à proteção da família,[37] o art. 19, tratando da proteção da criança[38] e o art. 26, que cuida dos direitos econômicos, sociais e culturais. De que modo tais normas terão sua aplicação garantida? A eficácia destas normas depende menos de medidas jurídicas e mais de providências materiais dos Estados, que, por razões especialmente de ordem política e econômica, nem sempre ocorrem de modo satisfatório. A natureza programática dos dispositivos, orientados menos no sentido de reconhecer direitos subjetivos e mais no de orientar a ação governamental dos Estados, faz com que eventual violação dificilmente desafie sanção. Afinal, as medidas positivas referidas, não definidas desde logo pelo direito aplicável, autorizam, para os Estados, exercício de ampla discricionariedade.

Pode-se sustentar, numa primeira análise, que tais normas (de eficácia limitada, declaratórias de princípios programáticos),[39] em face de sua especificidade, podem, em certas situações, dificultar o controle dos órgãos internacionais. Diante disso, a preocupação dos juristas americanos, manifestada num primeiro momento, de condensar todos os direitos num mesmo documento guarda como mérito apenas a economia jurídica. Nesse sentido, o desejo de não operar distinção entre os direitos civis e políticos e os econômicos, sociais e culturais, resultante da correta compreensão unitária dos direitos, pode resultar, na prática, frustrado. Que dizer de uma não distinção que acaba distinguindo, em face da sujeição por uma categoria e a não sujeição por outra, aos mesmos mecanismos de controle de sua aplicação?[40]

O tratado europeu, por outro lado, apresenta-se mais homogêneo que o americano, quando considerados os direitos protegidos e o grau de precisão de suas disposições. Entretanto, como já afirmado, a Convenção Americana agrupa um conjunto mais generoso de direitos protegidos.

2.2 Universo de aplicação

Nesta altura, cumpre chamar atenção para o universo de aplicação dos direitos protegidos. Trata-se, neste particular, de verificar limites e alcance da proteção desenhada nos dois Pactos. Os limites são de três ordens: (i) quanto aos destinatários, (ii) quanto ao tempo e (iii) quanto à matéria.[41]

2.2.1 Universo de aplicação quanto aos destinatários

Importa discutir se a proteção contemplada nos dois instrumentos internacionais dirige-se às pessoas em geral, incluindo entre elas as pessoas jurídicas, ou se envolve apenas a pessoa humana.

A questão tem algum sentido. Afinal, nada impede que alguns direitos sejam exercidos pelo homem por meio de pessoa jurídica. Aqui convém citar Heraud, para quem os destinatários da Convenção Europeia são sempre as pessoas físicas. Ela apenas atinge as pessoas jurídicas por intermédio de certos efeitos.[42] É o caso, por exemplo, do direito de associação, que implica o reconhecimento de sua personalidade jurídica. Em sentido oposto se manifesta Marc-André Eissen,[43] para quem o art. 1º do Protocolo Adicional “confirma que os direitos e liberdades garantidos valem, em princípio, tanto para as pessoas morais como para as pessoas físicas”.[44]

Se a última posição é a adequada em relação ao instrumento europeu, parece que uma ótica similar à de Heraud, desde que relativizada, parece ser mais condizente com a filosofia da Convenção Americana. Com efeito, o próprio art. 1º, § 2º, opera uma associação entre a pessoa e o ser humano.[45] Essa operação legitima o entendimento segundo o qual a Convenção se volta, em princípio, para o ser humano. Isso não impede, porém, que possa, no que for pertinente, ser aproveitada também pelas pessoas jurídicas ou morais.[46]

Uma outra questão vincula-se à qualidade das pessoas protegidas. Os tratados internacionais muitas vezes adoram a regra da reciprocidade. Diante disso, o universo das pessoas protegidas limita-se aos nacionais dos Estados Partes. Não é o caso das duas Convenções. Seguindo a filosofia da declaração universal, e atendendo ao sentido de uma verdadeira política de direitos humanos, as Convenções protegem todas as pessoas, de qualquer país ou continente, que se encontrem, definitiva ou temporariamente, no território dos Estados comprometidos.

O art. 1º do Pacto Europeu estabelece que “les hautes parties contractantes reconaissent à toute personne relevant de leur juridiction les droits et libertés définis au titre I de la présente convention”. No mesmo sentido, dispõe o art. 1º do Pacto Americano: “Les Etats parties s'engagent à respecter les droits et libertés reconnus dans la presente convention et à garantir le libre et pleine exercice à toute personne relevant de leur compétence”. Tais direitos, segundo o mesmo art. 1º do Texto Americano e o art. 14 do seu similar europeu, serão respeitados sem qualquer distinção fundada sobre a raça, a cor, o sexo, a língua, a religião, a origem nacional ou social, a situação econômica, o nascimento ou outra condição social.

Porém, a regra não deixa de sofrer exceção. O artigo 16 da CEDH autoriza as partes contratantes a impor restrições à atividade política dos estrangeiros, de tal modo que os direitos de expressão, reunião, associação e de não-discriminação podem sofrer limitações quanto ao exercício por não-nacionais.[47] Tal possibilidade também é aberta pelo Tratado Americano em relação aos direitos de associação e de reunião. Esses direitos poderão ser restringidos no interesse da segurança nacional.[48] O tópico segurança nacional[49] abre a perspectiva de exclusão de estrangeiros no que se refere ao exercício dos direitos definidos nos artigos 15 e 16 quando em ligação com atividades de cunho político. Entretanto, as medidas restritivas devem ser sempre necessárias e justificadas.

2.2.2 Universo de aplicação quanto ao tempo

As duas convenções regulam apenas situações posteriores à sua entrada em vigor. Lembra Heraud que, se “pour des faits antérieurs, une procédure est encore en cours au moment de l'éntrée en vigueur de la convention, la procédure elle-même tombe dans son champ d'application”.[50] Tal colocação, dirigida ao Pacto Europeu, pode ser transferida para o Pacto Americano.

 Em relação à denúncia, os artigos 58 e 78, respectivamente da CEDH e da CADH, prevêem sua possibilidade desde que expirado o prazo mínimo de cinco anos após a entrada em vigor. Devem ser operadas mediante um aviso prévio de 6 (seis) meses no primeiro caso e 1 (um) ano, no segundo. Não obstante a denúncia, nos dois tratados, os Estados contratantes continuam responsáveis pelos atos (podendo constituir uma violação de suas obrigações) praticados anteriormente à data a partir da qual a denúncia produziu efeito.[51]

Os dois Tratados contemplam medidas derrogatórias que podem ser tomadas, unilateralmente, pelos Estados em período de crise. Tais medidas são disciplinadas pelo art. 15 da CEDH e pelo art. 27 da CADH. O recurso à suspensão ou derrogação deve ocorrer por tempo limitado. A Convenção Americana, neste particular, é mais rigorosa que a Europeia. Além de exigir que tais medidas sejam adotadas apenas em caso de guerra, de perigo público ou outra situação de crise que ameace a independência ou segurança do Estado, reclama, ainda, a imediata comunicação aos demais Estados Partes (via Secretário-Geral da OEA), bem como a informação da disposição cuja aplicação sofreu suspensão e a data fixada para o fim das medidas. O Pacto Europeu ainda que reclame, como o precedente, a informação das medidas aprovadas e dos motivos que as inspiraram, desafia apenas a comunicação da data a partir da qual elas cessaram. Não exige, pois, no ato da comunicação da suspensão, a definição do tempo de duração.

Em ambos os casos, o recurso derrogatório das garantias não incide sobre a integralidade dos dispositivos convencionados. Os artigos 2º, 3º, 4º (§ 1º) e 7º da CEDH, relativos ao direito à vida (exceto hipótese de guerra), proibição de tortura e de penas ou tratamentos degradantes, interdição de escravidão e de servidão e ao princípio nulla poena sine lege, não podem ser suspensos. A CADH não autoriza a suspensão de um número maior de direitos, entre os quais aqueles não derrogáveis nos termos da CEDH. Certos direitos, como será visto adiante, nem mesmo figuram entre os reconhecidos pela Convenção Europeia.  Por conseguinte, o Tratado Americano oferece, no aspecto em análise, uma proteção mais completa.

Entre os direitos que não podem ser derrogados temporariamente pelos Estados Partes na CADH, figuram o direito ao reconhecimento da personalidade jurídica, o direito à vida, o direito à integridade da pessoa, a proibição de escravidão e servidão, o princípio da legalidade e da irretroatividade em matéria penal, o direito à liberdade de consciência e de religião, o direito à proteção da família, o direito ao nome, o direito à proteção da criança, o direito à nacionalidade, os direitos políticos e, também, as garantias indispensáveis à proteção de tais direitos.[52]

2.2.3 Universo de aplicação quanto à matéria

O terceiro elemento definidor dos limites da proteção vincula-se ao conteúdo dos tratados, que pode ter seu alcance reduzido em função de quatro fatores: (i) das reservas formuladas pelos Estados contratantes, (ii) da censura à prática de atos ou atividades contrárias aos direitos garantidos, (iii) da interdição de détournement de pouvoir na aplicação da Convenção[53] e (iv) das regras de interpretação dispostas na própria Convenção.

Os dois primeiros fatores são comuns às duas Convenções.[54] Porém, a Europeia é mais cuidadosa em determinado ponto. A Americana dispõe que as reservas devem ser formuladas em conformidade com a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, subscrita em 23 de maio de 1969. Nada dispõe, porém, no tocante à amplitude das reservas. A Convenção Europeia, por seu turno, dispõe que “as reservas de caráter geral não são autorizadas”.[55]

O segundo dos fatores, por si só, pode significar uma garantia contra certas atividades que, sob o pretexto do exercício de direitos, na verdade implicam violação ou supressão de outros. Os artigos 17 e 29, respectivamente das Convenções Europeia e Americana, proíbem toda interpretação autorizando um Estado Parte, um grupo ou um indivíduo, a suprimir o exercício dos direitos e liberdades reconhecidos ou a restringi-los de modo abusivo. Os termos dos dois artigos são praticamente idênticos.

O terceiro dos fatores, a proibição de détournement de pouvoir na aplicação da convenção, também substancia garantia significativa dos direitos protegidos. Sua previsão localiza-se no art. 18 do Pacto Europeu, segundo o qual as restrições aos direitos e liberdades “não podem ser aplicadas senão para a finalidade para a qual foram previstas”. Essa previsão resulta, segundo alguns autores, da influência que a doutrina francesa do direito público exerceu sobre os redatores da Convenção.[56] Tal influência não se fez sentir, diretamente, no Pacto Americano. Não obstante, o sistema americano também contempla uma garantia semelhante na aplicação dos dispositivos convencionais. Trata-se de exigência segundo a qual as restrições autorizadas pela Convenção devem seguir certos princípios de (i) forma e de (ii) fundo. Nesse sentido, as restrições devem ser estabelecidas em (i) leis editadas no interesse geral e aplicadas tendo em vista (ii) os fins para os quais essas leis foram previstas, ou seja, a proteção dos direitos e liberdades fundamentais em casos de colisão ou concorrência envolvendo não apenas direitos.

A fixação de regras de aplicação e interpretação pelos próprios documentos internacionais (art. 29 da CADH e art. 53 da CEDH) constitui o quarto dos fatores a ilustrar o alcance da proteção proporcionada pelos sistemas regionais europeu e americano. As disposições do Tratado Americano não podem ser interpretadas como “restringindo o gozo ou exercício de todo direito e de toda liberdade reconhecidos pela legislação de um Estado-Parte”,[57] ou como “excluindo outros direitos e garantias inerentes à pessoa humana e que derivam da forma democrática representativa de governo”;[58] ou como, ainda, “suprimindo ou limitando os efeitos que podem ter a declaração americana dos direitos e deveres do homem e todos os outros atos internacionais da mesma natureza”.[59]

A CEDH, neste aspecto menos ampla que a CADH, prescreve que nenhuma das suas disposições poderá ser “interpretada como limitando ou trazendo prejuízo aos direitos do homem e às liberdades fundamentais que poderiam ser reconhecidas conforme as leis de toda parte contratante ou toda outra convenção da qual esta parte contratante é parte”.

Uma última nota quanto ao universo de aplicação, relativamente à matéria. A Convenção Americana estabelece uma correlação entre os direitos humanos e os seus deveres, admitindo que aqueles possam ser limitados em função destes, principalmente diante dos deveres para com a sociedade. Este princípio é enunciado de tal modo que as liberdades de uns são limitadas pelos direitos e liberdades de outros, pela segurança de todos e pelas “justas exigências do bem comum”.[60] Ora, tais limitações não podem ser vistas como hipóteses de supressão dos conteúdos protegidos, mas apenas como autorização da adoção de fórmulas conciliatórias para convivência numa sociedade democrática. De qualquer modo, não se pode esquecer que tal princípio pode representar uma válvula de escape para governos que, em democracias meramente formais, violam ou restringem de modo injustificável o exercício dos direitos humanos. Crê-se, portanto, que, no caso, a associação entre direitos e deveres é plenamente dispensável. Ademais, sua função-motor não é outra senão expressar e ratificar um princípio implícito em toda a extensão do Tratado. Afinal, a correlação integra a própria essência do Direito. Parece, então, que o silêncio da Convenção Europeia é mais significativo.

2.3 Mecanismos protetores

O último elemento caracterizador do alcance da proteção é definido pelas garantias. Está-se a referir (i) aos recursos internos[61] e (ii) aos recursos dirigidos aos órgãos constituídos pelas Convenções.[62]

Ao lado destas formas de controle direto as duas Convenções cuidam ainda de uma outra. Trata-se do controle operado pela Comissão de Direitos do Homem, na Convenção Americana, a partir dos relatórios obrigatoriamente remetidos,[63] a cada ano, ou a partir das informações requeridas pela Comissão no exercício de sua competência.[64] Trata-se, ainda, das explicações que os Estados Partes devem encaminhar ao Secretário-Geral do Conselho da Europa, em face de exigência do Tratado. Este procedimento, previsto no art. 52, visa informar sobre o modo pelo qual os Estados contratantes asseguram a aplicação efetiva das disposições contratadas em seus respectivos ordenamentos jurídicos.

Todavia, se essas formas de controle podem funcionar como técnica de prevenção, o mecanismo recursal é mais eficaz, cuidando especificamente de eventual violação.

Os recursos internos são aqueles previstos pelas instâncias nacionais. Segundo o artigo 13 do Pacto Europeu, o recurso deverá ser “efetivo”. O Pacto Americano (art. 25) exige que seja “simples, rápido e efetivo”. Os Estados tratam, além dos meios processuais convencionais, de ações específicas dirigidas à proteção de posições jusfundamentais contra ação ou omissão do Poder Público. Cite-se, como exemplo, o habeas corpus, presente em muitos lugares, o recurso por excesso de poder na Bélgica e França, o recurso de amparo em vários Estados latino-americanos, além do mandado de segurança, do habeas data e do mandado de injunção, no Brasil, além tantas outras vias.[65]

Entretanto, como as Convenções vinculam toda atividade governamental, judicial, administrativa ou legislativa, elas podem criar dificuldades nos países que não admitem o controle da constitucionalidade das leis. Neste caso, uma série de atos que poderiam ser controlados internamente deixam de sê-lo. Para transpor situações assim, ou identificadas com a ineficácia dos recursos internos, as Convenções desenharam um segundo mecanismo, desta vez internacional, operado por seus próprios órgãos. São os recursos interpostos junto à Comissão Americana e Corte Europeia de Proteção dos Direitos Humanos.

O recurso pode ser interposto pelos Estados, assim como por particulares, grupos deles e organismos não governamentais, desde que esgotadas as vias nacionais compatíveis.[66] Na CADH o recurso é dirigido sempre à Comissão, enquanto na CEDH, em função das inovações introduzidas pelo Protocolo n. 11, que entrou em vigor em novembro de 1998, extinta a Comissão, está autorizado o particular a apresentar recurso diretamente no Tribunal (artigos 34 e 35).

No Pacto Europeu, antes da aprovação do Protocolo n. 11, o recurso podia ser resolvido de três maneiras: (i) por meio de acordo amigável patrocinado pela Comissão, nos termos dos artigos 28 e 30 da CEDH com a redação anterior ao referido Protocolo. Se isso não fosse possível, a questão era levada ao Comitê de Ministros;[67] (ii) por meio da manifestação do Comitê de Ministros do Conselho da Europa, tomada pela maioria de dois terços, decidindo se teria havido ou não, da parte do Estado denunciado, violação da Convenção. A decisão era tomada caso decorridos três meses da transmissão do relatório da Comissão, a Corte não tivesse sido provocada. A decisão do Comitê de Ministros tinha caráter obrigatório. (iii) Todavia, uma vez reconhecida a jurisdição, ou consentida sua intervenção, o processo podia se concluído por meio de decisão da Corte Europeia de Direitos do Homem.[68] Esta verificaria sobre a existência, ou não, parcial ou integral, de violação por parte de um ou mais Estados contratantes, às obrigações estabelecidas pela convenção. [69] Tudo mudou com o Protocolo n. 11 que entrou em vigor em novembro de 1998. A Corte, agora, é provocada diretamente, tendo sido suprimida a Comissão. Não havendo solução amigável na forma dos artigos 38 e 39 da CEDH, a Corte, por meio da Seção competente ou do Tribunal Pleno (artigos. 42 e 43), decidirá o caso. Salvo a hipótese de recurso dirigido ao Pleno, na forma do art. 43, as decisões da Corte são irrecorríveis e definitivas.[70] Deverão ser motivadas,[71] ostentando caráter obrigatório e vinculante.[72] Os países-membros devem, nos termos do art. 46, conformar-se com as sentenças da Corte. A execução de suas decisões, por outro lado, na forma do mesmo artigo, deve ser acompanhada pelo Comitê de Ministros.

Três são os modos pelos quais um recurso pode ser resolvido diante da CADH: (i) através de conciliação, isto é, de acordo amigável promovido pela Comissão (art. 49); (ii) por meio de relatório da Comissão, desde que, passados três meses da entrega aos Estados interessados do relatório previsto no art. 50, não tenha solucionado o caso ou submetido à decisão da Corte pela Comissão ou pelo Estado interessado, aceitando a sua competência. Neste caso, a Comissão poderá emitir, pelo voto da maioria absoluta dos seus membros, sua opinião e conclusões sobre a questão submetida à sua consideração. A Comissão fará as recomendações pertinentes e fixará um prazo dentro do qual o Estado deve tomar as medidas que lhe competir para remediar a situação examinada. Transcorrido o prazo fixado, a Comissão decidirá, pelo voto da maioria absoluta dos seus membros, se o Estado tomou ou não as medidas adequadas e se publica ou não o relatório. Cumpre lembrar, aliás, que à Comissão foi conferida, inclusive, competência para solicitar à Corte a adoção de medidas cautelares, mesmo em casos ainda não submetidos a esta, quando a urgência da situação assim o requerer.[73] (iii) O terceiro modo de solução de controvérsia envolvendo direitos humanos, no sistema regional americano, opera-se por meio de decisão da Corte Interamericana, com sede em São José da Costa Rica. Mas esta solução somente ocorrerá em relação àqueles Estados que reconheçam como obrigatória a sua jurisdição (art. 62). Uma vez reconhecida a sua jurisdição, a Corte decidirá soberanamente. Sua decisão é motivada, definitiva e obrigatória.[74] Neste ponto, cumpre lembrar que, enquanto no Conselho da Europa, o particular, após o Protocolo n. 11, está autorizado a provocar diretamente o Tribunal, no Sistema Regional Americano, nos termos do que prescreve o art. 61, somente os Estados Partes e a Comissão têm o direito de submeter um caso à Corte. Ao particular é dado o direito de provocar apenas a Comissão. É verdade, porém, que no contexto da OEA, de modo indireto, efeito análogo ao observado no sistema europeu tem sido alcançado ultimamente, isto em virtude da prática usual da Comissão de levar à Corte a maioria dos casos a ela submetidos.[75]

Não se trata de discutir longamente se o sistema adotado na Europa é mais eficaz que o Americano ou vice-versa. Isso depende muito da autoridade moral dos órgãos que exercem controle. Ora, não são poucos os órgãos que, ostentando competência não vinculante, conquistam, em face de sua autoridade moral, verdadeira força obrigatória. O início da história do Conseil d'État francês, bem como a competência inicial da “Seção de Administração do Conselho de Estado” belga em matéria vinculada ao contencioso de indenização, bem ilustram a tese.[76] É possível afirmar que, no Sistema Interamericano, a Comissão, desde sua criação e através de suas sucessivas modificações,[77] realiza um trabalho para reafirmar continuamente a sua autoridade moral. As Cortes, por outro lado, parecem corresponder, em grandes linhas, nas duas Convenções, a concepções análogas. Mas apenas o tempo dirá se a Corte Americana gozará, na prática, algum dia, da autoridade que lhe confere a previsão normativa. O exemplo europeu, quanto a isto, merece ser seguido.[78]

Verificadas, em traços largos, as condições gerais de aplicação dos instrumentos internacionais Europeu e Americano (e, portanto, o alcance da proteção regional aos direitos humanos por elas conferido), cabe empreender uma segunda comparação. Desta vez, envolvendo os direitos protegidos pelas Convenções.


3. Comparação quanto ao conteúdo protegido

3.1 Questão metodológica

Na exposição do conteúdo protegido aparecem alguns problemas ligados à técnica de apresentação dos direitos. Tais questões se tornam ainda mais complexas quando, diante da forma de redação das Convenções, emerge uma espécie de sinonímia entre os direitos e as suas garantias.[79] Esta variável impede a exposição baseada no agrupamento dos direitos, de um lado, e de suas garantias, de outro.

Poder-se-ia adotar um segundo método, nos termos do qual cumpriria explorar cada artigo comparado ao similar da outra convenção. O objetivo final seria a construção de um quadro comparativo geral. Essa técnica não é adequada por uma razão essencial: – a comparação seria empobrecida pelo seu caráter de precária elaboração. Ademais, exigiria um espaço que não cabe nos limites do presente texto.

Uma variante do método poderia ser abraçada. Ela envolveria o inventário dos direitos protegidos em ambos os documentos, verificando, ademais, a extensão da proteção assegurada a cada um pelos dois textos, concluindo com uma síntese comparativa capaz de dar conta da economia geral de cada convenção e das lacunas de uma em relação à extensão da outra. Esta técnica apresenta a vantagem da simplicidade. Entretanto, não deixa de apresentar algumas dificuldades. A primeira (e mais significativa) diz respeito a uma questão preliminar. Como falar de direitos sem um ensaio prévio de definição? Os dois Pactos, como afirmado, contemplam direitos e garantias normativas. Ora, as garantias, como antes afirmado, são, não poucas vezes, enunciadas como direitos num texto e como garantias (constituindo mero parágrafo num artigo destinado a afirmar outro conteúdo) no outro. Qualquer definição a priori, necessariamente abstrata, poderá ser arbitrária, não cobrindo as especificidades de cada convenção. Por isso, o método referido não é o mais adequado aos propósitos do presente estudo.

Um terceiro método justificaria o estudo não dos direitos, mas, antes, dos domínios jurídicos protegidos. Esta técnica de exposição tem a vantagem de, no contexto de uma mesma atividade humana, referir-se ao mesmo tempo aos direitos e garantias, sem a necessidade da prévia delimitação conceitual dos termos. Depois, apresenta a vantagem da síntese ao aglutinar vários artigos e parágrafos (relativos a vários direitos e garantias) sob um mesmo título. Esta é a técnica que será adotada.

Da análise das duas Convenções, resultam sete principais domínios jurídicos protegidos. São os domínios relativos à (i) integridade corporal, à (ii) liberdade individual, à (iii) atividade intelectual, à (iv) proteção da intimidade, à (v) atividade social e política, à (vi) propriedade e, finalmente, à (vii) liberdade de locomoção e residência.

Alguns domínios são melhor protegidos por uma das Convenções. Outros alcançam, nos dois Pactos, a mesma significação. De um modo geral, as diferenças entre os dois textos referem-se a aspectos parciais de cada campo jurídico. A matéria constitui objeto do item 3.3.

Ao lado do patrimônio comum, há outras dimensões da atividade humana disciplinadas pela Convenção Americana, mas não pela Europeia. Tais dimensões serão expostas no item 3.2, a seguir.

3.2 Conteúdos regulados pela Convenção Americana e não regulados pela Convenção Europeia

Entre os conteúdos regulados pelo Texto Americano e não regulados pelo Pacto Europeu, encontram-se os direitos (i) à proteção da honra e dignidade humana, (ii) ao nome; (iii) de igualdade em face da lei, (iv) ao reconhecimento da personalidade jurídica e (v) alguns de natureza econômica, social ou cultural.

3.2.1 Proteção da honra e dignidade humana

O art. 11 da Convenção Americana apresenta duplo conteúdo. De uma parte (§§ 1º e 2º), um conteúdo relativo à proteção da dignidade. Este conteúdo assume o mesmo significado da proteção da intimidade no documento europeu.  O assunto será tratado depois. Mas o § 1º ultrapassa um pouco essa significação, porque cuida da dignidade humana. Ora, a sua inclusão no texto convencional pode parecer supérflua. Afinal, os documentos jurídicos internacionais e os mecanismos de garantia por eles criados não têm outro objetivo senão o de reconhecer, promover e proteger a dignidade da pessoa humana.[80] Presta-se, todavia, como modo retórico de reafirmação da dignidade da pessoa humana.

O segundo conteúdo apresentado pelo art. 11 refere-se à proteção da honra e da reputação da pessoa humana. Se, em relação ao primeiro conteúdo, o documento americano não apresenta grande inovação em face do disciplinado pelo Tratado Europeu, a novidade aparece no segundo conteúdo. Entretanto, uma possível superioridade do documento americano sobre o europeu, neste particular, deve ser relativizada. Com efeito, tratando-se de norma que se contenta em afirmar o direito ao respeito da honra e ao reconhecimento da dignidade humana, seu alcance pode, espera-se que não, ser identificado com um mero programa de ação a ser observado pelas partes contratantes.[81]

3.2.2 Direito ao nome

Conforme dispõe o art. 18 da Convenção Americana, “toda pessoa tem direito a um prenome próprio e ao nome de seus pais ou de um entre eles”. Cabe à lei disciplinar esse direito. O artigo autoriza um recurso dirigido à sua satisfação.

3.2.3 Direito a uma nacionalidade[82]

O direito à nacionalidade assume três faces: (i) direito a uma nacionalidade, (ii) direito de não ser privado da nacionalidade e (iii) direito de mudar de nacionalidade. Uma quarta face não deixa de ser significativa. Disposta no art. 20 § 2º, manifesta-se como direito de aquisição, para o indivíduo, não dispondo de outra, da nacionalidade do Estado em que nasceu.

O reiterado exercício desse direito pode conduzir, em terras americanas, ao desaparecimento da injusta condição de apátrida.[83] Sua aplicação não desafia maior dificuldade vez que o critério qualificador da nacionalidade, na maior parte dos Estados americanos, é o jus soli. É mais difícil para os países que adotam o critério jus sanguinis.

3.2.4 Direito de igualdade em face da lei

A Convenção Europeia assegura, nos termos do art. 14, o exercício dos direitos por ela garantidos, sem distinção alguma. Não há, porém, o reconhecimento da igualdade perante a lei com o alcance de princípio geral.[84] O projeto do segundo Protocolo Adicional compreendia essa garantia.[85] Entretanto, acabou sendo concluído sem ela. Diante disso, permanece a situação segundo a qual, frente à Corte Europeia, “toda diferenciação não constitui forçosamente uma discriminação”.[86]

Tudo se passa de modo distinto com o Tratado Americano. Aqui, no art. 24, encontra-se proclamado, em termos generosos, o direito à igualdade: “Todas as pessoas são iguais perante a lei; por consequência, todas elas têm direito a uma proteção igual da lei, sem discriminação alguma”.

Nesse particular, a Convenção pode ser invocada para a satisfação da igualdade de todos diante da Administração Pública, nos Tribunais, vinculando também o Legislador. A situação muda em outras hipóteses, especialmente aquelas envolvendo situações fáticas de desigualdade implicando necessidade de adoção de mecanismos de discriminação positiva. As manifestações da Comissão e da Corte serão preciosas no sentido de elucidar os limites possíveis de tal conteúdo protegido. Resta conferir se a interpretação do direito de igualdade, levada a cabo por tais órgãos, será também generosa.[87]

3.2.5 Direito ao reconhecimento da personalidade jurídica

O primeiro direito proclamado no capítulo II garante o reconhecimento, a toda pessoa, de sua personalidade. O dispositivo reitera, de algum modo, preocupação já acentuada no Pacto das Nações Unidas (art. 16).

A proposta de inscrever este direito na Convenção Europeia foi aventada por ocasião dos estudos dirigidos à conclusão do quarto Protocolo Adicional. Porém, a proposição não chegou a ser aceita.[88]

A condição de possuidor (titular) de direitos exige uma condição prévia, a de sujeito de direito. Disso decorre a relativa desnecessidade de proclamação da garantia. Tal hipótese se vê fortalecida quando se percebe que a noção de personalidade jurídica é a própria ideia mestra do Direito moderno.[89] O Estado moderno exige a racionalidade de um Direito que não pode subsistir sem a noção de pessoa. Por essa razão, é possível indagar da utilidade de um tal reconhecimento num texto internacional. Crê-se que melhor seria se, nos contextos americano e europeu, houvesse tratamento adequado para o tratamento jurídico da capacidade jurídica. Tal questão tocaria num ponto delicado, principalmente nas Américas, aquele vinculado ao estatuto jurídico dos indígenas.

O que acima foi dito, porém, não se aplica quando se trata de um texto internacional de caráter universal, como o Pacto de Direitos Civis e Políticos da ONU. Com efeito, aqui aparece claramente a importância do direito. Ainda há regiões no mundo não integradas à modernidade, onde imperam, muitas vezes, relações de produção marginais, próximas às escravistas. Ora, o escravo é um ser que sofre a expropriação dos seus atributos de humanidade. É, por isso, tratado como coisa, objeto de relações comerciais (compra e venda). Falta-lhe a liberdade, atributo que, aliado à vontade, constitui o elemento-chave da noção de sujeito de direito. Quem não é livre não tem vontade e não pode, portanto, ser titular de direitos e obrigações. Ora, acabar com essa injusta situação em várias partes do mundo constitui o objetivo principal do art. 16 do Pacto das Nações Unidas.

3.2.6 Direitos econômicos, sociais e culturais

A presença desse conjunto de direitos na Convenção Americana, como já se anunciou, a distancia da concluída no âmbito do Conseil de l'Europe. Com efeito, esta cuida apenas dos direitos civis e políticos, seguindo uma política específica também adotada pela ONU.[90]

Os direitos econômicos, sociais e culturais[91] estão, em princípio, regulados pelo art. 26, que monopoliza o capítulo dedicado ao tema. A redação final da Convenção alterou a forma mediante a qual, anteriormente, o Conselho Interamericano de Jurisconsultos desenvolvera o assunto. Com efeito, o Capítulo III do então projeto elaborado em 1959, em Santiago do Chile, compreendia os direitos (i) ao trabalho, (ii) dos povos à livre determinação, (iii) à sindicalização, (iv) à previdência social, (v) a condições dignas de trabalho, (vi) de constituir uma família, (vii) de receber educação, (viii) de tomar livremente parte na vida cultural e (ix) à propriedade privada, sujeitado seu uso ao interesse social.[92]

Na redação afinal adotada em São José da Costa Rica, em 1969, os direitos à propriedade privada,[93] à proteção da família[94] e da criança[95] foram dispostos entre os direitos civis e políticos. Os demais direitos econômicos, sociais e culturais, foram tratados, sem maior cuidado técnico, de modo meramente programático pelo art. 26 já referido, da seguinte forma:

“Artigo 26 – Desenvolvimento progressivo. Os Estados-Partes se comprometem a adotar as providências, tanto em nível interno como mediante cooperação internacional, especialmente econômica e técnica, para lograr progressivamente a plena efetividade dos direitos que derivam das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura, contidas na Carta de Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires, na medida dos recursos disponíveis, pela adoção de disposições legislativas ou por outros meios apropriados.”

A disposição, como se vê, faz referência expressa à Carta da OEA. Este documento incluiu, por meio do protocolo de Buenos Aires, um conjunto de novas disposições concernentes à proteção da vida social,[96] econômica[97] e cultural,[98] constituindo, praticamente, uma declaração de direitos de natureza econômico-social.[99]

Entretanto, a redação dos dispositivos, como afirma Bauer, “deixa um tanto vaga, e até de certa forma inoperante, a obrigação dos Estados de promover e de proteger os referidos direitos (...)”.[100] Isto porque os próprios dispositivos normativos abrem saídas para o descumprimento das obrigações estatais, sob o pretexto da escassez de recursos ou outro motivo. Percebe-se que tais direitos, na forma como reconhecidos, implicando desenvolvimento progressivo, não autorizam eficácia integral, direta e imediata. Logo, no tocante à eficácia jurídica, os direitos econômico-sociais, no mundo prático da vida, acabam tendo o mesmo alcance na Convenção Europeia (que não os contemplou) e Americana, não obstante a diferença inicial entre as técnicas utilizadas. A técnica de redação dos dispositivos, assim como a natureza da matéria, não permitem uma intervenção pronta e eficiente dos mecanismos institucionais de controle. Era de se esperar, portanto, que, como a ONU e o Conselho da Europa, a Organização dos Estados Americanos aprovasse outro documento para cuidar, com maior grau de precisão, dos direitos econômicos, sociais e culturais. Isso ocorreu com o do Protocolo Adicional à Convenção Americana de Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de São Salvador), adotado pela Assembleia Geral em 17 de novembro de 1988 e em vigor desde 16 de novembro de 1999. O Brasil aprovou o Protocolo Adicional em 1995, por meio do Decreto Legislativo n. 56.[101]

Os Estados, no Preâmbulo do Protocolo Adicional, reconhecem que “só pode ser realizado o ideal do ser humano livre, isento de temor e da miséria, se forem criadas condições que permitam a cada pessoa gozar de seus direitos econômicos, sociais e culturais, bem como de seus direitos civis e políticos”. Diante disso, os países contratantes comprometem-se a adotar as medidas necessárias, tanto de ordem interna como por meio da cooperação entre os Estados, a fim de conseguir, progressivamente e de acordo com a legislação interna, a plena efetividade dos direitos econômicos, sociais e culturais (art. 1º). O compromisso inclui as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos esses direitos (art. 2º). Mais do que isso, comprometem-se os Estados também a garantir o exercício de tais direitos sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social” (art. 3º). Estabelecendo um mecanismo diferente de proteção e controle de tais direitos que inclui a atividade dos Conselhos Interamericano Econômico e Social e Interamericano da Educação, Ciência e Cultura, além da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o art. 19.6 do Protocolo Adicional, admite, apenas para os direitos à educação (art. 13) e à livre associação sindical, incluindo o livre funcionamento dos sindicatos, das federações e confederações sindicais, na circunstância de violação imputável diretamente a um Estado-Parte, mediante a participação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e, sendo o caso, da Corte Interamericana de Direitos Humanos, a aplicação do sistema de petições individuais regulado pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

3.2.7 Outros direitos

A comparação entre o Texto Americano e o Europeu pode se estender ainda sobre outros domínios jurídicos. É o caso, por exemplo, de certas garantias relativas à liberdade individual presentes no documento europeu, mas não no americano;[102] assim como de certos direitos políticos, do direito de asilo e do direito de retificação ou resposta presentes na Convenção Americana, mas não na Europeia. Como tais direitos e garantias podem se situar, sem dificuldade, nos domínios gerais a serem a seguir analisados, serão tratados, juntamente com estes, na próxima seção.

3.3 Conteúdos regulados pelas duas Convenções

Trata-se aqui não somente de expor os domínios regulados, ao mesmo tempo, pelos dois instrumentos internacionais, mas de analisar a amplitude do tratamento em ambos os instrumentos normativos internacionais.

3.3.1 Proteção da vida e integridade pessoal

A proteção da vida e integridade pessoal compreende três dimensões distintas: (i) uma primeira relativa ao direito à vida, (ii) uma segunda ligada à integridade da pessoa e (iii) uma terceira identificada com a interdição de práticas conducentes à escravidão, servidão e trabalho forçado. Importa analisar como se apresenta cada dimensão.

3.3.1.1 Direito à vida

O direito à vida está previsto no art. 1º do Pacto de Direitos Civis e Políticos da ONU, no art. 2º da Convenção Europeia e no 4º da Americana. No contexto do Conselho da Europa, o direito é tratado com limites mais precisos. Tal limitação de conteúdo operou-se, certamente, para adequar a legislação dos Estados-Partes à normação do Tratado. Diante disso, o alcance do direito, sem o qual os demais perdem a razão de existir, foi diminuído. Segundo o Pacto Europeu, o direito à vida deve ser protegido pela lei. Entretanto, admite-se a pena de morte, desde que aplicada por tribunal.[103]

O Texto Americano, por sua vez, é mais generoso, cuidando não só da proteção do direito à vida, como também do respeito à vida de cada pessoa. Por outro lado, se no instrumento europeu a questão do aborto não é resolvida (até que ponto a interrupção da gravidez pode ser compatibilizado com o direito à vida?),[104] o mesmo não se passa com o Tratado da OEA. Nos termos deste a vida deve ser protegida, “em geral, a partir da concepção”. Percebe-se, igualmente, no Texto Americano a intenção de restringir ao máximo a pena de morte, chegando mesmo a proibir sua aplicação aos crimes que ela não sanciona no momento de sua conclusão,[105] bem como a sua adoção por aqueles Estados que a aboliram.[106] Proíbe-se, ainda, a sua aplicação aos crimes políticos e aos de direito comum conexos àqueles (§ 4º do art. 4º), previsão que assume considerável importância nas Américas. Além disso, a pena de morte não pode ser aplicada às pessoas que, no momento do crime, contarem com menos de 18 ou mais de 70 anos. Não poderá, igualmente, ser aplicada às mulheres grávidas.[107]

Apenas no espaço (reduzido) exterior àquelas limitações poderá a pena de morte ser adotada. Entretanto, esta, sempre pronunciada por um tribunal competente, deve estar circunscrita aos crimes mais graves.[108] Não obstante, toda pessoa condenada à morte poderá, em qualquer caso, pedir comutação da pena, graça ou anistia, não podendo a sentença ser executada enquanto tal pedido se encontrar pendente de resolução, segundo especifica o § 6º do art. 4º da CADH.

Como se pode notar, a pena de morte é praticamente abolida do âmbito convencional americano.

Não obstante, se neste aspecto o Tratado da OEA é mais generoso que o do Conselho da Europa, o mesmo não se passa em outro campo. Com efeito, segundo os termos do primeiro Pacto, ninguém pode ser privado da vida “arbitrariamente”. Por essa via, desde que a lei o admita, o Direito poderá aceitar, fora dos casos de aplicação da pena de morte, outras hipóteses justificáveis de privação do direito à vida. É o caso, por exemplo, da legítima defesa e do estado de necessidade. O Acordo Europeu, ao invés de empregar a fórmula vaga “arbitrariedade”, preferiu indicar os casos em que a morte não pode ser considerada como violadora do direito à vida.[109] Crê-se que esta fórmula, embora menos dinâmica que a outra, confere mais segurança.

3.3.1.2 Direito à integridade da pessoa

A Convenção Europeia (art. 3º da CEDH) não admite que o ser humano seja submetido à tortura, nem a penas desumanas ou degradantes. O mesmo ocorre com o Tratado Americano, que conta com disposição voltada à tutela do direito à integridade física, psíquica e moral da pessoa humana.[110]

O art. 5º do Acordo da OEA, relativo ao direito à integridade da pessoa, contém, ainda, outras disposições sobre as quais algo será dito mais adiante. As disposições do parágrafo precedente, veiculam regras absolutas que não toleram exceção.[111]

3.3.1.3 Interdição de escravidão, servidão e trabalho forçado

O Acordo Americano, de certa forma, repete o conteúdo protegido pelo Europeu. Mas, vai adiante. Assim é que, nos termos do tratado, ninguém será mantido em escravidão ou servidão,[112] nem será compelido a executar trabalho forçado.[113] O Pacto do Conselho da Europa indica (art. 4º, § 3º) os casos em que certos trabalhos não serão tidos como forçados (no sentido do Tratado), o mesmo ocorrendo com a Convenção da OEA. É o caso da prestação de serviço militar, do trabalho requisitado em caso de perigo e calamidades que ameaçam a vida em comunidade, do decorrente das obrigações cívicas normais[114] e do trabalho exigido de pessoas submetidas ao cumprimento de pena de reclusão ou detenção em virtude de condenação penal.

Em relação ao último aspecto, o Acordo Americano é mais estrito e rigoroso que o Europeu. Seguindo a filosofia do Pacto da ONU (Direitos Civis e Políticos, de 1966), o primeiro autoriza o trabalho compulsório apenas para as pessoas detidas em virtude de execução de sentença ou decisão formal de autoridade judiciária competente.[115] Essa exceção é mais precisa que a adotada pelo Pacto do Conselho da Europa. Aqui, o trabalho poderá ser exigido de pessoas detidas “nas condições previstas pelo art. 5º (...)”. Ora, como lembra De Meyer, “certas categorias de pessoas privadas de sua liberdade em razão do art. 5º não devem necessariamente estar detidas em razão de uma decisão da justiça”.[116] Isto ocorre, por exemplo, com os menores, doentes contagiosos, bêbados habituais, toxicômanos ou com os doentes mentais, conforme autoriza a legislação deste ou daquele Estado europeu.

O Tratado Americano precisa, ainda, que o trabalho forçado não deve prejudicar a dignidade nem a capacidade física e intelectual do detido. Esta restrição não é encontrada no Texto Europeu. Pode-se, porém, suprir esta lacuna, aplicando-se à situação o disposto no art. 3º, também presente na Convenção da OEA, que proíbe tratamentos ou penas degradantes ou desumanas.

3.3.2 Proteção da liberdade e segurança individuais

3.3.2.1 Princípio

Os artigos 7º e 5º, respectivamente, dos Acordos Americano e Europeu, com maior ou menor intensidade, proclamam o direito à liberdade e segurança individuais. O mesmo direito é objeto do art. 9º do Pacto da ONU.

A Convenção concluída no âmbito do Conselho da Europa contempla as situações que justificam a privação da liberdade. O Pacto Americano deixa a disciplina da matéria às Constituições dos Estados contratantes, bem como às leis promulgadas nos termos das disposições constitucionais. Esta fórmula, mais aberta, pode dar lugar a um número maior de situações excepcionais que autorizam a privação da liberdade. Essa mesma técnica foi adotada pelo Pacto da ONU. Seu inconveniente está em atribuir ao Legislador o poder de definir as situações ensejadoras da privação de liberdade, conferindo, em consequência, aos Estados contratantes, uma enorme margem de apreciação.[117]

Dispõe o Texto Europeu, por outro lado, que as detenções, sempre limitadas às hipóteses previstas no art. 5º, devem ser regulares, obedecendo às prescrições fixadas pela lei. O Pacto Americano limita-se a desautorizar as detenções “arbitrárias”.[118] A redação não atinge o grau de precisão da Convenção Europeia. Afinal, o que é arbitrário, ilegal ou injusto? Para o Direito moderno, vinculado à ideia de legalidade,[119] o arbitrário corresponde, em princípio, à esfera da ilegalidade. Pode, entretanto, ir além. Assim considerando, a linguagem usada pela CADH corresponde ao adjetivo regular preferido pelos europeus. Neste sentido, nos casos prescritos em lei (lei ou Constituição dos Estados contratantes), a prisão de qualquer pessoa somente ocorrerá se de acordo com as regras de forma e de fundo previamente estabelecidas para a execução do ato.

Um último aspecto a ser ressaltado, no âmbito principiológico, concerne à proibição da privação da liberdade por “dívida”[120] (exceto no caso de inexecução de obrigações alimentares). O Texto Americano, assim disposto, é mais generoso que o Tratado Europeu. Este interdita a privação da liberdade no caso de “inexecução de obrigação contratual”.[121] Parece que a palavra “dívida” compreende toda sorte de obrigações inadimplidas, inclusive as relativas a obrigações públicas de natureza compulsória como, por exemplo, as tributárias. Não é esse o sentido da expressão utilizada pelo Pacto Europeu, que apresenta um conteúdo mais limitado, não abrangente das dívidas não resultantes de contrato.[122] Mas uma possível superioridade do sistema americano, no assunto em análise, deve ser relativizada. Note-se que enquanto o Pacto Americano proíbe a prisão por motivo de dívida, o Europeu proíbe que alguém seja “privado de sua liberdade”. Esta redação oferece maior proteção neste aspecto, pois a vedação envolve “toda forma de privação, momentânea ou durável da liberdade (...)”[123] e não simplesmente a prisão.

Com efeito, enquanto o Tratado Europeu é mais favorável à proteção da liberdade sob um aspecto, o Tratado Americano o é, igualmente, mas em relação a aspecto diverso.[124]

3.3.2.2 Garantias da pessoa privada da liberdade

a) Direito de ser informado das razões da prisão

A informação deve ser dada no prazo mais curto possível. Tal garantia é assegurada pelos arts. 5º, § 2º e 7º, § 4º, das Convenções Europeia e Americana, respectivamente.

b) Direito de ser apresentado ao juiz

Parece que o art. 7º, § 5º, da Convenção Americana encontra sua fonte de inspiração no art. 5º, § 3º, do Pacto Europeu. Não obstante, não apresentam alcance idêntico. A última cuida apenas das detenções previstas no § 1º, C, do mesmo artigo.[125] Quanto à primeira, dispõe sobre o assunto em termos mais largos, exigindo que toda pessoa detida seja levada à presença do juiz, sem nenhuma exceção.

Os dois instrumentos reconhecem, também, como direito de todo acusado, ser julgado sem demora injustificada ou aguardar o julgamento em liberdade.

c) Direito de recorrer

O recurso deve ser decidido em “curto prazo”, segundo a CEDH, e “sem demora”, nos termos do CADH.[126] Esta cuida, ainda, da possibilidade de interposição de recurso nas circunstâncias de privação (ou ameaça de) ilegal da liberdade. Interessante é a disposição segundo a qual qualquer pessoa pode interpor o referido recurso, não necessariamente aquela implicada na situação. Todos esses aspectos chegam a delinear a arquitetura do habeas corpus, recurso originário da experiência jurídica inglesa.[127]

d) Direito de obter uma reparação em caso de detenção arbitrária

Segundo Karel Vasak, a reparação autorizada pelo art. 5º, § 5º, do Pacto Europeu somente ocorrerá no caso de privação da liberdade que não satisfaça às condições estabelecidas no art. 5º:

“Será assim, por exemplo, quando a privação da liberdade não entra em nenhum dos seis casos limitativos enumerados, ou quando o detido não foi julgado por prazo razoável. Uma pessoa mantida em prisão preventiva e liberada em seguida não será indenizada senão no caso em que a duração de sua detenção foi julgada excessiva em comparação às acusações que pesavam sobre ela”.[128]

Esse direito não é previsto pela CADH.

e) Direito de reparação em caso de condenação ou erro judiciário

Em compensação, esta Convenção (CADH) prevê, nos termos do art. 10, indenização em caso de condenação fundada em erro judicial. O Tratado Europeu não trata da matéria.

f) Direitos relativos ao regime penitenciário

As garantias relativas ao regime penitenciário são asseguradas unicamente pelo Pacto Americano: direito a tratamento digno (art. 5º, § 2º), separação dos detidos preventivamente dos condenados (art. 5º, § 4º), separação do menor dos adultos (art. 5º, § 5º) e à finalidade educativa da pena (art. 5º, § 6º).

3.3.2.3 Direito a uma boa administração da justiça

a) Direitos garantidos a toda pessoa

a.1) Direito a um recurso efetivo

Este direito é previsto em ambas as Convenções (artigos 13 da CEDH e 25 da CADH), embora de modo distinto. Na sistemática europeia, há uma ligação estreita entre os direitos protegidos pela Convenção e a efetividade do recurso.[129] No sistema interamericano, o recurso tem por função garantir não apenas os direitos reconhecidos pelo Pacto Americano, mas também os contemplados nas Constituições ou no direito infraconstitucional interno dos Estados contratantes Por outro lado, além da efetividade, a Convenção de 1969 exige que o recurso seja simples e rápido. Diante disso, no âmbito da OEA, o recurso referido deixa de constituir mero mecanismo assecuratório da Convenção para se transformar em garantia instrumental de todos os direitos e liberdades fundamentais reconhecidos pelos ordenamentos jurídicos dos países-partes.

a.2) Direito a um processo equitativo

Nos termos do art. 8º, § 1º, da CADH,

“(...) toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza”.

Esta disposição não se aparta radicalmente do estabelecido no art. 6º, § lº, do Documento Europeu, segundo o qual “qualquer pessoa tem direito a que sua causa seja examinada equitativa e publicamente, num prazo razoável, por um Tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei (...)”.

b) Direitos garantidos a todo acusado

b.1) Tipicidade dos delitos e das penas

Talvez o mais importante dos direitos tratados sob a rubrica “direitos garantidos a todo acusado” seja o relativo à legalidade em matéria penal. Neste campo, mais uma vez, as concepções que informam ambas as Convenções não são coincidentes. Não obstante, adotam um mesmo princípio inicial: (i) não há crime, ou infração penal, sem lei que anteriormente tenha definido tal ação ou omissão como tal (artigos 7º, § lº, da CEDH e 9º da CADH) e (ii) não pode ser aplicada pena maior que aquela prevista em lei no momento da ação ou omissão qualificada como delituosa (artigos 7º, § 2º, da CEDH e 9º CADH).

A diferença aparece em função do direito à retroatividade da lei penal mais favorável. Segundo o Pacto Americano, a pena posterior mais leve, cominada para a infração, retroage em benefício do réu. Esse princípio não é mencionado no congênere europeu.

Radicaliza-se a diferença anunciada diante das concepções de legalidade penal que presidem as formulações dos dois documentos. Segundo a Convenção Americana, só há infração penal quando, no momento da ação ou omissão, estas eram tipificadas pela lei. O mesmo não ocorre no Tratado Europeu, nos termos do qual é admissível “o julgamento e a punição de uma pessoa culpada de uma ação ou de uma omissão que, quando cometida, constituía crime diante dos princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas”.[130]

Este dispositivo legitima a ação do Tribunal de Nuremberg após a Segunda Grande Guerra. Entretanto, a elasticidade inerente à noção utilizada não deixa de carregar certo perigo para os direitos humanos. O Texto americano, posterior ao Europeu, não quis seguir a mesma filosofia.

b.2) Outros direitos e garantias

Podem ser identificados vários direitos comuns a ambos os Tratados: (i) presunção de inocência (artigos 6º, § 1º, da CEDH e 8º, § 2º, da CADH), (ii) direito de ser informado sobre a natureza da acusação (artigos 8º, § 3º, da CEDH e 8º, § 2º, “b”, da CADH), (iii) direito de dispor do tempo e facilidades necessárias à preparação da defesa (artigos 6º, § 3º, “b”, da CEDH e 8º, § 2º, “c”, da CADH), (iv) direito de defesa, compreendendo a defesa técnica, inclusive proporcionada por advogado dativo, sendo o caso (artigos 6º, § 3º, “c”, da CEDH e 8º, § 2º, “d”, e “e”, da CADH), (v) direito de se fazer assistir, gratuitamente, por um intérprete, sendo necessário (artigos 6º, § 3º, “e”, da CEDH e 8º, § 2º, “a”, da CADH) e (vi) direito de obter a convocação de testemunhas (artigos 6º, § 3º, “d”, da CEDH e 8º, § 2º, “f”, da CADH).

Outros direitos são contemplados apenas na Convenção Americana: (i) direito de se comunicar livremente com o defensor, sem testemunha (art. 8º, § 2º, “d”), (ii) direito do acusado não ser obrigado a se declarar culpado (art. 8º, § 2º, “g”), (iii) direito de interpor recurso junto a tribunal superior (art. 8º, § 2º, “h”), (iv) interdição de bis in idem em matéria penal (art. 8º, § 4º) e (v) garantia relativa à publicidade do processo penal (salvo exceções no interesse da justiça) (art. 8º, § 5º).

Ao lado dos direitos acima referidos, todos de natureza penal, pode ser citado um último, previsto no Pacto Americano. Trata-se da garantia de individualização da pena (art. 5º, § 3º, da CADH).

3.3.3 Proteção da intimidade

3.3.3.1 Princípio

Os dois Pactos garantem, de forma análoga, o respeito à vida privada e familiar, ao domicílio e ao sigilo da correspondência. O art. 11, § 2º, do Tratado Americano dispõe que “ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, na vida de sua família, no seu domicílio ou em sua correspondência (...).” A Convenção Europeia trata da questão em termos positivos: “toda pessoa tem direito ao respeito de sua vida privada e familiar, de seu domicílio e de sua correspondência”.[131]

3.3.3.2 Delimitação do conteúdo protegido

Como se pode verificar, a proteção da intimidade pode se desdobrar em dois domínios jurídicos protegidos. O primeiro, relativo à vida familiar (respeito da vida familiar), e o segundo, relativo à proteção da vida privada (proteção do domicílio e da correspondência).

A terceira dimensão da proteção da intimidade é assegurada pelo direito de casamento e de instituição de uma família, anunciado pelos artigos 12 e 17 das Convenções, respectivamente, Europeia e Americana. O alcance dos dois artigos parece ser o mesmo. Cumpre verificar, entretanto, se o mesmo pode ser dito dos dois domínios citados no parágrafo anterior.

Dois elementos são reveladores da extensão da garantia, em cada documento. O primeiro informa quem é titular da obrigação de respeitar a intimidade do ser humano. O segundo delimita os casos em que os direitos derivados da proteção à intimidade podem sofrer restrição e quem pode operar tais restrições.

Quanto à primeira questão, as duas Convenções identificam-se. Qualquer pessoa tem direito ao respeito da vida privada, familiar e do seu domicílio, incluído o sigilo da correspondência. O direito é oponível erga omnes: toda e qualquer pessoa é titular da obrigação negativa vinculada ao direito. A afirmação, entretanto, desafia algum refinamento. É que os particulares não são responsáveis diretos diante das Convenções.[132] Diante disso, esse direito não é, via Convenção, diretamente oponível a particulares. Mas o é contra o Estado, que desempenha duas funções em face da Convenção. A primeira voltada para a organização dos meios de proteção no âmbito interno, punindo as ações ilegais dos particulares; a segunda referida à obrigação de prestação negativa, ou seja, ao dever de abstenção em face da intimidade de seus cidadãos.[133]

Em relação ao segundo elemento (ou, antes, questão) a Convenção Europeia é mais precisa. A redação do artigo parece indicar que são permitidas apenas ingerências da autoridade pública. O Acordo Americano silencia a respeito. Nos dois casos, porém, as ingerências devem se dar apenas em casos justificados. Mais uma vez, aqui, o instrumento europeu é mais preciso. A autoridade pública não pode restringir o exercício, por qualquer pessoa, dos direitos relativos à proteção da vida privada, senão quando autorizada pela lei. Porém, o campo de discricionariedade do Legislador não é absoluto. A atividade do Poder Público deve se circunscrever às medidas admitidas numa sociedade democrática (o que diminui a intensidade da ingerência) e apenas com o objetivo de perseguir uma das seguintes finalidades: (i) segurança nacional, (ii) segurança pública, (iii) bem-estar econômico do país, (iv) defesa da ordem, (v) prevenção de infrações penais, (vi) proteção da saúde ou da moral e (vii) proteção dos direitos e liberdades de terceiros.[134]

Já o Tratado Americano limita-se a vedar “ingerências arbitrárias ou abusivas”. A redação adotada, em virtude de seu nível de abstração, permite a concomitância de interpretações diferentes. Entretanto, o art. 11, § 3º, reclama a proteção, pela lei, dos direitos relativos à vida privada, incluída a familiar. Parece que, no Texto da OEA, o caráter arbitrário da ingerência poderá ser definido em função de sua legalidade ou ilegalidade. Por sua vez, o caráter abusivo poderá ser medido pela intensidade da ingerência estatal. Exige-se que a ingerência seja razoável ou que não ultrapasse os padrões de razoabilidade. Esta interpretação encontra seu fundamento na disjunção “ou” que acompanha, segundo a redação do § 2º do art. 11, os significantes “arbitrária” (ou) “abusiva”.[135] Diante do exposto, a ação estatal deverá ser legal (nada de arbitrariedade) e, mais do que isso, razoável (não abusiva). Se esta for a interpretação adotada pela Comissão e Corte de Direitos Humanos, então a proteção acordada pelo Tratado Americano se aproximará daquela oferecida, na mesma área, pela Convenção Europeia.

3.3.4 Proteção da atividade intelectual

A liberdade da atividade intelectual é assegurada pelo art. 9º do Tratado Europeu e pelos artigos 12 e 13 do Tratado Americano. Referido direito pode ser visto sob três ângulos. O primeiro ângulo está ligado à liberdade de pensamento, consciência e religião; o segundo reporta-se à liberdade de expressão, e o terceiro, à liberdade dos pais quanto à educação dos filhos.[136]

Desde o primeiro ângulo, uma comparação entre as Convenções permitirá notar que os direitos concernentes à atividade intelectual assumem, nas duas, igual alcance. Esses direitos referem-se à liberdade de religião (ou crença), assim como à liberdade de pensamento. O segundo ângulo anunciado exige mais atenção.

Em relação ao terceiro aspecto referido, as Convenções orientam-se, também, no mesmo sentido. Tanto em um caso como no outro, os pais poderão exigir, para os filhos, educação religiosa e moral conforme suas próprias convicções. A única diferença é que tal direito é expressamente assegurado, igualmente, nas Américas, aos tutores. O Tratado Europeu silencia[137] a respeito.

3.3.4.1 Liberdade de manifestação e expressão

a) Liberdade de manifestação religiosa

A liberdade de religião é protegida nos dois Pactos.[138] Sob o prisma das restrições, o art. 12, § 3º, do Pacto Interamericano limitou-se a adaptar o art. 9º, § 2º, do Tratado Europeu. Segundo este, a referida liberdade não impede a adoção de restrições ao seu exercício, sempre previstas pela lei. A autorização para a adoção de restrições vem temperada com a cláusula democrática, de forma que a competência do Legislador deve ser interpretada no contexto de uma sociedade democrática. Além desta limitação, outras se impõem, desta vez cuidando da finalidade das restrições (assegurar as situações previstas no final do § 2º do art. 9º). A Convenção Americana silencia quanto a isto, embora a democracia também nela esteja pressuposta. Esta é a única diferença entre os Acordos neste particular.

b) Liberdade de manifestação e expressão do pensamento

b.1) Princípio

Há diferenças entre os artigos 13 do Tratado Americano e o art. 10 do Europeu. O primeiro protege os direitos de “procurar”, “receber” e “divulgar” informação, enquanto o Europeu reporta-se apenas aos direitos de “receber e divulgar” informações.[139] Por outro lado, a generalidade com a qual este Pacto tratou de tal liberdade e a maneira exemplificativa mediante a qual o Tratado Americano relacionou os meios de seu exercício autorizam afirmar que, tanto na Europa como no contexto da OEA, esse direito pode se exteriorizar de várias formas.

b.2) Restrições admitidas pela CEDH

A Convenção Europeia proíbe a “ingerência das autoridades públicas” no exercício da liberdade de expressão do pensamento e opinião. Não obstante, admite que as empresas de radiodifusão, cinema e televisão possam ser submetidas a um regime de autorização imposto pelos Estados-Partes. O exercício da liberdade pode ainda ser submetido a “certas formalidades, condições, restrições ou sanções previstas pela lei”, sempre, na forma do § 2º do art. 10. Estas medidas concedem um campo considerável de ação discricionária aos poderes públicos dos Estados contratantes.

b.3) Restrições admitidas pela CADH

A proteção outorgada por este Pacto é mais extensa. Com efeito, não admite censura prévia, a não ser nos casos dos espetáculos públicos, desde que prevista pela lei e unicamente em função da proteção da moral das crianças e dos adolescentes.[140] A liberdade de expressão pode ser submetida a um regime de responsabilidade, desde que fixado por lei,[141] visando, unicamente, ao “respeito dos direitos e a reputação dos outros” e “à salvaguarda da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.”[142]

Garantia importante é a proibição da restrição indireta da liberdade, seja por meio de monopólio público ou privado dos meios necessários ao seu exercício, seja por outro veículo qualquer.[143]

Outra restrição à liberdade de expressão que, na verdade, funciona como verdadeira garantia foi regulada pelo Pacto das Nações Unidas para autorizar a proibição, pela lei, de “toda propaganda em favor da guerra, ou todo apelo ao ódio nacional, racial ou religioso que constituem incitações à violência (...)”.[144] Esta restrição à livre manifestação do pensamento é exigida em favor da realização da paz.

c) Direito de retificação ou de resposta

Para assegurar a liberdade de expressão, o Pacto Americano não se limita a proibir os monopólios e a censura prévia e mesmo a restringir a interferência injustificada do Poder Público. Vai mais adiante, contemplando, inclusive, os direitos de retificação e de resposta, ignorados pelo Tratado Europeu. O art. 14 daquele instrumento serve não apenas para assegurar a liberdade em análise, mas também para garantir os direitos à honra e à reputação. Os direitos em questão reclamam a publicação de retificação ou da resposta pelo órgão responsável pela ofensa ou pelo erro na informação.

Diante dos dados estudados, a proteção da liberdade de expressão do pensamento parece ser mais ampla e sensivelmente mais significativa no território regulado pelo Pacto Americano.

3.3.5 Proteção da atividade social e política

Cumpre, nesta altura, chamar a atenção para a garantia dos direitos de reunião e associação e dos direitos políticos propriamente ditos.

3.3.5.1 Direitos de reunião e de associação

Os direitos de reunião e de associação estão previstos nos artigos 11 da Convenção Europeia e 15 e 16 do Pacto Interamericano. Em ambos, as restrições admitidas são as previstas em lei, mas desde que constituam medidas necessárias em uma sociedade democrática, “à segurança nacional, à segurança pública, à proteção da saúde ou da moral – o Tratado Americano menciona ainda saúde e moralidade públicas – ou à proteção dos direitos e liberdades dos outros”. Seguindo a redação oferecida por artigo análogo do Pacto das Nações Unidas, a Convenção Americana refere-se ainda à “ordem pública”, enquanto o Tratado Europeu prefere a expressão “defesa da ordem e prevenção do crime”. A distinção não é significativa.

Outra vez acompanhando o Pacto da ONU, a Convenção Americana tolera a adoção de “restrições legais” ao exercício desses direitos para os membros das forças armadas e da polícia. O Tratado Europeu autoriza restrições igualmente (além das forças armadas e da polícia) aplicáveis aos funcionários da administração do Estado, desde que “legítimas”. Parece que os direitos de reunião e de associação encontram-se melhor protegidos na Convenção Americana. Num aspecto, entretanto, a afirmação pode não ser verdadeira. O documento interamericano não se refere expressamente – como o europeu – à liberdade sindical como uma das modalidades de exercício da liberdade de associação. Preferiu falar em “associações de fins econômicos, profissionais (...)”, o que pode compreender, ou não, a liberdade sindical. A questão tem importância considerável. Se o art. 16 compreende a liberdade sindical, então, esta liberdade encontrará proteção mais eficaz aqui do que no art. 26, relativo aos direitos econômicos, sociais e culturais. De qualquer modo, esta questão ficou, em parte, superada com a aprovação do Protocolo Adicional à Convenção Americana de Direitos Humanos em matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de São Salvador).

3.3.5.2 Direitos políticos propriamente ditos

a) Tratado Europeu

No âmbito do Conselho da Europa, os direitos políticos são regulados pelo art. 3º do Protocolo Adicional. Segundo o referido artigo, as partes contratantes se comprometem a organizar, em intervalos razoáveis, eleições livres em condições que assegurem a livre expressão da opinião do povo sobre a escolha do corpo legislativo.

 Interessante notar a timidez com a qual o Pacto Europeu reconhece direitos que representam um dos pilares de sustentação dos regimes políticos consagrados na Europa ocidental, particularmente depois da Segunda Guerra Mundial. Os direitos políticos limitam-se à expressão (por meio do voto, em intervalos razoáveis) da opinião popular sobre a escolha, não de todos os governantes, mas apenas dos membros do Poder Legislativo (muitos Estados europeus adotam o regime parlamentar, constituindo também monarquias ou repúblicas com Presidentes eleitos de modo indireto). A Convenção não concede um verdadeiro direito subjetivo de voto, como pretendem alguns. O direito tem como contrapartida apenas a obrigação de os Estados tomarem medidas de direito interno necessárias à sua concretização de tempos em tempos (normas de organização e procedimento). Essa interpretação, como lembra Vasak, foi adotada pela Comissão por ocasião de decisão prolatada no pedido (requête) n. 1.065/1961.[145] Segundo a decisão, por meio do art. 3º do Protocolo Adicional, os Estados contratantes não “reconhecem a toda pessoa o direito de participar das eleições”, ou seja, “o direito de voto não é, enquanto tal, consagrado pelo art. 3º como a Comissão já constatou, em sua decisão de 4 de janeiro de 1960, sobre a admissibilidade do pedido n. 530/1959”. Diante disso, “os Estados contratantes podem excluir do escrutínio certas categorias de cidadãos, por exemplo aqueles que residem além-mar, pelo tempo que esta exclusão não impeça a livre expressão do povo sobre a escolha do corpo legislativo (...)”.[146]

b) Tratado Americano

Este instrumento internacional, no art. 23, concede a todos os cidadãos verdadeiros direitos subjetivos oponíveis ao Estado, envolvendo (i) a participação na “direção dos negócios públicos, diretamente ou por intermédio de representantes livremente eleitos”, (ii) a possibilidade “de eleger ou de ser eleito através de consultas periódicas e autênticas, segundo o sufrágio universal e igual, e por escrutínio secreto, garantindo a livre expressão da vontade dos eleitores” e, finalmente,  (iii) a possibilidade de “aceder, em igualdade de condições gerais, às funções públicas de seu país.”

A CADH prevê a regulamentação desses direitos por meio de lei. Entretanto, a lei somente pode restringi-los em função de idade, nacionalidade, residência, língua, capacidade de ler e escrever, capacidade civil ou mental, ou no caso de condenação penal por juiz competente.[147]

Como se pode perceber, os direitos políticos no continente americano assumem uma significação que o Tratado Europeu, tributário de iniciativas sempre cautelosas, está longe de conceder. Com efeito, a CADH reconhece direitos não consagrados pelo Tratado do Conselho da Europa. Quanto ao direito à realização de eleições periódicas, os dois textos acompanham filosofias radicalmente distintas. Bastam três exemplos: (i) A CADH exige que o sufrágio seja universal e igual, já a CEDH cuida do tema de modo menos preciso; (ii) a CADH não admite discriminação, quanto ao voto, por motivo de sexo, enquanto a CEDH silencia a respeito; por fim, (iii) as eleições segundo a CADH não se limitam à composição do corpo legislativo (inclusive porque nas Américas, em geral, os Estados constituem repúblicas presidencialistas), enquanto este é o caso da garantia proclamada pela CEDH.

Conclui-se que a atividade política é protegida com mais intensidade no âmbito da Organização dos Estados Americanos. A Convenção, neste particular, demonstra que quer desempenhar uma função pedagógica (e, portanto, política) nas Américas, traduzindo-se como obstáculo à ressurgência dos regimes autoritários que, desgraçadamente, com tanta frequência se manifestam na América Latina.

3.3.6 Proteção da propriedade privada

Os dois Pactos reconhecem o direito de toda pessoa ao respeito (art. 1º do Protocolo Adicional da Convenção Europeia) ou à fruição e posse (art. 21 da Convenção Americana) de seus bens. O documento americano admite que a lei possa subordiná-lo ao interesse social. A possibilidade de restrição é mais ampla no contexto do Conselho da Europa. Aqui, as restrições podem ser adotadas em função do “interesse geral”, assim como para assegurar o pagamento de impostos ou de outras contribuições ou multas. Perceba-se que a noção de “interesse geral” é sensivelmente mais ampla que a de “interesse social”.

A possibilidade de privação do direito de propriedade é admitida, em certos casos, por ambos os documentos. Enquanto o Pacto Europeu exige que o procedimento expropriatório se opere em função de “utilidade pública” e nas “condições previstas em lei ou pelos princípios gerais de direito internacional”, o Americano reporta-se às noções de “interesse público” e de “interesse social”, mas sempre nos “casos e segundo as formas previstas em lei”.

Uma última questão vincula-se ao tópico “princípios gerais de direito internacional”. Esta referência estaria relacionada com os limites da intervenção estatal na propriedade de particulares? Parece que sim, já que “os princípios gerais de direito internacional” referidos pela Convenção Europeia identificam-se com as regras estabelecidas pelo Direito Internacional para, em geral, interditar o confisco de bens de estrangeiros. Substanciam, pois, garantias aos estrangeiros (quanto à indenização pela privação de bens) que podem não estar previstas de modo satisfatório nas leis nacionais. Conclui-se, pois, que neste particular o documento europeu é mais completo que o americano.

3.3.7 Proteção da liberdade de locomoção e residência

3.3.7.1 Princípio

Esta esfera da liberdade é garantida pelos artigos 1º, 2º, 3º e 4º do Quarto Protocolo Adicional à Convenção Europeia e pelo art. 22 da Convenção Americana. Nas duas situações, de modo muito próximo,[148] assegura-se a toda pessoa que se encontre regularmente no território de um Estado o direito de circular livremente e de escolher o local de sua residência. Reconhece-se ainda a qualquer pessoa o direito de deixar qualquer país, inclusive o seu.

Esses direitos podem ser submetidos a certas restrições. Tanto na Convenção Europeia como na Americana, as restrições devem ser previstas em lei e satisfazer determinadas condições que, semelhantes (salvo diferenças menores)[149] nos dois instrumentos, dizem respeito às medidas necessárias para proteger a segurança nacional, a ordem pública, a saúde e a moralidade públicas, os direitos e liberdades de terceiros, bem como a prevenção das infrações penais. Permite-se, ainda, na Europa e na América, que as liberdades de locomoção e residência sejam objeto, em certas zonas determinadas, de outras restrições definidas em lei e “justificadas pelo interesse público”.[150]

Por outro lado, os tratados dispõem que ninguém pode ser privado do direito de entrar no território do Estado do qual é jurisdicionado.

3.3.7.2 Expulsões

A CEDH especifica que “ninguém pode ser expulso, por via de medida individual ou coletiva, do território do Estado do qual é jurisdicionado”.[151] Esta proibição também alcança os estrangeiros quanto às expulsões coletivas.[152] A CADH também prevê idênticas garantias; entretanto, as reveste de alcance maior, eis que o estrangeiro não poderá ser expulso senão em virtude de decisão conforme a lei.[153] O Tratado do Conselho da Europa silencia quanto a isto. Garantia igualmente ausente no Pacto Europeu é a de que o estrangeiro não poderá ser enviado a outro país, seja o seu ou não, caso “seu direito à vida ou à liberdade individual corra risco de se fazer objeto de violação em razão de sua raça, de sua nacionalidade, de sua religião, de sua condição social ou em razão de suas opiniões políticas”.[154]

Finalmente, uma terceira garantia, ausente no Tratado Europeu, refere-se ao direito de asilo,[155] tão caro ao continente americano.


4. Conclusão

Como concluir? Os trabalhos de direito comparado geralmente terminam com um balanço final que sintetiza a exposição dos temas investigados. Aqui, não é o caso de proceder desta forma. Afinal, depois de cada domínio jurídico investigado, seguiu-se uma conclusão parcial apontando o alcance deste ou daquele domínio em cada Convenção. O balanço, portanto, embora parcial, já foi realizado. Por outro lado, num trabalho que se apresenta como uma simples introdução (ao estudo comparado dos direitos protegidos nas Convenções Americana e Europeia), não há lugar para um balanço definitivo.

      Um manifesto, talvez, possa tomar o lugar da conclusão. Um manifesto reclamando um compromisso dos governantes, operadores jurídicos, professores e cidadãos brasileiros com os direitos plasmados na Convenção Americana. A iniciativa é necessária para trazer ao continente americano o mesmo prestígio que a Convenção Europeia alcançou ao longo das últimas décadas. Isso implica uma forma de atuar amiga dos direitos humanos. Não se pede o impossível. Afinal, nas Américas, particularmente na América Latina, experimenta-se um esforço contínuo visando consolidar a democracia, o Estado de Direito e a vida constitucional. Ora, o respeito aos direitos humanos substancia condição necessária para a consolidação referida.

Cumpre, portanto, exigir que o Brasil, diante das responsabilidades que possui aos olhos da comunidade internacional, exercendo mesmo uma influência benfazeja no continente americano ao sul do Rio Grande, torne efetiva, no âmbito interno, a Convenção (CADH) à qual aderiu. O papel do Judiciário, neste processo, particularmente do Supremo Tribunal Federal, embora não suficiente, porque todos os Poderes do Estado e a própria sociedade estão implicados, deve ser realçado, envolvendo, entretanto, uma mudança de postura, para adotar agora, para a melhor realização dos direitos humanos, modo de agir não refratário ao necessário diálogo com a jurisprudência da Corte de São José da Costa Rica.[156]


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Notas

[1] Com efeito, desde então, intensificou-se uma prática orientada no sentido de garantir, internacionalmente, a proteção dos direitos do homem.

[2] É o caso do controle da constitucionalidade das leis, tido, em muitos lugares, até há pouco, como incompatível com a democracia representativa; da valorização crescente de mecanismos como o habeas corpus (Inglaterra, Brasil, Peru, entre outros), o mandado de segurança (Brasil), o recurso de amparo (México, Espanha), o recurso constitucional (Alemanha). Percebe-se a importância desse fato ao se levar em conta que, em princípio, o Estado liberal preferia assegurar os direitos de modo indireto, ou seja, por meio de mecanismos de natureza civil ou penal destinados a indenizar a vítima ou punir o agressor.

[3] O direito constitucional não se contentando em declarar os direitos fundamentais, prevê, igualmente, mecanismos assecuratórios desses direitos.

[4] Quanto a isso veja-se, por exemplo, a Teoria Tridimensional do Direito, de Reale, a Teoria Egológica, de Cóssio e a Teoria Raciovitalista, de Siches. Também a produção teórica dos juristas vinculados à Escola de Baden (Wildelband, Rickert, Lask e Radbruch). Sobre o assunto: REALE, Miguel. Teoria tridimensional do direito. São Paulo: Saraiva, 1980; REALE, Miguel. Filosofia do direito. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1978. No direito contemporâneo, a (re)aproximação entre direito e moral se manifesta através de uma pluralidade de frentes. Sobre o tema Luís Roberto Barroso afirma que: “A perspectiva pós-positivista e principiológica do Direito influenciou decisivamente a formação de uma moderna hermenêutica constitucional. Assim, ao lado dos princípios materiais envolvidos, desenvolveu-se um catálogo de princípios instrumentais e específicos de interpretação constitucional. Do ponto de vista metodológico, o problema concreto a ser resolvido passou a disputar com o sistema normativo a primazia na formulação da solução adequada, solução que deve fundar-se em uma linha de argumentação apta a conquistar racionalmente os interlocutores, sendo certo que o processo interpretativo não tem como personagens apenas os juristas, mas a comunidade como um todo.” (BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 333-334). Robert Alexy, por sua vez aduz expressamente que o positivismo jurídico falha como teoria geral do Direito, pois há uma relação necessária entre o Direito e a moral. Cf. ALEXY, Robert. Sobre las relaciones necessarias entre el derecho y la moral. In: VÁZQUEZ, Rodolfo. Derecho y moral. Barcelona: Gedisa, 2003. Ver também sobre a discussão entre direito e moral: NINO, Carlos Santiago. Derecho, Moral, Politica. In: Doxa: cuadernos de filosofia del derecho. n. 13, Alicante, p. 35-46, 1993; e o conceito de direito como integridade presente em: DWORKIN, Ronald. O império do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

[5] O principal representante do formalismo jurídico foi Hans Kelsen. (Cf. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 4. ed. Coimbra: Armênio Amado Editor, 1979). Uma crítica epistemológica (e semiológica) ao seu pensamento pode ser vista em Luís Alberto Warat. WARAT, Luis Alberto. A Pureza do Poder. Florianópolis: UFSC, 1983. Sobre Kelsen, há uma extensa bibliografia. Recomenda-se, com caráter introdutório o seguinte texto: COELHO, Luiz Fernando. Positivismo e neutralidade ideológica em Kelsen. In: Revista Seqüência, Florianópolis, UFSC, n. 4, 1981. Ainda, para posteriores elucidações conferir: BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2010; MACCORMICK, Neil. Argumentação jurídica e teoria do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2006; PAULSON, Stanley. La alternativa kantiana de Kelsen: una critica. In: Doxa: cuadernos de filosofia del derecho. n. 9. p. 173-187, 1991.

[6] Sobre isso ver: CLÈVE, Clèmerson Merlin. O Direito e os Direitos: elementos para uma crítica do Direito Contemporâneo. 3. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2010.

[7] Ora, o jurista não deve se afastar das demais perspectivas. Todavia, mesmo voltado para a interdisciplinaridade, o jurista deve privilegiar o momento normativo da experiência jurídica. Em sentido ligeiramente diferente: BOBBIO, Norberto. A Era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

[8] Sobre o assunto, conferir: CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Reflexões sobre o valor jurídico das Declarações Universal e Americana de Direitos humanos de 1948 por ocasião de seu quadragésimo aniversário. In: Revista de Informação Legislativa, Brasília, n. 99, jul./set. 1988, p. 9-18.

[9] Cf. Droits de l'homme. Recueil d'instruments internationaux des Nations Unies. New York, 1967 (Doc. A/Conf. 32/4). Consultar as convenções relativas à eliminação de todas as formas de discriminação racial (21 de dezembro de 1965), à discriminação em matéria de emprego e profissão (25 de junho de 1958), à igualdade de remuneração (29 de junho de 1951), à luta contra a discriminação no domínio do ensino (14 de dezembro de 1960, com protocolo de 10 de dezembro de 1962), à prevenção e à repressão do crime de genocídio (9 de dezembro de 1948), à escravidão (30 de abril de 1956), ao trabalho forçado (25 de junho de 1957), à nacionalidade da mulher casada (29 de janeiro de 1957), ao estatuto dos apátridas (28 de setembro de 1954) e dos refugiados (28 de julho de 1951), à liberdade sindical (9 de julho de 1948), e ao direito de organização e negociação coletiva (1º de julho de 1949), à política de emprego (9 de julho de 1969), aos direitos da mulher (20 de dezembro de 1952), ao direito ao casamento (7 de novembro de 1962), contra a tortura e outras formas de tratamento ou punição cruéis, desumanas ou degradantes (10 de dezembro de 1984), aos direitos da criança (20 de novembro de 1989), à proteção dos trabalhadores migrantes e dos membros de suas famílias (18 de dezembro de 1990), ao direito das pessoas com deficiência (13 de dezembro de 2006) e à proteção de todas as pessoas contra os desaparecimentos forçados (20 de dezembro de 2006).

[10] Pactos realizados em 16 de dezembro de 1966. O Protocolo Adicional, que segue o Pacto de Direitos Civis e Políticos, prevê, por meio do Comitê de Direitos Humanos, certo controle sobre a aplicação, pelos Estados-Partes, dos direitos que proclama. Porém, o controle não alcança a significação daquele proporcionado no seio das Convenções Americana e Europeia. Sobre o assunto, consultar: MEYER, Jan de. La Convention Européenne de Droits de l'Homme et le Pacte International Relatif aux Droits Civils et Politiques. Bruxelles: Editions UGA Heule, 1968; PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 236-241; GUERRA, Sidney. Direito internacional dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 94.  O texto dos Pactos, bem como do Protocolo Adicional, podem ser estudados em: Conseil de l'Europe. “Les Droits de l'Homme en Droit International”. Strasbourg, 1979.

[11] Se a ratificação de um tratado multilateral, satisfeito, nos termos convencionados, o número mínimo de adesões exigido no instrumento, acarreta a imediata incidência do documento no plano internacional (em relação aos Estados contratantes), o mesmo não ocorre, necessariamente, em relação ao direito interno. Com efeito, há Estados, como a Itália, por exemplo, que, além da ratificação, exigem, para a aplicação interna do tratado, leis de aprovação. Situação análoga aparece no caso do Reino Unido, Suécia, Dinamarca e Islândia. Aqui, mesmo ratificada, a Convenção somente valerá no plano interno uma vez incorporada ao Direito nacional por ato especial do Parlamento. Já a Bélgica, a França e Holanda adotam técnica mais simples. Basta a ratificação, sendo suficiente este ato para somar o tratado ao direito interno, situando-o acima da Constituição (Holanda), ou abaixo desta, mas acima das leis ordinárias (França e Bélgica). No Brasil, além da ratificação, é necessária, para os tratados em geral, a promulgação operada via decreto do Chefe do Executivo. Trata-se de antiga prática constitucional vinculante para a processualística dos tratados. Nos termos da doutrina à qual aderimos, a promulgação não é necessária, todavia, para os tratados internacionais cuidando de direitos humanos. Nesse caso, a entrada em vigor no plano internacional, tendo ocorrido a ratificação do país subsequente à manifestação positiva do Congresso Nacional, é suficiente para a aplicação também no plano interno. A Emenda Constitucional n. 45/2004 veio a responder às diferenças doutrinárias sobre a matéria, porque no período antecedente a essa Emenda José Francisco Rezek considerava que todos os tratados internacionais deveriam ser incorporados ao direito interno em patamar infraconstitucional, uma vez que tais diplomas seriam sujeitos ao controle de constitucionalidade assim como os demais elementos do ordenamento jurídico infraconstitucional, o que era seguido de perto pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. De outro lado, aos tratados de direitos humanos entendia-se atribuir patamar hierárquico constitucional tendo seus conteúdos incluídos ao ordenamento jurídico como norma constitucional. Tal posição foi apresentada especialmente por Maria Paula Alves de Souza e Flávia Piovesan. Mais detalhes sobre o assunto ver: MONTEIRO, Marco Antonio Corrêa. Tratados internacionais de direitos humanos e direito interno. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 142-146; REZEK, José Francisco. Direito internacional público. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 97; SOUZA, Maria Paula Alves de. Integração dos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento jurídico. Uma análise em face das alterações trazidas pela Emenda Constitucional n. 45/2004. Tese (Direito Internacional) – Programa de Pós-graduação em Direito, Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2006. p. 25; PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. p. 107-108.

[12] Ver adiante sobre a eficácia das normas convencionais, a partir da tipologia de SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 2. ed. São Paulo: RT, 1982.

[13] Como será visto adiante, a efetividade das Convenções Americana e Europeia é devida em parte à previsão de instrumentos assecuratórios de natureza jurisdicional. Este não é o caso do Pacto da ONU relativo aos direitos civis e políticos, cujo mecanismo de proteção está longe de alcançar a significação daqueles previstos nas Convenções analisadas no presente texto.

[14] A Convenção europeia entrou em vigor em 3 de setembro de 1953, depois da décima ratificação. Em 31 de dezembro de 1982, os 21 Estados do Conselho da Europa (Áustria, Bélgica, Chipre, Dinamarca, Espanha, Alemanha Ocidental, França, Grã-Bretanha, Grécia, Irlanda, Islândia, Itália, Liechtenstein, Luxemburgo, Malta, Noruega, Holanda, Portugal, Suécia, Suíça, Turquia) haviam ratificado a Convenção. Em março de 2013, o Conselho da Europa é composto por 47 Estados membros (além dos acima referidos, também fazem parte do Conselho: Albânia, Andorra, Armênia, Azerbaijão, Bósnia e Herzegovina, Bulgária, Croácia, Eslovênia, Eslováquia, Estônia, Finlândia, Geórgia, Hungria, Letônia, Lituânia, Macedônia, Moldávia, Mônaco, Montenegro, Polônia, República Tcheca, Romênia, Rússia, São Marino, Sérvia e Ucrânia), sendo que todos ratificaram a Convenção.

Em 1952 foi aprovado Protocolo Adicional (1952) reconhecendo os direitos de propriedade, de instrução e a eleições periódicas. O Protocolo n. 2, autorizando a Corte Europeia a exercer competência consultiva, foi ratificado por todos os Estados. Os Protocolos números 3 e 5, relativos à norma de procedimento, foram igualmente ratificados por todos os Estados. Entretanto, o Protocolo n. 4, que cuida da proibição de prisão por inexecução de obrigação contratual, da liberdade de circulação e residência e do direito de toda pessoa deixar não importa qual país (1963), foi ratificado por apenas 13 Estados. Em março de 2013, o Protocolo n. 6 relativo à abolição da pena de morte só não foi ratificado pela Rússia; o Protocolo n. 7 que trata de direitos do estrangeiro, do direito a recorrer de sentença para Tribunal Superior em assuntos criminais, de indenização por condenação equivocada, do direito a não ser julgado e punido duas vezes e da igualdade entre cônjuges só foi ratificado por 43 membros, pois Turquia, Países Baixos e Alemanha não o ratificaram e Grã-Bretanha não o assinou; o Protocolo n. 8, que cuida de alterações relativas à Corte Europeia, foi ratificado por todos os membros; o Protocolo n. 9 foi revogado pelo Protocolo n. 11, assim como o Protocolo n. 10 ficou sem objeto; o Protocolo n. 11, que é a grande alteração dos Protocolos prévios e da estrutura da Corte Europeia, pois revoga a cláusula de reconhecimento facultativo de sua jurisdição, o que obriga todos os Estados membros a se submeterem às suas decisões, foi ratificado por todos os membros; o Protocolo n. 12, que trata de proibição geral a qualquer tipo de discriminação, ainda está aberto para assinaturas, foi assinado por 19 Estados e ratificado por 18; o Protocolo n. 13 é relativo à abolição da pena de morte em todas as circunstâncias (sem espaço para derrogação e reservas) também está aberto para assinatura e já conta com 43 ratificações, duas assinaturas e com a omissão de Rússia e Azerbaijão; por fim, o Protocolo n. 14, que trata da alteração do sistema de controle judicial da Convenção e que está aberto para assinaturas detém todas as 47 ratificações. Cabe atentar para o fato de que o Conselho da Europa não pode ser confundido com o Conselho da União Europeia, porque o primeiro refere-se a uma organização internacional, sediada em Estrasburgo, que tem por objetivo promover a democracia, proteger os direitos humanos e o Estado de Direito na Europa. O segundo é composto pelos Chefes de Estado e de Governo dos países membros da União Europeia que se reúnem pelo menos duas vezes ao ano para planejar as políticas públicas do bloco. A confusão em se identificar cada um deles pode advir, a partir dos nomes parecidos, da existência da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia, assinada e proclamada em Nice em 07 de dezembro de 2000 e proclamada novamente em Estrasburgo em 12 de dezembro de 2007, por conta de sua alteração. Segundo Sidney Guerra, a Carta representa “grande avanço na proteção dos direitos humanos fundamentais”, porque elenca também os direitos sociais e econômicos e reúne todos os direitos, antes dispersos em diversos diplomas do Sistema Regional Europeu, da ONU e da OIT em um só documento. Além disso, enumera direitos sobre proteção de dados e bioética que não constam na Convenção Europeia. Em 1º de dezembro de 2009 entrou em vigor o Tratado de Lisboa que atribuiu personalidade jurídica à União Europeia, o que levou à concessão de efeito jurídico vinculativo à Carta de Nice. Nesse sentido: COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 283;  GUERRA, Sidney. Direito internacional dos direitos humanos. p. 143-145. A Convenção Americana entrou em vigor em 17 de julho de 1978, com a décima-primeira ratificação exigida pelo Documento. Assinada em São José da Costa Rica em 1969 (e por isso é conhecida como Pacto de São José da Costa Rica), levou nove anos para entrar em vigor. O processo histórico de formação da Convenção Americana pode ser visto em: BAUER, Carlos Garcia. La convención americana sobre derechos humanos. In: Estudios de derecho internacional: homenaje al Professor Miaja de la Muela. Madrid: Tecnos, 1979; ESPIELL, Hector Gros. Le système interaméricain comme système régional de protection international des Droits de l'homme. Tome II. Haia: Recueil des Cours, Académie de Droit International, 1976. Ainda: VASAK, Karel. La Commission Interaméricaine des Droits de l'Homme. Paris: Librairie générale de droit et de jurisprudence, 1978. No Brasil, conferir: BOSON, Gerson de Britto Mello. Internacionalização dos Direitos do Homem. São Paulo: Sugestões Literárias, 1972. O Congresso Nacional brasileiro aprovou o texto do Pacto de São José da Costa Rica com o Decreto Legislativo n. 27, de 26 de maio de 1992. Assim, o Brasil depositou sua Carta de Adesão em 25 de setembro de 1992 tendo, logo após, feito sua promulgação por meio do Decreto n. 678, de 06 de novembro do mesmo ano, mas com declaração interpretativa dos artigos 43 e 48, alínea d. Estes tratam da obrigação de prestar informações à Comissão Interamericana de Direitos Humanos quando requisitado e, sendo necessário, das investigações realizadas in loco pela Comissão. A ressalva brasileira dispõe que não há direito automático de visitas e inspeções da Comissão, pois esta necessita da anuência expressa do Brasil para o seu exercício. Ainda, pelo Decreto Legislativo n. 89, de 03 de dezembro de 1998, o Congresso Nacional aprovou a solicitação de reconhecimento da competência obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos para fatos a partir dessa data. O Brasil depositou a declaração na Secretaria-Geral da OEA em 10 de dezembro de 1998, e o Decreto n. 4.463, de 11 de novembro de 2002 promulgou a declaração, sob a reserva da reciprocidade e para fatos posteriores à data de depósito. Uma análise geral do Pacto europeu pode ser vista em: VASAK, Karel. La Convention Européenne des Droits de l'Homme. Recomenda-se, também, a consulta aos manuais publicados pelo Conselho da Europa. A bibliografia sobre o tratado europeu é vastíssima. No Brasil, conferir: PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional; COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos; GUERRA, Sidney. Direito internacional dos direitos humanos; MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Tratados internacionais de direitos humanos e direito interno. São Paulo: Saraiva, 2010.

[15] Deve-se notar que, em março de 2013, a composição dos Sistemas Regionais mudou bastante, geográfica, econômica e culturalmente. No Contexto da OEA há 35 países-membros e, como já afirmado, no Conselho da Europa há 47 Estados-membros. Geograficamente, o Canadá foi incluído no rol dos representantes permanentes da OEA em 1990, assim como Belize e Guiana em 1991 e em 2009 os Ministros das Relações Exteriores das Américas decidiram por cessar os efeitos da Resolução de 1962 que excluiu a participação de Cuba no sistema interamericano, dependendo seu retorno de própria solicitação. Economicamente, pode-se afirmar que há consonância hemisférica não apenas entre Estados Unidos e Canadá hoje, mas também com potências emergentes como Brasil, México e Argentina, esta em menor medida, que participam de fóruns mundiais multilaterais financeiros e econômicos como o G20 e, somente no caso do Brasil, BRICS, e podem, com maior força e facilidade que antes, determinar questões políticas relativas a seus interesses nacionais. No Contexto do Conselho da Europa, percebe-se o incremento de novos membros, especialmente daqueles provenientes da ex-União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e de divisões fronteiriças e culturais sucessivas de algumas nações como a ex-Iugoslávia e a ex-Sérvia e Montenegro. Realça-se que Azerbaijão, Geórgia e Turquia, apesar da diferença geográfica de suas regiões para o limite territorial conhecido como europeu também integram o Conselho.

[16] Salvo naqueles Estados que exigem leis de aprovação.

[17] É evidente que esses órgãos não são previstos por todos os sistemas regionais de proteção internacional das liberdades. Mesmo no contexto da OEA e do CE, alguns Pactos foram concluídos sem essa variável. É o caso, por exemplo, da Carta Social Europeia (Turim, 18 de Outubro de 1961), da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e da Carta Internacional Americana de Garantias Sociais. Também outras convenções internacionais de proteção surgiram na década de 1990: a Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher (“Convenção de Belém do Pará”, de 09 de junho de 1994); a Convenção Interamericana para eliminação de todas as formas de discriminação contra pessoas portadoras de deficiência (Cidade da Guatemala, 08 de junho de 1999); Convenção Europeia sobre o exercício dos direitos da criança (Estrasburgo, 25 de janeiro de 1996). Os meios de proteção e controle do Protocolo de São Salvador são descritos no artigo 19 e se referem à prática compromissada dos Estados signatários de enviarem “informes periódicos” à Secretaria-Geral da OEA acerca de suas medidas adotadas que garantam o respeito devido aos direitos enumerados em seus respectivos territórios. Havendo o descompromisso, ou apenas falta de progresso na proteção, a Comissão Interamericana poderá formular recomendações e/ou observações ao caso concreto dos Estados-membros. A Carta Social Europeia estabelece: i) um número mínimo de direitos que os membros devem se comprometer a proteger; ii) que há obrigação de os membros enviarem relatório relativo à aplicação dos direitos escolhidos a cada dois anos; iii) que a pedido do Comitê de Ministros também enviarão relatórios relativos às disposições não aceites; iv) que os relatórios serão analisados por Comitê de Peritos competentes em matérias sociais internacionais que darão suas conclusões; v) que organizações internacionais relacionadas à matéria trabalhista participarão da análise dos relatórios; vi) que tais documentos também serão submetidos ao Subcomitê do Comitê Social Governamental do Conselho da Europa; vii) que a Assembleia Consultiva dará parecer sobre as conclusões dos Peritos; e viii) com base em todas as declarações do Comitê, Subcomitê e Assembleia, o Conselho de Ministros poderá, apenas por maioria de 2/3 dos membros, dirigir as recomendações necessárias a cada membro (artigos 20 a 29). Nesse sentido: GUERRA, Sidney. Direito internacional dos direitos humanos. p. 171; PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e justiça internacional. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 107.

[18] Cumpre chamar a atenção para a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, adotada pela Organização da Unidade Africana, quando da décima oitava Assembléia dos Chefes de Estado e de Governo, passada em Nairóbi no mês de julho de 1981. A partir do ano 2000 a OUA passa a se denominar União Africana ainda congregando todos os 54 Estados africanos (ainda que o Marrocos tenha se retirado, o recém-criado Sudão do Sul ratificou o Ato Constitutivo da UA em 15 de agosto de 2011), com sede em Addis Abeba e tendo como um de seus objetivos fundamentais o respeito aos direitos humanos. A Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos foi adotada em resposta às violações de direitos humanos ocorridas na década de 1970. Assim, além de consagrar os direitos civis e liberdades individuais, é distinta da Europeia e Americana ao trazer em seu bojo os direitos dos povos (direitos coletivos) tais como o direito à autodeterminação (artigo 20), à livre disposição de seus recursos naturais (artigo 21), à segurança nacional (artigo 22) e ao desenvolvimento cultural, social e econômico (artigo 23). Nota-se que o preâmbulo reconhece que a satisfação dos direitos culturais, econômicos e sociais garante o gozo dos direitos civis e políticos. A inclusão desses direitos e a necessidade de protegê-los na principal Carta de uma organização internacional que tem por objetivo a unidade, a integração e o desenvolvimento africanos explica-se, em grande medida, por meio da história de colonialismo e neocolonialismo por que passou a maior parte dos países africanos nos séculos XIX e XX. A Carta Africana previu a existência da Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos que poderá adotar resoluções, interpretar dispositivos da Carta e apreciar petições de particulares ou ONGs e relatórios sobre mecanismos de promoção encaminhados bienalmente pelos Estados-membros, mas sem poder emitir decisões juridicamente vinculantes. Em Protocolo Adicional de junho 1998 criou-se a Corte Africana de Direitos Humanos e dos Povos, entrando em vigor apenas em janeiro de 2004 – até março de 2013, 24 Estados haviam ratificado o Protocolo. A Corte Africana dará maior eficácia à atuação da Comissão, conjugando mecanismos de consulta (emissão de opiniões sobre interpretação) com o contencioso (casos submetidos por Estado ou organização internacional africana ou por particulares e ONGs, desde que haja anuência declarada do Estado para tanto). Por fim, a Corte poderá ordenar soluções e reparações juridicamente vinculantes e medidas liminares para casos extremos e urgentes. Sobre assunto em detalhes, ver: PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e justiça internacional. p. 189-203; GUERRA, Sidney. Direito internacional dos direitos humanos. p. 153-164.

[19] HERAUD, Guy. Les droits garantis par la convention. La protection internationale des droits de l'homme dans le cadre européen. In: Annales de la Faculté de Droit et des Sciences Politiques et Économiques de Strasbourg. Paris: Dalloz, 1961.

[20] HERAUD, Guy. Les droits garantis par la convention. p. 107 a 110. O Conselho da Europa evoluiu, mais tarde, com a aprovação de novos pactos como a Carta Social Europeia, que entrou em vigor quase 12 anos após o lançamento da Convenção Europeia, e que em 1996 foi revisada, com o objetivo de transpor ao plano europeu algumas ideias da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948; e 14 protocolos que consagram a proteção de direitos ou ampliam o direito de petição e a estrutura da Corte Europeia o que é o caso do Protocolo n. 11. Este protocolo adicional passou a permitir às pessoas (físicas, organizações, religiosas, sindicatos, etc.) e às ONGs o direito de acesso direto à Corte Europeia (artigo 34 – direito de petição individual) e tornou obrigatória a cláusula de jurisdição facultativa (artigo 32). Assim, ver: PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e justiça internacional. p. 107-108 e 112-113.

[21] Sem desconhecer o caráter unitário dos direitos humanos, convém concordar que essa filosofia, entretanto, pode suscitar alguns problemas, especialmente em relação à possibilidade de sanção internacional da violação de alguns desses direitos. Não obstante, a política jurídica de vocação unitária e integral é a preferida dos juristas latino-americanos. Cuida, porém, a Convenção Americana, também dos direitos sociais, econômicos e culturais, de modo programático e cauteloso. Daí a razão da adoção, mais tarde (1988), do Protocolo Adicional à Convenção Americana de Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.  Este protocolo é conhecido como “Protocolo de San Salvador” e está em vigência desde 1999 contando em março de 2013 com 16 Estados-membros. PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e justiça internacional. p. 129; GUERRA, Sidney. Direito internacional dos direitos humanos. p. 182.

[22] Notadamente em relação a uma categoria especifica de direitos, como será analisado adiante. Mas não se pode esquecer que as normas relativas aos direitos civis e políticos (única categoria de direitos a ser tratada pela CEDH) podem atingir o mesmo grau de eficácia jurídica nos dois Pactos.

[23] MARCUS-HELMONS, Silvio. Notas de curso na disciplina de “Proteção Internacional dos Direitos do Homem”. Louvain: Faculté de Droit de l' Université Catholique de Louvain (Belgique), 1985.

[24] Rui Barbosa expõe a doutrina e a jurisprudência americanas sobre o assunto em: BARBOSA, Rui. Comentários à Constituição Brasileira. V. II. São Paulo, 1933. p. 475 e seguintes.

[25] Conforme propõe Virgílio Afonso da Silva: “(...) se tudo é restringível, perde sentido qualquer distinção que dependa da aceitação ou rejeição de restrições a direitos; logo, não se pode distinguir entre normas de eficácia plena e normas de eficácia contida ou restringível. Além disso, se tudo é regulamentável e, mais do que isso, depende de regulamentação para produzir todos os seus efeitos, perde sentido qualquer distinção que dependa da aceitação ou rejeição de regulamentações a direitos; logo, não pode distinguir entre normas de eficácia plena e normas de eficácia limitada.” (SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 246-247).

[26] Não obstante a crítica de Valério de Oliveira Mazzuoli (MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Tratados internacionais de direitos humanos e direitos interno. p. 83-86) para quem, com fundamento na obra de Cláudia Lima Marques, o direito pós-moderno reclama, para a solução de conflitos normativos, soluções dialógicas e não monossoluções como as que decorrem do manejo da distinção entre regras e princípios, particularmente em Alexy (ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008).

[27] CRISAFULLI, Vezio. La costituzione e le sue disposizioni di principio. Milano: Giuffrè, 1952.

[28] SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 73.

[29] SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 73.

[30] SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 73.

[31] SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 73.

[32] SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 73.

[33] É evidente que em certas circunstâncias o consenso entre os Estados contratantes quanto a certos direitos não excede as fronteiras das fórmulas vagas. Todavia, este é um primeiro passo para a realização de novos acordos ou para a afirmação de uma jurisprudência internacional conferindo entendimento caracterizado sempre por maior precisão.

[34] Em compensação, apresenta um número maior de normas de eficácia contida.

[35] Essas normas implicam para os Estados Partes obrigações de resultado, implicando realização de prestações de caráter positivo.

[36] Estas seriam as normas que a doutrina convencionou chamar de normas de legislação. Anunciam um instituto ou declaram um princípio de organização ou regulação de uma matéria. Sobre isso, conferir SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. p. 74-75.

[37] Art. 17, § 1º: “A família é o elemento natural e fundamental da sociedade; ela deve ser protegida pela sociedade e pelo Estado”.

[38] Art. 19: “Toda criança tem o direito às medidas de proteção que exige sua condição de menor, da parte da família, da sociedade e do Estado”.

[39] Ainda, mais uma vez, é emprestada a categoria desenvolvida por José Afonso da Silva. Convém lembrar que as normas de eficácia limitada correspondem, na visão de Celso Ribeiro Bastos e Carlos Ayres Britto, às de integração completáveis (quanto ao modo de incidência) e às de eficácia parcial complementáveis (quanto à produção de efeitos). Cf. BASTOS, Celso Ribeiro; BRITTO, Carlos Ayres. Interpretação e aplicabilidade das normas constitucionais. São Paulo: Saraiva, 1982.

[40] No contexto do Conselho da Europa, os direitos econômicos e sociais são afirmados na Carta Social Europeia (Turim, 18 de outubro de 1961). Entre nós, é verdade, porém, que os dispositivos genéricos constantes da CADH foram precisados, mais tarde, em função da conclusão de Protocolo Adicional cuidando dos direitos sociais, econômicos e culturais. Há, portanto, agora, convergência em relação às práticas do Conselho Europeu e da OEA. .Tal Protocolo Adicional é o de São Salvador, adotado em 1988, que entrou em vigor após o depósito do 11º instrumento de ratificação na Secretaria-Geral da OEA em novembro 1999. O Brasil a ele aderiu depositando seu instrumento de ratificação em 21 de agosto de 1996 após o Congresso Nacional aprovar o Decreto Legislativo n. 56, de 19 de abril de 1995 aprovando o texto do tratado. O Protocolo foi promulgado pelo Decreto n. 3.321, de 30 de dezembro de 1999.

[41] Neste assunto, segue-se, de algum modo, o raciocínio de HERAUD, Guy. Les droits garantis par la convention. p. 111-119. Para o autor, o campo de aplicação da Convenção Europeia desenvolve-se em quatro dimensões: (i) ratione personae, (ii) ratione loci, (iii) ratione temporis e (iv) ratione materiae.

[42] HERAUD, Guy. Les droits garantis par la convention. p. 111.

[43] EISSEN, Marc-André. Colloque organisé par la Faculté de Droit et des Sciences Politiques et Économiques de Strasbourg sur la protection internationale des droits de l'homme dans le cadre européen. In: Annales de la Faculté de Droit et des Sciences Politiques et Économiques de Strasbourg. Paris: Dalloz, 1961. p. 199.

[44] EISSEN, Marc-André. Colloque organisé par la Faculté de Droit et des Sciences Politiques et Économiques de Strasbourg sur la protection internationale des droits de l'homme dans le cadre européen. p. 199.

[45] Art. 1º, § 2º, da Convenção americana: “Aos efeitos da presente Convenção, todo ser humano é uma pessoa”.

[46] A opinião doutrinária reconhece a proteção da pessoa humana, sem se referir à pessoa jurídica ou moral, como nuclear para a Convenção Americana. Veja-se: COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. p. 380; PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e justiça internacional. p. 128-129; GUERRA, Sidney. Direito internacional dos direitos humanos. p. 181. Mas sobre o assunto, é relevante o Caso Povo Saramaka Vs. Suriname, julgado pela Corte Interamericana em 28 de novembro de 2007. Em síntese, os fatos são os seguintes: o Povo Saramaka ocupa as mesmas terras há gerações, mas na época dos acontecimentos descritos se sentiu ameaçado pelo Estado quando este não adotou medidas para o reconhecimento de seus direitos à propriedade e à sua manutenção em conformidade com costumes ancestrais de sistema comunal. O Estado também não garantiu o acesso da comunidade à justiça para defender seus direitos coletivamente. Uma das razões da decisão trata especificamente do artigo 3º da Convenção Americana que garante o direito ao reconhecimento da personalidade jurídica. A fundamentação dos julgadores nesse quesito tem a seguinte construção: ainda que o Suriname garanta a personalidade jurídica a todos os cidadãos, e que os membros do Povo Saramaka, individualmente, possam usufruir dos direitos desse reconhecimento decorrentes, a comunidade tribal Saramaka não pode ingressar em juízo para defender os direitos de sua própria cultura, ligada essencialmente à propriedade em que vivem e trabalham. Dessa maneira, a Corte decidiu por unanimidade que o Estado deverá garantir o reconhecimento de personalidade jurídica coletiva à Comunidade Saramaka, em especial por sua distinção de grupo autóctone, para que esta possa discutir seus direitos em juízo coletivamente.

[47] Segundo o art. 16 da Convenção Europeia, “nenhuma das disposições dos artigos 10, 11 e 14 pode ser considerada como interditando as partes contratantes de impor restrições à atividade política de estrangeiros”.

[48] Como se vê, a Convenção Americana autoriza também a imposição de restrições à atividade política de estrangeiros por meio da noção de “segurança nacional” referida nos artigos 15, 16 (direitos de reunião e associação) e 13, § 2º, “b” (liberdade de pensamento e expressão).

[49] Utiliza-se a expressão tópico no sentido atribuído por: VIEHWEG, Theodor. Tópica e Jurisprudência. Brasília: Departamento de Imprensa Nacional, 1979.

[50] HERAUD, Guy. Les droits garantis par la convention. p. 113.

[51] Dispõe o § 2º do art. 58 da Convenção Europeia: “Cette dénonciation ne peut avoir pour effet de délier la Haute Partie Contractant intéressée des obligations contenues dans la présente Convention en ce qui conceme tout fait qui, pouvant constituer une violation de ces obligations, aurait été accompli par elle antérieurement à la date à laquelle la dénonciation produit effet”. A Convenção americana disciplina o assunto no § 2º do art. 78, praticamente repetindo o conteúdo expresso acima.

[52] Art. 27, § 2º.

[53] Utiliza-se a expressão détounement de pouvoir para definir eventual violação à proibição constante do art. 18 da Convenção Europeia: “Les restrictions qui, aux terrnes de la présente Convention, sont apportées aux dits droits et libertés ne peuvent être appliquées que dans le but pour lequel elles ont été prévues”. Acompanha-se o raciocínio de M. Heumann (HEUMANN, M. Les Droits Garantis par la Convention Européenne des droits de l'homme: Etude des limitations de ces droits. In: Annales de la Faculté de Droit et des Sciences Politiques et Économiques de Strasbourg. Paris: Dalloz, 1961.  p. 143-161).

[54] Conforme os artigos 57 e 75, respectivamente, dos Pactos Europeu e Americano.

[55] Art. 57, § 1º.

[56] Conforme HEUMANN, M. Les Droits Garantis par la Convention Européenne des droits de l'homme: Etude des limitations de ces droits.

[57] Art. 29, b.

[58] Art. 29, c.

[59] Art. 29, d.

[60] Art. 32, §§ 1º e 2º.

[61] Artigos 13 e 25, respectivamente, dos Tratados Europeu e Americano. 

[62] CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. O Esgotamento de recursos internos no direito internacional. Brasília: UNB. 1997; CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Direito internacional e direito interno: sua interação na proteção dos direitos humanos: instrumentos internacional de proteção dos direitos humanos. São Paulo: Procuradoria Geral do Estado, 1996. Também ver: CONCI, Luiz Guilherme Arcaro. O controle de convencionalidade no sistema interamericano de diretos humanos e o princípio ‘pro homine’. In: CONCI, Luiz Guilherme Arcaro; POZZOLO, Calogero.  Direito Constitucional Transnacional. Belo Horizonte: Fórum, 2012; PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional; PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e justiça internacional.

[63] Art. 42 do Pacto Americano.

[64] Art 41, d.

[65] É o caso, ainda, do Recurso Constitucional da Alemanha. Cf. CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1984.

[66] Para os Estados contratantes, o princípio “do esgotamento das vias nacionais compatíveis” não se aplica. Tal princípio dirige-se apenas aos particulares. Essa regra encontra-se regulada de forma distinta no Pacto Americano e no Europeu. O tratado europeu dispõe simplesmente (art. 35) que o Tribunal pode ser provocado após o esgotamento dos recursos internos. Quanto ao tratado americano, cuidando da Comissão, a regra é relativizada em função: (i) da inexistência na legislação do Estado considerado de procedimento judiciário para a proteção do direito cuja violação é alegada (art. 46, § 2º, a), (ii) do impedimento do acesso ao recurso interno e, finalmente, em função de (iii) um atraso injustificado na decisão das instâncias provocadas.

[67] Convenção Europeia, art. 32 na numeração anterior à decorrente do Protocolo n. 11.

[68] O art. 44 da Convenção Europeia, com a redação antiga, previa que apenas as partes contratantes e a Comissão podiam provocar a Corte. O reconhecimento da jurisdição da Corte devia ser formalizado mediante declaração (art. 46). Extinta a Comissão, após o Protocolo n. 11, na forma do que dispõe o art. 34 da CEDH, com a nova numeração do articulado normativo, qualquer pessoa, organização não governamental ou grupo de indivíduos pode provocar a atuação da Corte. Por outro lado, o reconhecimento da jurisdição da Corte é, agora, automático. Nos termos do art. 32 da CEDH, “A competência do Tribunal abrange todas as questões relativas à interpretação e à aplicação da Convenção e dos respectivos Protocolos que lhe sejam submetidas nas condições previstas pelos artigos 33, 34 e 47.

[69] Conforme art. 50 do Tratado Europeu, na antiga redação anterior ao Protocolo n. 11.

[70] Art. 44 da CEDH.

[71] Art, 45 da CEDH.

[72] Art. 46 da CEDH.

[73] Art. 63 da CADH. Ademais, o art. 25 do Regulamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (2009), dispõe sobre as seguintes medidas cautelares: “Artigo 25.  Medidas cautelares. 1. Em situações de gravidade e urgência a Comissão poderá, por iniciativa própria ou a pedido da parte, solicitar que um Estado adote medidas cautelares para prevenir danos irreparáveis às pessoas ou ao objeto do processo relativo a uma petição ou caso pendente. 2. Em situações de gravidade e urgência a Comissão poderá, por iniciativa própria ou a pedido da parte, solicitar que um Estado adote medidas cautelares para prevenir danos irreparáveis a pessoas que se encontrem sob sua jurisdição, independentemente de qualquer petição ou caso pendente. 3. As medidas às quais se referem os incisos 1 e 2 anteriores poderão ser de natureza coletiva a fim de prevenir um dano irreparável às pessoas em virtude do seu vínculo com uma organização, grupo ou comunidade de pessoas determinadas ou determináveis. 4. A Comissão considerará a gravidade e urgência da situação, seu contexto, e a iminência do dano em questão ao decidir sobre se corresponde solicitar a um Estado a adoção de medidas cautelares. A Comissão também levará em conta: a. se a situação de risco foi denunciada perante as autoridades competentes ou os motivos pelos quais isto não pode ser feito; b. a identificação individual dos potenciais beneficiários das medidas cautelares ou a determinação do grupo ao qual pertencem; e c. a explícita concordância dos potenciais beneficiários quando o pedido for apresentado à Comissão por terceiros, exceto em situações nas quais a ausência do consentimento esteja justificada. 5. Antes de solicitar medidas cautelares, a Comissão pedirá ao respectivo Estado informações relevantes, a menos que a urgência da situação justifique o outorgamento imediato das medidas. 6.  A Comissão avaliará periodicamente a pertinência de manter a vigência das medidas cautelares outorgadas. 7.  Em qualquer momento, o Estado poderá apresentar um pedido devidamente fundamentado a fim de que a Comissão faça cessar os efeitos do pedido de adoção de medidas cautelares. A Comissão solicitará observações aos beneficiários ou aos seus representantes antes de decidir sobre o pedido do Estado. A apresentação de tal pedido não suspenderá a vigência das medidas cautelares outorgadas. 8. A Comissão poderá requerer às partes interessadas informações relevantes sobre qualquer assunto relativo ao outorgamento, cumprimento e vigência das medidas cautelares. O descumprimento substancial dos beneficiários ou de seus representantes com estes requerimentos poderá ser considerado como causa para que a Comissão faça cessar o efeito do pedido ao Estado para adotar medidas cautelares. No que diz respeito às medidas cautelares de natureza coletiva, a Comissão poderá estabelecer outros mecanismos apropriados para seu seguimento e revisão periódica. 9. O outorgamento destas medidas e sua adoção pelo Estado não constituirá pré-julgamento sobre a violação dos direitos protegidos pela Convenção Americana e outros instrumentos aplicáveis”. Uma Medida Cautelar editada pela Comissão e que envolveu questão de grande repercussão no âmbito nacional foi a  MC 382/2010 - Comunidades Indígenas da Bacia do Rio Xingu, Pará, Brasil. Em 1 de abril de 2011, a CIDH outorgou medidas cautelares a favor dos membros das comunidades indígenas da bacia do Rio Xingu. A solicitação de medida cautelar alegava que a vida e integridade pessoal dos beneficiários estariam em risco pelo impacto da construção da usina hidroelétrica Belo Monte. Em 29 de julho de 2011, durante o 142º Período de Sessões, a CIDH avaliou a MC 382/2010 com base na informação enviada pelo Estado e pelos peticionários, e modificou o objeto da medida. Além disso, decidiu que o debate entre as partes no que se refere a consulta prévia e ao consentimento informado em relação ao projeto Belo Monte se transformou em uma discussão sobre o mérito do assunto, tema que supera o âmbito do procedimento de medidas cautelares.

[74] Art. 66 da CADH.

[75] Deve-se observar que nos termos do art. 61 da Convenção Americana, apenas os Estados-partes e a Comissão possuem o direito de submeter um caso à Corte. Logo, de acordo com o regulamento da Comissão, em seu art. 44, se esta entender que o Estado não cumpriu suas recomendações, poderá submeter o caso à Corte. Aduz Flávia Piovesan que: “O novo Regulamento introduz, assim, a justicialização do sistema interamericano. Se, anteriormente, cabia à Comissão Interamericana, a partir de uma avaliação discricionária, sem parâmetros objetivos, submeter à apreciação da Corte Interamericana caso em que não se obteve solução amistosa, com o novo Regulamento, o encaminhamento à Corte se faz de forma direta e automática. O sistema ganha maior tônica de ‘juridicidade’, reduzindo a seletividade política, que, até então, era realizada pela Comissão Interamericana.” (PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. p. 333).

[76] Esses dois órgãos da administração pública, embora ostentando inicialmente apenas competência consultiva, adquiriram uma autoridade moral suficiente para impedir decisões da Administração contrastantes de seus entendimentos. Consultar a propósito: HUBERLANT, Charles. Notes du Cours de Contentieux Administratif. Faculté de Droit. Université Catholique de Louvain. Belgique, 1984.

[77]  A Comissão é anterior à convenção. Foi criada em 1959, por ocasião da quinta reunião de consulta, realizada em Santiago do Chile (Resolução VIII). Sua competência, num primeiro momento, era diminuta. Mas já em novembro de 1965, na segunda Conferência Interamericana Extraordinária, recebeu novas competências. Mas foi somente por meio do Protocolo de Buenos Aires que revisou a Carta da OEA, em 1967, que à Comissão foi conferido tratamento adequado. De “entidade autônoma da OEA”, dotada de modestas atribuições, transformou-se em órgão definitivo, um daqueles por intermédio dos quais a OEA realiza seus fins (art. 51, § 3º, da Carta). Atualmente, a Comissão exerce duas funções: a primeira como órgão da OEA; a segunda como órgão da Convenção Americana. Tais funções restam amalgamadas quando se trata de Estados que, membros da OEA, são igualmente partes na Convenção Americana sobre Direitos do Homem. Sobre isso ver: ESPIELL, Hector Gros. Le système interaméricain comme régime régional de protection internationale des droits de l'homme. p. 2-55.

[78] A Corte, com efeito, vem alcançando uma respeitabilidade digna de registro. Conta, atualmente, com cerca de trezentos casos decididos, muitos substanciando leading cases. É evidente que a autoridade da Corte depende, também, da acolhida de sua jurisprudência pelos Estados-Partes. Decisivo para isso, ainda, é a abertura das instâncias judiciais internas para o diálogo com a jurisprudência da Corte de São José da Costa Rica. Sobre o assunto consultar: MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Tratados internacionais de direitos humanos e direito interno; CONCI, Luiz Guilherme Arcaro. Controle de convencionalidade e constitucionalismo latino-americano. Tese (Direito) – Programa de Pós-graduação em Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2012; HERRERA, Orlando Mejía. El diálogo entre tribunales: la jurisprudência del Tribunal de Justicia de la Unión Europea como fuente de inspiración para los tribunales de los sistema de integración latinoamericanos. In: Boletín Electrônico Sobre Integração Regional del Cipei. Nicarágua, v. 1, p. 14-34, Mayo, 2011 e BAZÁN, Víctor. Corte Interamericana de Derechos Humanos y Cortes Supremas ou Tribunales Constitucionales Latinoamericanos: el control de convencionalidad y la necesidade de um diálogo interjurisdiccional crítico. In: Revista Europea de Derechos Fundamentales. Valência: Espanha, n. 16, 2012.

[79] Para Rui Barbosa os direitos constituem medidas declaratórias, substanciando meios assecuratórios as garantias. Porém, a distinção entre as duas noções nem sempre é transparente. BARBOSA, Rui. República: teoria e prática. Petrópolis/Brasília: Vozes - Câmara dos Deputados, 1978. p. 121.

[80] Sobre o tema: BARROSO, Luís Roberto. A dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo: a construção de um conceito jurídico à luz da jurisprudência mundial. Belo Horizonte: Fórum, 2012; SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011.

[81] Deve-se notar que na Convenção Europeia não possui dispositivo expresso que venha a proteger a dignidade humana, trata-se do tema apenas na exposição de motivos do Protocolo n. 13, da seguinte maneira: “Convictos de que o direito à vida é um valor fundamental numa sociedade democrática e que a abolição da pena de morte é essencial à protecção deste direito e ao pleno reconhecimento da dignidade inerente a todos os seres humanos (...)”. O espectro da Corte Europeia é bastante limitado no que tange ao tema, a referência mais comum trata do art. 3º da Convenção Europeia, que proíbe a tortura, ver: CASE OF TYRER v. THE UNITED KINGDOM, Application n. 5856/1972, julgado em 25 de abril de 1978 e CASE OF GEANOPOL v. ROMANIA, Application n. 1777/2006, julgado em 5 de março de 2013. No que diz respeito à Corte Interamericana, há vasta jurisprudência sobre a questão, ver: Caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras, julgado em 26 de junho de 1987, que trata do desaparecimento forçado de um oficial das Forças Armadas hondurenhas; Caso Neira Alegría e outros Vs. Perú, julgado em 11 de dezembro de 1991, que trata do desaparecimento de três cidadãos peruanos na prisão, ocorrido ante o estabelecimento das Forças Armadas no controle do sistema prisional do país; Caso dos “Meninos de rua” (Villagrán Morales y otros) Vs. Guatemala, julgado em 11 de setembro de 1997, que trata do sequestro, tortura e assassinato de cinco jovens que viviam nas ruas; Caso del Penal Miguel Castro Castro Vs. Perú, julgado em 25 de novembro de 2006, que, em decorrência de uma operação no sistema prisional peruano várias pessoas foram vitimadas, restando o Estado peruano responsabilizado pela morte, ferimento, o trato cruel, desumano e degradante dos presos.

[82] Esse direito evita situações inadmissíveis como as que, no passado,eram comuns na África do Sul. Sobre isso, BRAECICMAN, Colette. L'Afrique du Sud au toumant. Jornal Le Soir, 12.6.1985.

[83] ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

[84] VASAK, Karel. La Convention Européenne des Droits de l'Homme. p. 75.

[85] HERAUD, Guy. Les droits garantis par la convention. p. 121.

[86] HERAUD, Guy. Les droits garantis par la convention. p. 122. Consulte-se, ainda, a decisão prolatada sobre o pedido (requête) n. 104/1955 (decisão de 18 de dezembro de 1955). Annuaire I, p. 228, In: VASAK, Karel. La Convention Européenne des Droits de l'Homme. p. 75. À Convenção Europeia foi acrescido o Protocolo n. 12 no ano 2000, cuidando da interdição geral de discriminação. Contudo, a posição jurisprudencial anterior da Corte foi relativamente mantida. Eis que, reconhece a presença da discriminação em casos específicos como aquelas baseadas na raça ou na etnia, CASE OF D.H. AND OTHERS v. THE CZECH REPUBLIC, Application n. 57325/2000, julgado em 13 de novembro de 2007 e CASE OF SEJDI? AND FINCI v. BOSNIA AND HERZEGOVINA, Applications ns. 27996/2006 e 34836/2006, julgados em 22 de dezembro de 2009, ou nos casos relativos a discriminações em razão da orientação sexual, CASE OF SCHALK AND KOPF v. AUSTRIA, Application n. 30141/2004, julgado em 22 de novembro de 2010, porém, não aceita qualquer alegação de discriminação como a realizada com base no argumento da propriedade no CASE OF CHABAUTY v. FRANCE, Application n. 57412/2008, julgado em 4 de outubro de 2012.

[87] No âmbito da Corte Interamericana de Direitos Humanos ver: Caso Yatama Vs. Nicaragua, julgado em 23 de junho de 2005, no qual a Corte entendeu não haver justificação para a exclusão, portanto, da realização de discriminação injustificada do partido político indígena Yatama (Yapti Tasba Masraka Nanih Asla Takanka) condenando o Estado da Nicarágua a adotar diversas medidas reparadoras, dentre elas, a reforma de sua legislação eleitoral e a indenização dos afetados; Caso das meninas Yean e Bosico Vs. República Dominicana, julgado em 8 de setembro de 2005, que trata de meninas nascidas na República Dominicana, porém, de ascendência haitiana, no qual restou reconhecida a violação por parte do Estado aos direitos de nacionalidade, igualdade perante a lei, ao nome, ao reconhecimento da personalidade jurídica e à integridade pessoal das solicitantes. Ademais, neste Caso, o Estado foi condenado a reconhecer a nacionalidade das solicitantes, pagar indenizações e pedir desculpas às vítimas.

[88] A proposição de inclusão foi feita pela Assembleia Consultiva do Conselho da Europa. O texto da regra seria o seguinte: “Tout individu a droit à la reconnaissance en tous lieux de sa personnalité juridique”.

[89] Nicos Poulantzas demonstra, sob a perspectiva marxista, a ligação direta entre a categoria de sujeito de direito e a de Direito moderno. POULANTZAS, Nicos. Hegemonía y dominación en el Estado moderno. Córdoba: Cuadernos de Pasado y Presente, 1968.

[90] A proteção concedida aos direitos econômicos, sociais e culturais foi estabelecida no sistema europeu a partir da Carta Social Europeia. No que tange à ONU, há duas convenções que tratam separadamente dos direitos civis e políticos e dos direitos econômicos, sociais e culturais. Segundo Piovesan: “Embora aprovados em 1966 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais entraram em vigor apenas dez anos depois, em 1976, tendo em vista que somente nessa data alcançaram o número de ratificações necessário para tanto. Em maio de 2011, cento e sessenta e sete Estados já haviam aderido ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e cento e sessenta Estados haviam aderido ao Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.” (PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. p. 228).

[91] Embora os direitos econômicos, sociais e culturais impliquem para os Estados também uma obrigação de prestação negativa, uma abstenção, supõem obrigações positivas, caracterizando o que Jean Rivero chama de direitos-crédito, por oposição aos direitos-liberdade. RIVERO, Jean. Les Libertés Publiques: 1- les droits de l'Homme. Paris: PUF, 1973. Ainda, sobre o referido tema ver: ABRAMOVICH, Víctor; COURTIS, Christian. Los derechos sociales como derechos exigibiles. Madrid: Trotta, 2002; ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais; BOROWSKI, Martin. La estructura de los derechos fundamentales. Bogotá: Universidad Externado de Colômbia, 2003; CLÈVE, Clèmerson Merlin. A eficácia dos direitos fundamentais sociais. In: CLÈVE, Clèmerson Merlin. Para uma dogmática constitucional emancipatória. Belo Horizonte: Fórum, 2012; HOLMES, Stephen; SUNSTEIN, Cass. The Cost of Rights: why liberty depends on taxes. New York: Norton, 1999; LEDUR, José Felipe. Direitos Fundamentais Sociais: efetivação no âmbito da democracia participativa. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009; LEIVAS, Paulo Gilberto Cogo. Teoria dos direitos fundamentais sociais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006; PISARELLO, Gerardo. Los derechos sociales y sus garantias. Madrid: Trotta, 2007; QUEIROZ, Cristina. Direitos fundamentais sociais (funções, âmbito, conteúdo, questões interpretativas e problemas de justiciabilidade). Coimbra: Coimbra, 2006; SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. Veja-se o disposto por Flávia Piovesan, no sentido que: “(...) tanto os direitos sociais, econômicos e culturais, como os direitos civis e políticos, demandam do Estado prestações positivas e negativas, sendo equivocada e simplista a visão de que os direitos sociais, econômicos e culturais só demandariam prestações positivas, enquanto os direitos civis e políticos demandariam prestações negativas, ou a mera abstenção estatal. A título de exemplo, cabe indagar qual o custo do aparato de segurança, mediante o qual se asseguram direitos civis clássicos, como os direitos à liberdade e à propriedade, ou ainda qual o custo do aparato eleitoral, que viabiliza os direitos políticos, ou do aparato de justiça, que garante o direito ao acesso ao Judiciário.” (PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. p. 244).

[92] BAUER, Carlos Garcia. La convención americana sobre derechos humanos. p. 539.

[93] Art. 21 da CADH.

[94] Art. 17 da CADH.

[95] Art. 19 da CADH.

[96] Art. 43 da Carta da OEA.

[97] Art. 31 da Carta da OEA.

[98] Arts. 47 e 48 da Carta da OEA.

[99] ESPIELL, Hector Gros. Le système interaméricain comme régime régional de protection internationale des droits de l'homme. p. 19.

[100] BAUER, Carlos Garcia. La convención americana sobre derechos humanos. p. 542.

[101] Os direitos protegidos pelo Protocolo Adicional (Protocolo de San Salvador) são, em suma, os seguintes: a obrigação de adotar medidas; a obrigação de adotar disposições de direito interno; a obrigação de não discriminação; o direito ao trabalho; direitos sindicais; direito à previdência social; direito à saúde; direito ao meio ambiente; direito à alimentação; direito à educação; direito à cultura; direito à família; direitos da criança; proteção da pessoa idosa e proteção de pessoas com deficiência. Os direitos abrangidos pela Carta Social Europeia são, sinteticamente, os seguintes: direito ao trabalho; direito sindical; direito das crianças e adolescentes; direito à orientação e formação profissional; direito à saúde; direito à segurança social; direito à assistência social e médica; direito das pessoas com deficiência; direito à família; direito dos trabalhadores migrantes e, disposto em Protocolo Adicional à Carta Social, o direito de apresentar reclamações coletivas. Percebe-se que, mesmo com tópicos e disposições similares, a Carta Social Europeia possui uma preocupação recorrente com a proteção do trabalho e suas condições de execução, enquanto o Protocolo de San Salvador é mais generoso, ao estender sua proteção ao meio ambiente, à alimentação e ao idoso – pontos omissos na Carta Social Europeia. O comparativo entre os artigos que tratam das pessoas com deficiência é exemplar: veja-se o art. 18 do Protocolo Adicional e o art. 15 da Carta Social. De acordo com Flávia Piovesan: “A Convenção Americana não enuncia de forma específica qualquer direito social, cultural ou econômico, limitando-se a determinar aos Estados que alcancem, progressivamente, a plena realização desses direitos, mediante a adoção de medidas legislativas e outras que se mostrem apropriadas, nos termos do artigo 26 da Convenção. Posteriormente, em 1988, a Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos adotou um Protocolo Adicional à Convenção, concernente aos direitos sociais, econômicos e culturais (Protocolo de San Salvador), que entrou em vigor em novembro de 1999, quando do depósito do 11º instrumento de ratificação, nos termos do artigo 21 do Protocolo.” (PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e justiça internacional. p. 128-129). Ainda, explica a autora que: “O catálogo de direitos da Convenção Europeia compreende fundamentalmente direitos civis e políticos, sob a inspiração do ideário democrático liberal e individualista, a expressar os valores dominantes e consensuais da Europa ocidental. Os direitos sociais, econômicos e culturais advieram apenas com a adoção da Carta Social Europeia, que estabelece a implementação progressiva desses direitos, bem como uma sistemática supervisão restrita a relatórios periódicos, a serem elaborados por Estados-partes e submetidos à apreciação de um Comitê de experts (o Comitê Europeu de Direitos Sociais), a respeito dos avanços alcançados.” (PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e justiça internacional. p. 107).

[102] Leia-se, quanto a isso, o que será dito, mais tarde, sobre a proteção da segurança e liberdade individuais.

[103] Ver o Protocolo n. 13 (2002) que trata da Abolição da Pena de Morte em quaisquer circunstâncias. Art. 2º da própria Convenção: “1. O direito de qualquer pessoa à vida é protegido pela lei. Ninguém poderá ser intencionalmente privado da vida, salvo em execução de uma sentença capital pronunciada por um tribunal, no caso de o crime ser punido com esta pena pela lei.” (grifos nossos).

[104] No caso TYSIAC v. POLAND, Application n. 5.410/2003, julgado em 07 de fevereiro de 2006, a Corte Europeia entendeu que uma mãe que teve o direito ao aborto negado pela Polônia, tendo sido obrigada a manter sua gravidez mesmo possuindo laudos médicos indicando comprovado risco para a vida dela, merecia indenização. No mesmo julgamento, a Corte lembrou que a Convenção Europeia não garante o direito ao aborto, mas sim à vida, opondo-se, inclusive, em outra circunstância (PRETTY v. THE UNITED KINGDOM, Application n. 2.346/2002) a qualquer direito hipotético de retirar uma vida. Sobre o caso paradigmático de três mulheres que tiveram complicações médicas em decorrência da impossibilidade de acesso a serviços de aborto na Irlanda ver: CASE OF A, B AND C v. IRELAND, Application n. 25.579/2005, julgado em 16 de dezembro de 2010, pautado na interpretação do art. 8º da Convenção Europeia de Direitos Humanos.

[105] § 2º do art. 4º da CADH.

[106] § 3º do art. 4º da CADH.

[107] § 5º do art. 4º da CADH.

[108] § 2° do art. 4º da CADH.

[109] Art. 2º, § 2º, a, b e c, da CEDH.

[110] Art. 5º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

[111] O alcance dessas normas não pode ser, pois, nem completado, nem restringido. A propósito ver: Celso Ribeiro Bastos e Carlos Ayres de Britto. BASTOS, Celso Ribeiro; BRITTO, Carlos Ayres. Interpretação e aplicabilidade das normas constitucionais. p. 88.

[112] Art. 6º, § 1º, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

[113] Art. 6º § 2º e § 3º do mesmo Tratado.

[114] Compare-se o disposto no § 3º da CADH com o disposto no § 3º do art. 4º da CEDH.

[115] Art. 6º, § 3º, a.

[116] MEYER, Jan de. La Convention Européenne de Droits de l'Homme et le Pacte International Relatif aux Droits Civils et Politiques. p. 38.

[117] MEYER, Jan de. La Convention Européenne de Droits de l'Homme et le Pacte International Relatif aux Droits Civils et Politiques. p. 40.

[118] Art. 7º, § 3º, da CADH.

[119] SALDANHA, Nelson. Legalismo e ciência do direito. São Paulo: Atlas, 1977.

[120] Art. 7º, § 7º, da CADH.

[121] Art. 1º do Protocolo n. 4 à Convenção de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.

[122] Não se pode esquecer, porém, que há, em alguns países, teorias sustentando a natureza bilateral do lançamento tributário, o que seria suficiente para caracterizar as dívidas fiscais como contratuais.

[123] MEYER, Jan de. La Convention Européenne de Droits de l'Homme et le Pacte International Relatif aux Droits Civils et Politiques. p. 49.

[124] No Brasil, a primeira previsão de proibição da prisão civil por dívida consta da Constituição de 1934 e, atualmente está disposta no art. 5º, LXVII da Constituição de 1988. Entende-se que, de forma geral, o uso da restrição da liberdade dos indivíduos é medida descabida para compelir o devedor a realizar o pagamento da dívida. As duas exceções dispostas na CF/1988 tratam das obrigações alimentícias e do depositário infiel. A prisão civil do alimentante omisso não produz grandes debates. Em sendo o não adimplemento voluntário e inescusável, pode-se recorrer à prisão do alimentante, inclusive pela especificidade e pela demanda por tempestividade das verbas alimentares. Gilmar Mendes lembra que: “A segunda exceção prevista constitucionalmente dizia respeito à prisão civil do depositário infiel. Entretanto, a jurisprudência evoluiu e, com base no conteúdo do Pacto de San José da Costa Rica, não mais se autoriza a prisão civil sob tal fundamento.” (MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 639). Daniel Sarmento e Cláudio Pereira de Souza Neto sintetizam a questão da prisão civil por dívida no Brasil: “A consideração dos tratados internacionais sobre direitos humanos foi decisiva, por exemplo, para a alteração da posição do STF a propósito da validade da prisão do depositário infiel, vedada pela Convenção Interamericana de Direitos Humanos. O texto constitucional brasileiro alude a essa hipótese de prisão, ao determinar que ‘não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e do depositário infiel’. O preceito poderia ser interpretado de duas formas diferentes: como a imposição dessa modalidade de prisão, hipótese em que haveria atrito com a Convenção Interamericana; ou como a sua não vedação. Nesse último caso, inexistiria a colisão, pois se entenderia que a Constituição deixara ao legislador infraconstitucional a faculdade de estabelecer ou não a prisão do depositário infiel. Foi essa a interpretação adotada pelo STF, que evitou o surgimento de conflito entre a Constituição e o tratado internacional. Para a Corte, estando o Pacto de San José da Costa Rica acima da legislação infraconstitucional, a proibição por ele imposta à prisão em questão prevaleceria em relação a qualquer decisão do legislador em sentido contrário.” (SOUZA NETO, Cláudio Pereira; SARMENTO, Daniel. Direito constitucional: teoria, história e métodos de trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 452).

[125] Isto é, aquelas detenções decretadas para levar o detido à autoridade judiciária. Não se refere, então, aos demais casos de privação de liberdade previstos pelo § 1º do art. 5º (detenção por insubmissão a ordem judicial; detenção de menor; de doente portador de doença contagiosa; de doente mental, alcoólatra, toxicômano, entre outros).

[126] Art. 5º, § 4º da CEDH e art. 7º, § 6º, da CADH.

[127] PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. História e prática do habeas corpus: direito constitucional e processual comparado. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1979.

[128] VASAK, Karel. La Convention Européenne des Droits de l'Homme. p. 26. Conforme decisão de 03.06.1960 relativa ao pedido n. 653/1959. Também decisão de 19.12.1961 relativa ao pedido n. 920/1960. Recueil n. 8, p. 46.

[129] De fato, a Convenção exige um recurso efetivo frente às instâncias nacionais, tendo em vista unicamente os direitos por ela garantidos. Sobre este ponto: VASAK, Karel. La Convention Européenne des Droits de l'Homme. p. 27-29.

[130] Art. 7º, § 2º, da CEDH.

[131] Art. 8º, § lº, da CEDH.

[132] Como demonstra Marc-André Eissen, a Convenção Europeia (e este é também o caso da Americana) impõe obrigações aos Estados e aos particulares. O problema é que não prevê nenhuma sanção internacional direta à inobservância daquelas obrigações pelos indivíduos. EISSEN, Marc-André. La Convention et les Devoirs de l'individu. In: Annales de la Faculté de Droit et des Sciences Politiques et Économiques de Strasbourg. Paris: Dalloz, 1961. p. 167-194.

[133] Isto é, em face da vida privada e familiar dos seus cidadãos.

[134] Art. 8º, § 2º.

[135] Conforme a diferença de sentido: “arbitrária e abusiva”; “arbitrária ou abusiva”. A segunda fórmula favorece uma proteção mais precisa do direito à intimidade.

[136]Art. 2º do Pacto Adicional à Convenção Europeia. Art. 12, § 4º, da Convenção Americana.

[137] De qualquer modo, uma interpretação extensiva do art. 2º do Protocolo Adicional seria suficiente para incluir os tutores no universo de significação compreendido pelo termo “pais”.

[138] Art. 9º, § 1º, da CEDH e art. 12, § 1º, da CADH.

[139] A liberdade de “procurar” informações dá uma amplitude ao exercício do direito de expressão de pensamento não admitida pelo documento europeu.

[140] Art. 13, § 4º, da CADH.

[141] Art. 13, § 2º, da CADH.

[142] Art. 13, § 2º, “a” e “b”, da CADH.

[143] Art. 13, § 3º, da CADH.

[144] Art. 13, § 5º, da CADH.

[145] Decisão de 30 de maio de 1961. Annuaire, IV, p. 261.

[146] Decisão de 30 de maio de 1961. Annuaire, IV, p. 261. No mesmo sentido ver os seguintes casos: SITAROPOULOS AND GIAKOUMOPOULOS v. GREECE, Application n. 42.202/2007, julgado em 15 de março de 2012; CASE OF SCOPPOLA v. ITALY (No. 3), Application n. 126/2005, julgado em 22 de maio de 2012.

[147] Art. 23, § 2º.

[148] O art. 2º do quarto Protocolo Adicional dispõe que: “Quiconque se trouve régulièrement sur le territoire d'un État a le droit d'y circuler librement et d'y choisir librement sa résidence”. A fórmula adotada pela Convenção Americana é a seguinte: “Quiconque se trouve légalement sur le territoire d'un État a le droit d'y circuler librement et d'y résider en confomité des lois régissant la matière”.

[149] O texto europeu fala em “saúde e moral”, enquanto a Convenção Americana prefere utilizar a expressão “moralidade e saúde públicas”.

[150] Art. 2º, § 4º, da CEDH e art. 22, § 4º da CADH.

[151] Art. 3º, § lº, do quarto Protocolo Adicional.

[152] Art. 4º, do quarto Protocolo Adicional.

[153] Art. 22, § 6º.

[154] Art. 22, § 8º.

[155] Art. 22, § 7º. Sobre o direito de asilo ver: BARRETO, Luiz Paulo Teles Ferreira (Org.). Refúgio no Brasil: a proteção brasileira aos refugiados e seu impacto nas Américas. Brasília, DF: ACNUR; Ministério da Justiça, 2010; JUBILUT, Liliana Lira. O Direito Internacional dos Refugiados e sua aplicação no ordenamento jurídico brasileiro. São Paulo: Editora Método, 2007; CHUEIRI, Vera Karam; CÂMARA, Heloisa Fernandes. Direitos humanos em movimento: migração, refúgio, saudade e hospitalidade. In: Direito, Estado e Sociedade, v. 36, p. 158-177, 2010.

[156] SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Direito Constitucional: teoria, história e métodos de trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 450-455; CONCI, Luiz Guilherme Arcaro. Controle de convencionalidade e constitucionalismo latino-americano; SILVA, Virgílio Afonso da.  Integração e diálogo constitucional na América do Sul. In: BOGDANDY, Armin von; PIOVESAN, Flávia; ANTONIAZZI, Mariela Morales (Orgs.). Direitos humanos, democracia e integração jurídica na América do Sul. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 515-530 e MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Tratados internacionais de direitos humanos e direito interno.


Autor

  • Clèmerson Merlin Clève

    Professor Titular de Direito Constitucional da Universidade Federal do Paraná. Professor Titular de Direito Constitucional do Centro Universitário Autônomo do Brasil - UniBrasil. Professor Visitante dos Programas Máster Universitario en Derechos Humanos, Interculturalidad y Desarrollo e Doctorado en Ciencias Jurídicas y Políticas da Universidad Pablo de Olavide, em Sevilha, Espanha. Pós-graduado em Direito Público pela Université Catholique de Louvain – Bélgica. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Doutor em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Líder do NINC – Núcleo de Investigações Constitucionais em Teorias da Justiça, Democracia e Intervenção da UFPR. Autor de diversas obras, entre as quais se destacam: Doutrinas Essenciais - Direito Constitucional, Vols. VII - XI, RT (2015); Doutrina, Processos e Procedimentos: Direito Constitucional, RT (Coord., 2015); Direitos Fundamentais e Jurisdição Constitucional, RT (Co-coord., 2014) - Finalista do Prêmio Jabuti 2015; Direito Constitucional Brasileiro, RT (Coord., 3 volumes, 2014); Temas de Direito Constitucional, Fórum (2.ed., 2014); Fidelidade partidária, Juruá (2012); Para uma dogmática constitucional emancipatória, Fórum (2012); Atividade legislativa do poder executivo, RT (3. ed. 2011); Doutrinas essenciais – Direito Constitucional, RT (2011, com Luís Roberto Barroso, Coords.); O direito e os direitos, Fórum (3. ed. 2011); Medidas provisórias, RT (3. ed. 2010); A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, RT (2. ed. 2000). Foi Procurador do Estado do Paraná e Procurador da República. Advogado e Consultor na área de Direito Público.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CLÈVE, Clèmerson Merlin. Proteção Internacional dos Direitos do Homem nos sistemas regionais americano e europeu: uma introdução ao estudo comparado dos direitos protegidos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3722, 9 set. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25237. Acesso em: 16 abr. 2024.